sábado, 31 de outubro de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 30



            Era tempo de se recuperar. Dias se passaram. E em cada um deles Emily viveu a alegria de sentir-se um pouco melhor e a tristeza de perder algum instante do desenvolvimento de Bernardo por estar presa à cama. Além de ter o coração a cada momento mais apertado pela distância de Vida. Sua amada filha estava há quase um ano em seus braços e lhe era cada dia mais importante. Por eles e por Jonas ela lutava e mantinha a fé de que aquela tempestade estava perto de acabar.
            Ainda no hospital, recebeu muitas visitas. Seus sogros, Giovanna e Leonel, e os pais deles, Francesco e Ângela foram os primeiros. Bernardo ganhou afagos de todos. Giovanna e Leonel lhe garantiram que ele era uma cópia de Jonas quando recém nascido. Isso fazia Jonas corar e, orgulhoso, garantir que seu filho seria criado como um Vicentin, com valores e muito amor. Mas ninguém ficou mais emocionada que vovó Ângela. Ela embalou o bebê com braços fortes e acariciou-o com mãos suaves. Estava emocionada. Amava Vida e Clara, mas em Bernardo via seu sangue ter continuidade.

            - Bel ragazzo. Un Vicentin. Benvenuto. – Salvou a idosa dando boas vindas a Bernardo.

            Quem também apareceu foi Marta. A senhora chorou ao ver Emily no leito do hospital e fez a filha também derramar lágrimas. Elas se conheciam há tantos anos, desde que Emily lhe foi entregue por uma assistente social, um bebê lindo e cheio de amor para dar. Quase quarenta anos se passaram e a filha se tornara mãe, abrindo caminho para Marta ter a experiência se ser avó. Ela que jamais deu à luz a um filho, mas criou tantos, recebia Vida e Bernardo como seus netos. E como avó orgulhosa, sorria e afagava o neto que suspirava em resposta e se aconchegava.

            - Abençoado seja. Que Nossa Senhora te cubra com seu manto e proteja de todo o mal, meu neto. – Ela então acariciou Emily. – E você, minha filha, como se sente? O que Leonor disse?
            - Estou bem, mãe. Na medida do possível. O mais difícil é ver Bernardo ser levado ao berçário porque eu não estou forte o bastante para lhe dar o que precisa. Ficar nessa cama me mata. Mas eu sei que é necessário.
            - Você é forte, vai superar isso. Eu sei que vai. – Marta nunca duvidava da força de vontade de Emily. Conhecia a filha bem demais para isso. Emily tem fibra para conquistar tudo o que deseja.

            A próxima visita foi feita por Melissa e Rafael. O casal preferiu esperar um pouco mais, afinal os familiares deviam estar mais ansiosos. Como certos assuntos só amigas podiam ter, Rafael e Jonas deixaram as mulheres sozinhas e, no corredor, aproveitaram para conversar. Rafael não perguntou, desejava manter o amigo sem pressões. Mas estava curioso para saber se Jonas realmente abandonaria JRJ Construtora.

            - Eu estou de “Licença Paternidade”, por pelo menos mais quatro meses. Depois verei quais atitudes tomarei. – Jonas puxou o assunto. – Mas sei que tenho responsabilidades na construtora. Se você e Juliana ficarem sobrecarregados...
            - Não se preocupe com isso agora. Nós vamos nos virar. Não sei é como vou ficar de Juliana resolver viajar. Mas acho que isso ficará para o próximo semestre.
            - Ela quer viajar?
            - Me falou a esse respeito ontem. Está pensando em cursar um mestrado profissional na Alemanha.
            - E você não está chateado por isso?
            - Não posso frear as decisões de vocês. Se Juliana está precisando de um tempo fora e isso lhe fará bem, ótimo. Espero que volte bem e feliz. Assim como espero tê-lo novamente na construtora após a licença. A JRJ precisa dos três, mas dos três bem.

            Faltava uma visita. Jonas e Emily estranharam a demora de Lorenzo e Jéssica aparecerem. Quando eles vieram, estavam diferentes, mais unidos e atenciosos um com o outro. Emily olhou bem para Jéssica. Havia algo de errado. Ou de muito certo. Quando Lorenzo abraçou Jéssica pelas costas e pousou ambas as mãos em sua barriga, Emily desconfiou. Não disse nada, apenas trocou um olhar com Jonas. Ele também havia percebido.




            A notícia oficial só veio após Jonas passar para os braços de Jéssica um sonolento Bernardo. Os olhos da jovem ficaram cheios de lágrimas. Jéssica estava muito emotiva e ter um recém nascido nos braços não só a lembravam que muito em breve ela e Lorenzo também teriam um bebê, como também trazia recordações de um período triste e solitário, ocorrido nos primeiros dias de Clara. Quando percebeu, Jéssica chorava esquecendo-se de quem a olhava.

            - Jéssica? – Lorenzo firmou-a em seus braços enquanto pedia que Jonas pegasse Bernardo de volta. – Se sente bem? Calma.
            - Sim...eu...só fiquei emocionada, apenas isso. – Jéssica respondeu.
            - Está tudo bem mesmo? – Emily estava dividida entre falar ou não.



            Emily perguntava-se se seria possível Jéssica estar grávida e não saber. Mas então lembrou-se que a amiga já tinha Clara e devia conhecer bem os sintomas. Se estava realmente esperando um filho, ela tinha consciência disso e deveria preferir o silêncio por enquanto. E, por mais que a curiosidade fosse grande, Emily decidiu se calar. Então prestou a atenção em Lorenzo. Além daquela postura sempre pronta a amparar Jéssica, ele parecia mais sorridente que de costume. Estava...Lorenzo estava feliz. Aquele tipo de felicidade que aparecia na postura, no brilho dos olhos, em cada pedacinho da pele. Lorenzo estava tão intimamente mudado que não conseguia esconder e nem parecia se preocupar com isso.

            - Vocês dois têm algo a nos contar? – Jonas, como de costume, foi bem menos discreto que Emily.

            Numa troca de olhares típica dos apaixonados, Jéssica e Lorenzo concordaram que não havia o que esconder, nem razão para guardar segredo porque o restante da família já sabia a novidade. Lorenzo primeiro fez Jéssica se sentar, por traz da maquiagem que ela usava para disfarçar a palidez que por vezes tomava sua pele, ele via que ela precisava de cuidados. Com a garantia que a amada estava bem, achou que deveria avisar Emily e Jonas que Bernardo teria mais um primo ou prima para brincar em alguns meses.

            - Eu serei pai! Jéssica me deu esse presente. – Disse simplesmente.

            Jéssica sorriu como sempre fazia ao ver aquela satisfação no noivo. Lorenzo estava realizado com aquela gravidez, talvez por não mais imaginar que a paternidade seria parte de sua vida. Ele recebeu as felicitações de Emily e o abraço firme de Jonas.

            - Parabéns, meu irmão. Parabéns, Jéssica. Meu sobrinho nascerá de grandes pais. – Jonas afirmou. – E quando será o casamento?
            - Jonas! Deixe de ser intrometido! – Emily interferiu.
            - O que eu disse? Conheço o meu irmão! Nem em sonho ele deixará Jéssica fugir do altar! – Jonas se explicou para a esposa enquanto via Lorenzo e Jéssica rirem.

            O tom era de brincadeira, mas Jonas falava sério. Era verdade que Jéssica mudou muito Lorenzo. Ele parecia mais jovem agora que no passado. Mais disposto a viver e aproveitar o que a vida lhe oferecia sem perder muito tempo preocupado com o que os outros iriam achar de suas ações. Ainda assim, conhecia bem o senso de responsabilidade de Lorenzo, o homem tradicional que sempre fora. Lorenzo era o tipo de homem para o qual registrar o filho não basta. Ele faria de tudo para lhe oferecer uma família tradicional. Aquele bebê nasceria sob a benção de um casamento.

