sábado, 25 de junho de 2016

Alguém Para Perdoar - Capítulo 8

       Não se tratava daquele carinho, lento e cheio de sentimentos com que Milena estava habituada. Nem mesmo da forma doce com que Nathan lhe beijava em sonhos durante esses anos de solidão. Aquele beijo foi ficando mais intenso, mais  irresistível e até mesmo o ar parecia lhe faltar. Conscientemente, sabia que deveriam parar. Estavam sob o parreiral de sua família e Maria Fernando brincava ali perto, poderia vir vê-los a qualquer momento e surpreendê-los naquele instante de intimidade. Mesmo assim, sentia-se entregue e não conseguia se afastar.
            Percebeu quando Nathan afastou os braços que lhe apertavam a cintura e sentiu um calafrio. Desejava que ele ficasse exatamente ali, grudado ao seu corpo e lhe transmitindo todo aquele calor. Mas agradeceu quando sentiu aquela mão passear pela curva de seu quadril, apertar seu traseiro e coxas. Não lhe passou despercebido quando Nathan foi subindo seu longo vestido, desnudando suas pernas até que pode tocar a pele das coxas e sentir sua textura. Ela estava entregue e louca para se atirar no solo junto dele e livrar-se de todas as roupas.

            - Por mais que eu queira continuar, bella ragazza. Nossa filha pode nos ver a qualquer momento. – Nathan disse quando conseguiu afastar seus lábios dos de Milena. As mãos, no entanto, continuaram a lhe acariciar.
            - Me solta! Você tem razão...isso foi... – O encanto estava quebrado e Milena mal conseguia acreditar no que havia feito.
            - Foi paixão, tesão, desejo...não fuja das palavras. Eu não te forcei a nada.
            - Não disse que forçou. E não eu aqui quem costuma fugir nas horas difíceis. – Ela ajeitava as roupas diante dele e o olhar de Nathan fervia assistindo. – Pare de me olhar assim. Eu...perdi a cabeça, só isso. Não vai se repetir.
            - Vai sim, e você sabe. Porque por mais que eu tenha errado com você, seu corpo ainda se lembra de como somos bons juntos.



            A crua verdade dita por Nathan machucava Milena. Lhe soava muito injusto ainda desejá-lo quando ele lhe fez tanto mal. Mas, disse a si mesma, não importava. Por mais desejo que ele lhe despertasse, não era uma mulher dominada pelo prazer e não se permitiria enganar dessa vez, não quando tinha uma filha a quem proteger.

            - É verdade, Nathan. Por mais que eu tente, não consigo te odiar por completo. Deve ser porque meu corpo o reconhece e sabe que do nosso tempo junto nasceu Maria Fernanda. Ela é o que de mais lindo eu tenho na vida, é dela todo o meu amor, só por ela eu digo que sou feliz. De todo o resto eu abriria mão pela felicidade de minha filha.
            - Nossa! Não esqueça que Maria Fernanda é nossa filha. – Nathan corrigiu.
            - É, nossa. – Naquele instante Milena reconhecia que viver mentindo era cansativo demais. - E mesmo que os anos tenham passado, ainda há um pouco daquele amor aqui dentro, não negarei. Ele não se apagou, mesmo você me machucando do jeito como fez. Mas isso não significa que eu consiga esquecer tudo o que nos aconteceu, voltar quatro anos no tempo e retomar de onde paramos.



            - Nem eu quero voltar no tempo. O passado me traz recordações tristes, Milena. Eu estou...estou mais esperançoso com o futuro. Quero que seja tudo diferente.
            - O que quer dizer com isso?
            - Por todos esses anos que eu passei fora, era atormentado por um sentimento desconhecido por mim até então. Eu lembrava dos nossos momentos juntos e me sentia agoniado. Não sabia o que era esse desespero, nunca tinha sentido por mais ninguém e sei que não sentirei novamente. Por isso voltei, queria sentir novamente o sabor da felicidade.
            - É muito fácil dizer isso quatro anos depois de sumir quando eu mais precisei. Você está encantado por Maria, entendo. Mas não misture as coisas, não nasceu para essa vida em família.
            - É claro que estou encantado por Maria. Ela é a minha filha e eu já a ama. Mas não foi por ela que eu voltei. Não foi por ela que viajei ao Rio Grande do Sul no mesmo dia em que cheguei da Itália.  Depois de tudo que aconteceu por lá, eu vim decidido a ter você de volta pra mim. Já te amava naquela época, apenas não sabia. E agora que sei, não aguento carregar isso comigo em silêncio. Eu a quero de volta.

            Sem palavras, Milena encarou aquele belo homem que em segredo já havia sido seu. Era difícil lhe dizer não. Mas como mãe, sentia ser sua obrigação. Se quisesse ficar, Nathan que o  fizesse pela filha. Eles não tinham futuro, por mais que seu corpo gritasse o contrário.

            -Não, Nathan. Se você pensa que pode vir aqui dizer que me ama e se arrepende, e tudo ficará bem, está enganado. Mesmo te amando não poderei estar com você. Não adianta te amar e não confiar. Eu passaria meus dias esperando por aquele amanhecer em que você perceberá ter se cansado da rotina e fará as malas. Não sirvo mais para isso. – Com amargor ela respondeu. - Mas sei dos seus direitos como pai de Maria, e ela merece saber que é sua filha, mesmo que não fiquemos juntos.

            - Então você aceita que estarei perto de vocês, mas não me quer como homem? É isso? – Ele perguntou, sorrindo, enquanto via lágrimas nos olhos dela.
            - Exatamente. Vou conversar com minha família, contar o que aconteceu e marcar um jantar com você lá em casa.
            - Ótimo. – Ele confiava que aquela armadura contra ele iria cair aos poucos. – Mas eu prefiro estar junto quando você contar.
            - Essa decisão é minha, não sua. – Milena foi dura. Então seus olhos ficaram mais doces quando viu Maria se aproximando. – Eles irão aceitar que resolvemos ter uma relação de amigos pelo bem de nossa filha, como aceitaram que eu fosse mãe solteira. Está na hora de irmos.
            - Está bem. – Ele achava que já haviam avançado muito. Milena reconheceu ainda sentir algo por ele. Apenas era teimosa o bastante para ainda crer que algo capaz de sobreviver a solidão por tantos anos, agora, com ele ali perto, não fosse desabrochar. – Mas não acredito que vamos ser amigos, Milena. Ainda há uma chama entre nós.
            - É apenas isso. Uma chama.
            - No que depender de mim, vai arder feito brasa, daquelas que nem uma tempestade consegue apagar. O desejo não vai morrer apenas porque você quer.
            - Pare de falar essas coisas!
            - Por quê? Não fique tímida quando digo isso. – Naquele momento, o fato de Maria não ouvi-los era bom. - Não é errado sentir tesão por mim. É uma mulher livre. E agora eu também sou um homem livre. Eu te quero também. E não vou mais esconder isso.

