sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Dupla Perseguição - Capítulo 30








            Dormir foi algo difícil para todos. Rachel mal fechou os olhos naquela noite. Apenas estar ao lado de Ruan, instável, apesar de dormindo profundamente, tornava um sono tranquilo impossível. Precisava descansar, mas ficar com os sentidos alertas para qualquer coisa anormal. Além disso, a raiva fazia seu coração bater acelerado. Quando tivesse a chance, ia acabar com Ruan Rodrigues! Nunca tinha se permitido apanhar daquela forma. Até mesmo nos treinamentos da MI5, quando por vezes apanhou muito, nunca haviam lhe esbofeteado daquela forma, repetidas vezes. 


            Só mesmo George para fazê-la suportar isso. Mas teria volta. Ainda devolveria cada um daqueles tapas. A saudade de seu menino estava tão grande...e isso a lembrava que precisava ser forte. Suportar qualquer coisa. Se um dia longe dele a deixava assim, como seria se voltasse ao presídio?

Não ousou sair do quarto novamente para não gerar uma nova crise de ciúme em Ruan.

           

            Neal encarou o tablet até que o sono o derrubou, literalmente. Estava exausto, mas via que Rachel estava acordada ainda e ficava com receio dela sair do quarto e tudo recomeçar. Aquela provavelmente foi a madrugada mais longa de suas vidas.


            Peter também ficou acordado muito tempo. Ligou para Ell, conversaram, ele desabafou algumas preocupações...a mais preocupante delas estava ali, ao lado, encarando um tablet sem parar depois de lhe esmurrar a cara.


            - Neal...quer falar com Ell pra saber de George? – Perguntou com o celular na mão.

            - Não. Eu já falei com o Mozzie. Obrigado. – A resposta foi fria.



            Não tinham como se evitar então Peter tentou ao menos minimizar o estrago que Rachel estava causando na amizade deles.


            - Neal...você já tem idade pra não ficar fazendo birra. Por favor...essa madrugada já esta péssima o bastante.

            - Pra você está indo tudo bem. – Neal acusou.

            - Eu queria estar na minha casa, Neal. Com a minha mulher e bebendo uma cerveja. Ver a Rachel apanhar do Rodrigues não era algo que eu esperava também.

            - Eu só queria, Peter, que você conseguisse ver a Rachel como qualquer um dos seus agentes da divisão. Que você exigisse dela o que exige dos outros e que se preocupasse com ela como se preocupa com eles.


            Isso era impossível. Jamais olharia para ela e veria alguém como Diana. Rachel Turner era uma assassina fria que deveria estar presa.


            - Ela não é uma agente da minha divisão. Ela matou um agente da divisão. – Ele repetiu mais uma vez.

           - Então você não devia ter aceito a ajuda dela. Deveria ter dito para Stone que o caso estava perdido. Você não tem o direito de expor ela assim. A vida dela não pode valer menos que a dos seus agentes!

          - Ela não vai morrer, Neal. Você está sendo trágico demais. – Ele não ia fazer esse tipo de questionamento pessoal agora. Depois, com calma, poderia analisar se houve erro naquele caso. – Amanhã, Neal, eu preciso de você focado em encontrar esses papéis. É isso que vai garantir que consigamos sair daqui vivos e com o caso resolvido. Eu conto com você, Neal?


            Eles se entreolharam.


            - É claro. Nós chegamos até aqui, vamos até o final. Depois disso tudo, nós merecemos sair daqui com os títulos. E você, Peter, vai ficar devendo um agradecimento especial à Rachel.



            Amanheceu e todos estavam cansados, inclusive Ruan que ainda ressonava tranquilamente quando Rachel acordou. Discretamente, ela esticou o braço e pegou o celular, ligando para Neal.


            - Oi. – Ele atendeu no primeiro toque. – Falta pouco.

            - Sim, pouco. E vai valer a pena. – Ela sussurrou em resposta. – George?

         - Falei com Mozzie. Ele está bem. Não se preocupe. Essa noite você vai passar com ele. Eu prometo.

            - Eu vou pensar nisso o dia todo. – Rachel respondeu quando sentiu o ritmo da respiração de Ruan mudar. – Até depois.


            Desligou e sentiu Ruan beijar suas costas e a acariciar como se nada de errado tivesse ocorrido na noite anterior.






            - Como minha rainha acordou? – A voz era de anjo.

         - Com o rosto marcado e a nuca doendo por que o homem que prometeu me tratar como rainha, resolveu agir como se eu fosse um saco de treinar box. – Propositalmente, virou-se de frente. Queria que ele visse as marcas que deixou em sua pele.

            - Logo as marcas saem. – Ele disse como se isso resolvesse algo. – O que tenho de fazer para você me perdoar?

            - Nada...eu vou me vestir e começar o dia. – No papel de ‘magoada e ferida’ teria uma desculpa para mantê-lo distante. -  Vai ficar comigo hoje? O dia todo?


            Na verdade ela já sabia que ele teria compromissos, mas queria confirmar.


            - Não poderei, meu bem. Virei no fim da tarde, apenas.



            Depois Rachel foi se maquiar para evitar mais uma cena com Neal.  Vê-la com o rosto ferido só pioraria situação.


            Tomaram o café da manhã de uma forma constrangedora. Todos juntos, alguns comentários sobre as notícias do jornal, poucos olhares trocados, um clima pesado que cada um ignorava.


            - Cuide-se, Rebecca. – Ruan lhe beijou os lábios antes de sair. – Não se esforce demais.



            A primeira coisa que Neal fez após ter certeza que Rodrigues tinha saído foi olhar bem para ela, tentando ver o que a maquiagem disfarçava quase perfeitamente. Ela tinha se arrumado para tornar imperceptível os machucados, mas eles estavam lá, como se servindo de alerta e dizendo:parem.


            - Como você está? – Ele perguntou seriamente.