            - Logo. O quanto antes. – Lorenzo confirmou. – Por enquanto Jéssica está se sentindo um pouco enjoada. Por isso vamos esperar algumas semanas. Mas mamãe já está organizando tudo. Por mim, subiria ao altar agora mesmo.
            - Se sente mal Jéssica? Passa logo. – Emily opinou.
            - Nem tão logo, desconfio. Quando esperei Clara foram longos quatro meses sem conseguir comer. – Jéssica respondeu.
            - Mas dessa vez não será assim. Por isso, já marcamos uma consulta com Leonor. Você sempre elogiou-a Emily, vou confiar que ela cuidará bem de Jéssica. – Lorenzo disse já se despedindo do irmão e de Emily e seguindo para a porta. – Vamos Jéssica? Não vamos nos atrasar para a consulta.

            Na verdade eles estavam até adiantados. Era a ansiedade típica dos pais. Nada que Leonor já não estivesse habituada. Ela recebeu o casal com seu tom de voz calmo e objetivo, além deu uma capacidade impar de ouvir. Já tinha ouvido sintomas e reações de inúmeras gestantes em início de gravidez. Nenhum deles, porém, era igual. Toda grávida tinha suas apreensões, todo pai ansiava poder pegar o filho nos braços. Todos, sem exceção, desejavam o melhor para aqueles pequenos seres. Seu papel era tornar realidade cada um daqueles sonhos.

            - Então a família Vicentin ganhará mais um herdeiro. Fico feliz em saber e em merecer a honra de ser a obstetra de vocês. – Leonor lhes disse.

            Depois a médica ouviu um relato do estado de saúde de Jéssica e de sua gravidez anterior. Muito jovem e em condições físicas e emocionais inadequadas. Leonor não gostou de nada do que ouviu. Apesar de tudo e, muito provavelmente, com ajuda divina, Clara nasceu em um parto sem complicações.  

            - Devo lhe dizer, Jéssica, que você teve mais sorte do que juízo. Mas são dificuldades que em nada devem interferir nessa gravidez. Eu vou te pedir alguns exames e nós vamos evitar ao máximo que você perca peso além do aceitável. Cada gravidez é diferente. Você ter sofrido muito com enjôos até o quarto mês, não significa que será assim novamente agora. – Explicou a médica.
            - Mas ela já sente. – Lorenzo queria um remédio que resolvesse isso imediatamente. Descobriria que não era bem assim. - Essa manhã praticamente não se alimentou.
            - E almoçou depois? – A médica perguntou.
            - Sim, o período mais crítico é pela manhã. – Jéssica respondeu. – O problema é a fraqueza. Não consigo andar, as pernas ficam bambas.
            - Os exames vão apontar se há falta de algum nutriente na sua alimentação. E já vamos inserir alguns complementos. Eu não creio que tenha algum problema sério. Simplesmente algumas mulheres sofrem mais e outras menos com enjôos.
            - Não há nada que pode ser feito então? – Lorenzo não conseguia acreditar.
            - Existem remédios, Lorenzo. Mas eu só os indico em caso de necessidade extrema. Não há porque fazer uso de drogas como essa sem antes tentar alternativas. Então vamos às orientações: sem alimentação gordurosa nem apimentada. E evite comer tarde da noite ou em grandes porções. Seu coro precisa ter tempo para digerir o alimento. Algumas mulheres sentem que beber água logo cedo ou comer biscoito salgado ajuda. Você encontrará o que lhe faz bem. Sei que trabalha num restaurante, mas se o cheiro de comida a enjoar, saia da cozinha, respire fundo e espere a sensação passar. Se realmente achar que é algo realmente insuportável, me procure novamente.
            - Farei isso, Leonor.
            - Ótimo. E, enquanto essas tonturas persistirem, fique longe de escadas ou qualquer ambiente que ofereça risco.
            - Ela ficará. Eu garanto. – Essa foi Lorenzo a responder.

            Em três semanas eles voltariam ao consultório. Então já teriam os exames laboratoriais e poderiam fazer a primeira ultrassonografia. Saíram tranquilos do hospital. Jéssica se sentia bem e após ouvir a médica, Lorenzo se acalmou. Estava disposto a cuidá-la sem medir esforços. E contou com o apoio de Emily para isso. No primeiro telefone após saber das recomendações médica, Emily garantiu que a cunhada devia pensar em seu bem estar em primeiro lugar.

            - Não fique na cozinha se isso a incomoda. – Orientou com a segurança de quem é a patroa. – Eu avisarei Márcio para ficar de olho em você! Meu sobrinho vem em primeiro lugar!

            Jéssica não questionou. Mas não tinha planos de ser menos dedicada ao trabalho por estar grávida. Ela estava saudável, podia trabalhar. Também planejava evitar ao máximo atrapalhar a rotina de Lorenzo, seja com a consultoria o a vinícola. Ele é um homem muito ocupado para ficar correndo a todo o momento com uma mulher fresca que não consegue lidar com algo tão comum quanto enjôos de grávida. Emily trabalhou até o final da gravidez mesmo tendo sérias complicações. Ela podia fazer o mesmo.

            - A mamãe está bem papai? – Clara nunca tinha visto a mãe tomar tantas xícaras de chá como agora. Papai vivia lhe oferecendo uma.
            - Está sim, filhinha. É só a Ceci que está crescendo na barriga dela e às vezes a mamãe fica enjoada. Por isso papai precisa cuidar da mamãe.

            Daquele dia em diante, Jéssica disfarçou todos os mal estares. Se enjoava pela manhã, saía do banheiro garantindo que estava bem e prometendo a Lorenzo que iria se alimentar bem durante o dia de trabalho. E em cada uma de suas inúmeras ligações, garantiu passar o dia bem, mesmo que alguns pratos de comida preparados no restaurante a fizessem correr para o banheiro.
           
            - Acho que devia seguir o conselho de Emily e ficar no salão comigo até os enjôos passarem. – Márcio lembrou-a. – Emily ficará furiosa se souber que não cuidei bem de você.
            - Emily não abandonou o trabalho. Porque eu seria fresca?
            - Ela não sentiu enjôos fortes, my dear.
            - Eu consigo aguentar. Faltam só uns dois meses. – Jéssica, teimosa, insistiu.

            Mesmo que quisesse, Emily não teria como interferir naquele momento. Ela voltou para casa cinco dias após a cirurgia. E com isso, toda a família também retornou ao Rio Grande do Sul. Menos Milena. Emily aceitou que a cunhada ficasse para ajudá-la com Vida e Bernardo. Ao menos essa foi a desculpa utilizada por Jonas. Na verdade, Milena ficaria para ajudar Emily em tudo o que ela precisasse e se sentisse encabulada de pedir ao marido.

            - Ela não deveria sentir vergonha de nada comigo. – Jonas ainda reclamava.
            - Mas vai sentir. – A irmã lembrou-o. – E vai enxotá-lo do quarto sempre que quiser privacidade. Até parece que não conhece a sua mulher!
           


            - Eu sei, eu sei. – Mesmo reclamando, Jonas gostava do fato de ter Milena ali com ele. Ela jamais gostou de São Paulo, mas, para ajudá-lo, veio. Talvez servisse para eles terem um tempo juntos.

            A volta para casa foi tranquila. Emily respondeu muito bem a operação e não tinha nenhum sinal de complicações, sejam físicas ou psicológicas. Ela teve uma consulta padrão com um psicólogo do hospital, mas Jonas não precisava que ninguém lhe afirma-se o que ele via: depressão era algo que passava longe de sua mulher. Já de ansiedade não poderia dizer o mesmo. Ela queria sair andando, correndo maratona, se lhe deixassem. Queria cuidar dos filhos e retomar a vida profissional como se nada de errado tivesse ocorrido. Emily vivia a vida num ritmo acelerado, tinha muitas atividades a cada hora. Por isso, a ideia de não ter hora para levantar nem responsabilidades a cumprir lhe era muito estranha, irritante até.

