segunda-feira, 24 de abril de 2017

Vida Roubada - cap 33

Cada incisão feita pela obstetra no ventre de Elizabeth pareceu lenta demais aos olhos de um ansioso Miguel. Esse, mesmo vestido adequadamente, em nada lembrava o médico capacitado para agir de forma fria naquelas situações. Ali estava o marido, o pai, que nada podia fazer além de esperar e confiar na perícia da médica. O tempo estava contra ele e por mais que tentasse se concentrar nos monitores médicos que o informavam da vida de Liz e Benício, os olhos fechados de sua mulher e o olhar contundente de Francisca pareciam maus presságios.



            O choro de seu filho bradou forte na sala. Apesar da ansiedade à sua volta, o menino parecia estar bem. E após um breve contato com o pai e a promessa de que muito em breve estaria recebendo o afago de sua mãe. Logo, porém, o pediatra o levou para receber os primeiros cuidados.



            Miguel viveu minutos de intensa alegria junto do filho, os primeiros da vida dele. Mas uma parte de seu coração seguia apreensiva. E só piorou quando percebeu que as suturas não estavam ocorrendo com a tranquilidade esperava. Liz sangrava muito. Apesar dos esforços incansáveis de Francisca, o parto não terminava como eles esperaram.
            A apreensão da equipe cresceu no mesmo ritmo que a pressão e os batimentos cardíacos de Elizabeth tornavam-se mais irregulares. Uma enfermeira pediu que ele saísse da sala, mas foi ignorada.

            - Eleve a dose. Não vamos perder a paciente. – Ele ouviu Francisca dizer a um dos assistentes.

            Aos olhos de Miguel, a luta estava sendo perdida. E naquele bater de coração cada vez mais frágil, sua vida também se esvaía. A liderança da BTez, o novo apartamento, seus dois filhos. Nada teria sentido sem Elizabeth. E era revoltante que, justo ela, passasse por algo daquele tipo, quando passou a vida lutando pelo certo, pela justiça e pelo melhor a todos os que amava. A vida estava lhe mostrando o quão injusta podia ser.

            - Se isso é algum castigo, meu Deus, que ele viesse apenas pra mim. Eu e Benício precisamos dela. Se eu não, ele a merece. – Apesar de jamais se considerar religioso, nesse momento, Miguel apelou para forças além das da medicina. – Ilumina as mãos dessa médica, meu pai. E não permite que Liz se vá. Não sei como viverei sem ela.



            Se foi a sua prece silenciosa ele jamais soube. Mas creditou a Deus o que se passou na sequência. Francisca conseguiu estabilizar o quadro e concluir a sutura da cesariana. Apesar das preocupações serem ainda muitas, após beijar a testa da esposa, ele permitiu que a mesma enfeira o retirasse da sala.

            - Eu vou cuidar do Benício enquanto você dorme um pouquinho. – Lhe disse, com o coração ainda doendo.
           
            O prognóstico, soube depois, era favorável. Elizabeth ficaria em observação por pelo menos 12 horas e era provável que necessitasse de doações de sangue. Mas iria sobreviver.

Uma semana depois...

            Os dias que se passaram, urgentes, acelerados e um tanto assustadores para Miguel. Ele teve de se dividir entre grandes alegrias e algumas tristezas. Benício viera ao mundo com saúde. Elizabeth passou por muitas dificuldades, teve um pós-parto difícil, mas, amparada pela família e por amigos, vinha se recuperando bem. Difícil era mantê-la longe de toda a tempestade que ocorria na vida dele.
            O corpo e Gabriela já havia chegado ao Brasil, entregue pelo governo russo. Porém, ainda não fora liberado. As autoridades brasileiras desejavam laudos contundentes do Instituto Médico Legal, para que nada capaz de comprovar uma morte proposital passasse despercebido. A teoria da polícia local de que se tratava de mais uma morte de prostitutas não convencia os brasileiros. Gabriela havia irritado muito alguém.
            Mas sem o corpo da prima para enterrar, aquela morte seguia pairando sobre os Benitez. A imprensa ainda o perseguia, criando problemas com Rúbia. Sua mãe já tinha lhe pedido para, utilizando os contatos de Elizabeth na polícia, tentar acelerar o processo e pôr fim aquele constrangimento público. Nada ele pode fazer. E manter Elizabeth distante do assunto tornou-se impossível.

            - Não quero que se preocupe com nada agora. Está de licença da polícia. – Ele a lembrava.
            - É de um problema na família do meu marido, a minha família, que estamos falando. Não da polícia.
            - Liz...
            - Eu tive um filho, Miguel. Não morri. O que o faz pensar que pode me excluir dos nossos problemas?



            Essa era uma luta perdida.  Miguel sabia que discutiriam em vão. Se não arrancasse informações dele, o faria de Matt, Patrícia ou Beatriz. Então lhe contou das pressões que Rúbia lhe fazia para que conseguissem deixar Gabriela ser esquecida. Na memória dela, a loura sempre seria a jovem de classe, bela e elegante, que chamava a atenção por onde passava e a quem seu pai, Javier, não cansava de tecer elogios. Agora, assim como ocorrera com o genitor, ela estava morta. Perdeu a vida de forma violenta após enlamear o nome da família. Rúbia jamais perdoaria Gabriela e seu pai por esse pecado, desrespeitar o sobrenome Benitez.

