domingo, 25 de dezembro de 2016

Feliz Natal e próspero 2017

E mais um ano termina moçada. Mais um, conosco escrevendo e vcs lendo. Que alegria. Agradeço o carinho de cada um e desejo que todos tenham um belo Natal. Essa semana 2017 dá as caras e vamos esperar que ele traga coisas boas. Fiquem com Deus e com suas bençãos.
Acabei de postar cap novo de Alguém Para Perdoar (dá uma descidinha rsrsrs) e agora tirarei uns dias de  repouso. Vou viajar para recarregar as baterias. Nos vemos na segunda quinzena de janeiro. Em 2017 seguiremos com Alguém Para Perdoar, Ariella e Vida Roubada. E, tenho certeza, novos delírios e devaneios virão.

MUITOSSSS BEIJOS


Alguém Para Perdoar - cap 15


            A segunda-feira chegou trazendo os compromissos de sempre a Márcia. Mas nem mesmo a agenda cheia de reuniões a fazer e relatórios a analisar fizeram com que as marcas deixadas por aquele final de semana fossem apagadas. Assim que acordou pelo barulho do despertador deu-se conta que nada do que oferecesse ao filho durante o final de semana seria capaz de resolver as coisas se, durante a semana, ela o esquecesse e se dedicasse apenas ao trabalho. Joaquim não precisava de uma mãe de final de semana.
            Procurou realizar todas as suas tarefas com ordem de prioridades para conseguir sair cedo e buscar o filho na hora da saída da escola. Quando percebeu que conseguiria, seu coração disparou.
                                                       


            - Eu não demoro Evelyn. Vou deixar meu filho em casa, comer e 13h30 estou aqui, em tempo de minha reunião com Rafael. Se eu me atrasar, por favor, avise que chego logo. – Ela afirmou à secretária que a olhou com expressão surpresa. – O que foi? Algum problema? Tudo certo com os contratos? Notícias de Jonas?
            - Nenhum problema, senhora. É só que a senhora está...diferente. – Logo depois a profissional secretária recuperou a postura. – Os compromissos de Rafael estão em dia. Ele é bastante pontual. Jonas ligou avisando que retorna hoje do Nordeste para São Paulo, e então passará aqui para ver a agenda.
            - Ótimo então... Evelyn...
            - Fale, senhora.
            - Você não chama Jonas e Rafael de “senhor”, então pode parar de repetir tantos “senhora” ao falar comigo. Afinal, há meses nós passamos os dias juntas.
            - Está bem...Márcia. – Ainda levaria algum tempo para ela se habituar aquela mulher tão diferente.

            Nem mesmo o almoço junto de Joaquim fez com que o humor de Márcia melhorasse. Foi bom ficar com o filho e ele sequer percebeu que seus pensamentos estavam longe do restaurante. Quando o menino já estava na segurança de casa e ela já retornava ao escritório, Márcia reconheceu que precisava ser sincera consigo mesma. Estava furiosa com Raul. Queria ter lhe dito tantas coisas que agora seguiam esmagando seu coração. Como ele sentia-se capaz de dar-lhe conselhos familiares quando também era um divorciado e, ao invés de cuidar do filho, passava as noites saindo com garotas muito mais jovens?

            - Quem ele pensa que é pra me julgar como mãe quando mal vê a própria filha?!?!? Quando você voltar, nós vamos ter uma séria conversa.



            Essa conversa há tanto prometida e nunca concretizada também não saía do pensamento de Raul. Mais do que o assunto, Márcia era a dona de seus pensamentos. E ele não desejava que fosse assim. Sua vida já era confusa o bastante sem uma mulher dominadora e mandona para gritar e lhe dar ordens a todo o momento. Então, porque, mesmo tentando, não conseguia livrar sua mente daquela mulher?
            Havia fugido de São Paulo para o Rio de Janeiro no intuito de visitar a filha, mas, também para colocar os desejos em ordem. Sua vida sempre fora um tanto complicada. Desde o divórcio tornou-se um pouco mais estressante. Teve suas culpas na separação, é verdade. Mas não mereceu sofrer anos num divórcio litigioso e ver a filha, a quem sempre amou, chegar aos 13 anos, pouco ligando para suas visitas.