            - Não foi nada do qual eu não me recupere. 


            Ele pegou em seu rosto e, virando-a de costas afastou o cabelo para olhar as costas.


            - Disse que estava com dor na nuca. É verdade?

          - Um pouco. Bati as costas na cabeceira da cama. Mas logo passa. Estou ansiosa para ter esses títulos em minhas mãos. – Ela não pensava no meio, só no resultado final. Não importava quanto doesse, no final ela ‘sobreviveria’, exatamente como seu pai dizia. ‘Passe por cima do que for necessário, Rachel. E sobreviva. Isso é ser forte’. Levaria aquele ensinamento para o resto da vida. – Eu vou sobreviver. Não se preocupe comigo.

            - Impossível. Foi a noite mais longa de toda minha vida. – Neal respondeu, beijando-a rapidamente nos lábios. – Vamos de uma vez abrir aquele quarto. Não quero ficar muito mais aqui.



            Fizeram exatamente o combinado. Controlaram a escada, arrombaram a porta, entraram sem ativar o alarme e tiveram acesso ao interior da segunda porta protegida da casa. E tiveram mais uma frustração. Os papéis não estavam lá. O cômodo era uma espécie de quarto de segurança, um cofre sem precisar de senha de acesso. Muitas coisas realmente valiosas estavam ali. Obras de arte que deixaram Neal assustado por sua beleza e valor. Pelo menos num primeiro olhar, não passavam a ideia de peças sem valor ou falsificações. 


            Rachel mexeu em tudo, nervosa. Como era possível que não estivesse ali? Não! Tinha que estar. Precisava estar! Não podia ter sido tudo em vão!


            - Não está aqui! Não está! – Neal também não contava com isso. Ele olhou para o relógio. – Temos que procurar no resto da casa. Tem que estar em algum lugar.

            - Vamos procurar! – Rachel tinha vontade de colocar as paredes abaixo.

           

            Cerca de meia hora depois cada um estava procurando em um cômodo diferente quando Peter tornou a reuni-los. E por uma notícia ruim. Mais uma.



            - Mudança de planos, Neal. Vamos ter que ir ao FBI agora. – Ele também não estava satisfeito. – Não tenho como mudar isso.

            - Por que? – Rachel questionou. – Achei que esse caso era a prioridade!

            - É. Mas não a única prioridade. – Peter explicou sem dar detalhes. Não queria Rachel envolvida nesse caso. – Vamos. Agora!

            - Não posso sair! – Ela disse. – Ele surtou por eu deixar o quarto. Se eu sair da casa, vai enlouquecer de vez e ver que há algo de errado.

            - Não vou te deixar sozinha aqui. – Neal avisou. – Vai ter que ir sozinho, Peter. Eu e Rachel fazemos a pela casa.

            - Não! Você tem que vir comigo, Neal. – Ele olhou-o e Neal entendeu que não tinha escolha. – Agora. Quando quanto antes sairmos, mais cedo retornamos.



            Não era ficar sozinha o problema. Rachel não gostou foi do segredo que havia no ar. Peter estava escondendo algo junto com Neal. Desse caso? Outro? A volta dela para a Inglaterra? Poderia ser qualquer coisa.

           - Vão de uma vez então! – Não ia se preocupar com mais nada agora. – Ruan volta a tarde. Vou tentar encontrar os papéis eu mesma.

            - Vai conseguir arrombar a porta? – Neal não sabia até que ponto ela era boa nisso.

        - Tão bem quanto você, querido. – Foi a resposta afiada que Rachel lhe deu. Era bom que ele soubesse que não gostou do ‘segredinho’.



            Cada um seguiu para a sua missão.



            Neal e Peter correram para o FBI. Peter explicou o que se passava. O plano que vinham armando há semanas para atrair Lucy tinha finalmente surtido efeito. Porém, na hora mais imprópria.


            - Então a história chegou nela? – Estava surpreso.

        - Sim, a história que plantamos deu certo. Ela realmente acredita que agora que você está sem tornozeleira, está interessado em roubar uma joia, que está no cofre de um banco. Ela tem interesse em você...como ladrão. E também a incomoda o fato de que você não deu muita bola pra ela como mulher.

            - Ótimo. O caso andou. Mas não dava para deixar isso para amanhã?

            - Não. Eu tenho que agilizar o da Lucy também...e ela mandou uma mensagem para aquele celular que usamos.

            - E? – Não estava muito interessado.

            - Marcando um encontro com você, hoje.

            - Hoje? – O ‘timming’ de Lucy era sempre o pior. A mulher era irritante até nisso.

            - Sim. Não reclame Neal. Se não falar com ela hoje, podemos perdê-la novamente. É as 11hs em um parque.




            Foram até a sede do FBI para se preparar. Foi muito rápido. Não tinham tempo. Jones cuidava desse caso enquanto Diana não tirava os olhos e ouvidos da casa de Rodrigues. A todo o momento Neal a olhava e ela fazia sinal de positivo, indicando que tudo ia normal, Rachel procurava pela casa, mas ainda não tinha encontrado os títulos.


            O plano com Lucy era simples: enrolar a ladra e pegá-la pela ganância. Não tinham como querer prendê-la naquele momento. Não com a equipe envolvida em outro caso e Neal tendo o pensamento em outro lugar. Além disso, prender Lucy não bastava. Era necessário rastrear o dinheiro. Isso exigiria mais que um encontro com Neal em uma praça de NY.


            As 11hs ele estava lá. Pronto para jogar seu charme da forma mais agressiva possível e resolver a problema. Sua proposta era apenas concordar com o que ela queria. Deixá-la satisfeita e crente de que dariam um novo golpe. E deixar para resolver isso outro dia, quando conseguisse pensar com clareza.







            - Neal! Finalmente revejo você. - Disse ela ao aparecer no parque. – Mas deixe-me conferir se não está mesmo de tornozeleira. Sim?