            Milena foi embora com o corpo e a mente fervendo. Os pensamentos tentavam imaginar quando seria o melhor momento para informar os pais e os irmãos de quem era o pai de sua filha e, ao mesmo tempo, deixar claro que nada mudou quanto a ela. Já o corpo estava em combustão pela ânsia de estar junto dele. Caso não fosse uma mulher sensata, largaria tudo e iria ao seu quarto de hotel e daria vazão a tudo o que acumulou nesses anos. Por ser sensata, passou direto pelo mãe, pediu a Giovanna que olhasse Maria enquanto se banhava antes de voltar para sua casa na cidade.

            - Está tudo bem, Milena? Não sente frio com esse vestido de alcinhas hoje?
            - Não, mãe. Estou fervendo, se quer saber. – O motivo ela não contou.


...

            Em São Paulo, Márcia arcava com o preço de suas atitudes sem pensar. Alex, que até estão tinha se mostrado um ex-marido inútil, mas que em nada lhe atrapalhava, após seu sumiço sem avisar, resolveu dificultar as coisas. Como Raul havia lhe alertado, ter vindo de Minas Gerais para ver o menino e ser recebido por uma porta fechada, sem que Márcia sequer atendesse ao telefone para dar explicações, irritou o engenheiro a ponto de que, agora, ele se dizia disposto a comprar a briga com a ex.
            Na sua manhã de folga, enquanto ela passava algum tempo junto do filho, o porteiro afirmou que um oficial de justiça a procurava. Ao deixá-lo subir, Márcia descobriu que junto dele estava uma assistente social. E isso já lhe dava uma ideia do que acontecia.

            - O Senhor Alex Salomão então com processo na vara da infância e juventude contra a senhora, acusando-a do crime de alienação parental e de afastá-lo propositalmente do filho, dificultando visitas e impedindo-o de cumprir seu papel de pai.
            - Meu ex-marido não sabe o que está fazendo. – Mesmo furiosa, ela sabia ser importante manter-se serena na frente das autoridades. – Eu não o afasto de Joaquin, apenas não decidirei minha vida pelos desejos dele. E me mudei de Minas Gerais para São Paulo.
            - Ele alega que veio visitar o filho e a senhora descumpriu um acordo.
            - Esqueci de uma combinação feita às pressas e por telefone. Sou uma mulher muito ocupada. Além disso, Alex descumpriu votos bem mais relevantes e feitos na frente de testemunhas. – A mágoa pela traição continuava lá, mesmo tendo-se passado mais de um ano da descoberta.
            - Bom, a senhora assine aqui a intimação, por favor. E compareça a audiência amanha pela manhã.
            - Audiência para quê? Ele quer visitar Joaquim, ok, eu permito. Amanhã terei uma agenda cheia e é melhor resolver...
            - Sugiro que cancele seus compromissos, senhora Campos. Foi uma intimação do juiz, não um convite. Passar bem.



            Na manhã seguinte, Márcia tinha a sensação de encarar um ‘dejavú’. De frente para Alex e o juiz, cercada por advogados de ambas as partes, dessa vez eles não falavam do divórcio nem da divisão de bens. Era Joaquim quem estava em jogo e havia uma expressão debochada na face do ex. Ele não fazia aquilo para feri-la. Conhecia-o bem o bastante para entender que ele apenas vingava o ego ferido por ter sido feito de idiota vindo até São Paulo e não ter visto o filho.
            Calada, ela ouviu a advogada que representava Alex elencar as vezes em que ele tentou levar o filho para passar dois ou três dias em Belo Horizonte e a mãe negou. Contou também de um presente devolvido pelos correios. A experiente advogada também fez questão de relatar ao juiz da breve internação hospitalar de Joaquim devido a uma queda na escola e que Alex só foi informado semanas depois. A tudo, Márcia ouviu calada, elaborando mentalmente sua resposta. Ela conseguia se comportar ouvindo a voz da jurista. Revoltou-se apenas quando Alex tomou a palavra.

            - Tudo o que quero é a chance de continuar sendo um pai presente ao meu filho. E não apenas pagar uma pensão, que sequer sei como é utilizada. – Ele falou, pausadamente, como se discutisse as ações da bolsa de valores chinesa.
            - Curioso como quando éramos casados, esse instinto paternal era menos aflorado, Alex! – Ela gritou. – Agora, apenas para atrapalhar a minha vida, você quer levá-lo para Minas! Pois saiba que eu irei descumprir acordos sempre que for desnecessário! Pensa-se em ser um pai presente antes de ir se esfregar com aquela vagabunda e trair minha confi...
            - Está vendo, Meritíssimo? Ela mistura as coisas. Posso ter errado como marido, mas, como pai...
            - Como pai você nunca existiu! Não passa de um...
            - Chega Márcia. – Raul falou. – Destemperos não irão ajudá-la.
            - É por esse comportamento da Senhora Campos que meu cliente pensa em pedir a guarda compartilhada ou, quiçá, a integral, do filho, senhor juiz. – A advogada de Alex falou, para desespero de Márcia.




            Antes da cliente ter mais um ataque de ofensas sem sentido e já saísse dali sem direito a guarda do filho, apesar de achar de Márcia estava realmente fora de limites, Raul tomou a palavra decidido a ajudá-la.

