domingo, 26 de março de 2017

Vida Roubada - Capítulo 32

            Havia algo de muito estranho no ar. E Gabriela pressentia. Estava no ar, nos olhos de Samantha, na postura do homem que a recepcionou no quarto de hotel. Nunca vira aquele cliente, não era dali, não falava com sotaque russo, apesar de utilizar o idioma local. Era um completo estranho. O que não chegava a ser uma surpresa naquela área de atuação.
            Homens surgem e desaparecem após conseguirem o que desejam. Mas, aquele ali, aquele belo homem, em especial, parecia querer bem mais do que uma tarde de sexo. Talvez fosse justamente a beleza dele a desconcerta-la. Samantha não costumava lhe enviar para atender nenhum cliente como aquele, bonito, bem cuidado e dono de um sorriso sedutor. Aquele homem não precisa comprar por sexo, nem queria a companhia de uma mulher para ouvi-lo e passar o tempo.


                                                                                                     
            - Qual seu nome? – Ela tentou aproximar-se, sentindo um arrepio na espinha.
            - Informação desnecessária. – Ele respondeu, incomodado, mas mantendo o tom agradável. – Porque não começa tirando a roupa.
            - Pedido de cliente é ordem. – Ela lhe respondeu, decidida a por fim ao encontro o mais rápido possível.

            Lançou mão de todos os seus atributos para enlouquecê-lo e satisfazê-lo o mais breve que conseguiu. O indivíduo, sem nome e misterioso, teve o seu melhor na cama e não a decepcionou. Havia algo de muito agradável em ser tocada intimamente por alguém a quem teme. Caso pudesse, adoraria tê-lo como parceiro mais vezes.

            - Bem que me disseram que eu ia curtir a noite? – Ao vestir a camisa. Um sinal de que o tempo juntos ia chegando ao fim.
            - Fui tão bem recomendada assim?
            - Não exatamente...recomendada, eu diria. Mas recebi muitos alertas ao seu respeito.
            - Alertas? – O arrepio na espinha agora se tornava mais real. – Como assim?
            - Alertas. Avisos. Orientações. Chame como preferir. Certo é que fui bem avisado.



            Gabriela tratou de erguer-se da cama e começar a reunir suas roupas. Era hora de por fim naquele encontro, antes que o homem sem nome fizesse alguma besteira. Ainda colocava a calcinha, porém, quando sentiu-o pegá-la pelos cabelos e atirá-la contra uma parede.

            - O que...porque...? – Ainda zonza ela o viu se aproximar. – Pare!
            - Sinto muito. Tão bela, tão refinada. Eu poderia ter me divertido mais com você. Porém, negócios são negócios. – Falou e avançou sobre ela, chutando-a no dorso e na cabeça. A ideia não era ferir. – Você tem de morrer hoje.
            - Pare! Socorroooo. – Gabriela gritou e tentou esgueirar-se, mas percebeu que não tinha chance de escapar. Chegou a torcer por uma morte rápida. – Por que assim?



            - Ninguém irá ouvir seus gritos. – Ele ria e seguia com os golpes planejados e letais. A ideia era terminar rápido. – Porque alguém te odeia muito. Pra mim, seria bem mais fácil te dar um tiro na cabeça.
            O corpo de Gabriela Alencastro foi encontrado naquela noite mesmo pela equipe de limpeza do hotel. A notícia chegou à polícia russa, que, apesar do estado de extrema deterioração do corpo da vítima, por meio de um DNA, confirmou se tratar de uma procurada internacional. O responsável pelo estabelecimento declarou em depoimento que ela era uma garota de programa qualquer, ao que ele sabia e lá atendia clientes, como tantas outras. Jamais soube se tratar de uma bandida.
            Para Nikolay, a novidade teve sabor agridoce. Nunca a quis bem, a colocara naquela boate por uma sádica vontade de machucá-la, de tê-la subjugada no negócio que a fez enriquecer. Depois, quando soube que Gabriela tinha informações a respeito de Patrícia resolveu mantê-la ainda mais próximo. Não aceitaria colocar-se nas mãos da loura, mas, pretendia encontrar um meio de lhe arrancar as informações. Caso pudesse, pretendia buscar por aquela mulher, saber se estava viva e onde se encontrava. Agora, essa chance seria sepultada junto de Gabriela.

            - Quem era esse cliente? – Ele cobrou Samantha.
           


            - Não sei bem...um cliente qualquer, eu acho. – Samantha respondeu, contendo a felicidade que vibrava em seu peito.

            Nada poderia ter saído de forma mais perfeita. O cliente era na realidade alguém de sua total confiança e o único capaz de cumprir a tarefa exatamente como ela necessitava. Muitos teriam aceito dar um tiro em Gabriela. Mas ela precisava morrer de outra forma. Uma prostituta espancada não chegava a ser novidade, já um tiro atrairia muitos olhares. Atrair polícia era algo que ela não desejava. Além disso, da forma como ocorrera, Nikolay não tinha razões para desacreditar na sua versão dos fatos.

            - Justo ela...isso foi uma grata coincidência para você, não é?
            - Eu não estou triste, se é o que deseja saber. Nunca gostei dela. Mas o fato dela estar morta não tem nenhum dedo meu. – Afirmou ela, sem deixar a mentira comprometer sua afirmação.
            - É bom mesmo. Se eu descobrir que você armou isso serei bem mais cruel com você, do que fui com ela. Pode apostar. – A ameaça veio sem disfarce. E Samantha sabia o quanto Nikolay podia ser cruel quando desejava. – Se a polícia nos vincular a Gabriela Alencastro meu negócio será seriamente abalado.
            - Não temos o que temer. A polícia brasileira não dá conta nem mesmo dos bandidos que estão lá...agradecerão a morte de Gabriela e esquecerão tudo. Simples assim.