            Neal ergueu calmamente a barra de cada uma das pernas de sua calça. Agora Lucy mostrava a verdadeira face. No fundo, essa realmente nunca o enganou. Sempre teve o pé atrás. Só não percebeu de início porque já estava muito envolvido com Rachel.


            - Não mais amarrado ao FBI, Lucy. Agora sou livre. – Disse. – E, melhor do que isso...estou lá dentro ainda. Sabe que tipo de possibilidade isso me abre?

            - Sim...a mesma que eu tinha dentro dos bancos. Eu sabia de tudo. Agora perdi isso. Graças a vocês. – Ela fez um biquinho que devia achar sensual. – Uma pena.

            - E você quer continuar roubando?

            - Você não quer? – Ela respondeu.

            - Isso é algo que um ladrão sempre quer voltar a fazer. É como um vício. – Tinha um grande toque de verdade nisso. No FBI ou não, sempre seria um ladrão e sempre estaria preparado para cometer outro crime, se precisasse. Ou simplesmente estivesse com vontade de roubar. Era da sua natureza. – E aí? Vamos...juntar nossos talentos.

            - Calma...primeiro vamos conversar. – Ela estava testando-o.

            - Eu tenho que voltar para o FBI, Lucy. – Ele não queria se demorar ali. Tinha que ir logo ver Rachel. – Diga logo o que quer. Não posso deixar o Peter desconfiado de mim. Seja rápida.


            Ela começou a caminhar e Neal foi obrigado a segui-la. Lucy não estava colaborando. E tudo que ele pensava era como estaria tudo na casa de Rodrigues.


            - Lucy...não vim aqui para caminhar. Vim aqui para saber se terei uma parceira. Topa?

            - Isso está...rápido demais, Caffrey. – Droga!

            - Eu não gosto de ser enrolado, Lucy. – Tinha que vencê-la. – Tirou do bolso uma de suas cartas na manga. – É isso o que eu quero.





            - Uau! Maravilhoso! – Joias sempre tinham impacto sobre uma mulher.

        - Joias reais...escondidas num cofre. – Ele lhe deu o sorriso mais incriminador. – Perdidas, para ninguém nunca ver. Eu acho que elas merecem vir para a rua, brilhar a luz do sol no corpo de uma bela mulher.


            Lucy olhava para joias e para ele. A vontade de roubar a estava convencendo a deixar o cuidado de lado. Estava quase mordendo a isca. Faltava apenas um empurrãozinho.


            - Por que essa vontade súbita de ter uma parceira, Caffrey? – Ela questionou.

            - Súbita? Quem disse que foi súbita? Eu sempre quis.

            - Eu me ofereci para você algumas vezes...e você sempre longe, sempre me deixando de lado.

         - Eu não queria uma investigadora de seguros, Lucy. Sou um criminoso. Preciso de alguém que entenda o meu mundo para ser a minha parceira. Uma criminosa...assim como eu.



            A lógica daquela conversa toda estava deixando Peter horrorizado. Será que Neal acreditava naquilo e por isso se sentia t]ao ligado a Rachel? Porque ela também era uma criminosa? Não tinha tempo para isso agora. O relógio já marcava 11h45min.

           

            - E você acha que eu posso ser essa criminosa? – Ela se aproximou.

          - Sim...se bem que você se interessou pelo Peter também. Será que não vai me trair? – Jogaria o jogo dela.

          - Não, Neal. Peter...foi apenas uma diversão passageira. É certinho demais para gente como eu e você. – Ela disse.

            - Concordo.

            - Como vai pegar a joia? – Ela ainda estava muito desconfiada.

         - Você já trabalhou nesse banco. Conhece as instalações internas. E consigo abrir o cofre. Crime perfeito, Lucy. – Ele foi se aproximando e beijou-lhe de leve os lábios. – Nós podemos ser perfeitos juntos.


            Ela encarou-o por um minuto antes de responder.


            - Venha comigo Neal. – E saiu andando.


            O que ela queria agora? Não iria a lugar algum!


            - Onde? Não posso demorar mais, Lucy.

           

            Lucy simplesmente o ignorou e saiu andando até um carro. Entrou e abriu a porta do passageiro. Neal precisou entrar. Rodaram por 15 minutos. Até que ela parou em frente a um prédio e mandou-o entrar.


            Era um lugar discreto e comum. Por dentro bem decorado.


            Passava do meio dia quando voltaram a falar.


            - Se vamos trabalhar juntos, Neal, será do meu jeito. Não do seu. Afinal, o Peter te prendeu duas vezes.

            - Andou me investigando? – Parecia que as mulheres gostavam disso.

            - Não...apenas ouvi por aí. – Ela saiu da sala e voltou com um envelope. – Nele, plantas do banco onde ele disse que estavam aquelas joias. Ela deveria ter aquilo de todos os bancos da cidade. – Vamos começar a estreitar nosso plano?

            - Agora? Não tenho tempo hoje. – Porque a pressa dela? – Tenho que voltar.

            - Eu não deixo coisas para depois, Neal. Agora!



            Por quase três horas, Neal foi obrigado a planejar um roubo de uma joia que estava exposta em museu há muito tempo, mas que Lucy, esperta, porém pouco ligada em arte e museus, achava que estava num banco. Marcaram para dali a duas semanas.


            - Por que tanto tempo? – Ela questionou.

            - Preciso arrumar equipamento. – Foi a primeira desculpa que lhe veio a cabeça.



            Quando ficou livre, olhou para o relógio: 15h23min. Pegou o celular e ligou para Peter.


            - Parabéns! Em duas semanas ela será presa em flagrante! – Peter o cumprimentou.

           - Como estão as coisas na casa do Rodrigues? – Era só o que importava. – Rachel achou os papéis?