            - Eu entendo, senhor Meritíssimo, que todos compreendem a importância da mãe na criação de um filho. Por isso, faço um apelo para que em hipótese alguma o menor Joaquim Campos Salomão seja levado para o estado de Minas Gerais. Minha cliente cometeu um erro grave ao esquecer da combinação feita por telefone com o senhor Salomão, mas jamais teve má fé. – Ele mentiu. E estava disposto a continuar. – Esclareço que o presente do senhor Salomão apenas foi devolvido porque não havia ninguém para recebê-lo no apartamento. Tratou-se apenas de um erro do porteiro, que não recebeu a encomenda. A senhora Campos jamais negaria um presente do ex-marido ao filho. Ela apenas não permitiu que ele fosse ficar com o pai, na ocasião citada por minha nobre colega, porque aqueles dias iriam atrapalhar seu rendimento escolar. E ela acreditou que o senhor Salomão entenderia isso porque sabe de seu amor pelo filho. Fato esse, que a fez esperar que o filho estivesse bem para então comunicar ao a ele do episódio. Ela é uma grande mãe e, mesmo que o senhor Salomão tenha deixado de amá-la o bastante para respeitar os votos matrimoniais, tenho certeza de que ele reconhecerá  sua dedicação ao filho e jamais lhe tomará a guarda.

            Márcia reconheceu em pensamento a inteligência de Raul em inventar todo aquilo em poucos segundo e conseguir inverter a situação ao seu favor. Ficou claro, afinal, quem era o traidor que tentava passar por bom pai. O juiz propôs a manutenção do acordo inicial já que ambos os genitores pareciam interessados no bem-estar do filho. Mesmo a contra gosto, Alex aceitou. Já na saída no prédio da justiça da família, porém, Raul decidiu que apesar das perdas terem sido mínimas, era hora de colocar um freio em Márcia ou, afastar-se do caso. Não concordava com a postura tomada por ela e não mais compactuaria com isso.

            - Espero que esteja satisfeita, aliviada e ressabiada, Márcia. Acabaram suas chances. Se fizer qualquer coisa fora do estipulado pelo juiz, perderá a guarda de Joaquim.
            - Não tente me assustar! Não sou criança e sei que nada tirará Joaquim de minha casa. Você não fez nada mais do que o seu trabalho. Pelo qual é bem pago, alias.
            - Olhe bem para você, Márcia, e me diga se gosta do que vê. – Raul falou, cansado daquela mulher intratável - Você está se tornando uma cópia do seu ex, que só pensa em trabalho e nem percebe que seu filho é quem mais sofre no meio dessa disputa sua e de Alex.
            - Não quero a sua opinião. Quero o seu trabalho! – Márcia gritou.
            - Pois não terá, mais. Eu também sou divorciado e tenho um filho que mora com a mãe, Márcia. Sei como é estar do outro lado. Não vou ajudá-la a forçar um pai a não ver um filho. Eu me demito. Procure outro advogado!



            Atônita, Márcia assistiu Raul dar-lhe as costas. Sozinha, pegou um táxi e voltou ao requinte de seu apartamento. Lá ficou sozinha e sentiu o peso da solidão em que se encontrava. ‘Está se tornando uma cópia de seu ex’. Aquilo ainda repetia-se em sua mente. Às vezes percebia que nem mesmo ela gostava de si mesma. E assim como os funcionários da JRJ se esquivavam de ir à sua sala, de conversar com ela ou de lhe contar qualquer coisa, ela também preferia ficar sem encarar o próprio rosto. Foi uma tarde triste e sozinha, mas que serviu para repensar muitas coisas. Aquela não era a vida pela qual sonhou.

            Com Márcia ainda muito envolvida com questões pessoas e, naquela semana, Jonas ter pedido dois dias de folga com a desculpa de resolver assuntos da vinícola, coube a Rafael administrar a construtora. O que o deixou um tanto irritado. Primeiro por saber que o problema de Jonas era mimar Emily depois que tiveram uma séria discussão por ciúme. Nesses momentos ele valorizada o casamento que construiu com Mel. Foram raras as vezes em que brigaram nesses anos todos. Por ciúme, apenas uma ou duas vezes. Afinal, ela sempre soube que  ninguém lhe atraía o olhar desde que ela cruzou seu caminho.



            Melissa o colocou louco desde o primeiro dia. Linda, era pouco para descrevê-la. E junto da beleza clássica vinha uma curiosidade aguçada e força de vontade sem fim. Essas características a fizeram ter uma carreira de sucesso nas passarelas internacionais. Mas, quando chegou a hora de escolher entre formar uma família e seguir nos holofotes, ela o surpreendeu e decidiu largar tudo por ele. Jamais lhe pediu isso, mas, lá no fundo, sabia que era por ele que ela largou a profissão. E nesses anos todos não cansou-se de lhe agradar e provar ter feito a escolha certa. Sobre tudo após Táles nascer.
            Viveram bem por 15 anos. Uma década e meia de amor e compreensão. Mas, acima de tudo, de gostos similares. Quando queriam viajar, era sempre ao mesmo destino. Se ele desejava comida chinesa, ela estava disposta. E se ela resolvesse tirar aquela noite para ver um filme, Rafael sempre sabia escolher o título perfeito. Só que agora, a decisão dela pela primeira vez parecia ir no sentido oposto ao que ele imaginou para si. Enquanto ela não abria mão de aproximar-se e adotar uma adolescente difícil, ele estava satisfeito com a família que tinham. Enquanto jantavam, ele já esperava quando Isabely se tornaria o assunto. Só não imaginava quem começaria a conversa.



            - Pai, mãe...será que amanhã depois da aula eu posso ir no abrigo? Vocês foram lá ver a menina e depois não falaram mais nada... e eu quero saber se ela está bem. – Táles disse e ficou esperando a resposta dos pais. – Eu não sei se vão adotar ela ou não, mas eu posso até me tornar um voluntário lá,  sei que ainda não tenho idade, mas posso ajudar em alguma coisa lá, brincar com as crianças, essas coisas. O que acham?
            - Me deixa emocionada, filho. Está provando que se tornou um rapaz responsável. – Mel comentou. – Vá. Depois eu mesma busco você e aproveito para visitar Isa.
            - Sim, muito responsável. Só não se apegue nessa menina como sua mãe. Ela já mostrou que não deseja uma família.

            Mel olhou feio para o marido. Mesmo após tantos anos de casamento, Rafael parecia acreditar poder lhe mentir. Ele estava feliz por Isabely não os ter recebido bem, achava que assim não teria de se adaptar à nova rotina, com outra criança em casa. Ele que se acostumasse porque ela estava disposta a brigar por Isabely.