            - Diga para Rúbia vir visitar Benício e já conversar comigo. E tentarei lhe esclarecer quais os procedimentos estão ocorrendo e retardando a entrega do corpo. – Elizabeth ofereceu.
            - Elas quer vir mas...não ser se é bom. Você tem recomendação médica de não se exaltar.
            - Não haverá exaltação.

            O encontro que Miguem desejava evitar ocorreu poucas horas depois. Mesmo sem perder a típica prepotência nem fingir simpatia, Rúbia tentou ser agradável. O sofrimento de estar afastada do único filho lhe tinha endurecido o coração ainda mais. Ainda mais quando até mesmo Alejandra não lhe era mais tão próxima quanto no passado. E assim, Catarina com convivia com a avó da forma como Rúbia imaginou. Ela, que tanto sonhara com um neto, recebera dois quase juntos. Mas não conseguia  ser a avó de nenhum. E tudo o que mais valorizava, o bom nome da família, se esvaía em meio a descobertas policiais ofensivas.




            - Fico feliz que você tenha aceito me receber, Elizabeth. E também em ver que meu filho exagerou na preocupação. Você está visivelmente muito mais forte do que ele alardeia. – Mesmo quando tentava, Rúbia não conseguia tratar a nora com delicadeza.
            - Exageros, certamente. – Liz concordou. – Estou ótima. Tanto que já estou quase pronta para retomar meu posto na polícia federal e voltar a destruir a reputação de famílias de bem, como você costuma pensar que é a minha principal função.
            - Eu não esperava que você fosse se preocupar em dar atenção ao seu bebê mesmo.
            - Não, é claro. Eu espero que ele já saia independente do hospital e me tome pouco tempo.
            - A ironia não lhe cai bem, Elizabeth. Eu jamais lhe acusei de fazer isso por gosto. Mas a verdade é que desde o dia em que você invadiu a empresa fundada por meu marido para prender meu filho, jamais os Benitez tiveram paz novamente.
            - Você consegue relevar isso, Rúbia. O que não aceita é o fato de seu filho ter me escolhido como esposa.
            - Penso que essa discussão já não tem valor, ainda mais quando você acaba de dar à luz um neto meu, que eu ainda não conheço, aliás. Miguel me pune aonde mais dói ao não me deixar conhecer Benício sem a sua permissão.

            Talvez fossem os tão falados hormônios da maternidade. Ou então amor demais por Miguel. A hipótese mais possível, porém, era que o passado cheio de interrogações e a falta de uma família a infligissem a oferecer uma avó para Benício, mesmo que essa não se encaixasse no modelo sonhado pela maior parte das pessoas.

            - Ele será trazido para mamar em alguns minutos. E então poderá vê-lo...e as portas de nossa casa estarão sempre abertas. Desde que você aprenda a não interferir nas nossas escolhas.
            - Meu filho...sabe disso?
            - Ele saberá assim que chegar ao hospital. Foi buscar Catarina para conhecer o irmão. – Elizabeth sorriu diante do olhar de incredulidade da sogra. – Eu não sou de ferro, Rúbia. Sim, tenho ciúme e não o queria perto de Alejandra, em especial quando estou arrebentada numa cama e sem conseguir dar mais que dois passos sem gemer de dor. Mas aguento a dose, por amor ao seu filho.

            Não era a primeira vez que Rúbia admirava a força daquela estranha mulher. Agora, porém, percebia que era isso a atrair Miguel. Assim como Ramón passar a vida lhe dizendo que ela era como uma dama de ferro, bela e elegante para estar ao seu lado dos momentos festivos, mas firme o bastante para sustentá-lo nas tormentas. Era isso que Miguel buscava. E agora lhe estava claro que Elizabeth podia não ser a melhor esposa ou mãe. Certamente estava longe de ser a primeira dama ideal da BTez. Mas era a parceira adequada a Miguel, quem podia sustentar a união quando ele fraquejasse.