            - Não! – Mas Peter tinha certeza de que encontrariam. – E Ruan esteve em um encontro com um receptador conhecido....achamos que vai fazer a venda hoje. Ou seja, vai em casa buscar. Nós vamos estar lá, então temos chance dele mesmo nos levar ao esconderijo. Estou chegando para buscar o...Nick. Já vamos para lá. Está tudo bem com ela, não se preocupe.

           

            BEM não era a palavra que Rachel usaria. Ela estaria bem quando estivesse com os títulos em mãos e longe daquela casa. Pegaria George nos braços e o abraçaria bem apertado. Aquele garotinho era tudo o que importava. Ela, Neal...eles se viravam, eles podiam sobreviver a qualquer coisa, eram vividos. George precisava deles. Era por George que ambos estavam se esforçando naquele caso.


            Já tinha revirado um andar da casa. Tudo, minuciosamente. Não estava lá. Olhou para o relógio. 15h34min. Diana lhe telefonou para avisar que Peter e Neal estava a caminho e chegariam em 30 minutos. Gostaria de já estar com os papéis e poder dizer q não fizeram falta.


            - Pensa, Rachel! Pensa! Isso vale ter o George todos os dias com você. Pensa! – Ela sabia que a resposta estava ali. Só precisava vê-la. – Onde ele esconderia esses papeis? Onde?


            O cofre já tinha sido revistado. Os dois quartos com alarme também. Tinha que ser um lugar seguro onde nenhum empregado mexesse ou encontrasse. Um lugar onde mais ninguém entrasse e, se entrasse, não encontrasse.


          Uma ideia, tão obvia quanto possível passou por sua cabeça. Era possível, improvável, mas possível.


            Rachel correu para o estúdio. Ruan havia dito que há nove anos ninguém além dele utilizava aquele lugar. Era, portanto, o lugar mais seguro da casa. Mas onde? O lugar era grande e tinha vários ambientes.


            Novamente Diana telefonou. A experiente agente do FBI concordou que tinha lógica na ideia. E deu algumas sugestões de onde procurar. Rachel olhou no vestiário, na academia, na sala dos tecidos revisou até o forro, apesar de não acreditar que Ruan conseguisse sumir até lá. Nada. Irritada, ela largou o telefone sobre uma mesa e parou de seguir as orientações de Diana. Seguiria o próprio instinto.


            A agente contatou o chefe e o colega que estavam a caminho.



            - Estamos há 15 minutos de lá, Diana. – Disse Neal ao telefone.

       - Tudo bem...a Rachel acha que os papéis estavam o tempo tudo no estúdio de dança. Está procurando lá.

            - Ele não faria isso. – Neal disse...mas depois pensou que fazia sentido. - A gente vai chegar logo.



            Sem muitas alternativas, Rachel tirou da parede um dos painéis que traziam Gabriella pintada. Pareciam fixos, mas não eram. Com algum esforço conseguiu retirá-los. Ao conferir a parte de traz, encontrou um envelope escondido. Mesmo antes de abrir, soube que estava com seu tesouro nas mãos.



            - São eles, Diana. São os títulos! – Ela nem lembrava onde tinha deixado o telefone, mas sabia que Diana a ouvia pelo microfone que seguia usando, disfarçado no anel que nunca tirava da mão.






            Enquanto isso, recolocava o painel na parede para ganhar tempo e Ruan não perceber logo que o havia roubado.


            - São os malditos papéis Diana! São eles! Avise Neal e Peter que estou saindo. Não vou esperar... vou sumir desse lugar antes que ele volte.

           

            O que Rachel não percebeu, foi seu celular vibrando sobre a mesa. Era Diana quem ligava tentando alertá-la para o fato de Ruan ter chegado mais cedo na casa. Ele viu Rachel colocando o painel de Gabriella na parede e, principalmente, ouviu-a falando. 


            Ruan agora sabia que ela havia encontrado os papéis e imediatamente percebeu que a ‘rainha’ estava ali apenas para roubá-lo. Ruan sentiu-se traído. Rebecca o traiu...como Gabriella. Eram iguais até nisso. De fora do estúdio viu-a olhar seus papéis. Não passava de uma ladrazinha.


            - Uma pena...tão linda quanto Gabriella. – Sussurrou. – Vai morrer igual a ela.


            Afastando-se do estúdio de dança para Rebecca não ouvir, ligou para a segurança externa e avisou que ninguém mais entrava na casa. Se seus ‘convidados’ insistissem, era para atirar.


            - Atira para matar! – Ordenou.

           

            As câmeras não davam a Diana a certeza do que Ruan tinha visto ou ouvido. Mas lhe pareceu muito estranha a forma como ele se aproximou de Rachel.







            - Rebecca...como aproveitou o dia? Explorou muito a casa? – Perguntou quando ela ainda estava de costas, escondendo o envelope entre suas coisas.


            Rachel surpreendeu-se ao encontrá-lo tão cedo. Dobrou o envelope e colocou dentro de sua bolsa de ensaio. Internamente, rezava para que ele não tivesse desconfiado.


            - Querido! – Virou-se e se aproximou, beijando-o. – Que bom que já chegou.


            Ruan tomou seus lábios com força...Rachel sentiu os dentes a arranharem. As duas mãos dele circularam seu pescoço. Por um instante ela achou que ele iria sufocá-la. 


            Ele olhava-a de uma forma estranha. Não era o surto de ciúme. Rachel sentiu medo, seu coração bateu acelerado. Ruan estava controlado, se segurava...e ela preferia que explodisse. Poderia se defender melhor. Assim ficava sem saber como agir. 


            Ele tirou as mãos de seu pescoço.


            - Senti tanto a sua falta, Rebecca. – Ele acariciou-lhe o rosto. – Dance pra mim. Agora. Nos tecidos. Quero te ver neles mais uma vez. 


            Precisava vê-la mais uma vez dançando antes de matá-la. Se ao matar Gabriella, apenas largou o corpo ali, Rebecca já morreria nos tecidos. Ambas, tão parecidas, mereciam finais semelhantes.