            - Sempre pessimista, hem. – Mel falou, chateada, mas mantendo o sorriso. Sabia como conquistar o marido sem brigas. - A Isabely só agiu daquela maneira foi maltratada em seu antigo lar. Precisa apenas de mais carinho e amor, e isso nós temos para dar. Afastei-me por esses dias apenas para ela não achar que a estamos pressionando.
            - Vamos para com essa discussão que já vi que não irá levar a nada. – Ele respondeu antes de deixar a mesa e ir para o escritório.

            Enquanto a família de Melissa deixava a mesa de jantar cabisbaixa, os Vicentin, lá no interior rio-grandense, sentavam-se para saborear um típico arroz de carreteiro feito em panela de ferro. Giovanna pediu a cozinheira de confiança para ajudá-la no preparo do jantar feito às pressas quando Milena avisou que viria com Maria Fernanda para jantar na fazenda.

            - Mas as meninas nunca vêm à noite. – Ana estranhou.
            - Também não entendi a razão, mas fiquei feliz. E Maria adora carreteiro!  - Giovanna respondeu picando a carne.

            A razão da decisão de última hora foi que Nathan não desistiu e informou-a que permaneceria no Rio Grande do Sul quantos dias fossem necessários para que conversasse com seus pais, após eles saberem de tudo. “Conte hoje, Milena. Ou amanhã eu falarei com eles”. Dizia sua mais recente mensagem. Ela então foi obrigada a marcar o jantar.
            Agora Milena se encontrava à mesa, com Maria muito interessada em seu prato de carreteiro e seus pais e avós olhando-a, sabendo que havia algo para falar. Lorenzo e Jonas teriam de saber depois, já que estavam em São Paulo, e isso a fazia se sentir melhor. Já bastava ter de falar aos pais que aquele homem recebido por eles como amigo anos atrás fora seu amante.

            - Está pálida, minha filha. – Leonel falou à filha enquanto bebia de um cálice o vinho denso produzido nas terras dos Vicentin. – Algum problema.
            - Não, papai. Mas vim aqui hoje porque preciso falar uma coisa para vocês. Uma coisa bem importante.


domingo, 19 de junho de 2016

Vida Roubada - Capítulo 22

        Encerrar a noite de trabalho em uma boate como a que agora era o lar de Samantha, trazia aquela sensação dolorosa de ter superado mais um dia. Restavam apenas alguns homens no salão da boate e outros nos quartos com alguma garota. Ela havia pego um cliente logo cedo, passado três horas com o rapaz bem jovem e lhe tirado cada centavo. Apenas de Otto, o chefe do lugar, não gostar dela, reconhecia sua eficiência. Ainda assim, fazia questão de atormentá-la e lhe forçar a trabalhar cada dia mais, sem importar que ela era uma das mulheres que mais rendia à boate.

            - Vá atender aquele homem que chegou tarde. Ele ainda quer beber. – Ele lhe disse, sabendo que ela entenderia o recado.
            - Já estamos fechando. Logo amanhecerá e ele já chegou bêbado aqui.
            - Não perguntei sua opinião. – Otto reiterou a ordem e ficou observando a prostituta obedecer.



            - Quer uma bebida? – Ela foi direto ao ponto, acompanho os olhos do homem irem direto aos seios expostos por um sutiã rendado e nada recatado. – Ou consome ou vai embora. Será dia em pouco tempo.
            - E se eu quiser consumir você e não esse álcool horrível que vocês vendem?
            - Pagando, pode ser. Mas tem de ser jogo rápido. Pague pela mercadoria antes....vou te esperar no quarto 5.
            - Logo estarei lá, belezura.

            Trinta minutos depois, terminado o serviço com o homem, Samantha tomou e somente sob a água corrente deixou cair algumas lágrimas. Sentia dores pelo corpo. Dores que ela se lembrava de ter aquelas mesmas dores na adolescência quando se deitava com vários clientes por noite, às vezes ao mesmo tempo em encontros arriscados e regados a álcool e drogas. Foi nesse momento em que Gregory entrou em sua vida e foi fácil seduzi-lo até que ele não mais conseguisse vê-la sair com outros. Gregory comprou e venceu a briga com Otto para tê-la como exclusiva. E quando ele foi transferido para uma boate de nível inferior à Noxotb, o amante conseguiu convencer Gabriela a integrá-la à quadrilha. Ela foi de escrava a amante e, depois, criminosa. Agora sua sorte voltou a girar. Gregory estava longe dela, talvez morto. E ela voltara à prostituição sob o comando de Otto.

            - Mas estão enganados se pensam que nada farei. Já saí disso uma vez, saio novamente. – Ela jurou antes de desligar o chuveiro e sair do banho.



            Um tanto mal humorada, Elizabeth chegou à central de polícia já perto de meio dia. Estava interessada em ouvir de Rebeca cada uma das descobertas feitas e ver com seus próprios olhos a comprovação de que era Sebastian Gonzáles o seu próximo alvo. Porém, também precisava do ombro da amiga para ouvir tudo o que tinha a contar. Da maior alegria de todas, sabendo enfim o sexo de seu bebê. E da incômoda briga com Miguel que aconteceu na saída da consulta.

            - Que cara é essa? Algum problema na ultra do bebê? – Não levou mais do que três segundos para a policial desconfiar que havia algum problema.
            - Não. Está tudo bem com ele.
            - ELE? Quer dizer que...
            - Sim, Beca, é um menino! Miguel não poderia estar mais feliz...com isso, porque no resto da consulta ele só fez reclamar e acabou com a minha paciência.
            - Mas o que aconteceu? Me conta. – Rebeca insistiu.

            Liza contou tudo, desde o começo quando ela já se irritou com o atraso da médica. Houve um motivo para ela marcar a consulta para às 7h. É que fazia de tudo para a sua condição não atrapalhar a rotina de suas investigações, segundo a Drº Francisca lhe disse, um parto se estendeu por toda a madrugada, impedindo-a de chegar tão cedo. Quando os exames enfim começaram, houve um momento de grande emoção ao, enfim, puderam ver e ouvir o bebê.

            - Tecnicamente, a faculdade me preparou para tudo isso, mas saber que é o meu filho aí, não qualquer outra criança, faz um nó surgir em minha garganta. – Emocionado, Miguel desviava o olhar da tela para o rosto de Liz. – Obrigada, meu amor.
            - Ele está bem? – Liz perguntou, também um pouco nervosa e atrapalhada pela emoção.
            - Sim...podemos dizer que sim. – Francisca disse com a voz um tanto travada. Ali o casal de pais entendeu que talvez nem tudo estivesse bem.