            - Eu realmente acho que Leonor está exagerando. Trocar as fraldas de meus filhos não vai fazer abrir meus pontos. – Ela argumentava.
            - Experimente sair dessa cama, Emily, e eu juro que te amarro.
            - Você não ousaria!
            - Experimenta desobedecer às ordens médicas para ver se não.



            Ela até respeitava, mas ao seu modo. Não podia mais, temporariamente, ir ao salão de beleza fazer escova nos fios de cabelo então os assumiu ondulados. Mas fazia questão de se trocar todas as manhãs e maquiava-se como se fosse trabalhar.

            - Não é porque estou na cama que meus filhos e meu marido irão me ver feia. Nem pensar.

            A cada visita que chegava para vê-la, Emily sorria e se arrumava ainda mais. Gostava também de recebê-las na sala, sentada em seu sofá, com Vida brincando em seu tapete e Bernardo no colo. Emily gostava de fingir que as pessoas vinham ver Bernardo e não ela, uma recém operada.



            Naquela manhã ela teve ainda mais uma surpresa. Nathan Johnson, seu antigo colega de curso em Milão, que lhe devia uma visita há muitos anos, resolveu aparecer. Nathan é filho de uma italiana com um americano e fez carreira em Milão. Hoje tinha por lá um importante restaurante e assinava um dos mais importantes livros de culinária italiana contemporânea.
            Nathan não veio ao Brasil exclusivamente para ver Emily. Ele tinha parcerias importantes, veio para dar um curso de culinária e aproveitou para vê-la. Jonas o cumprimentou e observou Milena fazer o mesmo. Logo após ele dedicou alguns minutos a paparicar os bebês. Enquanto o italiano estava distraído, Jonas falou com Emily.


           
            - Como eu nunca ouvi falar dele? Devo sentir ciúme?
            - Nenhum pouco. Nathan é casado há vários anos.
            - E porque a esposa não está aqui?
            - É uma longa história. Um dia eu te conto. Mas...não precisa sentir ciúme. Mesmo quando ambos éramos solteiros, nunca tivemos nada. Ele estudou comigo em Milão. É um amigo maravilhoso e de longa data, mas raramente vem ao Brasil e pouco nos vemos.
           
            Depois disso os quatro adultos conversaram. Nathan não falava português perfeitamente, mas todos ali conheciam o italiano. Numa mistura dos dois idiomas, a converso fluiu naturalmente. Os assuntos foram da culinária ao vinho e disso para a uva e à vinícola. Jonas gostou de Nathan. Lhe pareceu um homem apaixonado pela profissão e dedicado a trabalhar cada dia melhor.

            - Nessa família bebemos muito vinho. E muito chimarrão. Mas esse não sei se você conhece, Nathan. – Milena comentou.
            - Chi – mar –rão? – Ele pronunciou lentamente, comprovando desconhecer a bebida típica dos gaúchos.
            - Vou preparar para você experimentar.
            - Faça isso, Milena. Depois abriremos uma garrafa da Vinícola Vicentin. – Jonas ofereceu. – Duvido que você não apreciará.

            Foi exatamente assim, com o vinho. Nathan não simpatizou muito com o chimarrão. Achou estranho beber algo quente e amargo, servido em apenas uma cuia, que passava de mamão em mão. Logo ele aprendeu que era tradição beber até o final, quando se ouvia o roncar no fundo da cuia. Achou a tradição bonita, mas não apreciou o gosto. Já o vinho encantou-o. Era de uma safra recente, de sabor suave e ainda assim muito marcante. Nathan quis mais detalhes da vinícola e prometeu voltar ao Brasil nos próximos meses e ir ao sul descobrir os segredos por trás daquela bebida.

            - Dessa vez faço questão de ver onde essa maravilha é feita. – Garantiu o italiano.

            Dividida entre visitas, cuidados e consultas médicas, Emily foi melhorando aos poucos. Duas semanas se passaram com ela em casa e sua recuperação era vista de longe. Não houve o ganho de peso, nem as crises de choro. Ela estava feliz. Seu único atrito com Jonas era a proibição, sem nenhuma margem para negociação, quanto a ir ao restaurante. Assim que foi possível dar alguns passos, Emily tentou convencê-lo a lhe permitir um passeio até lá. Jurou que não trabalharia, porém, não foi o bastante.

            - Sua saúde em primeiro lugar, depois o restaurante. – Sempre dizia ele.

            Se tivesse ido, em qualquer horário do dia, era provável que encontrasse Jéssica vomitando ou lutando contra a náusea. Isso tornou-se um hábito irritantemente comum na vida da auxiliar de cozinha. Sempre que Lorenzo perguntava, ela dizia que seu único mal estar era pela manhã e que no decorrer do dia, sentia-se ótima. Era mentira. Ela passava boa parte do dia enjoada e pouco conseguia se alimentar.
            Jéssica já tinha vivido aquilo com Clara. Conhecia o próprio corpo e sabia que ele reagia daquela maneira nos primeiros meses, por isso, não via motivos para alarmar Lorenzo. Chegava a passar maquiagem antes de voltar para casa no fim do dia. Não queria que ele visse nenhum indício de cansaço ou de que tinha passado mal. A perda de peso, porém, não conseguiu evitar.

            - Acho melhor irmos falar com Leonor. Seu rosto está mais fino. E, até onde eu sei, grávidas engordam. Isso não é normal. – Ele se preocupava com a noiva. E se sentia incomodado por precisar continuar adiando o casamento enquanto ela não se sentia bem.
            - Eu vou ganhar peso, acredite. Estamos só no começo. – Jéssica lhe garantiu, mais uma vez, naquela manhã. Mas lá no fundo ela reconhecia o que nunca imaginou ser capaz: estava ainda mais enjoada que na primeira gravidez.

            Naquele dia, porém, Márcio não aguentou ver a amiga sofrer daquela forma. E quando ela correu para o banheiro pela quarta vez por volta das 13hs, ligou para Lorenzo. Sabia que Jéssica ficaria brava, mas aquilo estava passando dos limites. Se Emily estivesse ali, não permitiria que Jéssica ficasse trabalhando assim.

            - My dear! Eu não quero incomodar, me desculpe, mas acho bom você dar uma passadinha aqui no restaurante.
            - Jéssica passou mal? – Lorenzo se assustou.
            - Sim, mas...é melhor conversarmos aqui.

            Quando Jéssica ficou sabendo que Lorenzo estava a caminho, voltou correndo para o banheiro. Não porque tornou a enjoar, mas para reforçar a maquiagem. Não queria que Lorenzo visse as olheiras que escureciam seus olhos e revelavam o quanto vinha se sentindo mal.
            Enquanto ela se arrumava, Lorenzo conversou com Márcio. O maitre do restaurante não entrou em detalhes, nem contou o quanto Jéssica enjoava, mas lhe sugeriu levá-la para casa porque ela era teimosa o bastante para não respeitar os pedidos de seu organismo.
            Lorenzo evitou discutir com Jéssica. Quando ela veio para o salão, percebeu instantaneamente o excesso de maquiagem em seu rosto. Produtos que antes ela jamais usava e agora parecia não viver sem. Mesmo assim, não fez nada além de beijá-la e pedir que entrasse no carro. Mesmo quando chegaram em casa, Lorenzo evitou discutir. Pelo que tinha lido, era importante a gestante se manter calma.
            Logo que entraram, aproveitando-se que Clara ainda estava na escolinha e não tinha nada para fazer, Jéssica se deixou cair no sofá da sala e fechar os olhos. Estava cansada. Quando ouviu passos pelo corredor, pensou se tratar de Lorenzo indo tomar banho ou preparando um lanche. Surpreendeu-se quando ele a pegou do colo e seguiu carregando-a pelo corredor. Ele só parou quando a sentou no balcão da pia do banheiro. Quando abriu os olhos, Jéssica viu Lorenzo mexer nos produtos de beleza e colocar algo em um chumaço de algodão. Muito delicadamente e em silêncio ele tirou toda a maquiagem que cobria seu rosto.