           

            Diana sentiu um arrepio. Tinha algo de macabro na fala de Ruan. Chamou Peter e Neal pelo rádio. Achou melhor que eles não entrassem na casa.


            - Não entrem! – Gritou. – É uma armadilha!

            - O que? Como assim Diana? O que aconteceu lá?!?! – Eles estavam a uma quadra de distância.

            - Não entrem! Não se aproximem! – Ela sentia isso enquanto ouvia uma música começar a tocar. Não via, mas sabia que Rachel estava nos tecidos. Dessa vez ela não iria enrolar Ruan. – A Rachel está com os títulos. Ela achou. Mas o Ruan chegou e está com ela. Ele está estranho...eu acho que ele viu tudo. Os dois estão jogando um com o outro...ele disse que precisava vê-la dançar mais uma vez...

            - Já pediu reforço? – Peter assumia o comando, dando meia volta e parando o carro a uma distância segura.

            - Sim. Está a caminho...e nós também. Eu já encontro vocês aí chefe. Estou ouvindo tudo.

            - A gente tem que entrar! – Neal gritou.

          - Sem precipitação, Neal. – Peter tentava usar a cabeça. – Ela está dançando pra ele...melhor mantê-la assim até chegar reforço. Diana...libere o sinal do microfone dela para nós. Se ficar muito perigoso a gente vai...só nós.

            - Em 4 minutos eu estou aí, chefe. Em 10, as viaturas. Vai dar tempo. – Ela respondeu.



            Rachel exercitava-se nos tecidos tentando convencer a si mesma que estava tudo bem. Não estava. Era óbvio demais. E quando observou Ruan trancar a porta do estúdio e guardar a chave no próprio bolso, viu que o teatrinho estava próximo do fim. Do alto olhou as paredes sem janelas e percebeu que não tinha escapatória. Por outro lado, sabia que Diana estava ouvindo tudo. Sabia que o FBI queria aqueles papéis, ela não, mas sim os papéis. E eles viriam. Só tinha que ganhar tempo.


            - Está gostando, querido? – Perguntou.

            - Muito. Bela como sempre. – Ele se aproximou do tecido. – Desça, Rebecca. Venha aqui.


            Ela pensou bem. O mais fácil seria não descer. Poderia manter-se segura nos tecidos durante horas, mas fugir e se esconder como um animal covarde não era de sua natureza. Iria para o tudo ou nada. Para sair, no entanto, precisava da porta aberta e a chave estava no bolso dele.


            No momento em que a van trazendo Diana, Jones, os agentes de apoio e o equipamento chegaram ao ponto mais próximo que podiam da casa, Rachel deu adeus a farsa.


            - Por que trancou a porta, Ruan?

          - Por que você acha, Rebecca? Pra te ter só pra mim...assim seus amiguinhos não aparecem. O Peter e o...como é mesmo...Neal. – Ele tinha ouvido tudo. Sabia dos papéis. – Desça daí! Já!


            Ruan pegou o tecido e começou a movimentá-lo. Se ela não desse-se, ele a faria cair.



            - Abra a porta e eu desço. – Ela respondeu agarrada com força ao tecido. Estava no topo do tecido, na parte mais alta e deixou-se descer um pouco. Ruan passou a movimentar muito rápido o tecido, fazendo-a perder o equilíbrio.

            - Sem acordo, Rebecca! – Ele jogou o pano contra a parede. Ela, como um pêndulo, foi junto e chocou-se contra a estrutura. Mas não soltou. – Se não descer por bem, Rebecca, eu vou te fazer cair daí e vai ser uma queda feia.


            Jogou-a de um lado para o outro. Ela nem sequer pensou em soltar, sabia que se machucaria, tentou então descer e enfrentá-lo no chão. Mas ele estava fora de si e dificultava a tarefa.


            - Desista Rebecca! Se acha que os amigos virão te ajudar, está errada. Quem se aproximar da casa, vai levar tiro. Desista! Saia daí!


            Ele voltou a puxar o tecido, girá-lo fortemente para todos os lados. Ela se protegia das pancadas contra as paredes como podia. Até que perdeu o equilíbrio ao chocar o lado esquerdo do corpo com a parede do estúdio e percebeu que estava caindo.


            Rachel gritou vendo o chão se aproximar e viu tudo ficar preto ao seu redor.










            O barulho da queda e o silêncio de Rachel chegaram junto com o reforço policial. Peter foi falar com os policiais e não percebeu exatamente o que se passou. Neal sim. Ele encarou Diana esperando que ela desce a ordem para invadirem imediatamente. Mas a ordem não veio. Diana não passaria por cima de Peter e ele, estava combinando algo com os outros agentes. Estavam procurando pela melhor estratégia. Eram bons no que faziam, eram os melhores. Mas não entendiam que seria tarde demais se ficassem ali parados mais tempo. Rachel estava calada. Machucada, talvez? Morta?


          Peter falava aos agentes que tinham três missões. Garantir a vida da ‘consultora’ que estava ajudando no caso e estava sendo mantida a força no lugar, recuperar os títulos e prender Ruan Rodrigues. Nessa ordem de importância. Apensar do que Neal o acusava, mesmo sendo uma assassina, a vida de Rachel era tão importante quanto qualquer outra integrante de sua equipe. Entre pegar os títulos e mantê-la viva, jamais escolheria os papéis. Até porque sabia que aquela mulher, criminosa ou não, tinha Neal e um bebê que a amavam e precisavam dela. Seu amigo, que já tinha visto Kate morrer tragicamente, perderia o chão se Rachel não saísse daquela casa com vida.


            Seriam obrigados a invadir. As perspectivas eram assustadoras. A casa estava cercada, a polícia ia obviamente ser recebida a tiro. Neal decidiu que precisava fazer algo.


            - Peter! – Chamou. – É agora!