            - Quem não errou na vida? – Ele seguidamente perguntava-se.
           
            Mas reconhecia que seus erros fora grandiosos e talvez não merecessem perdão tão facilmente. Janaína, sua ex esposa, foi compreensiva por bastante tempo. E ele não deu ouvidos a nenhum dos seus muitos avisos de que não perdoaria uma traíção. Ele traiu, ela descobriu e jamais perdoou. Ao contrário, fez o que pode para usar a filha para fazê-lo sofrer. Marthina era o acerto mais torto de sua vida ou o erro mais certo. Mas ela não entendia porque o pai traiu a mamãe e mesmo que anos já tenham se passado, essa magoa jamais amainou. Talvez tenha até crescido, inflada pelas chantagens afetivas feitas por Janaína.
            E mesmo depois de sofrer daquela forma, aceitou defender na justiça uma mulher tão amarga quanto a ex e que usava o filho exatamente como Marthina fora usada. Talvez tenha sido exatamente por isso. Queria mudar o final daquela história. E conseguiu, tinha esperança. Estava orgulhoso da nova Márcia, que parecia dar mais atenção e amor ao filho do que preocupar-se em castigar seu ex. Não que simpatizasse com Alex. Ao contrário. Sempre que o via chegar a uma das audiências do divórcio e da guarda de Joaquim, tinha a sensação de se tratar de um homem frio e pouco preocupado com a família. Mesmo enquanto discutiam o futuro de seu filho, Alex mantinha um olho no celular e parte da sua atenção ao relógio. Márcia tinha suas razões.

            - Mas eu não tenho nada com isso! – Repetia. Para logo depois reconhecer que estava bem mais atado a ela que um advogado deveria. – Resta saber se você irá querer outro homem capaz de trair?

            Sabendo que Marthina pouco se importava com sua presença, após apenas um breve almoço, adiantou seu voo para São Paulo. Iria reorganizar sua vida. Já bastava de noites com desconhecidas, e de manhãs nas quais sequer lembrava o nome da parceira. Estava pronto para ter um relacionamento de verdade e pretendia lutar por ele. Só não tinha certeza se Márcia concordaria.

            Naquele momento, ela não tinha nem mesmo muito tempo para isso. É que Jonas avisou que teria um jantar em família porque, surpreendentemente, sua irmã resolveu vir do sul para São Paulo. Então precisaria cancelar a agenda da noite

- Vá, não se preocupe. Eu dou um jeito. – Ela confirmou ao sócio. Afinal, já havia almoçado com Joaquim. – Não se preocupe.

Preocupação não era o caso, mas ele se encontrava bem curioso. Milena não era de realizar surpresas e nem de sair muito do Rio Grande do Sul. Nas vezes em que veio, geralmente era por questões médicas e Maria Fernanda e essas ocasiões eram marcadas com bastante antecedência. Agora foi algo inesperado. Chegou a ligar para a mãe buscando informações. Mas tudo o que Giovanna lhe disse fora para abrir o coração.

- Ouça a sua irmã. É só isso o que ela quer. – Foi a misteriosa resposta. Que só o deixou mais curioso.



Ao combinar tudo com Emily, ficou ainda mais desconfiado. Ela também veio cheia de recomendações, afirmando que ele deveria aceitar o que a irmã dizer e lembrando-o que Milena teve uma vida muito solitária e merecia encontrar a própria felicidade.