            Aquilo não se aplicava a Elizabeth Benitez. Mesmo em final de gestação e afastada da polícia, Elizabeth articulou um acordo com Sebastian Gonzáles a fim de encontrar Gabriela e desarticular mais aquele braço da quadrilha. Quem estivesse protegendo-a também logo seria preso. As boates indicadas por Sebastian foram mapeadas policiais da sua confiança iriam à Rússia participar da investigação junto da polícia local. Ela não ia pessoalmente devido ao seu bebê.
            Naquela noite, após deixar tudo esquematizado em uma reunião informal com Rebeca em seu apartamento, ela enfim conseguiu dormir graças às massagens oferecidas por Miguel. Não esperava ser acordada poucas horas depois por uma envergonhada e sonolenta Rebeca. Já sabendo a tempestade que se avizinhava, Miguel nem mesmo reclamou, apenas levantou-se para colocar a cafeteira em funcionamento.

            - Desculpe...eu sei que não devia te ligar a essa hora...Miguel deve estar furioso. – A amiga se desculpava, mas a colega de trabalho sabia ser importante ligar.
            - Miguel sabe que deve ser algo importante. Fale.
            - Parece que uma prostituta foi encontrada morta num hotel de quinta categoria... foi espancada até morrer, na Rússia. A confirmação do DNA não chegou pra nós ainda, mas...eu vi uma foto do cadáver...
            - Reconheceu Gabriela? – Choque, raiva e desespero cresciam no peito de Elizabeth.
            - É difícil de dizer...sobrou pouco pra olhar. Mas parece sim. E se o DNA confirmar, isso muda completamente os nossos planos. Porque iríamos para a Rússia procurar por alguém que está morta?
            - Para pegar quem a estava protegendo e agora resolveu descartá-la. Porque não me desse na garganta a tese de que alguém com poder mantido por Gabriela por anos se prostituía num lugar assim e, do nada, morreu. É simples demais. Gabriela não se rebaixaria assim por nada. Vá para a Central...eu já chegarei e remodelaremos tudo. Eu assumo o comando daqui.
            - Liz...desculpe mas...você está de licença. Tom não...
            - O que Tom quer não me interessa. Esse caso é meu! Quero ver ele tirar a mim e Benício da Central de Polícia! – Decretou e começou a se vestir, uma tarefa difícil diante daquela barriga.

            Miguel apenas conseguiu convencê-la a deixar que ela o levasse e lhe arrancou a promessa de que tentaria ficar pouco tempo em pé. Liz dividiu com ele o que se passava e viu um raio de tristeza passar por seus olhos. Apesar de tudo, ele e Gabriela eram primos e chegaram a conviver na infância. Era triste para ele ter aceitar que a familiar criminosa morrera de forma tão trágica.

            - Assim que tiver a confirmação, por favor, me avise. Madre tem o direito de saber...e como não há outros familiares, talvez tenhamos que nos responsabilizar pelo corpo. – Ele lhe pediu ao estacionar o carro na frente da sede da Polícia Federal.
            - É claro, assim que o DNA confirmar nossas desconfianças.



            Elizabeth encontrou uma preocupada Rebeca. A policial, apesar da experiência, estava impressionada pelo estado da vítima. Quem a matou, ou ordenou o serviço, a odiava demais. Aquilo era mais do que um crime passional. Havia um objetivo e esse era destruir o que Gabriela tinha de melhor, a sua beleza.

            - É ela, não preciso de DNA. – Liz afirmou, sentindo o estômago embrulhar. – Eu trocaria isso por ela viva à minha frente. Ela procurou por um final assim, mas não é a justiça...porque alguém lucrou com mais esse crime.
            - E o que faremos? Isso pode estragar tudo, inclusive o acordo com Sebastian. O juiz pode não homologar diante dessa reviravolta.
            - Ele vai homologar porque nós provaremos o valor das informações passadas por Sebastian. Além disso...não quero nem pensar no que ocorrerá se isso der errado. Bia conta com isso. Ainda mais que a sogra dela chegou ao Brasil, trazendo a filha dele e alugando Bia para tudo.
            - Deve estar difícil para ela segurar essa barra toda.
            - Deve...mas a Bia que voltou da Rússia é outra mulher, mas dura na queda. Ela não quebra ao primeiro vento. Você tinha que ver como ela enfrentou Rafael por Eva. Eu sou obrigada a reconhecer que Sebastian operou uma transformação em minha irmã. Ela parece pronta para travar qualquer luta, armada até os dentes, sabe? Estou orgulhosa de Bia. – Essa era o única fagulha de alegria que toda aquela história lhe trazia.
            - E você, como está? – Rebeca perguntou. – Desculpe dizer...mas sua aparência não é boa. E a barriga está tão baixa que eu não estranharia caso nascesse hoje.

            Elizabeth levou a mão à barriga e sentiu seu filho mexer. Torceu para Rebeca estar enganada, mas, no íntimo, tinha o pressentimento de que seu Benício nasceria logo. A paz crescia dentro dela ao se imaginar com o filho nos braços e nem mesmo as tão faladas complicações a que seu parto estava sujeito a assustavam. Que acontecesse o Deus desejasse. E, ela tinha fé, ele iria querê-la ao lado de Miguel e seu bebê.

            - Vamos trabalhar, nem que seja enquanto Benício permite. Preciso de informações sobre os estabelecimentos comerciais citados por Sebastian. Quero saber quais os negócios lícitos escondem os ilícitos e quem são os responsáveis. Quero dar nome e rostos a esses criminosos.



            Beatriz via os dias passarem, num tumulto incompreensível. Por um lado, seguiam num turbilhão de atividades e responsabilidades. No principal, porém, se arrastavam. Com a ajuda de Matt ela lutava na justiça pela retomada da guarda de sua filha. Enquanto isso tentava se reaproximar de Eva. Também recepcionara e instalara Angelina e Luísa num discreto e luxuoso hotel. Ali elas tinham a segurança e a privacidade que Sebastian exigia. Tudo pago por Sebastian, por meio de seu representante legal, Aristeu.
            Aquela parte de sua vida estava mudando rápido demais, de uma forma que ela não conseguia acompanhar. Seguindo ordens de Sebastian, Aristeu lhe abriu uma conta com valores aos quais ela considerava impossível gastar em toda uma vida. O advogado afirmou que era para as necessidades de Angelina e Luísa também, mas isso era uma simpática mentira.