            - Não...assim não. Se entrar de qualquer jeito todos morrem.

            - Está tudo quieto...não ouvimos mais ela. – O pânico tomava conta dele. – Eu tenho que entrar.

           - Me dá um minuto...vão chegar mais policiais e... - Pelo rádio ele foi chamado . – Sim...o que, como não tem efetivo? É agora! Tem uma refém lá dentro e...


            Sem pensar, Neal pegou uma arma e saiu da Van. Sozinho, tinha mais chance de entrar pelos fundos, enquanto a briga ocorresse na entrada.


            - Neal não faça nenhuma bobagem! – Gritou Peter ao vê-lo se afastar armado. Estava claro o que ele ia fazer. Peter sentiu medo. Sob a pressão dos próprios sentimentos Neal costumava fazer muitas bobagens. – Invadam agora. Vamos ter que entrar sem o efetivo completo.


            Ao sair da Van, Neal deixou de ter acesso ao som dentro do estúdio, Não ouvia mais nada de Rachel, mantendo contato apenas com Diana. Sabia que homem tinha conseguido derrubá-la, mas depois, nada, absolutamente nada. Aproximou-se pela lateral da casa e observou os seguranças. A maior parte estava na frente, mas dois mantinham guarda ali. E sobre o muro havia uma cerca elétrica. Olhou para a arma e pensou que, ao que parecia, tinha chegado o dia em que ia matar alguém. Nunca tinha cometido um assassinato, mas, se fosse necessário, puxaria o gatilho hoje.


            Com passos leves e discretos aproximou-se pelas costas de um segurança. Ele ouvia pelo rádio outro informar que tinha policial na área e que aquilo não terminaria bem. Dizia que estavam na frente da casa e que poderia ter de ir lá. Deu-lhe uma coronhada na nuca e deixou-o ali desmaiado. Agora precisaria saltar o murro sem tocar na cerca elétrica, nem ser visto.


            Não foi simples, precisou cuidar exatamente onde tocava para não receber a descarga elétrica, mas entrou. Quando colocou os pés no terreno de Ruan, ouviu os primeiros tiros na entrada. Seguiu para o estúdio e não se surpreendeu ao encontrar a porta ainda trancada o não ouvir absolutamente nada. Começou a arrombar a maçaneta da porta.



            Quando Ruan percebeu que Rebecca tinham apagado ao se chocar com o chão, achou que a sorte não podia lhe sorrir mais. Arrastou-a da sala de tecidos até a de dança, cheia de espelhos e barras de alongamento.


            - Quem mandou me enganar, querida Rebecca? Agora terá o que merece! – Ele falou sem saber que Diana ouvia. Ela queria estar invadindo o lugar também, mas alguém precisava coordenar a operação. – Acorde logo, meu bem. Temos que nos divertir juntos antes de você morrer.

            - Neal? Peter? Estão me ouvindo? – Ambos usavam seus fones.

            - Sim. – responderam juntos. Mas um não tinha contato com o outro.

            - Ruan está falando com Rachel...ela não responde. Mas ela está viva.

           

            Ruan tinha arrancado as roupas de Rachel e amarrado seus pulsos a barra de ferro que circulava toda a sala. Quando ela estava firmemente presa, jogou água em seu rosto para acordá-la.


            -AAAA!!! – Ela abriu os olhos bem desperta. Sabia exatamente que estava diante de um louco. – Seu desgraçado! Se pensa que tenho medo de você está enganado. Se pensa que me amarrar nessas barras vai me impedir de me defender, é mesmo muito imbecil. – Com isso ela avisava Diana sua localização exata.


            E Diana avisou Neal e Peter. O chefe do FBI estava no meio do tumulto na entrada, tentando passar pelos seguranças armados. Neal, abrindo a porta do estúdio.


            - Sua vadiazinha! Dessa vez você vai apanhar calada! – Amarrando um pedaço de pano em sua boca ele a impedia de gritar. – Pena que não vou poder ouvir você implorar para eu parar.


            Ela não podia gritar e, mesmo se pudesse, não imploraria nada para aquele homem. O que ele queria? Lhe espancar? Torturar? Estuprar? Podia até conseguir o objetivo, mas ela ia garantir bastante dificuldade. Colocou-se de pé e ficou aguardando ele tornar a se aproximar. Ruan não sabia do que ela era capaz.

           

           



            - Vadia! Achou que ia me roubar? – Ele conseguiu esbofeteá-la mais uma vez. Porém, agora, Rachel não precisava mais apanhar quieta. Com um chute rápido dado no meio das pernas de Ruan, o fez se curvar para frente de dor. – AHAHA cachorra! Vagabunda! Você me paga por isso.


            Aproveitando-se que ele gemia de dor e estava no seu alcance, Rachel deu-lhe mais um chute. Dessa vez bem no queixo. Sabia, no entanto, que os chutes eram sua única arma já que suas mãos estavam fortemente amarradas. Não ia segurar Ruan muito tempo.


            - Eu acabo com você! – Disse ele se levantando e vindo em sua direção. Rachel tentou dar mais um chute. Conseguiu, mas já sem a mesma força. E dessa vez ele lhe segurou o pé. Estava imobilizada. – Sabe que gosto de mulher assim? Brava, arredia, daquelas que domar dá trabalho. Eu vou tirar a mordaça...mas se você tentar algo, quebro todos esses belos dentes que você tem na boca, entendeu?


            Ele tirou o pano da boca de Rachel e ela realmente não gritou. Não por medo...sabia que ter dentes afiados para morder eram uma boa arma. Se tivesse que arrancar pedaço de Ruan para mantê-lo afastado, o faria.

            - Implora! Pede pra eu não te matar, vadia! – Ele gritou.

            - Porco, nojento. Se soubesse o nojo que eu sentia quando você me beijava! – Ela respondeu. Implorar? Jamais.