            - Me perdoe, Elizabeth. – Dessa vez, não houve amargor na voz de Rúbia, mesmo que o constrangimento se fizesse presente. – Eu não tinha o direito de interferir na vida de meu filho. E não tornarei a fazê-lo, de forma alguma.
            - Ótimo...mas não foi por isso que você veio, Rúbia. – Liz aceitava as desculpas. Mas tornar-se amiga da sogra era o último dos seus planos. Uma relação distante, fria e amistosa era o que de melhor podia oferecer. – Eu não tenho como agilizar a liberação do corpo de Gabriela. Mas fiz alguns contatos e, ao que tudo indica, ainda no final dessa semana você o receberá para os ritos funerais. Eu indico que você faça o que tiver de fazer, o mais rápido e discretamente possível, para que o assunto suma dos jornais rapidamente. Muitos olhares atrapalham a atividade policial.
            - Ela era minha sobrinha...um monstro que eu tratei feito anjo. Gabriela teve tudo. Pais amorosos, uma família descente, estudo, lazer, o melhor círculo de amizades.
            - E usou tudo isso ao pior. Não sei quem corrompeu quem nessa história. Se Gabriela levou o pai para o crime ou Javier a inseriu no crime. De qualquer forma, ao que tudo indica ela teve participação em sua morte.
            - Meu Deus! – Rúbia se assustou.
            - Sim...peço que mantenha isso em sigilo, mas é uma das conclusões policiais. Mais do que isso, sua sobrinha está envolvida ou é a responsável direta pela saída de mais de 500 brasileiras para abuso sexual na Europa. Grande parte nuca retornará à família porque morreu, seja assassinada ou devido a alguma doença, muitas vinculadas ao trabalho que exerciam. Tudo por dinheiro, muito dinheiro.
            - Eu li sobre sua irmã...
            - Sim, Beatriz é uma dessas mulheres. Por sorte, graças a obsessão que Gabriela passou a nutrir por mim, Bia está viva. Mas se engana, Rúbia, quem pensa que realizei essa perseguição a Gabriela por questões pessoais. Não! Não é por Beatriz. Porque ela voltou viva. É por todas as mães que nunca sequer saberão onde foi largado o corpo das suas filhas. É muito grave. E não será uma reputação familiar que poderá frear a polícia.
            - Eu entendo...obrigada...vou...vou esperar Benício e logo irei para casa. Obrigada por tudo.



            As visitas continuaram se sucedendo. Algumas difíceis, como Alejandra e Catarina. Não era fácil perceber o quanto as duas tinham em comum. Ambas amavam Miguel. E as duas levavam nos braços um filho dele. Elas trocaram palavras frias, rasas e apenas sociais. Estavam selando a paz, sem nenhuma proposta de amizade. Pelo bem das crianças, Elizabeth estava disposta a suportar uma presença distante de Alejandra.

            - Você resolveu se ficará em São Paulo? – Ela puxou assunto.
            - Ainda não...minha vida é em Barcelona. Eu só fiquei no Brasil na esperança de reconquistar Miguel e...bom...está na cara que isso não vai acontecer. Então...
            - Então você castiga Miguel mais um pouco afastando Catarina dele. – Elizabeth foi direta, como de costume.
            - Eu...não...
            - Devia pensar no sofrimento que suas atitudes impensadas causam, Alejandra.
            - Você está dizendo que gostaria que eu ficasse aqui? – Alejandra olhava a antiga concorrente como se visse algo de outro planeta.
            - Na verdade eu adoraria vê-la se mudar para o Oriente Médio. Mas isso faria Miguel sofrer porque levaria sua filha para longe. Eu cresci sem mãe e sem pai, sei o que é isso. E não me venha com esse papinho de que sua vida está na Espanha. Você largou toda essa vida por mais de um ano, para ficar aqui atazanando o meu casamento. Se quiser manter Catarina perto do pai, você valida seu diploma no Brasil e se estabelece no país. Não precisa sem em São Paulo. Pode ser qualquer estado que permita Miguel ver a menina após um voo curto. É desumano lhe tirar isso. – Elizabeth desabafou quando estava à sós com a ex-mulher de seu marido. E a assistiu ir embora sem dizer se seu esbravejar mudou algo.
            Outras visitas foram mais doces. Matheus embalou o pequeno Benício com o mesmo carinho que zelava por Elizabeth e Bia na infância. Aquela criança, assim como ocorrera com Eva, os aproximava ainda mais. De nada importava que Benício não tivesse o seu sangue, aquele garotinho teria o melhor padrinho possível, alguém capaz de dar a vida por sua mãe. Acompanhado de Paty, ele pode se aproveitar dos momentos em que o bebê pareceu encantado pela madrinha para conversar com Liz.



            - Você lutou muito contra isso, mas a maternidade te deixou plena. – Ele elogiou.
            - Sim...plenamente doída, inchada e com a cabeça cheia de preocupações.
            - Não diga isso. O que está te deixando nervosa?

            Com ele, não era necessário nenhuma máscara. Mais o que isso. Enganar Matheus era impossível. Ele cresceu ao seu lado. E enquanto ela fora construindo essa armadura, hoje parte de sua personalidade, ele foi descobrindo caminhos escondidos para chegar diretamente em sua essência.

            - Não é bonito dizer...é que...a maternidade pode ter me deixado plena pra quem olha de fora, mas fez uma confusão danada aqui dentro. Eu...olho pra ele e...meu coração explode de felicidade, de vontade de fazer dele um homem de bem, de lhe dar tudo o que nós não tivemos. – Seus olhos, cheios de lágrimas, expressavam um sentimento que não encontrava palavras.
            - Isso é ser mãe. Não é um problema.
            - É...só que tem outra parte de mim, louca pra sair desse quarto de hospital e ir pra polícia. Se eu disser isso pra Miguel ele vi me internar no hospício...mas a verdade é que minha cabeça está lá...mesmo que o coração fique com Benício. A investigação que eu liderei por anos está no ápice! E eu aqui...à mercê das mamadas de Benício.
           