            - Agora sim eu estou vendo a minha mulher. – Disse ele ao olhá-la atentamente. – Não gosto quando você se esconde de mim. Porque nunca me contou que sentia enjôos no restaurante?
            - Não quero te preocupar. Sei que não tenho nada grave.
            - Grave ou não, eu tinha o direito de saber. – Lorenzo não gritava, mas a voz grave e pausada, dizia para Jéssica que o noivo estava sim muito irritado.
            - Eu sei, me desculpe. Mas eu não quero ser a grávida fresca que irrita o pai do bebê com um monte de reclamações. Não quero!

            Lorenzo conhecia exatamente qual a fonte dessas preocupações. Há tempos Jéssica havia lhe confidenciado que seu relacionamento com Bruno não terminou quando ela percebeu seu envolvimento com o crime, mas sim quando passou a se sentir muito mal. Fora Bruno a abandoná-la, acusando-a de ser fresca. Na época, ela já sofria com muitos enjôos e reclamava da sensação de exaustão que isso deixava. Um dia Bruno simplesmente disse adeus, foi embora sem pensar que deixava para trás a namorada e uma filha. E com isso fez, muito provavelmente, a única boa ação de toda a sua vida. Ao abandoná-las Bruno deu a Clara e Jéssica a chance de recomeçar.
            Mas isso não apagava a dor do abandono, a mágoa por ter sido descartada. Aquele era um grão nas causas da carência de Jéssica. O pai era outra forte razão. A dificuldade de Henrique em esquecer o passado e retomar a relação com a filha a deixa ainda mais temerosa em criar novos laços. Jéssica amava com uma dedicação única, mas tinha dificuldade em aceitar ser amada.
            Por mais que Lorenzo lhe desse carinho, por mais que oferecesse segurança, ela sempre imaginava-se na corda bamba. Parecia viver na crença de que ele iria deixá-las, sumir num dia qualquer como Bruno. Aquilo era um absurdo tão grande que por muito tempo Lorenzo ignorou. Agora já não era mais possível. Ela precisava se sentir amada, segura, ou não teria a tranquilidade recomendada para qualquer gestante. Antes de falar qualquer coisa Lorenzo levou-a de volta ao quarto e colocou-a deitada na cama, acariciando a barriga que abrigava seu filho.



            - Jéssica, nada vai diminuir ou acabar com o que nós construímos. É a nossa história, o nosso relacionamento. Eu não vou sair correndo porque você não está bem!
            - Eu sei disso.
            - Se soubesse não teria me escondido que se sente mal. Não me trate como se eu fosse aquele garoto, Jéssica. Eu sou um homem. E eu sei cuidar da minha mulher.
            - Não estou te comparando! Eu sei que você me ama...mas...não quero atrapalhar a sua vida. Quero te trazer alegrias, não preocupações.
            - E eu quero que você me traga tudo. O bebê também é meu, tenho direito de saber o que ele te causa.
            - É normal uma grávida enjoar. Veja por tudo o que Emily passou e continuou trabalhando.
            - Ela arriscou tanto que acabou tendo um parto de emergência. Eu não vou permitir nada parecido com você.
            - E o que quer que eu faça? Abandone o trabalho e seja sustentada por você?
            - Não acho essa possibilidade tão terrível assim. Qual o problema de eu prover minha família? – Lorenzo instigava-a a dar uma justificativa aceitável. – Entendo que preze pela sua independência, mas não se isso colocar em risco sua saúde. Quer trabalhar, ótimo. Emily e Márcio já me garantiram que há possibilidade de você trabalhar no salão.
            - Não é no salão que uma auxiliar de cozinha atua. – Jéssica respondeu.
            - Pois então você não será mais uma auxiliar de cozinha. E não mais passará o dia vomitando! Isso não está em discussão, Jéssica. E agora tente dormir. Mais tarde nós vamos ao consultório de Leonor.
            - Mas a consulta é semana que vem.
            - Eu adiantei. Quero saber logo se você está anêmica ou algo do tipo. – Lorenzo beijou-lhe a testa e avisou que iria tomar banho. – Tente dormir um pouco.

            Jéssica não mais discutiu. Fazer isso com Lorenzo, ainda mais quando se tratava de sua saúde e qualidade de vida era como tentar segurar o ar entre as mãos. A força dele sempre vencia, mesmo quando você não percebia. Ela então repousou e foi junto dele, recebendo seus afagos, até a clínica onde Leonor atendia. A médica revisou os resultados dos exames um a um e fez pontuações conforme os resultados a agradavam ou preocupavam. Depois deu seu parecer.

            - Você emagreceu nessas duas semanas Jéssica, por isso acho que fizeram bem e vir me ver. É normal não ganhar peso, até perder algumas gramas. Mas você está abatida. Então realmente isso vai além do aceitável.
            - E o que nós faremos? – Lorenzo estava ansioso.
            - Existem vários níveis de enjôo. Do mais leve, que pouco é sentido. Ao mais grave, que recentemente foi divulgado na mídia por afetar Duquesa de Cambridge.
            - Sim, eu ouvi a respeito. Mas ela foi internada no hospital! É muito grave.
            - Sim, mas acalme-se! Tenho praticamente certeza que nada disso será necessário no caso de Jéssica. Ela só precisará se cuidar mais do que vem fazendo. Fique tranquilo. Pelos exames Jéssica está muito bem de saúde.
            - A senhora tem certeza?
            - Absoluta, Lorenzo. Completamente. Tenho certeza que Jéssica já sabe o que desperta as crises mais fortes de enjôo. Ela fugirá dessas coisas. E eu vou receitar um remédio para servir de último artifício.
            - Obrigada, Dra. – O casal respondeu.
            - Agora me diga, Jéssica, você sente alguma diferença de sintoma da primeira gestação para essa?
            - Sim. Mais sono e cansaço. De Clara em enjoava, mas não tinha essa exaustão. – Disse-lhe.
            - Talvez quando os enjôos melhorarem, você se sentira melhor disposta. Agora vamos ao ultrassom. Talvez ele também nos dê uma dica do que há de diferente nessa gravidez.

            Leonor desconfiou. Na verdade a ideia surgiu na mente da médica ao rever o histórico de Jonas e Emily na fixa de cadastro. Quando Jonas concordou com a inseminação artificial, lhe deu informações genéticas, com exames; e genealógicas, por meio de uma entrevista. Isso tudo foi utilizado num estudo para confirmar as possibilidades que Emily tinha de engravidar. Com Jonas e Lorenzo sendo irmãos, parte desse estudo era similar. E agora Leonor lembrava-se que três gerações atrás, a Família Vicentin teve casos de gravidez múltipla na família.



            Foi então que Leonor desconfiou que os enjôos exagerados de Jéssica tinham sua causa não em uma doença que exigisse internação médica, mas no fato de seu corpo estar se adaptando a dois bebês ao mesmo tempo. Quando viu a imagem clara no monitor confirmar a teoria, Leonor sorriu.