- Por que todos ficam me fazendo essa recomendação? Eu sou um carrasco com minha irmã, é isso?
- Não, meu amor. Claro que não. Mas quando se trata dela, às vezes você se torna um pouco tradicional. Apenas isso. – Emily afirmou.
- Milena já teve atitudes bem pouco tradicionais, e eu aceitei. – De repente ele teve uma ideia. – Ela está grávida novamente, é isso? Outra produção independente? Eu...não gosto, mas vou amar meu sobrinho, é claro. Não sou...
- Você é um grande irmão e grande tio. Ninguém pensa o contrário. E ele não está grávida...não que eu saiba, pelo menos.

Ainda pela manhã, ao arrumar às malas e rumar para o aeroporto, Nathan pediu que Milena marcasse aquele jantar com seus irmãos. Apenas quando todos soubessem a verdade ele seria capaz de caminhar com a cabeça erguida. Enquanto ainda houvessem segredos, teria a sensação de que Maria Fernanda e sua mãe ainda eram tratadas como algo vergonhoso o qual precisa esconder.



Além disso tinham muitas coisas para resolver. Algumas eram coisas simples como preparar um quarto para Maria em seu novo apartamento. Quando comprou o lugar, pensava em fazer dali a casa perfeita para um solteirão convicto. Sem móveis sobrando e com bastante espaço. O quarto de hóspede seria transformado numa sala de jogos e a cozinha seria utilizada apenas quando ele recebesse amigos, afinal, já cozinhava muito no restaurante. Agora tudo havia mudado. O quarto seria de Maria Fernanda e ele ainda tentaria convencer Milena a dividir a suíte com ele.

- Claro que te ajudarei a comprar tudo o que Maria precisa, se é mesmo que deseja montar um quarto. É desnecessário.
- Ela merece ter o seu quartinho na casa do papai. Eu quero que Maria se sinta bem aqui, tanto quando na sua casa ou na fazenda.
- Claro, eu compreendo. – Milena concordou.
- Na verdade, desejo que você também se sinta bem. – Ele se aproximou dela e a puxou para um carinho. Mas logo foi afastado. – Mas eu não tenho de estar aqui...o que aconteceu entre nós foi...
- Foi algo certo e delicioso. Não menospreze o que temos, Milena.
            - Não podemos viver o passado hoje.
            - É o presente que desejo viver. A não ser que você considere passado o que ocorreu ontem à noite. Mas eu posso repetir, sem problemas.
            - Pare Nathan! Eu preciso terminar essa mala e você...você está me desconcentrando.
            Mais como uma retirada estratégica do que como desistência, Nathan deu privacidade para Milena preparar-se para viajar. Preferiu não pressioná-la, afinal, teria bastante tempo para conquistar sua confiança na temporada em São Paulo. Milena ainda não sabia, mas ele pretendia alongar a estada delas pela capital financeira do País. Maria, no entender dele, não precisava apenas de uma consulta de revisão no médico. Tinha de ser levada a novos profissionais. Ela merecia que fossem esgotadas todas as alternativas para que ela pudesse ouvir e falar normalmente. Enquanto isso, elas seguiram ao seu lado, como uma família.

            Depois de 1h50min de voo, eles desembarcaram na capital paulista e foram direto para o apartamento. Apesar de toda a insistência de Milena, Nathan não permitiu que ela seguisse para um hotel. Ele garantiu que já havia uma cama para Maria e que ela ficaria com ele, pelo menos por enquanto. Nenhum argumento em contrário bastou.

            - Não posso simplesmente começar a viver com você...meus irmãos...
            - Que vão cuidar das próprias vidas! Você é uma mulher adulta e mãe da minha filha. Além disso, eles não precisam saber que dormimos juntos.
            - Não é certo voltarmos a algo que não deu certo antes. Nós não combinamos.
            - Por eu acho que nós tivemos o encaixe perfeito! – Respondeu ele, seguro do que desejava. – Eu te desejo, você também me quer. Porque não?