            - Dona Angelina tem sua própria conta, com recursos fartos. E não me permite pagar nada. – Ela corrigiu o homem idoso.
            - Bom...o que posso lhe dizer. Apenas cumpro ordens. Se não quer, discuta com Sebastian no dia da visita. Mas eu, no seu lugar, aproveitaria de outra forma seu tempo juntos. Sebastian quer mimá-la, recompensá-la.
            - Não será com dinheiro...
            - Ele está preso! Não sabe quando sairá. Por enquanto é só o que pode te oferecer...seja menos rígida com esses conceitos éticos. A história de vocês não permite isso. – Aristeu opinou e se despediu.

            O argumento podia ser válido, mas não apagava o gosto amargo. Não queria depender de Sebastian, não financeiramente. Não quando no passado ele já pagara para tê-la na cama. Não quando ela já sentira tão duramente o peso de ser apenas uma mercadoria. Mas parecia não haver saída enquanto ele não fosse solto, a operação de Liz finalizada e poeira baixado. Afinal, procurar emprego como jornalista, naquele instante, seria andar em círculos pela cidade. Ela era a notícia, não a reportagem, naquele momento.
            Enquanto isso, visitava o namorado duas vezes por semana. E nos outros dias tentava tornar a estada da família dele em São Paulo o mais agradável possível. Luísa estava muito adaptada a ela e aparentava recuperar-se bem do choque sofrido com as poucas informações que recebeu. Já Angelina passava os dias entre muito sofrimento. Ao contrário do que Bia esperava, ela não se revoltou por nada que a nora disse em depoimento. Ao contrário, manifestava sua mágoa para com o filho. Suas explicações, dizia, não apagavam o mal feito.

            - Ele machucou pessoas. Manchou o nome que levou a vida construindo. Pior, no futuro, Luísa será cobrada pelo mau comportamento do pai. – A senhora recriminava.
            - Não seja tão severa com ele. – Bia intercedia. – Ele errou, mas se arrependeu e está ajudando a justiça. E...ele ama vocês mais do que tudo no universo.
            - Eu sei, minha menina. E agradeço todos os dias por você ter entrado na vida de Sebastian, para lembra-lo quais são as coisas e os sentimentos que realmente importam na vida. Mas amor não apaga os erros do passado. E ele tem dívidas a acertar. Não são poucas.

            Se a mãe era tão dura com Sebastian, pensava Bia, o que esperar da sociedade e dos juízes que decidiriam a vida dele? Sua apreensão só fez piorar quando Liz a avisou da morte de Gabriela. Um lado de seu coração sentiu alívio, felicidade até. Ela merecera a morte. Por dentro ela já era um ser sem vida. E até mesmo seu sofrimento era justo. Mas essa morte também complicava o acordo alinhavado por Liz e Aristeu. Caso o juiz decidisse que as informações oferecidas por Sebastian não eram importantes, o acordo não seria homologado e ele aguardaria o processo correr, na velocidade brasileira, preso.

            - Farei com que o acordo seja mantido. Confie em mim. – Elizabeth garantiu, mas, ainda assim, Beatriz seguiu apreensiva.
            - Está bem. Me ligue assim que tiver novidades, por favor. – Foi tudo o que ela conseguiu dizer.

            Duas arrastadas horas depois, Beatriz recebeu uma segunda ligação da Central de Polícia. Ela imaginou ser Liz com novidades do caso, entre o “alô” e a resposta do outro lado da linha imaginou uma série de novidade, umas positivas, outras nem tanto. Nenhuma delas se concretizou. Quem estava na linha era Rebeca.

            - Bia...preciso que entre em contato com Miguel e mande-o para a maternidade. Sua irmã entrou em trabalho de parto. – Avisou a amiga.
            - Ok...mas assim, do nada? Ela está bem? Teve algum estresse?
            - Essas coisas são assim, do nada, você sabe. Ela estava analisando alguns documentos e, de repente, as dores começaram. Chamei uma ambulância. Encontre Miguel.



            Encontrar Miguel não foi tarefa das mais difíceis. Complicado foi fazê-lo agir com tranquilidade. O médico de outrora tranquilo e ciente dos riscos, mas confiante, agora se tornara um pai e marido desesperado. Ser médico, naquele instante, o prejudicava. Qualquer outro homem olharia para Elizabeth e diria que ela era uma gestante como outra qualquer. Ele sabia o que os indicadores no monitor ao lado dela afirmavam. Liz estava com a pressão arterial muito mais alta do que qualquer parturiente poderia.

            - Eu acho que Francisca terá que fazer uma cesariana urgentemente, apressem ela, por favor. Minha esposa não está consciente, mas e autorizo o procedimento.
            - Acalme-se, senhor. A doutora já virá. – Uma enfermeira tentou mantê-lo controlado.
            - Não me acalmarei. Você sabe ler aquele gráfico ali? Se não sabe, jamais deveria estar nesse quarto, cuidando de pacientes! – Ele explodiu em resposta.

            A médica, que conhecia Migue há muito tempo, precisou ser firme e pediu que ele, naquele estado, não entrasse na sala de parto. Ele não aceitou, como ela já esperava.

            - Você tem uma escolha, Miguel. Acalme-se e entre, ou surte e fique aqui fora. Você é um médico, sabe o que acontecerá lá na mesa cirúrgica, não posso ter preocupações além das de colocar seu filho no mundo e manter Elizabeth em segurança.

            Miguel viu Liz ser levada e ainda falou rapidamente com as pessoas que lotavam a sala de espera. Ali estavam Bia, Matt, Patrícia, Rebeca e vários colegas da polícia. Havia um clima de muita apreensão, cujo próprio Miguel não conseguia deixar de alimentar. Todo o estresse que cercou Liz nos nove meses de gravidez pareciam agora cobrar seu preço. Ele viu medo em todos os pares de olhos. E, o pior, ele não tinha força nem certezas para dissuadir a ninguém.