            - O que vocês vêem nessa imagem? – A médica perguntou.
            - Eu...não sei. – Jéssica achou a imagem estranha. Linda porque era o seu filho, mas estranha.
            - São...duas manchas. – Lorenzo estava perto de entender. Mas não havia captado a mensagem.
            - Quase isso, papai. – Disse Leonor sorrindo ainda mais. – São dois...bebês.

            Leonor adorava aquele momento. Nesse caso ainda mais especial porque esse era um casal especial. E eles estavam se descobrindo pais de gêmeos. Emocionada, Jéssica só fez chorar. E Lorenzo encarava-a com um misto de incredulidade e euforia nos olhos.

            - Dois fetos, em placentas separadas. Gêmeos que não serão idênticos. E estão se formando bem para o tempo gestacional. Isso explica o enjôo exagerado. Precisa apenas dar um tempo para o seu corpo de acostumar a ter três corações batendo aí dentro.
            - Meu Deus! Eu nem acredito. – Jéssica ainda estava em choque.
            - Parabéns! Eu vou deixar vocês a sós um pouco. – A médica saiu discretamente.
            - Você acredita, Lorenzo? Dois bebês! Gêmeos! Eu...o que você achou dessa notícia?
            - O que eu achei da notícia? Acho que Deus foi generoso demais comigo, mas já que ele agiu assim, não serei eu a negar. Obrigada, Jéssica. Você me fez o homem mais feliz de todos, o mais realizado...e o mais preocupado também.
            - Sossega. Vai dar tudo certo. Eu sei que vai. Eu te amo tanto. – Pareceu um momento apropriado para ela se declarar.

            Lorenzo não respondeu dessa vez. Preferiu aproveitar os minutos de privacidade beijando a noiva.


domingo, 25 de outubro de 2015

Vida Roubara - Capítulo 7


         Quando retornou ao cativeiro Beatriz se sentia confusa. Sair daquele hotel luxuoso e entrar novamente no buraco que agora era seu lar mexia com a cabeça de qualquer um. Passou horas nos braços de Arman e por muito pouco não foi direto para as mãos de Sebastian Gonzáles. Ele a desejou. E ela deveria estar feliz em ver o segurança negar o programa. Sebastian machucou Natacha e ela não fora sua primeira vítima. A curiosidade sobre ele, porém, era muito superior ao medo.
            Ela não soube como Gregory recebeu a notícia do interesse de Sebastian, mas o mau humor que ele apresentou no decorrer daquele dia foi uma bela pista. As garotas limparam o salão todas juntas como era o costume e puderam vê-lo gritar ordens aos seguranças e discutir com Samantha. Até mesmo ela foi vítima de seu estresse.

            - Ele está com o diabo no corpo. – Maya comentou com as outras, em uma de suas costumeiras reclamações e comentários azedos.
            - Diaba é ela. Gregory logo estará de cabeça baixa pra Samantha. – Natacha respondeu. – Limpe isso direito antes que sobre para você.
            - Estou limpando! Mas faria qualquer coisa para descobrir o que deixou Gregory assim.

            Ninguém fazia ideia do quanto a possibilidade de autorizar um programa de Beatriz com Sebastian irritava Gregory. E a raiva que isso fez Samantha sentir. Para ela, uma explicação se fez necessária. Restava saber se era sincera e se Samantha acreditaria.

            - As ordens de Gabriela foram claras. Beatriz não deve atender nenhum ricaço. Ela quer a garota com o pé de chinelo. – Explicou.
            - Esse não é o nosso perfil de cliente. E Gabriela sabe.
            - É. Mas a ordem é essa. E Gabriela não gosta de ser contrariada.
            - Ela não precisa saber. – Samantha insistiu.
            - Pode ser. Só que existe um motivo pra essa ordem. Beatriz está longe de ser como as outras. É brasileira, mas fala inglês fluente. E Sebastian é americano. Ela pode tentar pedir socorro.
            - Pelas marcas que ele deixou em Verônica, seu pedido não seria bem recebido. Deixe que ela peça e receba um tratamento especial dele. – Samantha não gostou de Beatriz desde o início, agora percebia a razão. – É bom que você comece a vê-la exatamente como as outras. Ou teremos problemas.
            - Deixe de bobagem, Samantha. Você é a minha rainha, a única diferente das outras.
            - Ótimo! É bom que permaneça assim.

            Quando a noite caiu e todas as garotas entraram no salão, Beatriz ficou apreensiva. Esperava vê-lo a qualquer momento. As horas passaram e a noite logo transformou-se em madrugada. Beatriz atendeu um cliente e voltou para o salão dividida entre o alívio e a decepção. Por um momento imaginou que talvez Sebastian pudesse ser seu passaporte de volta ao Brasil. Enganou-se. Sua vontade de tê-la já havia passado. Quando a casa já apresentava um público bem reduzido e embriagado uma movimentação na porta da frente alertou Bia para a chegada de alguém importante, porém, não bem vindo aquele lugar.
            Sebastian entrou um tanto trôpego. E para surpresa de Beatriz, Gregory levantou-se de sua mesa para encaminhá-lo pessoalmente ao escritório. O americano poderia ter passado a noite bebendo em outras casas como aquela, mas veio ali resolver o que deixara pendente na noite anterior. Bia não conseguiu saber o que ele conversaram. De longe, praticamente do outro lado do salão, ficou observando a porta do escritório onde os dois se trancaram. Faria qualquer coisa para ouvir a combinação. Provavelmente definiam seu preço para aquele resto de madrugada, talvez ele pagasse pelo turno da manhã também.
            Quando a porta se abriu, para surpresa de Beatriz, Sebastian foi embora, passando pela sua frente e sequer lhe destinando um olhar. Tudo o que Beatriz conseguiu pensar foi que ele não tinha vindo ali para comprá-la ou que se agradou de outra. Havia uma pitada de tristeza naquele pensamento. E ela logo foi substituída por apreensão e desconfiança quando Gregory lhe deu um recado.

            - Vá para o alojamento dormir. – Disse secamente antes de explicar. – Sebastian quer você amanhã. Irá para um quarto de hotel e deve estar com a pele de acordo. Cabelo também. Sebastian é um homem refinado e está interessado em tê-la. Você ficará muda! Sebastian é muito rigoroso e tem autorização para castigá-la caso faça algo de errado. Entendeu?



            - Sim, entendi.
            - Ótimo! Agora vá. Amanhã irá se preparar para atendê-lo.

            Gregory não queria aquilo. Apenas não teve escapatória. Primeiro porque Samantha não gostou nada de sua propensão a manter Beatriz afastada de Sebastian. Quando o americano ofereceu muito dinheiro por ela e ele titubeou em aceitar, Samantha voltou a questionar o porquê e ele não teve uma nova e perfeita explicação.

            - Ele a quer, está disposto a pagar. Qual o problema? – Ela o pressionou.
            - Nenhum...claro que não.
            - Ótimo. Porque não há razão. Sebastian pagou por Beatriz, ele a terá.

            Enquanto aquela madrugada cansativa chegava ao final para Beatriz, em São Paulo, com seis horas a menos no fuso horário, Elizabeth iniciava uma missão noturna. Dessa vez ao lado de Rebeca. Ela precisava confirmar se o Pedro a quem o garoto apelidado de ‘Ligeiro’ disse ser o novo dono do ponto era o homem que Beatriz conheceu e que, provavelmente, matou Willian e sequestrou sua irmã. E Rebeca a lembrou um detalhe importante após revisar o inquérito. Poderia se tratar de coincidência por ser um nome muito comum, mas já houve um Pedro envolvido naquela quadrilha de tráfico de pessoas. Pedro Ferraz foi preso ao participar de um falso concurso que selecionava garotas. Foi liberado logo depois por falta de provas, mas, já naquela época, Elizabeth já desconfiou das inúmeras viagens dele entre Rússia e Brasil.