            A franqueza dele balançou com as decisões de Milena. Como sempre, ficar com aquele homem, sentir seu cheiro e adornar-se de tudo o que ele lhe ofertar era muito tentador. Naquele instante mesmo, apesar de cansada da viagem, tudo o que interessava ao seu corpo era responder aquele desejo que já crescia dentro dela. Se fosse sincera, diria para Nathan que precisava do corpo dele naquele instante.

            - Está bem...eu fico. Mas vamos as compras antes que eu me arrependa. – Na verdade, ela queria sair de casa antes que implorasse para que ele lhe tirasse a roupa. – Temos e voltar em tempo de eu me arrumar para o jantar. Jonas e Lorenzo são pontuais.

            Na casa dos Gomide a presença de Isabely começava a ganhar ares de normalidade. Depois do final de semana junto de Tális, a menina foi deixada no abrigo após receber abraços afetivos e a garantia de que voltariam logo. Com algum esforço, Melissa conseguiu se aproximar da menina que já via como sua filha. Tanto que, apressada como sempre, já fazia planos ousados.

            - Acho que devemos nos responsabilizar desde já pelos custos escolares de Isa. Ela poderia estudar na mesma escola que Tális, assim a adaptação seria muito mais tranquila. – Opnou, logo cedo pela manhã.
            - Vamos com calma, Mel. Ela ainda está desconfiada e certamente sua escola tem outros hábitos.
            - Sim...mas vou falar com Marta e descobrir do que ela precisa. Isabely aos poucos se habituará a vida que podemos lhe proporcionar. Não faz sentido seguir numa escola pública quando nós podemos oferecer o melhor.
            Marta pediu calma, como já era de se esperar, pediu que Melissa tivesse calma. Porque por mais que Isa estivesse evoluindo, eles perceberiam se tratar de uma menina de personalidade forte e hábitos complicados. Se sentisse que estava sendo forçada a algo ou manipulada, se fecharia novamente.



            - Não, claro que não! Nós respeitaremos o tempo dela.  – Mel garantiu.

            E mesmo assim, Melissa e Rafael saíram felizes do abrigo. Porque Marta lhes garantiu que poderia autorizar Isabely a passa vários finais de semana com os Gomide, além de feriados e liberaria até mesmo pequenas viagens ao litoral. Assim, a menina se acostumaria cada vez mais com eles. E, quando percebesse, já faria parte a família.

            - Muito obrigada, Marta. Nós contamos muito com a sua ajuda. – Rafael abraçou a velha senhora ao se despedir.
            - Eu que agradeço, menino. Vocês dois estão ajudando a realizar meu sonho. Que é ver cada uma dessas crianças tendo a própria família.

Família era para todos eles o que de mais sagrado havia no mundo. Mesmo quando essa família não é perfeita e traz algumas dificuldades. Sempre, independente da situação. Valia a pena lutar para mantê-la unida. Era nisso que Milena acreditava. E justo ela, que foi acolhida nos braços daquela família já formada precisava agora abrir seu coração para algumas das pessoas a que mais amava em todo o mundo.



            Quando Lorenzo chegou com sua família na casa de Jonas, onde aconteceria o jantar, Milena sentiu as pernas tremerem. Não que sentisse medo do irmão mais velho. Longe disso. Ele jamais lhe faria mal algum. Mas assumir um erro para ele doía mais do que para qualquer outro. Por que fora Lorenzo o seu grande cuidador da adolescência. A pessoa em quem mais confiava em todo o mundo e aquele que sempre a defendia, mesmo quando ela estava errada. Nesses casos, depois, ele lhe xingava e alertava para o caminho certo, mas, em público, jamais deixava de lhe estender a mão. Fora para essa pessoa que ela mentiu. E seria duro reconhecer isso.

- Como vai, minha irmã? – Ele perguntou após abraçá-la longamente. – E Maria?
- Está lá dentro com Vida e Bernardo. É bom ver vocês. – Seu constrangimento estava claro e ela afastou-se para cumprimentar Jéssica e os sobrinhos.
- Crianças, vão lá dentro com os primos, sim. Mas sem bagunça nem correria. – Jéssica falou, sabendo que o assunto era para adultos.