            Ela logo descobriria que ninguém, nem mesmo Matheus, teria uma resposta para oferecer aquele dilema. A proporção correta entre a mãe e a profissional era uma dúvida pela qual a maior parte das mulheres passava. E somente Liz seria capaz de encontrar o seu cálculo perfeito.

            - Uma coisa de cada vez. Agora você está se curando e de licença. Pode seguir liderando sua equipe, mas a prioridade é a sua saúde e a sua família. Depois tudo se ajeita Miguel sabe que a policial que existe em você grita alto demais para Benício silenciar.
            - Eu estou com vergonha de pensar em trabalho agora...
            - Não tenha! Você ama o que faz. E cumpre tão bem sua função que um dia Benício dirá com orgulho que sua mãe é uma agente da lei.
            - Será mesmo?
            - Pode apostar. Eu o ensinarei certinho! Sou o padrinho!

            Beatriz foi uma visitante esporádica. Não que a relação com Elizabeth estivesse ruim. É que dividir-se entre os cuidados com a família de Sebastian, as visitas a ele próprio e a preparação para que ele enfim deixasse a cadeia não era fácil. As coisas de Miguel e Liz já tinham ido para o novo apartamento e quando eles fossem liberados do hospital, seguiriam diretamente para o novo lar. Assim, o apartamento antigo agora era apenas de Bia...e daqueles que ela receberia. Isso incluía Sebastian, sua mãe e filha. Isso significava transformar o antigo apartamento, tão simples, num lugar confortável a pessoas acostumadas com outro padrão. E usar o dinheiro de Sebastian para isso, o que a incomodava demais.



            Parecia estranho, mas fora a melhor saída que encontraram. O rico empresário, para ter alguma chance de sair da cadeia, precisava de residência fixa no Brasil. Esse endereço seria um apartamento registrado no nome da investigadora que lhe fechou as algemas. Voltas da vida a parte, Beatriz voltava a sorrir conforme o advogado de Sebastian lhe apresentava boas notícias. Em breve ele estaria em liberdade provisório. O acordo seria selado. Os melhores dias, para ambos, eram os que conseguiram ficar cara a cara.

            - Se soubesse o quanto estou desesperado para conseguir pôr as mãos em você. – Sebastian lhe disse após um beijo. – Nunca pensei que fosse possível sentir tanta falta da pele de alguém.
            - Eu e suas mãos estamos no mesmo local. – Bia respondeu, deixando que a barba por fazer a arranhasse levemente no pescoço.
            - Não. – A resposta não deixava margem à discussão. – Não aqui, com vigilância sobre nós, expondo você num lugar feito esse. Quando eu sair daqui e estivermos na mesma casa, você terá tudo o que merece do seu homem.
            - Meu? Gosto disso...
            - Que bom. – O papo lembrava o de jovens namoradinhos, mas eles tinham assuntos sérios. – Aristeu me deu boas notícias. Acha que em três dias saio.
            - Sim, ele me disse. Está quase tudo pronto lá em casa...o apartamento é simples, mas sua mãe e Luiza estão adaptadas e me ajudando a deixá-lo mais ao seu gosto.
            - Depois desse lugar, meu amor, seu apartamento não precisaria de reforma alguma. – Ela o olhava mais docemente e Sebastian estranhou. – O que foi?
            - Você me chamou de “meu amor” pela primeira vez. – Bia disse, ainda surpresa.
            - É o que você é...resolvi expressão em palavras.


            Três dias depois alguns fatos coincidiram. Logo pela manhã, numa quinta-feira ensolarada, Elizabeth deixou o hospital ao lado de um orgulhoso Miguel e carregando o saudável Benício. Matheus e Beatriz estavam junto, os acompanharam até a casa nova e assistiram o recém nascido deitar-se pela primeira vez em seu berço.
            Logo depois, porém, Bia e Miguel tiveram de sair, cada um com um sério compromisso. Ela tinha de ir buscar Sebastian, que seria solto nas próximas horas. Já Miguel fora avisado que, em fim, poderia enterrar sua prima. Matt e Patrícia ficaram com Liz, enquanto eles se foram. Miguel ajudaria Rúbia a realizar um breve velório e pôr fim aquela dor.

            - Eu prefiro que você não vá. Fique aqui, com Benício. É o mais sensato. – Miguel pediu pouco antes de sair.

            Não passou pela cabeça dela a ideia de obedecer ao marido. Isso, não foi surpresa para ninguém. Já a razão, essa surpreendeu a todos.

            - Gabriela era muito odiada. – Explicou aos amigos, enquanto via Benício dormir tranquilo.
            - E? O que isso significa? – Patrícia perguntou.
            - Eu não me surpreenderia se alguma dessas pessoas fizessem questão de estar lá, vendo ela ir pra debaixo da terra.
            - Liz...você não está pensando em...
            - Eu estou de licença da polícia, eu sei. Mas tenho o direito de estar lá...e posso aproveitar para analisar quem aparecer. Não há nada de errado nisso, há? Miguel não pode me impedir.