            - Não acredito em coincidências, Beca. É ele. Só pode ser. – Liza comemorava. Estava na trilha certa.

            Esse plano, porém, tinha uma falha. Se ela estivesse na pista correta e sua irmã tiver sido levada em represália a sua investigação, Pedro certamente conhecia seu rosto. E isso inviabilizava qualquer encontro entre eles. A menos que ela pretendesse morrer. Então naquela noite foi Rebeca a encarar o ponto de prostituição. E isso deixou Elizabeth bem mais nervosa. Arriscar-se por Bia era óbvio, natural e até mesmo uma obrigação. Rebeca por sua vida em risco era bem diferente. Ela não deveria ter de se expor passando-se por garota de programa.

            - Relaxe Liza! – Ela lhe disse já vestida de acordo com a missão. – Não é só as magrelas que investem nessa profissão. Esses peitos aqui são capazes de atrair olhares ainda. Sossega. Vou lá, disfarço, falo com Pedro e confirmo o que tiver de confirmar.
            - Ótimo. Me ligue assim que sair de lá, Rebecca. Estarei aqui no apartamento. Se for mesmo Pedro Ferraz, tenho indícios o bastante para pedir a prisão provisória e vou esmagá-lo no interrogatório.
            Rebeca foi e Elizabeth ficou só. Em segurança, porém, sozinha, sem nada poder fazer. E isso se tornava ainda pior por não ter Eva com ela no apartamento. Após obter a guarda e alegando que a filha corria riscos, Rafael vinha proibindo as visitas. Elizabeth já tinha se aconselhado com Matt. Apesar de também ser advogada, Matt era especializado em casos de família e entendia muito mais do assunto. Seu conselho foi o de esperar, ter paciência e aguardar que Rafael reconsidere a decisão. Para Matt uma briga em família só pioraria a situação para Eva.

            - Ela é minha sobrinha e afilhada. É a mim que Beatriz confiaria Eva. – Foi a resposta de Liz.
            - Eu vou tentar um acordo com Rafael. Tenho esperança que ele se solidarizar. Eva deve estar chamando por você também – O amigo garantiu.

            Enquanto o acordo não vinha, a noite de Elizabeth seguiu no silêncio e na solidão. Não tinha a irmã, nem a sobrinha. Não podia atuar na ação policial. Tão pouco poderia estar com Miguel. Sua vida estava de cabeça para baixo. Seu telefone tocou e ela viu no visor a foto de Miguel aparecer. O fato dele não desistir a irritava tanto quanto fazia sorrir. Queria tanto poder esquecer tudo o que aconteceu. Elizabeth ignorou a ligação feita às 23h15min. Miguel sabia que ela estava acordada, nunca dormia tão cedo. E por isso mesmo deixou um recado. Ela não resistiu e ouviu.

[Eu sei que você está acordada e não quis me atender. Pare com isso Elizabeth. Estou preocupado. Preciso saber que está bem. Preciso ouvir a sua voz. Eu já pedi perdão. Já estou sofrendo o bastante com o que está acontecendo...eu te amo. Precisamos conversar. Eu não vou desistir. Se você não me atender eu vou à delegacia.]

            Aquilo tudo só a fez voltar a chorar. E acordar destruída e ainda mais enjoada na manhã seguinte. Para piorar, ela sabia que não se tratava de uma ameaça vazia. Miguel iria continuar cercando-a. E com sua gravidez cada vez mais aparente, isso seria uma complicação a mais. Segundo suas próprias estimativas, a gravidez já deveria estar batendo no terceiro mês. Não teve tempo de ir ao médico, talvez estivesse fugindo dessa confirmação oficial. E sua consciência a estava cobrando por essa falha. A barriga ainda estava longe de aparentar ter um bebê, mas seu corpo vinha mudando. E até mesmo Miguel já havia presenciado um de seus mal estares. Ele não desconfiou. Acreditou tratar-se apenas de um problema alimentar. Talvez tenha creditado o desmaio ao fato de ser diabética. Mas não ia enganá-lo por muito tempo.

            - Tenho que contar pra ele. Ou sumir da sua vista. – Eram essas as alternativas. Mas as duas hipóteses lhe incomodavam.


  
            Porém, mais uma vez os problemas pessoais a levaram a deixar as decisões de sua vida de lado. Rebeca voltou da missão com boas notícias, ou, ao menos favoráveis aos planos da investigação. A assistente havia passado em casa para tomar banho e se trocar e ao chegar na delegacia surpreendeu-se ao encontrar Liz numa aparência muito pior que a dela. Parecia ter sido Liz a passar a noite em ação policial. E mesmo quando as duas fizeram isso juntas, nunca a tinha vista naquele estado.

            - Porque você não me ligou quando saiu da missão? – O mau humor de Liz também não foi uma boa recepção.
            - Porque era tarde. Achei que estaria dormindo. O que pelo visto não aconteceu. O que deu em você, Elizabeth? Parece saída de um bombardeio.
            - Não consegui dormir, rejeitei uma ligação de Miguel, chorei, enjoei e vim pra cá antes que eu começasse a chorar novamente. – Liz ofereceu à amiga um resumo de sua noite.
            - Você tem que ir ao médico. Está mais magra. Parece doente! Você está sendo irresponsável com seu filho!
            - Eu vou ir! Assim que tiver tempo. Não tenho tempo para os meus problemas enquanto Bia está desaparecida. – Ela se obrigou a mudar de assunto. – Vamos trabalhar. É isso que eu preciso. Encontrou Pedro?
            - Sim. – Rebeca desistiu, por enquanto, de trazer a amiga à realidade. Sabia que os assuntos profissionais lhe eram mais confortáveis. – Estávamos certas. É o mesmo homem que você prendeu. Fiz imagens dele e depois me aproximei. Ele é muito seguro, mas desconfiado. Não entregou mais ninguém.
            - Mas contra ele nós temos provas. É o suficiente. – Liz já planejava suas próximas ações. Ela invejava não ter aquela mesma clareza de raciocínio na vida particular. – Solicite o mandado de prisão Rebeca. Peça a ajuda de Carla e Fred para efetuar a prisão. Não quero participar. Ele terá uma surpresa quando eu entrar na sala de interrogatório.

            Surpresa tiveram as duas, minutos depois quando estavam juntando as provas contra Pedro Ferraz para apresentá-las ao juiz e mais um buquê de flores chegou. Elizabeth não havia conseguido comer nada naquela manhã a não ser uma barrinha de cereal. E essa se revirou no estômago dela assim que o perfume das rosas tomou a sala.
            Liz correu para o banheiro e voltou com a expressão ainda mais cansada do que antes. Ao se sentar em sua cadeira não gostou nada de ver que Rebeca ainda não havia se livrado das flores. Elas ali estavam, lindas e provocantes. Ao menos não tinha mais nada no estômago para vomitar. Fechou os olhos e tentou melhorar antes de voltar ao trabalho. Rebeca logo colocou um copo de água na frente da amiga.

            - Isso não pode ficar assim. Não dá Liz. – Rebeca lhe disse.
            - Cala a boca Beca! Já sei de cor tudo o que irá me dizer. Eu vou procurar um médico, vou fazer dieta, vou fazer exames. – O telefone que ocupava a mesa de Elizabeth começou a tocar. As duas ignoraram.
            - A questão é quando, Liz! Chega! Será que não vê que está mal? A cada dia está pior!
            - Isso não é verdade. – O telefone seguiu tocando. Ninguém o tirou do gancho. - Enjôos são normais na minha condição.
           
            O telefone parou de tocar. O recepcionista da Polícia Federal desistiu da ligação. Tentava avisar a investigadora Elizabeth Benitez que seu marido a procurava na recepção. Ele veio tantas vezes ali e na última semana enviou tantos boques de flores que reconhecê-lo não foi difícil. Deixou-o passar. Não sabia que ao deixar Miguel caminhar por aquele corredor, mudava o rumo da vida daquele casal.