            Ele entrou na sala cirúrgica e viu uma Elizabeth pálida e entregue às mãos da equipe médica. Ele percebia o esforço de todos. Mas também notava olhares preocupados. Não era um parto tranquilo ou alegre. Benício viria ao mundo cercado de muito medo.

domingo, 12 de março de 2017

Alguém Para Perdoar - Cap 17


Quando Márcia abriu os olhos, viu onde estava, com quem e em quais circunstâncias, decidiu que a ideia de fingir que tudo era sonho ou delírio teria de ser abortada. Tentou fechar os olhos o mentir para si mesma. Também foi impossível. Resolveu que iria esquecer. Mas então deu-se conta que a madrugada for boa demais para ela abdicar de suas lembranças.
Raul poderia não ser o homem mais fiel e leal da humanidade, mas, naquela madrugada juntos, mostrou-se um amante surpreendente. Um homem dedicado a fazer sua parceira aproveitar a noite, decidido a mapear seu corpo. Ela podia esperar muitas coisas daquele encontro sexual, mas não o que de fato ocorreu. Sempre definiu Raul como um homem objetivo, com uma sensualidade que beirava a frieza. Esperava prazer sim, é claro. Mas era como se acreditasse que passaria a noite com um especialista, um homem que já tinha dormido com mais mulheres do que conseguia lembrar. Talvez exatamente por isso, esperava uma fria eficiência.



O Raul que encontrou, porém, ia além da eficiência. Das 4h da madrugada às 7h da manhã, um minuto antes do sono pós orgasmo, ele dedicou-se a fazê-la se reconhecer como mulher novamente. E justo ela, que teve pouquíssimos amantes na vida e que não se lembrava de uma noite recente de puro prazer, viu-se perdendo o chão e gritando sem conseguir frear a si mesmo. Assim que chegaram ao quarto, ele impôs sua sedução. E se ela fosse sincera consigo mesma, reconheceria que gostava daquela mistura de estilos.
O homem bruto, que a jogou sobre a cama, despiu-a da camisola simples e a calcinha branca e abriu-lhe as pernas sem muita demora. Logo depois conheceu um Raul mais doce, capaz de lhe beijar ao longo das pernas e, ao encontrar sua intimidade nua, lhe oferecer o mais íntimo e explosivo carinho. Ela viu-se erguendo os quadris, implorando por mais, pronta para tê-lo completamente e teria implorado para isso...caso ele não tenha lhe impedido, deixando claro que aquele era só o começo.

            - Mulher gostosa como você não merece menos do que isso. – Ele provocou-a, num sussurro ao pé do ouvido, seguido por mordidas fortes que desceram por seu pescoço. – Cachorra. Claro que você quer mais.
            - Quero...quero. Preciso de você agora. – Ela respondeu
            - E vai ter. Fica de quatro. – Raul respondeu e viu-a desviar o olhar. – Vamos. Agora!
            - Não...assim... – Nunca, em anos de casamento, ofereceu-se ao marido em uma posição em que ficasse tão exposta. Não se sentia pronta para aquela ousadia. E gritou quando Raul a pegou pela cintura, virou de bruços e forçou seu quadril a apontar para cima. – Eu não quero...
            - Quer, só não tem coragem de assumir. – A palma de sua mão explodiu na lateral da coxa dela, gerando um arrepio que correu por todo seu corpo. A mesma mão apalpou a curva farta do quadril e explorou a região onde antes a boca esteve. Logo Márcia estava pronta para gritar novamente. – Gostosa. É prazer que você quer.
            - Não sou uma vagabunda. – Ela ainda lutava contra os próprios desejos.
            - Não é mesmo. É uma dama, uma mulher que está descobrindo a própria sexualidade. – Ele falava enquanto beijava a linha de sua coluna. – E eu estou bem satisfeito em participar dessa descoberta.

Foi impossível para Márcia não se sentir pelo menos um pouco tocada por aquela demonstração de conhecimento dele ao seu respeito.

            - Eu...eu quero você. – Foi a única resposta que ela conseguiu dar.
            - Ótimo. Então esqueça os rótulos. Dentro desse quarto nós somos um homem e uma mulher que se querem, nada mais.



            Ela se permitiu viver aquela madrugada de prazer. E não se arrependeu. Não porque foi gostoso, até porque o adjetivo estava muito longe de representar o que foi. Gostou de gritar em seus braços e gostou ainda mais de repousar abraçada a ele entre um momento e outro de prazer. Tinha breves momentos de sono e era despertada por uma mão carinhosa que afagava suas costas e lábios quentes que beijavam seu pescoço. Era irresistível começar tudo mais uma vez.
            Agora, definitivamente desperta, olhava para o belo espécime masculino semi desmaiado ao seu lado e simplesmente não sabia como agir. Estava mais relaxada do que conseguia se lembrar na vida, e igualmente apreensiva. Como poderiam se encarar agora?

            - Acorde Raul. – Ela disse assim que se vestiu. Eram 7h15min e isso significava que Raul não dormira sequer 30 minutos. – Acorde homem. Você tem de sair antes que Joaquim acorde.
            - Bom...bom dia pra você também Márcia. É muito cedo!
            - É hora de você chispar da minha casa. Se quiser tomar banho, que seja rápido. Logo Joaquim acordará.

            Ele optou por apenas jogar uma água no rosto e deixar o banho para o próprio apartamento. O detalhe é que pressa não tinha. Afinal, eram ambos desimpedidos e a ideia de ser pelo ali não o assustava.



            - Temos que conversar. – Disse à Márcia, já na porta, pronto para sair.
            - Não. – Ela respondeu, direta. – Agora você tem é que ir embora. Antes que meu filho acorde e veja o que você fez.
            - Eu não fiz sozinho e você bem que gostou. – A frase era dura, mas a expressão provocadora. – Estava bem interessada. Ainda mais porque estava com ciúmes de mim. Eu vou embora, mas vamos conversar sobre o que aconteceu e você não vai se livrar de mim.
            - Está bem. Depois falamos, agora vai embora. Mas antes...quero uma coisa. – E ali, encostado à parede da sala, ele lhe tomou mais um beijo. Lento, gostoso e de tirar o fôlego. – Você é mais que uma executiva ou mãe. É uma mulher bonita e com desejos. Na próxima vez podemos explorar outros...quero você com uma lingerie ousada. Tenha um bom dia.
            - Não vai ter próxima vez! – Ela disse e o viu entrar no elevador ignorando a resposta. Era uma mentira mesmo...e nem mesmo ela acreditava.



