domingo, 23 de junho de 2013

A Mentira - Capítulo 11: dia-a-dia


            O sexo fora fantástico, mas ambos sabiam que não derrubava nenhuma das barreiras ali presentes. Barreiras essas que um desconhecia a do outro. Ele achava que ela estava sendo falsa, fria e calculista como sempre, agindo de modo a seduzi-lo para ir embora assim que se cansar. Ela tentava entender o que o levou a se tornar um sádico e até que ponto isso explica seu comportamento estranho. Querer lhe dar palmadas naquele quarto estranho? Ok, podia entender como algo sensual, uma fantasia. Mas ser grosso a todo o momento, cheio de mistérios e...isso sim era inaceitável.
            Após o gozo ficaram por alguns minutos descansando nos braços um do outro e curtindo uma paz que não duraria muito. Logo ele se levantou e ela ficou observando-o ajeitar as roupas em silêncio.
            - Não vai me falar nada? – Ana questionou?
            - O que você quer ouvir? Que foi bom? Que você é tão linda e gostosa que eu poderia ficar aqui com você até não ter mais forças para respirar? Tudo isso você já sabe. Tenho certeza que um dos seus amantes já disse.
            - Certamente já ouvi coisas do tipo. – Não iria se humilhar negando nada. – Mas é sempre bom, ainda mais se vindo do homem com quem escolhi casar.
            - ‘Você é linda e gostosa. Eu já estou louco pra te foder novamente!’ Está ok assim? – Disse ele ironicamente.
            - Impressionante como você consegue ser desagradável, Grey, Você esqueceu seus bons hábitos no altar, acho.
            - Chega dessa bobagem, Anastásia. Nós dois queríamos foder, fizemos e acabou. Pronto! Sem drama, sem sentimentalismo. Agora, por favor, levante, se vista e vá para o seu quarto.

            Ela o olhava com mágoa...mas também com curiosidade. Quem era esse homem? Onde estava o jovem carismático por quem se apaixonou instantaneamente? Para evitar brigas fez o que ele ordenou.
            - Vai ser sempre assim? Você me bate, me come e manda que eu vá dormir sozinha naquele quarto sem vida?
            - Já te expliquei que não durmo com ninguém e você pode decorar o quarto como preferir.
            - Sim, claro. – Mostraria que ironia não era exclusividade dele. – Eu vou agora mesmo butique finérrima que vende móveis e decoração exclusiva...afinal é bem próximo. É só eu abrir um espaço na minha agenda na minha vida movimentadíssima.
            - É isso que está te incomodando? Não ter seus mimos e luxos? – Questionou ele com os braços cruzados.
            - Se quer mesmo saber, tem muita coisa me incomodando! A começar por não ter um marido! Além disso...não ter o que fazer durante boa parte do dia também.
            Ele não respondeu e saiu indo direto para seu quarto. Estava confuso. A mulher que se entregava a ele tão livremente, que parecia tão aberta a coisas estranhas e que lhe dava mais prazer do que qualquer outra conseguiu...poderia estar de alguma forma enganado?
            - Não! Não se engane Grey! Tem que ser ela...o mesmo charme e encanto que joga em você ela atira para todos. Foi assim que fisgou Emmett e o enlouqueceu, levando-o a morte. – Disse para si mesmo embaixo do chuveiro. Queria tirar o cheiro dela de seu corpo.
            O pior, pensava ele, é que mesmo após realizar a fantasia de espancá-la nas nádegas e foder com ela no ritmo que desejava, pouco tempo depois já a queria. Pela primeira vez se arrependia de mandar uma mulher se retirar aos seus aposentos. Se estivesse deitada em sua cama, esperando por ele, poderiam alongar a noite e ele seguiria mapeando suas curvas. Nunca quis tamanha intimidade, ela acabaria tocando-o onde não gostava, vendo cicatrizes que ele não gostava de explicar como foram feitas. Só Elena sabia de tudo.
            Mas o que faria agora? Dormiria? Como? Ia até ela e a seduziria no quarto que ela considerava sem vida? Não! Ela poderia ser experiente em sexo, mas não em sadomasoquismo e não poderia fazer nada além de baunilha com ela.
            - Será que ela está bem? – falou perdido em pensamentos.