            Só que ela estava nua, amarrava e completamente exposta a Ruan. Irritá-lo não era a melhor estratégia.


            - Nojo é? Vamos ver o que sente agora? – Ele agarrou ambas as pernas dela e segurou-as enquanto abocanhava um dos seios. Ela se mexia e tentava soltar as pernas para golpeá-lo novamente. – Sente nojo agora? Sente?

            - Sinto! – Ela o sentia passar as mãos em seu corpo, com as mãos tocá-la intimamente e tentava se soltar. – Eu vou acabar com você!


            Ele riu.


            - Não, não vai! Por mais raivosa que esteja, Rebecca...você está vulnerável agora. – Ele não parava de tocá-la. – Vai tentar me chutar? Se conseguir será pior porque só vai me fazer ter mais ódio e te espancar ainda mais. Eu vou te comer antes de te matar, só pra te mostrar, ruivinha, quem manda aqui. Você veio me roubar, agora aguente!


            Ele tirou as mãos das pernas dela por alguns décimos de segundos e se afastou para abrir o fecho da calça. Tempo suficiente para Rachel puxar a perna e, num grande esforço devido ao cansaço, lhe dar um chute alto, no peito. E quando ele titubeou, mais um, no rosto. Quebrou o nariz dele. Mesmo amarrada, arrancou sangue da cara do infeliz!


            - Desgraçada! – Ruan veio para cima de Rachel como um animal. Puxou-lhe a cabeça para trás pelo cabelo e lhe deu um soco no abdome. – Quer apanhar então? O que acha agora?


            Ela perdeu o ar. Sentiu que a batalha estava perdida. Sentia as pernas doendo pelo esforço de chutá-lo tantas vezes e os pulsos ardendo de tão fortemente amarrados. O rosto estava ferido, as costas doíam desde a queda dos tecidos. Permanecia de pé bravamente, apenas para não reconhecer a derrota.


            Ela ouviu passos e soube de quem eram. Sabia quem conseguia abrir fechaduras tão fácil e silenciosamente. Sabia que ele viria, com ou sem polícia, ele viria. Só se surpreendeu por vê-lo segurando uma arma. Neal tinha horror de armas. Nunca havia matado em sua vida.





            - Se afaste dela. Já! – Disse tão transtornado quando Ruan. – Agora!

            - Ou você vai fazer o que? – Ruan continuava tocando-a, mas surpreendeu-se ao vê-lo ali.

            - Eu acabo com você! Solta ela, Ruan. A polícia está vindo.

            - Não! Essa vadiazinha vai ficar bem aqui comigo...deixemos que a polícia entre. – Ruan colou-se ao corpo de Rachel. – Atire...Neal...atire....só cuidado para não acertar a bela Rebecca.

           

            Mais para assustar do que para qualquer outra coisa, Neal apertou o gatilho com a arma voltada a uma das paredes envidraçadas. O estrondo foi grande e os estilhaços deixaram o lugar cheio de vidro.


            Ruan e Rachel assustaram-se com o estrondo do vidro se partindo em milhares de pedaços. Antes claro e cheio de reflexos deles em todas as paredes, agora o espelho era lixo e não mostrava mais nada.






            Mais um tiro soou no estúdio de dança. Esse segundo não era apenas de aviso. Esse era para obrigar Ruan a largar Rachel. O segundo tiro acertou o joelho de Ruan. E não foi dado por Neal.


            - Largue essa arma Neal. – Peter estava na porta. – Agora!


            Quando entrou no estúdio e ouviu o tiro Peter pensou em duas possibilidades. Na primeira Rachel estava morta e na segunda Neal tinha matado Ruan. Nas duas Neal estaria completamente ferrado. Quando entrou e viu que era apenas o espelho, respirou aliviado. Percebeu também que Ruan não estava armado e que baleá-lo era o melhor a fazer. Mesmo que conseguisse dar mais algum golpe em Rachel, não seria nada grave. Mirou no joelho e puxou o gatilho.


            Ruan afastou-se imediatamente, levando ambas as mãos ao joelho direito qe jorrava sangue não chão. Rendê-lo trouxe muito prazer a Peter. Nada melhor do que um criminoso algemado.


            - Você está preso, Ruan Rodrigues...e a lista de crimes é grande demais para eu ler agora.



            Jones estava concluindo a prisão quando Diana se aproximou de Peter.


            - Chame a equipe médica, sim? Rodrigues levou uma bala e... Rachel está machucada também. – Pediu à colega.

            - Eu chamei. – Ela respondeu com a competência de sempre. Ela olhava para a ruiva deitada no chão. – Mas acho que ela já está sendo bem cuidada.



            Diana referia-se a Neal não ter sequer percebido que ela chegou ou a Ruan já estar sendo retirado dali. Ele só tinha olhos para Rachel. Ele havia lhe soltado as mãos e a coberto com o paletó. Rachel estava consciente, apesar de machucada. Não falavam muito, apenas se olhavam. Rachel não reclamava de dores, nem de absolutamente nada, negava-se a deixar cair alguma lágrima.


            - Vai ficar tudo bem agora. – Ela disse calmamente. Realmente não parecia que tinha passado por tudo aquilo nos últimos dias. Estava controlada. – Quero passar essa noite com o George. Você prometeu.

            - E vou cumprir. – Neal respondeu.


            Sem nem pensar se Peter estava ou não por perto, Neal a beijou. Estava tranquilo novamente. Ela estava ferida, mas ia se recuperar e Rodrigues nunca mais chegaria perto. Foi um beijo tranquilo. Beijo de quem não tem a mínima pressa. Ficaram ali, juntos, no chão, até que chegou o atendimento médico.


            Depois tudo ocorreu rapidamente. Ela foi examinada e, contra a vontade, levada até o hospital. Estava bem. Só precisaria tirar algumas radiografias para ter certeza de que a dor nas costas não era nada mais grave. Afinal ela havia caído de uma altura considerável, fora a todo o resto que viveu nas últimas horas. Como ela estava nervosa e não queria facilitar a vida da equipe médica, eles a sedaram.