                O pior foi ao fechar a porta e se virar, encontrar Joaquim observando-a com cara de sono, mas bastante curiosidade.

            - O que você faz na rua mamãe...de camisola? – Ao menos ele aparentava não ter entendido o que acontecera.
            - Nada filho...era...era alguém que queria ir no vizinho e chamou na porta errada.
            - Mas ninguém tocou a campainha e eu ouvi você falando.
            - Eu já falei o que era menino. É feio duvidar da mamãe dessa forma. Vamos! É hora do café da manhã! Vamos antes que você se atrase para a escola.

            Joaquim não acreditou em nada do que a mãe disse. Em especial porque ouviu a voz de um homem...na verdade juraria ser a voz de Raul, o advogado de sua mãe. Mas ele nunca vinha ali e, quando vinha, não era tão cedo pela manhã. Bom, se ela preferiu não falar, deixa assim. Alguma razão devia ter.
            Enquanto Raul tomava banho sorridente no próprio apartamento e Márcia tomava café com seu filho, no orfanato, Marta percebia certa inquietação em sua “filha” mais rebelde. A menina não sabia da oficialização do interesse de adoção por parte de Rafael e Melissa, mas parecia estar antecipando ou pressentindo as mudanças que vinham em sua vida. Na noite anterior brigou com duas colegas e tentou sair no abrigo a noite, o que é proibido. Estava nervosa, ansiosa. Apesar de ver Tális praticamente todos os dias, sentia falta dos Gomide. Mas não queria reconhecer isso.



            - O que você tem, minha menina? – Ela sabia a verdade, mas achou melhor deixar que Isabely lhe contasse, quando julgasse conveniente.
            - Não é nada. – A menina disse, num padrão que a idosa conhecia bem. Marta esperou em silêncio pelo restante da resposta. Ela veio, um pouco engasgada. Doía assumir algo assim. – Eu...acho que...que tô com saudade...
            - Saudade? De quem?
            - De ninguém ora...não é uma pessoa...
            - Não? – Marta sentia vontade de acarinhar aquela menina tão ferida pela vida e que, apesar de tudo, conseguia sentir afeto. – Saudade pelo que então?
            - Do cachorrinho do Tális...eu dei comida pra ele. Chama Aladim ele.
            - E você está com saudade do Aladim? – Marta sorria da inocente mentira. – E você gostaria de visitar os Gomide? Para rever Aladim, é claro. Tenho certeza que Rafael ou Melissa não se importariam.

            A menina olhou-a, calada, sem nada responder. Ficou tentando encontrar uma resposta que não entregasse o que ela sentia. Não encontrou.

            - Querida. – Marta recomeçou. – Você não precisa se envergonhar de sentir saudade...de Aladim...ou Tális ou dos pais dele. Não é errado se afeiçoar aos outros, na verdade é algo lindo.
            - Mas eu não quero gostar deles.
            - E por que não?
            - Eles...vão acabar fazendo como os outros. – Enfim ela relatou o seu temor. – Eu não quero gostar deles não.

Marta jamais esperou que fosse fácil. E não fosse Melissa uma mulher muito obstinada e em quem ela confiava há bastante tempo, jamais teria criado esperança de ver, um dia, os Gomide dando um lar para Isabely. Com tudo o que aquela menina já passara, retirada de uma mãe perdida para a droga, quando ainda era muito menina para se defender, mas crescida o bastante para recordar dos horrores vividos e, depois, rejeitada por quem pensou em adotá-la, Isa não tinha muitas razões para saber amar. Dessa vez, porém, estava esperançosa, havia terreno fértil para o amor crescer naqueles corações, inclusive no de Aladim.

            - Você não irá saber o que eles sentem por você se não deixá-los se aproximar.  Antes de Isa oferecer qualquer desculpa, Marta tomou a frente, - Você não precisa morar com eles. O próprio Rafael já falou você fica aqui, comigo, que não abro mão da minha menina, e vai vê-los e vez em quando. O juiz liberará passeios Isa, como um apadrinhamento afetivo, não adoção. Se um dia você quiser ser filha deles e eles quiserem ser seus pais, então conversaremos. Poe ser assim?
            - E os outros?
            - O que tem eles? Eu estarei aqui, cuidando deles. E você pode ir e voltar quando quiser. Aqui é a sua casa. Sempre será. – Marta reiterou.
            - Pra sempre?
            - Eternamente. Não vê Emily? Cresceu aqui, se transformou numa mulhere e voou para ser feliz como gosta, cozinhando e criando sua família. Mas o Lar está e braços abertos para ela. E ela vem me visitar sempre que deseja porque eu serei sempre a sua mãe.



            - É, eu sei. Você se orgulha de Emily. – Havia um pouquinho de tristeza na voz de Isa.
            - Assim como sinto orgulho pelos seus feitos. E sentirei cada vez mais orgulho. Você verá. – A idosa incentivou. – Agora, se você concordar, o Senhor Gomide e sua esposa serão seus padrinhos. O que acha?
            - Eu concordo...mas só irei com eles quando eu quiser. – Decidida, ela impôs. – E não quando eles quiserem, ok?
            - Como a senhorita preferir, minha menina. – Marta era só sorrisos. Aos poucos, tudo encontrava seu ritmo.

            Assim que todas as crianças tomassem café e fossem para suas atividades ela iria acertar a papelada para o juiz e falar com Melissa. Com sorte, no próximo final de semana Aladim e todos na casa dos Gomide teriam a companhia de Isabely. E assim todo começariam a se habituar com a presença um do outro. E os laços daquelas família poderiam começar a se fortalecer.