Por mais que ela conhece Lorenzo e soubesse de sua natureza calma, hoje entendia que com Milena, tanto ele quanto Jonas, mantinham atitudes mais protetoras. Sabendo da dificuldade, Milena pediu que Nathan chegasse mais tarde ao jantar. Queria ter tempo de explicar o que se passava sem um estranho por perto. Mas o tempo passou, garrafas de vinho foram sendo abertas e ela não puxou o assunto. E quando Emily, elegante como sempre, foi atender a campainha da porta e deu de cara com seu sócio, as três mulheres presentes entenderam que uma discussão teria início. E tanto Jonas quando Lorenzo olharam para o visitante com muitas dúvidas e poucas respostas.

- Buona notte. – Ele disse, sabendo que todos ali falavam o seu idioma.
- Boa noite, Nathan. – Apenas Emily respondeu. – Entre.
- O que faz aqui, Nathan? – Jonas questionou. – Desculpe a indelicadeza, mas...é um jantar de família.
- Eu sei... – Nathan pensou que se Milena não teve coragem para falar mesmo com a privacidade que ele concordou em oferecer por algumas horas, ele seria direto. – E eu faço parte dele...já há alguns anos.

Depois de afirmar algo tão sério, Nathan calou-se e ficou esperando a reação dos irmãos de sua Milena. Viu Jonas dar um passo à frente e os punhos de Lorenzo se fechar.



domingo, 11 de dezembro de 2016

Ariella: capítulo 24

3 semanas depois...
            Enfim Diego estava em casa, sem enfermeiros, remédios, nem equipamentos médicos por perto. Mas com seguranças por perto. Quando a equipe hospitalar enfim sinalizou que era possível retornar ao lar, ele deu-se conta que já não sabia exatamente onde morava. O Brasil não era o seu lugar no mundo, a sede de sua empresa não estava ali, nem o apartamento em que viveu nos últimos anos. Por outro lado, não mais se imaginava dormindo naquele lugar noite após noite. Porque aquele apartamento havia se transformado no sinônimo da solidão. E agora ele tinha uma família para cuidar.
            - Como assim não sabe para onde vamos? – Ariella olhou-o como se desconfiasse de sua sanidade no momento em que ele externou a preocupação. – Para minha casa, é claro. A tranquilidade de acordar com o barulho da rebentação é tudo o que precisamos.



            Ela tinha razão. Não apenas óbvio, o destino lhe agradava muito. Porém, a palavra tranquilidade não era a primeira a lhe vir à mente quando pensava naquela casa. Saiu de lá desacordado, sangrando após levar tiros e pessoas que desejavam roubar ou sequestrar sua esposa. Assim que saiu do coma e convenceu Ariella de que poderia ser informado dos detalhes o que ocorria. Afinal, ao abrir os olhos viu o homem que mais odiava ameaçar Ariella à frente de seu leito. Não era mais possível ignorar o que se passava. Ela concordo e lhe relatou o que sabia da investigação policial e das desconfianças pessoais. Para ela, o assalto era um problema e a briga com o pai outro.
            - Mas são dois fatos muito bem amarrados. – Ele tinha certeza. Faltava a polícia provar e ele encontrar um meio pra proteger Ariella de mais esse sofrimento.
            Seu objetivo, no entanto, não era fazer nada de forma afobada. Ao contrário do passado de ações impensadas, agora ele tinha responsabilidades. Ariella já havia sofrido muito por erros dele. Agora ela lhe perdoara e, a despeito do momento difícil, ambos viviam as alegrias de esperar um filho. Conversaria com o delegado e acompanharia o caso de perto, mas servindo de escudo para que Ariella não mais fosse machucada.
            Murilo, ao saber que eles pretendiam voltar para a casa de Ariella e lá seguir pelos próximos meses, entendeu que sobre seus ombros pesariam muitas responsabilidades. Agora não mais de forma emergencial e à revelia do fundador da empresa. Ele e Diego conversaram seriamente e definiram que enquanto um voltaria para Espanha e gerenciaria as atividades europeias, o outro, do Brasil, responderia pelas latinas.