            Elizabeth estava próxima de entrar no oitavo mês de gravidez e, apesar de manter-se muito ativa e evitar comentários que gerassem preocupações, já sentia alguns incômodos gerados pelo ganho de peso. Nada fora do normal e sem razões para reclamar a todo o momento. Talvez por isso, tenha conseguido enganar Miguel e passar-lhe uma falsa segurança. Ouvir tudo o que a médica tinha a dizer lhe foi duro, afinal, mesmo sempre sabendo que não nascera para a maternidade, ter o bebê junto de si por tantos meses lhe aflorou sentimentos. Amava aquele ser mais do que tudo, mais do que a si mesma.

            - Elizabeth, infelizmente, todos os nossos esforços não foram suficientes para que você alcançasse um estado clínico satisfatório.
            - Fale claramente, doutora. Esse linguajar pode servir para meu marido, mas não a mim. Meu filho não está saudável?

            Enquanto Liz cobrava respostas da médica, Miguel analisava os exames clínicos da esposa e já antecipava tudo o que ela diria. Enquanto isso, ele sentia a irritação se elevar. Porque se Elizabeth tivesse feito tudo o que lhe orientaram, não estaria daquela forma.

            - Não, Elizabeth. – Francisca recomeçou. – Seu menino está bem, porém, você está abaixo do peso e olhando a curva dos seus exames, continua com aquele quadro de anemia.
            - Eu olho para o meu corpo e não percebo essa falta de peso, Francisca.
            - Não confunda inchaço e retenção de líquidos com ganho de peso. Você está com a pressão muito alta. Com toda a franqueza, Elizabeth, é um milagre que seu bebê esteja bem quando o seu corpo está visivelmente sobrecarregado. E nesse ritmo que vai, já podemos classificá-la como em risco de parto prematuro.
            - Ela está com pré-eclâmpsia? – Miguel, com o rosto fechado, perguntou.
            - Sim, em estágio inicial. – Francisca respondeu. – Lhe peço, Elizabeth, pelo bem de seu filho, mantenha mais repouso e se alimente nas horas certas. Seu filho vale isso.



            Ao deixarem o consultório e entrarem no carro, Liz via Miguel se segurar para não iniciar uma briga. E como sempre preferiu o mais difícil ao falso, provocou-o a falar tudo o que guardava dentro de si.

            - Melhor eu me calar. Você precisa manter a calma e se brigarmos, sua pressão subirá.
            - Fale Miguel! Não gosto quando me olha assim.
            - Quer que eu olhe como? Estou preocupa e irritado, Liz. É vergonhoso! Sou médico e não consigo que minha esposa tenha uma gestação saudável porque ela não desliga um minuto sequer e é tão indispensável naquela delegacia que não pode parar alguns minutos a cada três horas para fazer um lanche nem tirar três turnos semanais para exercícios físicos.
            - A vida não é tão fácil para quem não tem uma multinacional, querido marido. Tenho horário a cumprir e casos para resolver. Turnos de exercícios físicos não se enquadram nisso. – Mas ela se sentia um pouco culpada. – Eu estou fazendo o que posso, Miguel.
            - É...mas não está sendo suficiente. – Com um beijo magoado eles  se separam.

            Na verdade, havia mais uma razão para Liz estar irritada e Rebeca não demorou a descobrir. Por mais que jamais reclamasse para Miguel, saber que ele se encontraria com a ex naquela tarde e que provavelmente os exames da ‘senhorita perfeição’ estavam dentro dos padrões a enciumaram.

            - Elizabeth Santos Benitez! Você está com ciúme porque Miguel vai ver Alejandra. – Com essa constatação, Rebeca arrancou algumas lágrimas da chefe. – Precisa isso. Meu bem! São os hormônios isso! Calma, Liz! Miguel a ama mais do que tudo. Sabe disso.
            - Eu sei...mas aquela espanhola deve estar com a saúde perfeita e será elogiada como uma ótima mãe para o filho enquanto eu fico de má,de irresponsável, apesar de me esforçar tanto.
            - Calma! Tudo vai terminar bem. Você vai tomar um chá morninho, com um sanduíche de pão integral e depois vamos trabalhar.
            - É, vamos. Isso sempre me faz bem. – Elizabeth concordou.

            Miguel realmente se encontrou com Alejandra naquela tarde. E assim como Elizabeth imaginava, com ela estava tudo perfeito segundo a obstetra. Aos sete meses de gestação, Alejandra apresentava o peso correto e o bebe tinha uma boa formação, com peso e tamanho excelentes. Somente em um quesito Miguel surpreendeu-se.



            - Não sabe o sexo? Onde estão os ultrassons? – Perguntou ao analisar uma pilha de exames.
            - Eu me esqueci de trazer. Mas não apareceu...a posição do bebê não permitiu a visão. – Mentiu. Seria uma menina, mas não disse a ninguém porque Rúbia não escondia o desejo de ter um neto homem.
            - É...parece que meus filhos são muito tímidos. Somente agora, com quase oito meses, foi possível saber que Elizabeth espera um garoto. Você vai refazer o exame quando? – Ele insistiu, satisfeito em ver que ao menos com aquele bebê estava tudo bem.
            - Logo...Elizabeth terá um menino então? – Desgraça, pensava. Isso daria pontos a ela junto da sogra quando as crianças nascessem. Sem saída, ela se aproximou mais de Miguel e pegou-lhe a mão no local público. – Meus parabéns. Apesar de sua mulher me odiar, não torço pelo mal de seu outro filho. Eu só quero que possamos viver em paz.
            - Eu fico feliz pela sua mudança de pensamento, Alejandra. – E se soltou da mão dela. – Vamos continuar olhando os exames. Já decidiu o local de parto?


            Duas semanas se passaram e Elizabeth tentou retomar a paz em seu casamento sem abandonar sua investigação. Na verdade, trabalhava até mais do que antes, porque já pensava que necessitava encontrar Beatriz antes de ser forçada a deixar a polícia, por licença maternidade. Mesmo assim, Miguel agora a acompanhava de perto e algumas vezes apareceu de surpresa na PF para ter certeza que ela fazia uma refeição completa. O fato que antes teria irritado Liz, agora a enchia de amor porque junto da comida sempre vinha uma flor ou um chocolate diet, ou seja, um mimo que lhe agradava o coração. Certa tarde, largaram tudo para ir comprar o enxoval azul e branco do filho. Viviam um recomeço cheio de sentimentos contraditórios, mas repleto de amor.