            Miguel caminhou lentamente e com passos firmes até chegar à frente da porta desejada. Ia bater, talvez abri-la de surpresa, mas os gritos vindos lá de dentro o fizeram esperar e ouvir. Não se orgulhava daquilo, mas Liz não lhe deixava alternativa.

            - Engraçado que quando é para usar de argumento você lembra que está grávida. Mas para marcar uma consulta de pré-natal você nunca encontra tempo. Tenho uma novidade para você Elizabeth: ignorar essa criança não a fará desaparecer! Em poucos meses você estará dando a luz e terá de ser mãe nas 24hs do dia! Abra os olhos.

            As palavras assustaram Elizabeth. Raras foram as oportunidades em que Rebeca perdeu a cabeça. E isso era apenas mais um ingrediente que lhe garantia sua certeza no que falava. Beca estava certa. Precisava agir e parar de se esconder. Era mãe.
           
            - Eu sei. Não queria ser mãe. E estou apavorada. Não sei o que farei quando ele nascer. Simplesmente não sei, Beca. Tem um bebê crescendo dentro de mim. E eu nem sei o que sinto sobre isso. – Disse na mais franca resposta que poderia dar. – Eu não sei o que fazer com ele!


           
            Quando Miguel abriu a porta pegou Elizabeth e Rebeca completamente desprevenidas. Não foi uma entrada raivosa. Ele mais parecia em choque. Dessa vez era Miguel a se sentir traído. Não física, mas moralmente. Ele desejou estar errado, ter ouvido errado, se enganado. Não houve margem para erro. Liz não somente afirmou esperar um filho como expressou seu desprazer por isso. Ao abrir a porta, a expressão de Miguel era uma mistura de decepção com raiva. E no instante em que o olhar dos dois se cruzou Elizabeth soube que algo havia se quebrado. Se antes ela já sabia que errava ao manter o segredo, agora ela se recriminava e sentia raiva de si mesma. Porém, não sabia o que fazer ou como resolver. Acabou afundando-se ainda mais em mentiras.

            - Miguel...por favor...
            - Cale a boca. Rebeca, por favor, me deixe sozinho com minha mulher. – Ele precisava de privacidade e só voltou a falar quando Elizabeth acenou para Rebeca e a policial deixou-os a sós. Silenciosamente ele fazia contas. – Desde quando você está escondendo isso?
            - Eu não tenho nada para te falar Miguel. Nós estamos separados. É a minha vida, o meu corpo...
            - Não! É o meu filho! – Lá no íntimo sua consciência o lembrava que pelo bebê de Alejandra não havia defendido esse direito
            - Nada garante que é seu. – Foi uma mentira gaguejada. – Seu filho está na barriga de Alejandra! Aquele sim é seu. Não esse aqui. Esse é só meu.
            - Não ouse me fazer de idiota! É meu! Eu sei que é! Como sei que você não o quer.
            - Não é assim...eu estou confusa. – No tom de voz baixo de sua esposa Miguel percebia o quanto ela não estava em seu estado normal. – Nunca me imaginei grávida. Jamais.
            - Desde quando você sabe?
            - Na véspera da morte de Bia. Nós passamos a noite juntos e eu ia falar. Mas li no seu telefone a mensagem de Alejandra. Você já seria pai.
            - Então resolveu ficar calada. – Ele também já não mais gritava. – Não serve de desculpa.

            Miguel não se conformava. Além de mentir por mais de um mês, Elizabeth estava visivelmente desgastada fisicamente. Agora algumas coisas passavam a fazer sentido. A perda de peso, o desmaio, os enjôos, o desejo de evitar médicos. Quanto mais pensava, mais revoltado ficava. Com um riso amargo ele percebeu a crueldade do destino com eles. Seria pai de dois filhos ao mesmo tempo. Enquanto uma mãe lhe forçava a participar, a outra o excluía.

            - De quantos meses está? – Ele perguntou tentando deixar a raiva de lado e ser prático.
            - Não sei exatamente. – Elizabeth respondeu.
            - Como não? – Ele passou a mão pelo rosto e pelos cabelos tentando clarear os pensamentos. – Deixa para lá. Passe-me o número de telefone da sua obstetra. Eu mesmo conversarei com ela. Já está tomando algum suplemento? Fez quais exames? É óbvio que não está se alimentando bem.
            - Nenhum. Eu...não...não fui na médica. – Ela reconheceu prevendo uma tempestade e logo vendo-a se formar nos olhos de Miguel. – Não me olhe assim! Eu tive de lidar com a morte de Will, o sequestro de Bia, as investigações e um divórcio. Não tive tempo!
            - Não teve tempo...ótimo...perfeito Elizabeth. – Ela teria preferido a raiva dele. Conseguiu apenas ver decepção e mágoa. – Você realmente não entendeu ainda o que é ser mãe.

            Miguel foi embora tão intempestivamente quanto chegou. Não se despediu, apenas afirmou que se ficasse ali faria uma besteira e avisou que ela teria notícias dele. Lá no fundo Miguel não se sentia no direito de cobrar cuidados de Liz para com o bebê porque ele fez algo muito parecido com a criança esperada por Alejandra. Também a desprezou. A diferença estava no fato que a saúde do bebê de Alejandra não dependia dele. E a palidez de Elizabeth o avisava que ela não estava em seu melhor estado de saúde. Um alerta se acendia em sua mente a cada vez que se lembrava do histórico médico de Elizabeth.
            Pouco depois de entrar em seu carro Miguel já fazia ajustes mentais em sua agenda. Não seria fácil cuidar de duas grávidas ao mesmo tempo. E se ele teria de encontrar tempo para isso, certamente Elizabeth encontraria para ir ao médico. Antes de chegar ao seu destino a primeira consulta de pré-natal de Liz estava marcada e ela sendo informada por mensagem no celular. Era bom que Elizabeth não ousasse reclamar ou faltar. Ou ele mesmo a buscaria na polícia federal.
            Elizabeth sentiu o sangue ferver ao receber a mensagem de Miguel. Ele ordenava que ela fosse a um médico que ela não conhecia, em dia e hora escolhidos por ele. E, na mais difícil das conclusões, ela teve de reconhecer que ele tinha razão em agir assim. Miguel errou como marido com ela. Mas enquanto tentava ser uma boa irmã e policial competente, ela havia falhado terrivelmente como mãe. Por isso respondeu a mensagem dele confirmando sua ida à consulta. Lá no fundo se seu coração, Liz sentia um alívio. Pensava que, talvez, aquele segredo estivesse lhe fazendo mal.

            - Elizabeth. – Rebeca entrou retornou à sala envergonhada. – Me desculpe. Eu não tinha o direito de lhe causar problemas assim nem gritar com você. É minha superior, lhe devo respeito.
            - Pare por aí com esse papo, Rebeca! Somos amigas...e você tem razão. Eu estava errada. – Liz reconheceu. – Agora Miguel sabe. Talvez tenha sido melhor assim.
            - Como ele reagiu?
            - Sendo o Miguel de sempre e me dando ordens.
            - E você será a Elizabeth de sempre e irá ignorá-las?
            - Não, Beca. Não posso. Porque dessa vez ele está certo. O fato de eu não ter me preparado para a maternidade, não me torna menos responsável por meu filho. Ele merece uma mãe melhor do que eu estou sendo. Miguel marcou uma consulta e eu pretendo ir.
            - Com ele ao lado, provavelmente. Você sabe que isso acabou com qualquer chance de você se afastar de Miguel, não é?
            - Sim, terei de lidar com isso. – E mantê-lo afastado parecia cada dia mais difícil.