            - Você será financeiramente recompensado, Murilo. E espero que isso não lhe cause problemas com Dulce. Sei o quanto ela reclama da sua carga de trabalho. – Diego ponderou com o amigo.
            - Sim ela reclama. E diz que só aceitará engravidar quando eu viajar menos. – O executivo, que não escondia o desejo de ser pai, reconheceu. – Mas ela também adora me acompanhar nas viagens. E eu gosto muito do que faço. Por isso, fique tranquilo. Apenas...desculpe a intromissão...
            - Fale, Murilo. Sem rodeios, por favor.
            - Acho que você devia reforçar a segurança da casa, se pretende realmente viver aqui. Se Ariella já era um alvo, você certamente é um ainda mais chamativo.

            Diego acatou o pedido do amigo. E agora, além da espuma das ondas, a vista de sua janela contava com alguns carros padronizados de sua equipe de segurança. Isso servia para tranquilizar os amigos que, depois de tanto tempo dedicados a eles, iriam seguir suas vidas normalmente. Na primeira noite em casa ocorreu uma pequena comemoração. Taças com bebidas que os anfitriões não podiam beber passearam pela casa.

            - Seja feliz, minha amiga. – Dulce afirmou abraçando Ariella. – Ainda acho que o seu conde tem um lado sapo muito forte, mas se é ele que faz disparar seu coração, aproveite.
            - Eu o amo demais para permitir que qualquer outro se aproxime.
            - Sim. – Ela viu isso no passar dos anos. Mas avise-o que estarei de olho...só por garantia.
           
            Quando a recepção terminou, os dois permaneceram na beira do bar, agradecendo pelo que parecia ser o final de um pesadelo.



            - Não me lembro de ter sido tão feliz em nenhum outro momento de minha vida. Nem parece certo...
            - Ser feliz? Achei que era para isso que nascíamos. – Diego respondeu.
           
            Ela riu antes de responder.

            - É estranho me sentir culpada...eu sei. É que, nós estamos aqui curtindo tudo isso enquanto papai...não sei o que ocorreu com ele. Às vezes me sinto uma péssima filha, apesar de tudo.
            - Ele foi um péssimo pai, Ariella. Usou-a e, sei que você prefere não acreditar, mas eu sei que ele estava envolvido nesse atentado.
            - Não é questão de querer Diego, sei da possibilidade. Apenas me sentiria melhor caso a polícia descubra que foi apenas um assalta. Coloque-se no meu lugar.

            Ele entendia, apenas não podia se permitir tratar do assunto com sentimentalismo. Fora Afonso. E ele pagaria por isso, mesmo sendo algo triste para Ariella.

            - Vamos entrar? Acho que podemos terminar a festa lá no quarto. – Ele sugeriu.
            - Acho que você está muito saidinho para quem acaba de sair do hospital. Comporte-se!



Eles não ficavam sozinhos em momento nenhum do dia, sempre sob os olhos atentos de seguranças e funcionários da total confiança. O que não os impedia de fingir esquecer-se dos problemas e viver uma falsa lua de mel. Diego passava o tempo todo cuidando de Ariella, física e emocionalmente, dando carinho e conferindo se ela estava bem o bastante.
            Esse desejo de protegê-la, por vezes gerou problemas. Ela estava há tempo demais resolvendo sua via sozinha e, ter um parceiro lhe cobrando e verificando a todo o momento não era fácil. E o contrário também era verdadeiro.

            - Preciso lembrá-lo qual e nós dois estava hospitalizado? – Ela o lembrava sempre que Diego demonstrava alguma preocupação.