            - Precisamos decidir o nome. – Liz lembrou ao marido.
            - Pensei em algo como Vicenzo ou Benício. O que acha? – Miguel propôs.
            - Não sei...gosto de nomes simples como João Pedro. Ou Thomas.
            - É, gosto de Thomas. Ainda temos tempo ainda para pensar.

            Apesar de não gostar, Liz estava prestes a envolver Miguel novamente em sua investigação. Ao almoçarem juntos dois dias depois, ela contou ao marido tudo o que tinham descoberto e porque, surpreendentemente, a polícia ainda não tinha batido à frente do escritório de Sebastian Gonzáles.

            - Ele está vindo ao Brasil. E quero que você marque um encontro com ele. – Liz disse e viu o olhar de seu marido brilhar pela curiosidade. – Eu explico.

            A explicação começou pelas investigações secretas que havia feito nos últimos dias. Liza não podia oficialmente investigar um homem nascido e residente em outro país sem nenhum indício real de que ele havia cometido um crime contra uma brasileira. E como a justiça americana estava relutante em entregar cópias das câmeras de segurança do hotel em que Gonzáles encontrava-se com Bia, o jeito seria aproximar-se dele antes. E ao descobrir através de um site que ele vinha a negócios ao Brasil gerou comemorações na sala da investigadora.

            - Entendi. – Miguel disse bebericando uma dose de bebida alcoólica enquanto pensava em como ajudar a esposa. Ele sabia que após isso se resolver, ela enfim tiraria sua licença maternidade. – Mas eu não conheço Sebastian Gonzáles pessoalmente, nem tenho negócios na área hoteleira. Se o procurar e realmente for um criminoso, desconfiará, não acha?
            - Acho. Por isso já tenho um plano.
            - Não me surpreende.
            - A notícia que li diz que Sebastian vem ao Rio de Janeiro com um suposto investidor interessado em abrir um hotel aqui em São Paulo. O nome desse investidor não foi dito. – Liz explicou.
            - Se quer fazer negócios aqui em São Paulo, porque ficar no Rio de Janeiro?
            - Porque ele tem um hotel lá, de alto nível, pelo que pesquisei. E, posso chutar, porque é boêmio, que pretende aproveitar a noite carioca e se aproveitar de alguma brasileira. Não é o primeiro nem o último gringo a vir aqui para isso. Aliás, tenho pensado muito a respeito desse homem, agora que descobri sua identidade. É muito útil a um homem como ele, ter uma cadeia de hotéis. Ele pode estar envolvido no esquema todo e em seus hotéis haver turismo sexual, com mulheres escravizadas e abuso sexual infantil.
            - Calma com essas acusações Elizabeth! – Miguel via seus olhos brilharem. – Eu sei bem como a sua cabeça costuma ir longe nesses devaneios. Só não esqueça como tudo me incriminava também e eu era inocente.
            - Eu sei! Só que...vou investigá-lo bem de pertinho. – Ela então se concentrou no objetivo da conversa. – Bom, nós vamos nos hospedar no hotel de Sebastian e você vai encontrar uma forma de ficar frente a frente com ele, quem sabe sair com ele...levá-lo a uma boate. Sabemos que ele gosta disso.
            - Você não espera que ele me conte que comprou uma mulher recentemente, não é?
            - Claro que não. Na verdade, não espero nada. Mas tenho de tentar alguma coisa enquanto não consigo uma prova que o leve à polícia para depoimento. Mas, no que depender de mim, Sebastian não retorna livre aos EUA.



            Por uma semana inteira Sebastian jantou e passou todas as noites ao lado de Beatriz. Estava se habituando cada vez mais a ela. E agora já soava muito estranho dormir sozinho em sua cama. Dizia a si mesmo que o sexo profissional imposto por ela deixou-l viciado, mas no íntimo reconhecia ser mais. Muitas prostitutas passaram por sua cama, mas poucas mulheres o preencheram daquela forma. Beatriz mostrou-se inteligente, esperta e dona de uma sagacidade incrível. Era uma delícia passar horas junto dela, conversando e conhecendo-a. Para então depois, deixar-se se seduzido por aquelas curvas sensacionais.



            Apreciava a liberdade sexual imposta por Beatriz. Ela mostrava-se sempre disposta a tudo, simpática à qualquer carícia e pronta para enlouquecê-lo com as mãos, a boca. Beatriz o seduzia até com o timbre da voz, um tanto rouca quando estava em meio a um orgasmo. Ela se deixava fluir em seus braços, levitar, sabendo que estava segura nas mãos daquele homem.

            - Tenho de ir. Demorarei a voltar, mas Francisco cuidará bem de você e te ligarei todas as noites. – Ele lhe disse pela manhã, quando ela acordou para encontrá-lo já vestido e olhando-a. – Está precisando de alguma coisa?
            - Tenho tudo o que preciso. Obrigada. – Bia respondeu, habituada à sua rotina em uma prisão de luxo.
            - Não precisa agradecer. É minha obrigação lhe oferecer tudo o que precisa para ser feliz.
            - Para onde você vai? Não posso ir junto? Posso ficar quietinha no hotel. – Ela ofereceu, surpreendendo-se com a própria submissão. Dizia a si mesma que se tratava apenas de esperteza. Fora dali, poderia tentar uma fuga.
            - Vou ao Brasil. E você precisa ficar aqui, esperando por mim, estando segura e bela quando eu voltar. – Saber que iria ao seu país fez surgir um brilho triste nos olhos de Bia. Sebastian já imaginava. – Só irei porque não tenho alternativa. Lhe trarei um presente de sua terra. Está bem assim?
            - É claro. – Ela mentiu, emocionada.

            A viagem de Sebastian era mesmo algo inadiável, mas não que ele tenha sido obrigado. Ele escolheu ir ao Brasil na companhia de Gabriela Alencastro para se encontrarem com um empresário local do setor hoteleiro interessado em vender um de seus empreendimentos de São Paulo. O plano, conforme ele explicou a Gabriela, seria comprar um hotel de médio padrão e transformá-lo no mais luxuoso de São Paulo.