            Nada de errado, era o que dizia o sorriso irônico que cobria os lábios de Matheus. Miguel não gostaria nada se soubesse daqueles planos de sua esposa. Mas já estava na hora dele aceitar que se casara com uma mulher impossível de dobrar ou encaixar em regras comuns.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Alguém Para Perdoar - capítulo 18


            Os escritórios da JRJ nunca pareceram a Márcia tão sufocantes. Ela olhava para os documentos que precisava assinar, mas não conseguia encontrar concentração. Tinha de preparar uma apresentação para reunião com Jonas e Rafael e a inspiração não chegava. Até mesmo o café delicioso que sempre recebia na sala, naquela tarde, pareceu frio e sem sabor. O mundo parecia estar fora do eixo.
            Talvez fosse tudo culpa dela. Provavelmente era culpa dela. Mal saíra de um divórcio espinhento e ali estava, permitindo-se um envolvimento com ninguém menos que seu advogado. E um homem acostumado a dormir com uma mulher a cada noite, incapaz de manter-se fiel. Ela não podia estar pensando bem. Fechando o relatório, desistiu de ler o documento e resolveu sair da sala para espairecer. Não esperava, porém, encontrar Raul e sua secretária numa argumentação árdua. A garota insistia que ela dera ordem para não ser incomodada. Mas Raul sabia insistir.



            - Tudo bem. – Falou à secretária, tentando evitar um clima ruim nos corredores da empresa. – Entre Raul. Eu ia fazer um intervalo mesmo.

            Quando fechou a porta, porém, seu sorriso educado deu espaço a uma expressão dura. Bem lá no íntimo, Márcia reconhecia que vê-lo lhe fazia muito bem. Mas esse reconhecimento ficaria bem guardado dentro dela, por mais que isso lhe doesse o peito. Ela acreditava ser melhor sofrer agora que chorar no futuro por infinitas traições. E a vida já havia lhe ensinado como aquelas coisas funcionavam.

            - O que você quer?
            - Você tem que melhor a sua receptividade aos visitantes, querida Márcia. – Apesar da acolhida pouco simpática, Raul não se ressentiu. Na verdade, aquele jeito um tanto xucro de Márcia só fazia atraí-lo um pouco mais. Ainda mais agora que a conhecia na intimidade, por baixo dessa couraça tão falsa quanto aparentemente impenetrável. – Vim te ver. É tão difícil assim de acreditar?
            - Eu acredito, sem grandes dificuldades. Afinal, não é a primeira visita imprópria que me faz.
            - Imprópria? – Com um sorriso provocador nos lábios, Raul aproximou-se de Márcia até ficar cara a cara, afastar os cachos de seus cabelos e poder falar ao seu ouvido. – Eu acho que a visita foi bastante gostosa. Você tem alguma reclamação?

            Quando Márcia percebeu já estava encostada à sua mesa de trabalho, com Raul encaixado às suas pernas e a boca provando de seu pescoço. A sensação era tão gostosa que apenas a ideia de afasta-lo já doía demais. A sensatez lhe lembrava que a porta do escritório estava aberta e poderiam ser pegos naquela situação indecorosa. Mas seu corpo, traidor, lembrava-se do prazer oferecido por Raul e já estava desejoso por mais. Quando ele pousou uma de suas mãos na curva farta de seu quadril e desceu beijos pela linha de seu decote, alcançando o vale entre os seios, ela esqueceu os temores.

            - Não estou ouvindo reclamações. – Ele ainda a provocou.
            - Você sabe que mexe comigo. Não precisa fazer isso para provar nada. – Márcia respondeu, com a voz tremida e o corpo aquecido pela paixão.
            - Não precisa se envergonhar disso. – Ele agora colava-se ao corpo dela e mostrava o quanto seu corpo também ansiava por repetir o encontro anterior. – Eu quero o mesmo que você.



            Agindo feito adolescentes afoitos, apesar da idade e das responsabilidade, eles se entregaram ao beijo. Não algo roubado, nem discreto. Nada de selinho rápido. Um encontro apaixonado, digno de lhes tirar o fôlego. Márcia queria abraçá-lo com braços, pernas e todos os tentáculos mais que seu corpo permitisse. Raul sentia que estava indo demais e que, quando o furor passasse, ela iria culpado pela explosão sexual dentro do ambiente de trabalho. Mas ele também sentia o corpo reclamar por mais e chegar a doer, aprisionado dentro das roupas.
            Afoitos como estavam, a porta tornou-se a última preocupação. Minutos se passaram. Márcia não percebeu. E o horário marcado para encontrar-se com Jonas e Rafael chegou e foi embora sem que ela se desse conta. Ela sequer viu o celular vibrar. A executiva compenetrada dava lugar à amante apaixonada. Sem saberem o que acontecia e sem compreender o atraso, os sócios foram à sala da colega. Ela jamais se atrasava. Algo devia estar ocorrendo. E quando ouviram da secretária que Márcia e seu advogado estavam há mais de meia hora na sala dela, estranharam.

            - Será que devemos ir socorrer o rapaz? Invocada como ela é, acho que seria melhor. – Jonas brincou, passando pela secretária e indo em direção à porta.
            - Ela deve estar discutindo alguma ação pessoal importante e não pode nos atender. Melhor não atrapalhar. – Rafael disse.