            Aguardando-a acordar e já com a resposta de que ela não tinha fraturado nada, Neal a levaria embora do hospital logo. Era só Rachel abrir os olhos e poderiam ir. Estava liberada para ir passar aquela noite em casa. Quando Peter entrou no quarto do hospital, Neal soube que não poderia ignorá-lo. Ele já tinha ido para casa ver Ell, trouxe notícias de George e Mozzie e agora estava no ‘modo’ amigo. Não era mais o chefe do FBI. Esse era o Peter de que ele mais gostava.









            - Você continua com esse terno...não foi em casa? – Peter perguntou.

            - Não queria que ela acordasse sozinha. – Era verdade.

            - A dose de calmante deve ter sido forte para derrubá-la assim. – Peter riu antes de voltar a falar. – Não entendo Neal! Ela estava amarrada...e mesmo assim, você viu como deixou o cara? Ela destruiu o rosto dele só com chutes.


            Neal riu.


            - Ela é ótima em se defender. E em atacar.

          - Você tem razão, Neal. Devo um agradecimento a Rachel...os títulos já estão na nossa sede. Vou entregá-los aos Stone amanhã cedo. Finalmente Ruan vai para a cadeia...e não só pelos títulos. Ele acabou mais enrolado até do que a gente imaginava.


            Neal o olhou-o.


            - A Rachel vai adorar receber o seu mais sincero ‘muito obrigado’.

            - É, eu sei. – Não era todo dia que agradecia um assassino.


            Ambos ficaram ali esperando-a acordar. Neal precisava vê-la bem novamente, vê-la sorrir. Peter queria levá-la de volta ao FBI antes que aprontasse alguma.



            Os três seguiram para o FIB no mesmo carro, em um silêncio profundo. Peter desconfiava que Rachel ainda estava sob efeito de algum calmante ou, no mínimo, não estaria tão calada. Subiram até o andar da divisão de Colarinho Branco e, para Peter, era finalmente o fim daquele dia infernal e daquele caso.


            - Parabéns, Rachel. – Ele lhe disse estendendo a mão. –Você trabalhou muito bem. Já tive agentes muito bons...você está entre os melhores.


            Neal observava a cena e via o quanto era difícil para Peter ter de dizer essas palavras. Tecnicamente podiam ser verdadeiras, mas ele não queria pronunciá-las.



            - Obrigada pelo que fez. Foi importante para a divisão. Eu não queria que tivesse se machucado durante o caso. Espero que melhore logo. Fique pronta pra próxima. – Concluiu Peter ainda com a mão estendida.


            Rachel não ofereceu a sua. E explico o por quê.



            - Não vou apertar sua mão, Peter. Você não quer que eu faça isso de verdade, não gosta de mim. E eu não gosto de você. Nós apenas nos suportamos. – Ela olhou para Neal. – Você gosta do Neal e por isso aceita olhar na minha cara. Tudo bem.

            - Você vai ficar conosco e...- Ele tentou selar a paz, mesmo contra vontade.

           - E eu vou dar o melhor de mim em cada caso que colocar em minhas mãos. Não por você nem pelo FBI. Mas para ficar perto do meu filho. – Não falou em Neal porque aquele era um assunto muito privado. – Eu estou bem. Não precisava ter ido ao hospital. Amanhã estarei pronta para outra. Simples assim.

 Ela deu as costas para Peter e foi falar com Neal.


            Peter imaginava que Neal iria apenas lhe entregar algum remédio que ela devesse tomar para dor ou algo assim, se despedissem e fossem sair. Pretendia trancar bem a porta e avisar ao guarda para ficar de olho nela. E ir para casa dormir. Estava precisando. Não foi assim.


            - Onde está George? – Rachel perguntou para Neal. – Você disse que eu iria passar essa noite com ele. Imaginei que Mozzie estaria aqui nos esperando.

            - George está no meu apartamento. – Era muito tarde.

            - Por que? Você disse... – Ela ia cobrá-lo a promessa.

        - Você vai para lá também. Vai passar a noite lá, comigo. – Ele tinha decidido isso. Muita coisa aconteceu e, por mais forte que ela fosse, passar por tudo isso era difícil. Não ia deixá-la sozinha.

            - Neal! – Peter chamou. – Não. Não temos autorização para isso. Ela fica aqui.


            Neal primeiro falou com ela.


            - Vai pegar um pijama e uma roupa para amanhã, e volta aqui. – Ele ignorou Peter. – Não demora, ta?

            Quando ficou sozinho com Peter, Neal lhe explicou.


            - Ela vai comigo. Está decidido, Peter. – Mas ele sabia que não tinha poder para decidir isso.

            - Isso não está no acordo. Ela tem uma pena perpétua, Neal. O acordo a coloca aqui no FBI, salvo saídas em casos que estejamos investigando ou passeios com o filho, que ela arrancou de mim numa chantagem! Dormir na sua casa não está no acordo! – Disse o chefe da divisão de Colarinho Branco.

            - O acordo também não previa ser amarrada, amordaçada ou espancada! – As regras que fossem para o inferno. – Ela vai comigo, Peter. Enquadre isso como um passeio com George. Afinal ele estará lá também.

            - Neal...você dificulta as coisas assim. – No fundo Peter entendia a situação, mas não gostava de ceder.

            - Eu prometi que ela ia passar essa noite com George e, depois de tudo a que ela se sujeitou pelo SEU caso, acho que é você quem está dificultando as coisas.



            Rachel voltou carregando uma pequena mochila e decidida a não interferir na briga dos dois.


            - Vamos? – Neal perguntou.

            - Sim. – Ela respondeu.



            Peter os observou entrar no elevador de mãos dadas. Aquele relacionamento ainda lhe traria muitos problemas.