                A manhã já estava na metade quando Nathan chegou no hotel onde Milena e Maria Fernanda passam a noite. Encontrou uma criança animada e uma mãe cheia de olheiras e preocupações.  Uma hora precisariam conversar e definir as coisas realmente, mas naquele momento preferiu aproveitar da companhia delas. Nas próximas horas, tudo o que planejava era fingir que eram uma família perfeita, curtindo um dia de folga.



                Começaram o dia indo a um advogado.  Precisavam consertar a certidão de nascimento de Maria. Poderia deixar qualquer coisa para depois, menos a inclusão de seu nome na certidão de nascimento da filha. Depois foram almoçar juntos, no Calderone, para que ele pudesse fazer alguns encaminhamentos no restaurante quanto elas degustavam a sobremesa. Quando voltou à mesa delas, Maria estava eufórica e ansiosa, gesticulando coisas que ele não entendeu, apesar de muito tentar.



                - Como você aprendeu a entender nossa filha? – Ele queria tanto, mas por mais que se esforça-se ainda era difícil.
                - Mãe entende tudo que a filha fala. Assim como você, mesmo sem saber, já atende todos os desejos e caprichos dessa pequena. – Milena brincou. Ela tinha de reconhecer que, apesar de tudo, Nathan estava tentando ser o pai que conseguisse. E ele estava indo melhor do que ela esperava. - Nada de mimá-la de mais e fazer todas as vontades dela. Ouvi?
                -Pode deixar. – Ele concordou, um tanto sem pensar.

                Logo que deixaram o restaurante, passaram pelo shopping. O plano era comprar algumas coisas para Maria, mas ela logo se encantou pelo parquinho infantil e lá ficou.

                - Você não precisa fazer todas as vontades dela, Nathan. – Milena lembrou-o.
                - Não. Mas eu posso fazer algumas. – Ele só queria ver a filha sorrir.

                Certos da segurança da filha, saíram para as compras. Algumas coisas para ela e outras para o apartamento. Viram a tinha para o quarto da menina, alguns itens de decoração e também brinquedos. Mas tudo sem exageros, Milena garantiu. Por mais que eles adiassem, antes de pegar a filha de volta, tinham de esclarecer alguns assuntos. Haviam dormido juntos e nada resolvido sobre sua vida. Depois, enfrentado Jonas e Lorenzo num embate que ainda fazia seu maxilar doer. Milena o havia defendido, mas depois negou-se a ir dormir com ele. Ela o estava deixando confuso.

                - Você pretende me ajudar a pintar o quarto ou prefere sair com Maria Fernanda? – Ele perguntou.
                - Você? Pintar um quarto? Tem certeza? É meio diferente de cozinhar. – Milena tirou sarro.
                - Eu. Tenho certeza que consigo. E será mais fácil e rápido que encontrar um profissional. Não confia?
                - Confio...e Maria vai adorar participar da brincadeira. Nós vamos juntos então.
                - Ótimo...família unida. – Nathan provocou.

                E então Milena pôs fim à brincadeira.

                - Nathan! Pare. Nós já falamos sobre isso e nossa relação só terá a ligação da nossa filha. Não existe família, não existe nós, eu e você. Existe uma mãe solteira e um pai recém chegado que poderá passar algum tempo com a filha.

                - Isso é o que você pensa. – Ele, enfim, respondeu. – Na verdade nem é o que você pensa. No fundo você sabe que ‘nós’ existimos sim, a noite que passamos junto foi bem real. E eu farei de tudo para que você perceba que gosto de você, que ainda te amo. E aí quem sabe você me perdoa pelo que eu fiz e me dá uma chance de verdade.

domingo, 5 de março de 2017

Ariella - Capítulo 26


            Dona Anitta recebeu seu visitante com olhos doces. Diego sempre lhe orientou a não permitir a entrada de estranhos. Mas, como ele estava fora já há vários meses, vivendo no Brasil junto de Ariella, os cuidados com a segurança vinham aos poucos sendo flexibilizados. Ela sempre dizia à portaria que deixasse os visitantes ou entregadores passarem, mesmo que não estivesse esperando ninguém, nem se lembrasse de conhecer alguém com o nome apresentado na entrada. Esse fora o caso.
            O belo homem que a olhava deveria ter por volta dos 30 anos. Tinha belos cabelos castanhos e usava a barba serrada, como se tivesse esquecido de se barbear por dois ou três dias. Alto e longilíneo, era do tipo de homem que atraía olhares por onde passava. E ela, apesar da idade, teria se lembrado, caso já o tivesse visto em outra oportunidade.



            - Eu não conheço você. – Afirmou e, por algum motivo, sentiu um arrepio descer por sua espinha.
            - Mas não vai se importar que eu entre, não é? Afinal...podemos nos conhecer. – Sorrindo, o homem afirmou. Charme ele tinha, inegavelmente. – Posso?
           
            Naquele instante, os inúmeros avisos de Diego vieram à mente de sua avó. Naqueles belos olhos havia malícia. Aquele sorriso mais escondia que mostrava. E com toda a força da qual dispunha, ela forçou a porta a se fechar. Ela seguiu pelo batente até que o homem a freou com o pé, já sem o falso sorriso.

            - Fica quietinha vovó. Não grita. – Quando o homem mostrou a arma que trazia presa à cintura, Anita pensou não haver nada mais a fazer.

            A menos que a segurança da casa, que estava lá na portaria houvesse desconfiado de algo, ela estaria perdida. Seria fácil sair dali levando o que quisesse tendo ela como refém. Porém, um assalto estava longe de ser seu principal temor.

            - O que quer? Leve o que desejar da casa. Só não me machuque.
            - Não quero nada da sua casa, dona. Nós vamos sair agora, dar um passeio e você vai ficar caladinha, tá bem?

            O plano era apenas dar um susto em Diego Bueno. Tudo combinado com Afonso Amaral. Ele nada precisaria fazer àquela simpática e frágil velhinha. Iriam sair, dar uma volta de carro pela cidade, ficar algumas horas fora. O suficiente para assustar os empregados e fazê-los alertar Diego do sumiço da avó. Assim, ele entenderia o recado e pararia de mexer em coisas do passado. Se a ameaça alcançasse Ariella, melhor ainda. Afinal, Afonso tinha certeza que a filha não hesitaria em lhe dar qualquer quantia em dinheiro para manter a família do marido em segurança e ele sobre controle.