            Era tarde demais. Após uma rápida batida na porta, Jonas abriu-a e deparou-se com uma nova versão de Márcia. A executiva, fria e durona, era pega num quem amasso com seu representante legal. A camisa social que chegara ao escritório impecável, agora tinha botões abertos e estava bastante amassada. E o penteado já vira melhores momentos.
            Quando Márcia enfim viu os sócios olhando a cena pouco apropriada, empurrou Raul e tratou de descer da mesa e ajeitar a roupa. Envergonhada, com raiva e disposta a qualquer coisa para livrar-se daquele constrangimento, ela se desculpou.

            - Eu...eu... sei que isso é inaceitável e.... – Começou enquanto via Raul ajustar a calça após recolocar a camisa.
            - Relaxe, Márcia. – Rafael minimizou o ocorrido enquanto Jonas só fazia rir da situação. Ele e Melissa já tinham feito coisas assim. E ele duvidava que algumas das visitas de Emily à construtora não tivessem tido objetivos semelhantes. Não era um pecado imperdoável, pelo menos na visão deles.

            Mas era constrangedor. E surpreendente. Sobretudo pela cena ser protagonizada por alguém tão cheia de regras quanto Márcia. Aquele advogado tinha mexido com ela de uma forma como ninguém esperava. Os sócios saíram, sabendo que o estranho casal, que agora se encarava de forma estranha precisava de privacidade.

            - A gente faz a reunião mais tarde, Márcia. Estaremos em minha sala. – Rafael saiu, levando com ele Jonas e toda aquela péssima sensação de invadir a vida alheia. - Não queríamos atrapalhar vocês desculpa.

            Como Raul já esperava, Márcia não demorou a culpá-lo pelo que ocorrera. E dessa vez ele reconhecia estar errado ou, no mínimo, ter passado do ponto. O que ocorrera ali seria o mesmo que serem pegos transando em pleno tribunal, à frente de um juiz e com uma plateia. Foi invasivo e deselegante para aquela mulher, uma dama que merecia mais respeito. Por isso, dessa vez ele não revidou seus questionamentos.

            - Está vendo o que você fez? O que vão pensar de mim agora? Vá embora, antes que eu te mate! – Ela gritou, indo para o banheiro anexo à sala para molhar e ajeitar os cabelos.
            - Está bem...você está certa. Desculpe-me. – Disse e saiu, caminhando.

            Márcia foi pega de surpresa. Fechou a torneira e voltou ao escritório.

            - Você vai sair assim, sem revidar, sem dizer que eu tive culpa, que poderia tê-lo freado se realmente quisesse e...
            - Não. Você sabe tudo isso. E, dessa vez você está certa em ficar furiosa comigo. Você...merecia mais respeito que isso. Não tenho como me desculpar...apenas posso dizer que não consegui me segurar porque...porque te quero, simples assim. É melhor eu ir embora e parar de atrapalhar p seu dia. – Aquele fora o mais sincero Raul que Márcia já tinha encontrado.
             - Espera! Ok, vá embora...mas espero você hoje para jantar lá em casa. – E aquele convite era a confirmação do que já não adiantava negar. - Precisamos conversar sobre tudo que está acontecendo entre a gente. E retomar seu caso de guarda.
            - A guarda, claro. – Raul já exibia um largo sorriso. – Eu estarei lá às 21hs, hoje à noite. - Até mais tarde, meu bem. - E antes de sair ainda roubou  um beijo dela que, feito menina, empurrou-o porta afora enquanto, na verdade, o que desejava era um repeteco do amasso de minutos atrás.



            Enquanto isso, Jonas e Rafael tentavam adiantar os assuntos que podiam ser resolvidos sem Márcia. O assunto, porém, não podia ser outro. Ao voltarem para sala de Rafael, eles riam da situação e lembravam de coisas parecidas, vividas décadas atrás, quando estavam na faculdade. A diferença estava na idade dos envolvidos.

            - Quem diria, aquela mulher durona, toda certinha, dando uns pegas, aqui no local de trabalho. As coisas mudam! – Jonas não cansava de achar graça no que presenciara.
            - Melhor essa Márcia que a certinha. Não acha? – Rafael argumentou.
            - Sem dúvidas, meu amigo. – Jonas voltou ao estilo normal e retomou a postura de executivo. - Agora vamos esperar ela para falar da nova obra, discutir os planos de custos e...

            Com uma batida bem menos discreta à porta, Márcia anunciou sua chegada. Estava recomposta, novamente bem vestida e até seu tom de pele havia voltado ao normal. Ninguém diria ser a mesma mulher. Mas ela não tentou ignorar o que aconteceu.

            - Se um de vocês falar alguma coisa sobre o que viram, nem queiram saber o que faço. Fui clara? – Era a velha Márcia de volta. Rafael e Jonas só conseguiram rir feito meninos.
            - Opa! Não queremos saber. – Rafael não resistiu à piada. - Nossas esposas não iriam gostar.
            - Dá para parar de graça? E vamos começar logo a trabalhar.