            - E por que vamos ao Rio? – Ela quis saber logo após embarcarem, numa cruzada de pernas envolvente.
            - Por que ir ao Brasil e não no Rio é muito injusto e o nosso vendedor estava disposto a ir no meu hotel nessa noite. Algum problema?
            - Nenhum, Sebastian. Tenho certeza de que viveremos momentos incríveis no Rio de Janeiro. Tomara que o clima esteja bom, trouxe meu biquíni e ficaria muito triste em não utilizá-lo.
            - Não tenho dúvidas de que você, o Rio e o seu biquíni são uma combinação. – Sebastian comentou, aceitando a provocação da loura. – Chegaremos no início da tarde ao Rio, participaremos de um baile de gala que ocorrerá no salão, é uma ação beneficente. Amanhã você terá o dia todo para aproveitar o sol carioca e, à noite, teremos nossa reunião de negócios.
            - Um baile? Que agradável. – Disse Gabriela.
                       
            O plano de Gabriela ocorria a rigor. Fora ela a sugerir uma viagem ao Brasil e lá pretendia fazer uso de qualquer golpe sedutor se isso lhe garantisse sucesso no objetivo maior de matar Beatriz. Há semanas sabia onde ela estava vivendo, mas o homem incumbido da tarefa não conseguia adentrar no prédio porque a segurança era altíssima e Sebastian aparecia em qualquer momento do dia e lá costumava passar muitas noites sem aviso.
            Naquela noite, após o jantar de negócios, planejava conseguir que ele desligasse o telefone e então daria sinal verde para invadirem o esconderijo de Beatriz, roubassem algo de valor para servir de cortina de fumaça e então a levassem. Seu corpo apareceria boiando em algum rio.
            Elizabeth ficou muito satisfeita quando Miguel encontrou o meio perfeito de aproximar-se de Sebastian. Eles compareceram ao baile beneficente oferecido no hotel dele, certos de sua presença. Liz fez o esforço de encontrar um vestido que lhe caísse bem na gravidez avançada e um coque nos cabelos. Assim, conseguia passar discretamente no evento, enquanto procurava por Sebastian.

            - Segundo os comentários, ele já chegou, e está acompanhado de uma mulher. – Miguel disse à esposa. – Você precisa se sentar. Passaremos horas aqui.
            - Eu preciso vê-lo. – Elizabeth respondeu. – Você tem de se aproximar dele.
            - Eu sei. Você fica aqui e eu vou circular por um minuto. Já retorno.



            Miguel estava nervoso, circulando pelo salão com uma taça na mão e disfarçando seu real objetivo enquanto ia e voltava pelo salão tentando encontrar Sebastian Gonzáles. Até que o viu, num canto discreto, sozinho e falando ao celular. Sebastian parecia sorrir enquanto conversava com alguém. Era o tipo de sorriso que ele carregava no rosto ao falar com Elizabeth. Esperou o empresário desligar e caminhou naquela direção, fingindo não vê-lo. Quando se cruzaram, estendeu-lhe a mão fingindo uma surpresa irreal.
            Sebastian encarou o jovem que o estendia a mão tentando reconhecê-lo. Nada. Aquilo era algo comum, afinal ele tinha negócios em muitos países e por vezes esquecia a face de alguém com quem fez negócios. Deveria ser esse o caso.

            - Muito prazer, Srº Gonzáles. Eu não imaginei que iria encontrá-lo aqui hoje...apesar de, é claro, saber que esse belíssimo hotel lhe pertence. – Miguel disse, ainda com a mão estendida.
            - E quem é você?
            - Miguel Benitez, estou hospedado com minha esposa. – Miguel viu Liz se aproximar ao vê-los juntos. – Veja...aqui está ela, Elizabeth Benitez.
            - Muito prazer...vejo que serão pais...meus parabéns. – Sebastian estava constrangido com a situação. Não se lembrava daquele homem nem de sua esposa grávida. Mas o sobrenome lhe dizia algo. Tinha apenas de lembrar o que. – Mas, Miguel Benitez, me recorde por favor da onde nos conhecemos? Você é do ramo hoteleiro?
            - Não...sou presidente da BTez Motors. Na verdade nós não...
            - Mas que coincidência! Minha acompanhante é uma de suas acionistas, pelo que me lembro. Deixe-me chamá-la. – Miguel viu, muito confuso, Sebastian acenar e uma mulher loura vir caminhando timidamente até eles. Só quando ela se aproximou é que Miguel entendeu tudo. – Veja, querida, acabo de encontrar seu primo.

            Gabriela não contava em dar de cara com Miguel e, principalmente, a investigadora que era agora mais uma vez sua esposa. Tentou disfarçar da melhor forma que pôde, porém, era complicado. Logo ela que sempre se vestiu de forma recatada na frente dos familiares e nunca demonstrou interesse por negócios, agora era vista num vestido muito decotado e assistia Sebastian falar do negócio que eles planejavam.

            - Você se tornará empresária, prima? Nunca soube desse seu tino para os negócios. – Miguel comentou, estranhando tudo aquilo.
            - Eu também desconhecia o seu, primo. Sempre o imaginei de jaleco branco e clinicando e, ainda assim, está mostrando sua competência à frente da Benitez.
            - É verdade, Miguel. Não duvide dos talentos de Gabriela. – Elizabeth disse, pondo fim ao assunto e logo tirando Miguel do salão e lhe pedindo para irem embora.

            Miguel demorou a entender o que ocorria. Liz o fez vir para outra cidade, dormirem em um hotel e participar de uma festa na qual não tinham nenhum interesse para se aproximarem de Sebastian Gonzáles e quanto, enfim, ficaram cara a cara com ele sua prima distante aparecia e Liz saía correndo. Já na suíte, Liz lhe explicou o que ele viu, mas preferiu ignorar.



            - Eu tenho certeza que você já juntou as peças, Miguel. Só não quer acreditar. – Pelo reflexo de um espelho os olhares dela e do marido se encontraram.
            - Cuidado com os julgamentos rápidos. – Ele lhe repetiu.
            - Eu tenho de pensar rápido! – Ela respondeu. – Vamos elencar os pontos. Primeiro: Sebastian tem envolvimento com o tráfico de mulheres. Isso é fato. Ele comprou Beatriz, tenho certeza, só falta provar. Ponto dois: é uma mulher a cabeça a comandar esse sintoma macabro. Ponto três: eles chegam juntos no Brasil para fazerem negócios pra lá de suspeitos. Agora diga, Miguel, se eu não tenho razão para desconfiar!