            Dizendo que era apenas uma questão de justiça já que, mesmo sendo uma fera teimosa ela havia se submetido a ele, pegou um tubo de creme de arnica e foi até o quarto dela, entrando em seguida. Ela estava em pé, nua, na frente do espelho olhando as marcas vermelhas que deixava seu bumbum ainda mais lindo. Tinha lágrimas nos olhos.
            - O que você quer? – Perguntou.
            - Deite na cama.
            - Que eu saiba esse quarto é meu. Saia!  - Ela se afastou, parecia temerosa.
            - Não vou te bater mais. – Mostrou o frasco de remédio. – Não sou um inconsequente, Ana, e sei que você não está habituada com as sessões de spanking. Só quero te dar esse remédio.
            - Deixe na mesa, eu mesma aplico.
            - Deite na cama, Anastásia! – Por que tinha que ser tão teimosa?

            Mas qualquer teimosia era esquecida vendo a linda curva de seu traseiro, agora salpicado de vermelho. Não estava muito marcado, apenas rosado. Não devia estar doendo muito, mas, mesmo assim, espalhou carinhosamente. Ela se arrepiou ao toque e, muito lentamente, foi relaxando com aquilo que, na prática, era o primeiro ato de carinho de Christian que não visava nada. Não iam transar. Ele veio ali exclusivamente para lhe dar conforto.

            - Porque estava chorando? – Ele perguntou quando acabou o serviço.
           
Silêncio.

            - Fale Ana. Você não estava chorando quando eu a mandei ir para o seu quarto. Você não chorou enquanto eu te disciplinava. Diga o motivo.
            - Estou me sentindo usada e não entendo porque você me trata tão mal.
            - Você não é esse anjo que tenta aparentar, Anastásia. Por isso não se faça de inocente.
            - Você age como se eu fosse um demônio.
            - Eu descobri que você não é uma mulher confiável e não vou deixá-la me ludibriar como fez aos seus outros homens...comigo seu feitiço não terá sucesso.
            - O que eu fiz a você? Eu me casei...quero te fazer feliz.
            - Então me obedeça...é só o que pode fazer.

            Ele saiu novamente sabendo que ela voltaria a chorar. Pensava que não deveria ter dito nada, apenas ter entrado no quarto e exigido o que era seu de direito...mas aqueles olhos inchados de choro o haviam derrubado ainda mais. A cada dia ela conseguia colocar mais dúvidas onde antes ele tinha certeza.
            Após uma madrugada onde ambos não dormiram bem, na mesa do café da manhã havia uma tensão no ar. Uma tensão que poderia facilmente ser resolvida na cama, mas a que nenhum dos dois estava disposto a se entregar. Ele percebeu seu traje entranho e questionou a razão.
            - Vou dançar.
            - O que?
            - Dançar. Sempre fiz dança. Você não exigiu naquele seu contrato que eu me exercite? Então? A dança é o meu modo de fazer exercícios. E você? Vai para o campo?
            - Primeiro vou a cidade.
            - Eu também gostaria de...
            - Não! – Foi categórico. - No final de semana, se você se comportar, eu a levo.
            Sentindo-se como uma criança posta de castigo, Ana seguiu em direção a sala de ginástica onde pretendia dançar. Serviu para extravasar toda a energia acumulada. Ensaiou dança de rua e samba durante toda a manhã antes de tomar um longo banho. Depois foi ficar com Kate e sua linda filha. A nova amiga comentou algo que a envergonhou.
            - Eu vejo como ele é bruto com a senhora.
            - Não precisa me chamar de senhora, Kate. Somos amigas. Sim, meu marido está numa fase complicada...eu espero que seja uma fase apenas.
            - Eles sempre dizem isso. E nós acabamos sendo machucadas por eles. Tenho medo pelo futuro de minha Bianca. Tomara que ela também não precise suportar um homem violento. – Disse Kate, que demonstrava muita mágoa pelo que passou quando morou com a pai de sua filha.
            - Ela será uma moça esperta, nós vamos lhe possibilitar estudar e ter o que desejar da vida.
            - Eu estudei e ainda assim fui espancada por meu ex. Você vem de boa família, Ana, e aqui está, se submetendo a esse homem. Todos ouvimos você gritar, ontem. – Ela percebeu que falou demais. – Desculpe. Não devo me intrometer.

Era tão constrangedor.