            Porém, foram interrompidos pelo celular de Rafael, que atentou a ligação. A fala foi breve, mas ele pareceu estar preocupado e assim que desligou parecia outro homem, pouco aberto a brincadeiras.

            - Peço desculpas, mas terei de sair para um compromisso pessoal.



            O compromisso de Rafael era mais do que simplesmente pessoal. Era algo familiar, ou assim ele esperava. Quem lhe telefonou foi Marta. E quando ela ligava era por algo bastante importante. Aquela senhora tinha a imensa responsabilidade de zelar pela criança que ele, Mel e Tális queriam em sua família. Por isso, a ligação dela seria sempre uma prioridade.
            Dessa vez, o que ela precisava não podia ser resolvido numa ligação rápida. Marta pediu que ele fosse ao abrigo para conversarem sobre as inseguranças de Isabely. Além disso, ela pediu que ele fosse sozinho. Afinal, por mais bem intencionada que Melissa fosse, ansiosa como estava, ela poderia atrapalhar a menina.
            Ao chegar ao local e discretamente se encaminhar ao escritório de Marta, Rafael soube que seu filho ali estava também, no pátio, conversando com Isa. Pediu que eles não fossem avisados de sua visita. Melhor resolver os assuntos de adultos enquanto eles se divertiam. Cada vez mais ele se sentia feliz em saber que o filho acolhia tão bem aquela menina.
            Marta começou a conversa lhe relatando o que ocorria com Isabely, suas angustias e medos, tão típicos daquela fase da vida. No caso dela, porém, eles eram exacerbados pelas tristezas vividas. E superar não era uma tarefa simples. Isa precisava de uma família. Mas também precisava de uma rotina estável. E tê-los como pais significava abrir mão daquela rotina.

            - Ela tem medo de deixar as outras crianças do abrigo. Por isso, sempre que uma possível família adotiva se aproxima, ela foge. Isabely tem medo de perder o único lar de verdade que já conheceu e, depois, descobrir que a família é como a sua biológica ou as quais passou depois. – Marta relatou. – E tudo isso está fazendo muito mal para a cabecinha dela.
            - Eu entendo o que me diz, Marta. Mas não sei como resolver isso de imediato. Essa confiança só virá com tempo. – Rafael argumentou.
            - Eu sei, querido. Mas como mãe de tantos, que sempre serei, tenho meus temores. Preciso me certificar de que realmente cuidarão dela.
            - O que preciso fazer para que confie em minha palavra? Não estou brincando aqui, Marta. – Rafael estava quase ofendido com a desconfiança. Jamais brincaria com os sentimentos da criança.
            - Apenas peço que pense bem. – Marta temia a reação de Rafael, mas precisava ser direta. – Veja, eu conheço Isa. Sei que ela pode ser muito difícil, sobretudo quando quer afastar uma família...ela exige firmeza e amor na medida certa. E a tendência das famílias é não aguentar essa pressão. O resultado é mais sofrimento pra ela. Isa não suportaria outro abandono.
            - Ela não será abandonada. Agora sou em quem pede, Marta. Confie na minha palavra. Eu quero ser um pai de verdade para Isabely. Quero amá-la e educá-la. Melissa a quer. Tális a quer. Não vamos desistir, independente da dificuldade.

            O coração de Marta acreditou naquela afirmação tão segura. Estava segura de aquele era sim o melhor caminho para sua menina e que, quando as dificuldades chegassem – elas viriam, sem dúvida – aquela família saberia enfrenta-las.

            - Ótimo. Era tudo o que eu desejava ouvir. – Marta festejou. – E então, se é assim, penso que não temos porque esperar mais. Vamos entrar com o pedido de família acolhedora. O senhor concorda?
            - É claro! E tenho certeza que minha esposa também concorda. – Já que era assim, ele teve uma ideia. – Então, será que esse final de semana a Isa pode ir lá pra casa?
            - Vou falar com ela e providenciar a papelada.
            - Ótimo. Enquanto isso, acho que vou ao pátio ver as crianças.

            Crianças talvez não fosse o melhor termo. Tális conversava com Isa sobre os novos jogos de vídeo game que comprou. Depois falaram da escola. E continuaram trocando ideias sobre suas bandas favoritas. Eles estavam naquela fase de transição em que não se tinha maturidade o bastante para ser adulto, nem se desejava permanecer criança.
            Rafael passou alguns minutos observando-os e, só se aproximou quando viu o filho atender ao pedido de algumas crianças mais jovens e se afastar de Isabely para jogar futebol com as crianças. Passo a passo, com quem se aproxima de um velho amigo. A diferença é que, em geral, as reações de velhos amigos podiam ser esperadas. Já as de Isa eram sempre surpreendentes.

            - Posso me sentar aqui com você? – Começou perguntando.