            - A instabilidade de Diego Bueno é a minha principal arma. Minha filha faria qualquer coisa para mantê-lo bem e sabe que ele me odeia muito mais do que a ama. – Afonso tinha lhe dito, quando combinaram o serviço.

            Aquele era como o primeiro passo da última cartada de Afonso. Não era segredo entre seus antigos parceiros que ele estava falido, com poucas armas ao seu favor e em descrédito com a lei e, também, junto aos ilegais. Se não conseguisse dinheiro logo e em grande quantidade, seria preferível ser preso para não morto por seus antigos parceiros. Por isso o desespero de fazer algo, no pouco tempo que lhe restava.
            Algo realmente arriscado, afinal, Anita poderia conseguir sair daquela situação identificando seu suposto sequestrador, que tivera a ousadia de invadir sua casa pela porta da frente. Porém, a idosa pouco saía de casa e eles não tinham mais muito tempo de sobra. Arriscaram. E ele estava muito perto de descobrir que tinham ido longe demais.
            Apesar dos apelos de dona Anita para que a segurança fosse menos rígida do que seu neto gostava de impor, eles mantinham muita atenção a quem entrava, saía ou rondava aquela casa. Diego exigia receber relatórios diários e, após sua internação hospitalar, tudo só fez ficar mais rigoroso. Aquele desconhecido visitante entrou, afinal esse era o desejo da moradora, mas não sem ser observado passo a passo. E antes mesmo dele se aproximar da porta principal da casa, a segurança informou outra pessoa que lá estava de que deveria ficar atenta.



            Essa era Olívia. Após tantos anos zelando pelo lar dos Bueno, Olívia e Ítalo aprenderam que naquela família era importante estar sempre um passo a frente. Eles precisavam de apoio e sempre precisariam. Mesmo agora, quando enfim Diego e Ariella haviam encontrado a felicidade no Brasil, o passado parecia sempre tentar puxá-los de volta ao tempo de solidão, brigas, vingança e revolta.
            Há poucos minutos ela estava ao telefone com o filho. Murilo lhe disse estar bem, confessou que teve problemas no casamento com Dulce, mas que, aos poucos, se acostumavam às mudanças da vida, necessárias frente ao que aconteceu com todos em função do incidente com Diego. O que ainda mantinha seu filho apreensivo eram as conversas com Diego. O amigo, patrão e agora sócio mostrava-se convicto de que fora Afonso o responsável pela tentativa de sequestro que Ariella sofreu e por lhe dar aquele tiro, que o manteve hospitalizado por meses.

            - E você acha que ele está certo, meu filho? Diego sempre foi muito paranoico com o que se refere a Afonso Amaral. E tem motivos para isso. Ele sofreu muito na infância. – Ela tentou argumentar ao filho.
            - Eu não sei, mãe. Dulce acha que não passa de exageros dele, que Diego fez tanto mal a Ariella no passado que agora, ainda mais com ela esperando seu herdeiro, a trata como se fosse de açúcar. Mas...eu não sei. Tudo o que ele diz tem lógica. Quem invadiu a casa de Ariella o fez após preparar o plano muito bem...mas na hora H a presença dele estragou tudo. Não consigo imaginar que aquilo foi apenas um assalto.
            - Mas um pai disposto a ferir a própria filha por dinheiro...é...é coisa digna de um psicopata.
            - E eles existem mãe. Por isso, fique atenta. E cuide da vovó Anita, ela tem o coração bom demais para ver o mal. – Murilo aconselhou.

            O coração de Olívia também é bom, porém, mais calejado de sofrimento. E a vida ao lado de Ítalo a capacitou para enfrentar o que viesse pelo caminho. Por isso, quando logo após desligar a ligação do filho ouviu o interfone tocar teve uma premunição. O aviso de que uma visita estranha chegava e que precisava ficar atenta lhe calou fundo no peito. Talvez Murilo estivesse certo e Anita precisasse de muita proteção.
            Disse ao segurança que eles deveriam vir até a casa e retirar o homem, afinal, a ordem de Diego tinha de prevalecer a de Anita no que se referia a segurança da família. Ainda assim, não ficou tranquila. Ela caminhou até a sala, mas sentiu que precisava de mais, sozinha pouco faria. Sempre soube onde Diego guardava sua arma e munição e resolveu fazer uso dela. Ítalo a tinha ensinado a atirar muitos anos antes. E, mesmo que errasse o tiro, ao menos poderia assustar aquele invasor.
            Ainda se sentindo um pouco ridícula e torcendo para tudo não passar de paranoia, ela foi até a sala, pé por pé, evitando fazer barulho. A surpresa era nessas horas uma ótima arma. Ficou ouvindo a estranha conversa de Anita com o homem e viu suas últimas esperanças se esvaírem quando o homem deixou o fingimento e foi à aberta ameaça. Quando Anita se calou frente ao homem armado, porém descrente de enfrentar alguém disposto a revidar, Olívia adentrou a sala de arma em punho.

            - Afaste-se dela, agora. – Ordenou, com voz firme e que conseguia disfarçar muito bem seu nervosismo.
            - Calma tia...nós dois sabemos que você não vai atirar. – Naquele instante, o homem que veio ali buscando apontar a arma para alguém se viu na mira de uma mulher, que aparentava tanta força quanto fragilidade.
            - Não se engane. Eu atiro sim. E seria encarado como legítima defesa.

            Enquanto dava atenção à mulher e segurava Anita pelo braço, ele não percebeu a aproximação dos seguranças. Não pretendia atirar contra a idosa, entrara ali com seu rosto a mostra e tentativa de assassinato não era uma acusação a qual estava disposto a responder. Tudo se complicara. Ele percebeu que estava perdido. E quando os seguranças o renderam, ele entendeu que não poderia levar a culpa sozinho. Ele não era responsável por nada que ali acontecera e não arcaria com tudo sozinho.