            - Escute Kate...por algum motivo eu já gosto muito de você e confio como se fosse minha amiga há muito tempo. Mas mesmo assim não posso dividir detalhes sobre minha relação com meu marido. Só te garanto que não é o mesmo que você viveu. É muito diferente. Nós brigamos sim, eu gritei, mas ele jamais esteve descontrolado me espancando. Se um dia ele o fizer, eu me separo na hora.
            Enquanto elas conversavam, Christian estava na cidade fazendo algo que jamais pensou. Pedindo conselhos a um padre. O padre Henrique, o mesmo que tinha lhe dado a triste notícia do suicídio do irmão e que sabia o que ele fora fazer em São Paulo, o encontrou de cabeça baixa e preocupação nos olhos.
            - Ouvi falar de que voltou casado. – Comentou.
            - Sim. Eu a encontrei...e a trouxe.
            - Era isso que eu temia, Christian. Por que? Não percebe que só Deus pode dar ou tirar? Castigar ou não?
            - Eu não sou um homem religioso, padre. Eu mesmo castigarei Anastásia, ao meu modo. – Mas de algum modo já não estava tão seguro do que pretendia.
            - Não é certo. – Insistiu o padre. – Não lhe trará felicidade.
            - O que ela fez não foi certo.
            - Um erro não justifica o outro. – Logo o Padre percebeu que falava em vão. O ódio havia tomado conta do coração daquele jovem. – Ela confessou?
            - Não. E isso me irrita ainda mais. Se fosse honrada o bastante para assumir o que fez e pedir perdão...talvez...talvez eu pudesse deixá-la ir.
            - Como tem tanta certeza de que é ela? – Talvez a dúvida o fizesse parar com essa vingança que machucaria os dois.
            - Até a família dela sabe do aborto...a prima me disse o quão volúvel era e eu a observei...se atira para vários homens ao mesmo tempo, brinca com eles. É fútil, não teve pais que lhe dessem educação, foi mimada ao estremo pelo tio e...é linda e deslumbrante o bastante para enlouquecer qualquer homem.
            Para o padre não havia mais dúvida.

            - Você sente algo por ela, meu jovem. Algo bom. – Disse em tom de afirmação.


            Christian ia responder quando outro homem, moreno e forte, entrou na sacristia. Estranho, não o conhecia e ele o encarava fortemente.



- Bom dia Jacob. – O padre disse estendendo a mão. – Conheça o Senhor Grey. Jacob é tem uma fazenda criadora de cavalos de raça, além de empresas de logística.
            - Muito prazer. – Disse Christian estendendo a mão. O homem aceitou o cumprimento com frieza. – Cria cavalos? Estou interessado em comprar um.
            - Acabei de fechar uma grande venda...só estou com um e... – Dizia Jacob quando foi interrompido.
            - Ótimo! É um mesmo que preciso. Pode mandá-lo para minhas terras. Minha mulher sempre montou e...será uma boa companhia.
            - Sinto muito. Mas como estava explicando...esse animal não é muito dócil. Ainda mais sendo para se tornar montaria de uma dama...não é o animal certo.
            - Não se preocupe...minha mulher monta melhor que eu e você juntos. Saberá lidar com ele. – Ele tinha segurança disso. – Bom dia a vocês. Tenho uma colheita para liderar na fazenda.
           
            Christian não percebeu, mas deixou os dois homens bem descontentes. A falta de preocupação com a esposa junto com alguns comentários de que o ‘patrão’ era bruto com a esposa deixou Jacob com o pé atrás.
            - Acho que farei uma visita a Senhora Grey, Jacob. – Disse o padre.
            - Acho muito bom. Também irei levar o cavalo pessoalmente....alertá-la do perigo. – Ele tinha um tom amargo. – Já que o marido parece não se importar.
            - Eles têm problemas.
            - Mas Padre! Acabaram de se casar! Nunca vou entender alguns homens que não cuidam das suas mulheres.

            Jacob havia perdido a esposa quando eram ainda um casal muito jovem, à espera do primeiro filho. Era um homem bom, honesto e de família rica. Tinha muitas candidatas a segunda esposa, mas seu coração ainda era da que ele enterrou anos antes.

            - Eu tentarei ajudá-los, meu filho. – Disse. – Não se preocupe.
            - Eu sei Padre.


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