            - Claro. Seu filho tá ali.
            - Eu vi. Quero conversar com você mesmo. – Rafael disse e ficou observando a menina. Ela não fugiu do seu olhar. Tinha fibra, queria enfrenta-lo. E nisso se parecia muito com Melissa. – Isa, quero lhe fazer uma pergunta e desejo que você seja sincera.
            - Tá legal. Pergunta o que quer saber.
            - Você gostaria de ir lá pra casa? – Tomando fôlego, como um adolescente afoito, ele falou num sopro só. – Não me refiro a visitas, nem a finais de semana esporádicos, mas em morar, de verdade, todos os dias. Nós seremos seus pais e você pode vir aqui quando quiser, para visitar.
            - Meus pais?
            - Seremos a sua segunda família... você pode vir aqui quando quiser. Basta pedir, nos avisar apenas. Não precisa fugir. Você é livre para fazer o que quiser. Aceita?

            Um silêncio pairou no ar. Pareceu bem mais longo a ambos do que realmente foi. Nessa hora, Tális vê seu pai e mesmo de longe percebe o clima pesado entre eles. Por um momento achou que estivessem brigando, mas, quando se aproximou e ouviu o que falavam, não resistiu a intervir.

            - Fala! Vai Isa! Aceita. – Ele gritou para a amiga, soando como quem brigava com uma irmã. – Aceita logo Isa!
            - Não a pressione Tális. – Rafael corrigiu o filho. - Essa é uma decisão difícil, que deve ser tomada por Isabely, sem pressões. Só cabe a ela.
            - Tá bem. – O menino aceitou, um tanto amuado.
            - O que me diz? – Rafael voltou a perguntar. - Você não irá agora comigo, porque precisamos da autorização do juiz, mas no final de semana você já poderá ficar conosco. Aceita?

            Isabely ainda não estava segura para responder. Por um lado queria ir. Mas uma parte sua também desejava ficar. E essa insegurança a angustiava. Se fosse poderia perder Marta e todos os que ali estavam. Se ficasse iria magoar Tális e deixar de viver algo que, caso fosse sincera, reconheceria o quanto lhe faria falta.

            - Aceito sim...eu vou pra casa de vocês. – Ela enfim respondeu. - Mas as condições são as mesmas que já conversamos hem...não vou ser a filhinha boboca de vocês. Marta vai sempre ser a minha mãe...eu só vou passar mais tempo com vocês. Tenho casa!
            - Ok...a gente pode aceitar as suas condições. – Rafael respondeu, abraçando a nova filha e sorrindo para Tális.

            Uma família estava nascendo. E tudo o que ele queria era correr para casa para contar a Melissa tudo o que acontecera. Afinal, cada passo dado por ele era realizado pela felicidade de Mel. E fora ela quem primeiro enxergou aquela família com mais uma integrante.


...
            Em outro ponto de São Paulo, num apartamento bem mais fino e bem mobiliado, outra família era formada. Com muito jornal espalhado pelo chão. Tintas alcançando bem mais que paredes. Roupas remangadas. Muita sujeira. E sorrisos sem fim. Assim estavam Milena, Nathan e Maria Fernanda. A pequena estava realizada junto de seus pais.
            Quando o quarto de Maria no apartamento de seu pai enfim ficou pronto, Nathan percebeu o quão feliz foi aquela tarde junto da família. E, também, como aquela noite avizinhava-se triste após elas irem embora. Talvez essa sensação de vazio dentro do peito fosse o que seus amigos da juventude comentavam após encontrar a mulher de suas vidas. Quando ele, solteiro, queria sair e eles não, os comprometidos afirmavam sentir a falta delas em cada minuto longe das amadas. Naquela época ele não entendia. Hoje sim.



            - Vocês podem tomar banho aqui enquanto eu preparo o jantar. – Ele já tinha lhes dito para dormirem ali, mas Milena negou sem lhe dar nenhuma possibilidade de argumentação.
            - Não temos roupas. – Foi a melhor desculpa que Milena conseguiu dar.
            - Emprestar uma camisa para você não é problema. E tenho certeza que podemos encontrar um jeito de agasalhar Maria. Ou prefere ir para o hotel suja desse jeito?
            - Está bem. Mas é só um banho e depois jantar nós iremos embora.

            Não nos planos de Nathan. Mas por enquanto ele se sentiu satisfeito com a batalha ganha e preferiu não responder.

            - Podem usar o meu banheiro. Lá tem o que vocês precisam. Vou pegar algumas roupas. – Nathan então resolveu provocar. – Também vai querer uma cueca?
            - Pode ser. – Um tanto vermelha, Milena entrou na brincadeira.



            Quando voltaram, Milena e Maria encontraram uma mesa posta. No ar o aroma do jantar aumentava a fome de todos. Ao olhar pai e filha juntos, Milena reconheceu que dificilmente iriam embora naquela noite. Primeiro porque Maria dava sinais de que logo adormeceria. E também porque eles queriam a companhia um do outro. E ela nisso tudo? Era essa a preocupação de Milena. Porque a relação de Maria Fernando e Nathan parecia a cada dia mais forte e clara do que nunca. Difícil era entender a relação dos adultos.

            - Está muito gostoso o jantar. Obrigada. – A educação nesse caso era quase como um muro, correto, porém frio.
            - Não precisa agradecer. Só estou alimentando minha família.
            - Nathan...
            - Não adianta reclamar porque falei a verdade, Milena.


Seria uma noite longa...