            Elizabeth deixou o assunto de lado e voltou ao trabalho. Mas os problemas pessoais pareciam atrapalhar todo o seu dia. Agora era Matt a lhe enviar uma mensagem dizendo que ela deveria ir ao seu apartamento naquela noite porque precisavam conversar. Quando ligou para adiantar o assunto, ele não atendeu. Elizabeth cumpriu suas funções naquele dia, mas o coração seguia palpitando. Quando Rebecca a chamou para almoçar, foi, obrigada pela consciência. Tinha um bebê que precisava de alimento dentro de seu útero. Quando o relógio marcou 18h45min declarou o dia por encerrado. Deixou o restante das atividades para a segunda-feira.
            Quando chegou à casa do amigo de infância, Elizabeth estava ansiosa. Não era só a conversa com ele. Carregava nas costas toda a pressão daquele dia, de vários dias, de semanas de muito estresse. Desde que Beatriz foi sequestrada não teve mais paz, sua vida foi roubada junto da irmã e tudo que se seguiu após isso agora lhe cobrava um preço. Estava arrasada e emocionalmente destruída. A notícia que Matt tinha para lhe dar não melhorou seu estado.

            - Falei com Rafael, conforme te prometi. Ele está decidido a afastar a Eva de você, de mim, de tudo que lembre Beatriz.
            - Por quê? – Elizabeth revoltou-se.




            - Aparentemente porque deseja dar uma nova e melhor vida à filha. Ele diz que tudo de ruim que aconteceu foi culpa sua. E afirma que o estilo de vida de vocês duas, na polícia e no jornalismo, colocou Eva em perigo.
            - Isso é uma asneira completa! Eu, Bia e você cuidamos de Eva enquanto Rafael não fazia mais do que pagar pensão!
            - Eu concordo. Mas ele está irredutível.

            Para surpresa de Matt, Elizabeth reagiu com um desespero nunca visto. Pela primeira vez na vida ela se entregava ao sofrimento e chorava copiosamente. Ela até tentou falar, mas o choro compulsivo fazia com que as palavras saíssem trôpegas, aos pedaços e incompreensíveis. Matheus se assustou. Liz, logo Liz, a mais forte de suas amigas, estava devastada.
            Pelo que conhecia dela, Matt imaginou que o sequestro de Beatriz não era a causa, não a principal, pelo menos. Porque encontrar Bia era uma missão profissional. Liz tinha talento e recursos para isso, a busca policial estava em suas mãos. E a solução do que fazia Elizabeth chorar daquela forma não estava em suas mãos. Matheus então a deixou chorar, desabafar a agonia que tomava conta de seu coração. E apenas quando ela realmente relaxou, ele voltou a falar.

            - Não se envergonhe de chorar, Liz. Chorar faz bem. É um direito seu. Ainda mais com tudo isso que aconteceu. – Ele lhe disse, com toda a calma.
            - Tudo está desabando. Bia, Eva, Miguel, a delegacia. Eu não estou aguentando tudo isso!
            - O que aconteceu?
            - Miguel descobriu que estou grávida. E agora ele vai querer ficar perto de nós, sei que vai. E como posso lhe negar isso?!?! – Ela contou agora já sem chorar.
            - Não pode. E não quer, Liz. Talvez deva parar de lutar contra a aproximação de Miguel. Não vai levar a nada. Esse bebê aí também é de Miguel.
            - Não é tão simples, Matt. Eu não estou tentando afastá-lo para me vingar pela traição. É porque é impossível. Miguel não sabe ser fiel, ser casado, respeitar uma esposa. E ele será pai do filho de Alejandra. Não quero passar minha vida dividindo meu marido com ela. Nem quero imaginar o quanto ela usará essa criança para prendê-lo.
            - Ele também está preso à você.
            - Mas não quero que seja assim. Não vou disputá-lo!
            - Talvez você não tenha escolha, minha amiga. Ele quer participar, permita. Se permita viver isso. Nem de nós tivemos os pais que merecemos. O seu filho tem a chance de ter bons pais, mesmo que separados. Não lhe tire isso.

            Mesmo que por um instante Matt conseguiu arrancar um sorriso de Elizabeth. Ela acariciou o rosto do amigo como costumava fazer durante a adolescência deles.

            - Falou o homem que nasceu para ser pai. – Disse Elizabeth, sem muito pensar se aquilo se adaptava ou não na vida dele.

            Quando ela fez menção de se levantar e ir para casa, Matt negou. Ela passaria a noite ali. No quarto de hóspedes que inicialmente fora ocupado por Paty. Mas agora que ela dividia o quarto com ele, aquele estava disponível e Matt preferia que a amiga dormisse ali.
            Ele instalou-a, conversaram um pouco mais e só depois de ter certeza que Liz dormiria bem, Matt conseguiu voltar para a companhia de Patrícia. Ela preferiu deixá-los a sós para conversarem e não saiu do quarto. Isso, porém, não a impediu de ouvir parte da conversa. Justamente a parte que mais a entristeceria. Não que discordasse de Elizabeth, ao contrário, via o quanto ela estava correta. E por isso mesmo doía. Matt não demorou muito a ver a tristeza da namorada.

            - O que foi? Está com ciúme por Liz dormir aqui? – Ele estranhou vê-la amuada.
            - Não, claro que não. – Respondeu Paty. – Sei muito bem que Liz é sua amiga. Eu ouvi o que ela te disse.
            - Do que está falando? – No fundo, ele já desconfiava.
            - Ela está certa, Matt. Você nasceu para ser pai. Vai ser um grande pai.

            Aquele era um assunto doloroso para Patrícia e Matt sabia. Após um aborto clandestino feito no tempo em que era obrigada a se prostituir, Paty perdeu a possibilidade de gerar um filho. Chegou muito perto de perder a própria vida. Por isso, qualquer aproximação com crianças era difícil. E só a ideia de estar privando-o da paternidade a machucava.

            - Paty...eu não penso hoje tanto quanto pensava há anos em ter filhos. Ou seja, não penso. Não é um plano nem um objetivo na minha vida.
            - Mas um dia pensará. E na minha vida não será um plano jamais, porque não posso tê-los. Isso torna o nosso relacionamento...temporário.
            - Não. Não é temporário não. Você é minha namorada, é muito sério e eu pretendo um dia me casar com você.
            - E estaria disposto a nunca ter filhos? – A pergunta  foi dita olhando em seus olhos.
            - Se isso for necess....
            - Não fale como se não tivesse certeza, Matt. Não existe ‘se’. Eu não posso ter filhos. Isso é um fato do qual nós não podemos fugir. Não fará parte da minha vida. Mas pode fazer parte da sua. Nada te impede de ser pai, um grande pai. Nisso Elizabeth tem toda a razão.



            Antes de lhe dar qualquer resposta Matt a beijou. Patrícia sempre lhe dava a sensação de precisar de amor, de carinho. Ela era uma mulher carente de atenção. Parecia o tempo todo tentar antever a razão pela qual seria abandonada. Para se preparar, endurecer o coração e, talvez, fugir antes da hora.

            - Se eu for ser pai um dia, será com você. – Disse-lhe simplesmente.
            - Mas...
            - Existe muito mais do que biologia e genética envolvido na maternidade e na paternidade, Patrícia. Eu te amo demais pra desistir do meu presente pelo que nós achamos que vamos querer no futuro.
            - Eu te amo também. Muito. Só que te fazer feliz, completamente feliz. – Paty respondeu.
            - Você, faz.

            A noite foi dedicada a um amor muito doce no qual os dois tentavam demonstrar aquilo que sentiam. Não era pouca coisa. Ele estava abrindo mão de algo muito importante. Ela disposta a deixar seus temos de lado para fazê-lo feliz.