            Diante daquela explanação clara, Miguel foi obrigado a concordar com Elizabeth. E ainda lhe ofereceu um novo elemento.

            - Está esquecendo-se de uma coisa. – Quando ela o olhou com atenção, Miguel explicou. – Gabriela não é apenas minha prima. Ela é filha de Javier. E se tudo o que a sua investigação apontou até agora estiver certo, foi para proteger alguém muito poderoso, que ele foi morto na cadeia.
            - A filha, possivelmente. – Com isso, Elizabeth fechava em sua cabeça o elo que faltava. Gabriela Alencastro acabara de se tornar suspeita de uma série de crimes.



            Sem saber do que se passava numa suíte próxima, mas sentindo-se mais próxima do precipício a cada minuto, Gabriela resolveu que o ataque era sua única alternativa. Talvez fosse realmente uma coincidência. Talvez não. Talvez Miguel e Elizabeth estivessem ali por desconfiar dela. Ou Sebastian era o alvo. Qual fosse a opção, por enquanto tratavam-se apenas de suspeitas. E a única prova viva disso tudo estava próxima de ser morta.
            Ao final do baile, Sebastian a acompanhou até o seu quarto e ao se despedirem, ela pediu para irem ao quarto dele. Disse suavemente em seu ouvido que desejava dizer algo íntimo, na privacidade do quarto. Havia pensado em esperar até a noite seguinte, quando não estariam cansados, mas acelerou o plano ao ver Miguel e Elizabeth. Beatriz tinha de morrer naquela noite e levar com sigo todos os seus segredos para o fundo de um rio.



            - O que deseja, Gabriela? – Sebastian perguntou, vendo-a morder os lábios e chamar a atenção para o ousado decote do vestido. – Está me provocando.
            - Estou. Na verdade, estou me oferecendo...porque desejo você. É errado? – Ela respondeu segura que ele cairia no golpe. – Mas primeiro me dê o seu celular.
            - O meu celular? Para quê?
            - Me dê, Sebastian. Garanto que não irá se arrepender. – Gabriela aproximou-se, abraçando-o e pegou o smartphone do bolso dele. – É hora de desligar isso. Exijo ter totalmente a sua atenção.

            Ele viu Gabriella desligar o aparelho e resolveu entrar na brincadeira para ver o que ela desejava. Não entendia o que ela pensava ganhar com aquela sedução toda. Curiosamente, aquela mulher vinda de família rica e com estudo lhe parecia muito mais uma prostituta que a bela Beatriz, a quem ele comprou pra se satisfazer.

            - Se pensa que isso a ajudará a fecharmos a parceria... – Ele arriscou e a viu fingir uma expressão ofendida.
            - Assim me magoa, querido. Não sou uma aproveitadora. – Gabriela disse com aqueles lábios provocantes.
            - Claro. Desculpe. – Sebastian não acreditava em nada que ela dizia, por alguma razão. Mas era linda e ali estava, oferecendo seu corpo. – Tire esse vestido então.
            - Assim, querido? Não vai fazer isso por mim?
            - Na minha cama, Gabriela, mando eu. – Com um tom duro, quase violento, mas eficaz, ele afirmou. – Mandei tirar a roupa. Se quer brincar com fogo, brinque, mas não se queixe se terminar a noite queimada. Acho que vamos começar desligando o seu celular também.
            - É claro. – Não desejava se deitar com Sebastian. Não sabendo que ele tinha uma relação com Beatriz. Isso parecia menosprezá-la. Estava lutando para seduzir alguém a quem uma vagabunda tinha nas mãos. Odiava Beatriz e, por isso, sentia repulsa de Sebastian. Mas faria sexo com ele para garantir a morte dela. – Vou mandar uma rápida mensagem e desligarei meu celular. Aí os ligaremos apenas amanhã pela manhã. Você concorda?
            - Concordo. – Ele disse sem saber que o que ela digitava no WhatsApp.
            - Só um instante, querido. – “Pode começar. Não me decepcione”, ela digitou antes de desligar o aparelho e ficar nua à frente de Sebastian Gonzáles. – Estou pronta pra você.

            Com os fartos atributos completamente à mostra, Gabriela exibiu-se, sabendo que era capaz de seduzir qualquer homem. Irritou-se, porém, com a frieza de Sebastian. Ele a tratava como uma vadia qualquer. Ela caminhou até ele e começou a abrir sua camisa. O corpo dele responder, endurecendo. A mente, não. Os pensamentos de Sebastian, de olhos fechados, pareciam estar muito distantes. E Gabriela desconfiava de com quem estavam.

            - Me toque...quero suas mãos em mim. – Ela disse, guiando ambas as mãos dele até seu quadril.
            - Você é linda. – Ele disse, numa voz capaz de congelar o oceano. Não queria aquela mulher. Aquela premunição voltou e seu sentimento era que precisava falar com Beatriz. Resolveu se afastar de Gabriela e a empurrou bruscamente sobre o sofá. Um instante antes de puxar o seu celular e o ligar novamente.
            - Não! – Gabriela gritou. – Está comigo...vai ser gostoso...
            - Vista-se e saia daqui. Agora! – Ele sabia que, naquela voz que ninguém desobedecia. – Se não se vestir agora, eu a jogarei o corredor nua mesmo, Gabriela.
            - Não uma vagabunda para me tratar assim!
            - Se comportou como uma. Suma daqui!

            Gabriela já colocava a roupa e saía do quarto ligando o próprio telefone quando Sebastian tentava contato com Francisco. Chamou até cair na caixa de mensagens, o que o surpreendeu. Algo de errado devia estar acontecendo. Ligou uma segunda vez. E uma terceira. Somente na quarta tentativa ouviu a voz do empregado, mas dessa vez ela estava ofegante e entrecortada pelo gaguejar de alguém sob pressão.

            - O que aconteceu, Francisco. – Ele sabia ser algo grave. – Homens invadiram o apartamento, patrão. Beatriz era o alvo. Eles a...a...

            Sebastian jogou todas as garrafas de bebida do bar contra a parede tentando extravasar o ódio A mesa teve o mesmo caminho. Alguém aproveitou-se de sua distância para ferir Beatriz. E esse alguém irá pagar.
           

            - Fale Francisco! O que fizeram com Bia? Onde ela está?