            - Eu largo a arma, ok, eu largo. – Disse, serenamente. E ficou aguardando a polícia.

...



            Era noite no Brasil quando Diego ficou sabendo do que ocorrera. Na beira da praia, sob um luar claro e maré tranquila, ele repousava junto de Ariella. Estavam ali há pouco mais de uma hora, molhavam os pés, caminhavam próximo da rebentação e de vez em quando paravam apenas para trocar algumas carícias. Diego estava adorando aquele momento da gravidez, em que a barriga de Ariella ainda não estava grande o bastante para pesar e causar desconfortos, mas já estava ali, embelezando sua mulher.
             
            - Eu te amo, muito, mais do que um dia serei capaz de te explicar. – Ele lhe disse pouco antes de sentir o telefone vibrar.

            Todo o clima de romance, porém, foi esquecido quando Murilo ligou. Saber que a avó sofrera uma tentativa de sequestro, por um homem que invadiu a residência e lhe apontou uma arma, o desesperou. A raiva, que já era grande, alcançou seu ápice quando o amigo relatou que o delinquente já fora preso e ouvido pelo delegado responsável pelo caso, na Espanha. E seu depoimento deixava claro que seus temores eram reais e Afonso Amaral não desistira de ferir sua família.

            - Ele afirma que fora ali apenas para dar um susto em você, que não pretendia atirar contra dona Anita nem contra ninguém. O fato é que ele citou o nome de Afonso, o que colabora com a investigação da polícia brasileira. Agora, assim que a Espanha repassar as informações ao Brasil, Afonso Amaral deve ser preso.
            - É...pode ser. – Diego via tudo sob uma nuvem de ódio. A mesma que tomou conta de seu corpo durante anos e que o fez cometer tantos erros. Agora, ciente de tudo o que já ocorrera e de todo o sofrimento que causou, ele tentava se segurar. Mas não conseguia. – Eu mesmo vou resolver isso.
            - Como? Pare e pense, Diego! A polícia vai resolver isso!
            - Eu...não aguento mais esperar que isso termine. Ele não vai parar de tentar me destruir e ferir minha família. Ele...ele é um monstro. Eu vou desligar, Murilo. Cuide de vovó e de sua mãe, por favor. Elas não mereciam passar por isso.
            - Diego...elas também não merecem ver você fazendo alguma bobagem. Segure seu ódio, por favor. Você será pai em breve, pense no seu filho.



            Ariella não precisou ouvir o que Murilo dizia para entender o rumo da conversa. Mas ao observar a postura de Diego mudar, seus músculos enrijecerem e até mesmo o tom da pele se alterar, foi fácil entender o que se passava. Ariella parecia estar reencontrando o Diego frio e descontrolado de 10 anos atrás. Certamente tinha a ver com Afonso e fora algo muito grave a acontecer na Espanha.

            - Diego...se acalme e me diga o que aconteceu. Vamos, fale comigo.
            - Vamos pra casa, Ariella. Já estamos na praia há tempo demais. – Ele ignorou a fala dela.
            - Não me ignore, Diego. O que aconteceu.

            Ele não desejava tratar Ariella mal, ao contrário, seu desejo era afastar-se dela para não magoá-la naquele momento de dor. Mas olhar para ela naquele instante era como reviver todos os dramas do passado e lembrar o que o fez aproximar-se de Ariella.



            - Eu não estou pedindo, Diego. Estou mandando você dividir comigo o que aconteceu para te deixar dessa forma. Agora! Ou nós estamos juntos ou não estamos e, se por acaso a resposta for negativa, eu tenho algumas coisas para acertar nessa nossa relação.

            A explosão dela fez muito bem a Diego. O fez ver as razões para tudo ser diferente agora. Ele até poderia ser o mesmo homem o passado, com os mesmos dramas e temores, mas Ariella era outra, bem mais segura e disposta a lutar pela relação. Ele então a beijou e abraçou, num silencioso pedido de desculpas. Para só então falar o que estava em seu coração.

            - Seu pai mandou um comparsa invadir minha casa e sequestrar minha avó. Por sorte ele foi preso sem conseguir ferir ninguém e delatou Afonso. – Ele enfim resumiu, ainda tentando manter os sentimentos longe do relato.

            - Meu Deus! – Seu pai só poderia ter enlouquecido.
            - É provável que isso o leve para a cadeia. – Eles já estavam bem próximo da porta de casa quando Diego falou novamente. – Mas...eu não quero esperar...eu...Ariella eu preciso que você confie em mim.
            - Para que?
            - Eu...eu não posso ficar aqui esperando o mundo girar ao meu favor. Eu mesmo vou frear seu pai. Nós precisamos resolver isso, cara a cara. Não a mais... – Diego disse e então envergonhou-se de fazer isso com a mãe de seu filho. – Me perdoa. Eu sei que é seu pai...
            - Dane-se o meu pai! – Ariella gritou. – O que importa é você, nosso filho, nós! Deixe que a polícia resolva isso.
            - Não posso...eu vou pegar o primeiro voo para Argentina. E procurar o seu pai.
            - E fazer o que, Diego? Sair no soco com ele? Trocar tiros? Isso é inaceitável! Ok, eu sou obrigada a aceitar que meu pai é um maníaco, obcecado por você e nem um pouco preocupado comigo. E por isso mesmo você precisa ficar longe dele!

            Diego até gostaria de concordar. Mas não havia mais como.

            - Me perdoe, Ariella. Mas eu farei uma mala agora e vou para Argentina. Espero que você possa me perdoar por isso...
            - E eu? Qual sua sugestão?
            - Espero que você passo me perdoar e...e que fique aqui, em segurança, junto do meu filho.

            Ariella assistiu Diego subir e ficou pensando no que fazer. Tinha uma carta na manga e decidia se iria ou não usá-la. Diego não sabia exatamente onde seu pai estava. Ela sim, tinha boas desconfianças. Talvez fosse ela quem deveria por fim naquela situação.