            Isso não o convencia quase nunca. Mesmo quando sua fraqueza momentânea ficava clara, como quando sentiu-se tonto e precisou apoiar-se em uma mesa para não cair. O tempo longo preso à cama hospitalar poderia causar isso, a médica tinha alertado. Sentir essa dependência, na prática, era mais complicado que o aviso teórico. E ele sentiu-se ofendido quando Ariella passou o braço por sua cintura e tentou suportar seu peso.

            - Nem pensa! – Ele, apesar de sentir as pernas fracas, desvencilhou-se ela.
            - Você tem de se deitar um pouco e não pode chegar no quarto sozinho. – Ela argumentou.
            - Chame um dos seguranças. Você não pode me levar.

            Não se tratava de machismo, como Ariella pareceu encarar sua ordem. Nem poderia, afinal, ela se mostrara a pessoa mais forte que ele já conhecera. Mas era sua responsabilidade zelar por ela e pelo bebê deles e enquanto ele era cuidado por todos no hospital, ela corria de um lado para o outro. E se nem mesmo preso ao leito deixava de perceber quando, após um sumiço longo, ela retornava ao quarto pálida feito um papel e sempre segurando uma garrafa d’água ele deixa de perceber suas crises de enjoo, agora elas eram ainda mais óbvias. Assim como o resultado delas no seu estado geral de saúde. Ariella carregava olheiras sob os olhos, no final do dia estava mais cansada do que o normal e era impossível deixar de perceber o quando vinha mancando mais do que o normal. Um antigo funcionário da casa, lhe confidenciou a razão.

            - Com tudo o que aconteceu, a patroa abandonou as sessões de fisioterapia. – Explicou o rapaz que parecia ter muito respeito pela empregadora.

            Desde que soube de tudo, Diego tomou uma decisão. A relação deles de forma alguma poderia prejudicar Ariella e tirar o que ela conquistou no decorrer dos anos, sobretudo no que se referia a saúde ou a recuperação do acidente sofrido na Espanha. Já lhe era muito duro aceitar que, independente de quando dinheiro investisse nos melhores tratamentos, ela jamais voltaria a andar como antes porque ficara com uma perna centímetros menor. A ideia dela ter a qualidade de vida sacrificada por cuidar dele era inaceitável.



            - Eu não quero falar de problemas médicos, Diego. Passei anos consultando ortopedistas. Aceitei minha situação. Faça isso você também. – Ela foi direta. Aquele assunto ainda doía. – Assunto encerrado.
            - Não...venha cá Ariella. Esse assunto não pode ficar entre nós.
            - Não está entre nós! – Ela ergueu a voz. – É que você ficou longe muito tempo e não se acostumou a ver as cicatrizes. Elas te incomodam. Mas eu as vejo há 10 anos.

            O que ele sentia nada tinha a ver com os riscos que cobriam a pele dela. Era a dor que eles comprovavam a lhe ferir. Quando ela mostrava dificuldade em dar alguns passos, era sinal de que sofria e esse era o se maior incômodo.

            - Você vai retomar a fisioterapia e nós conversaremos com a sua obstetra. Quero me assegurar que o peso que você ganhará durante a gestação não lhe cause mais dificuldades. Sou o pai esse bebê. Tenho direito de conversar com a médica e acompanhar o seu estado de perto.

            Ariella não tinha dúvidas desse direito nem pensava em questionar. Apenas preferia que Diego conseguisse deixar o passado enterrado. Mas a que parecia, ele tendia a sempre esperar que alguma sombra viesse da década passada para engolir sua felicidade. Ao menos a consulta com a obstetra serviu para acalmar o coração do pai de seu bebê. E eles ouviram atentamente todas as orientações da médica, ditas após ela analisar uma série de exames feitos recentemente, mas que ainda não haviam sido levados até o consultório antes.



            - Eu ainda não estou convencida, doutora. Afinal, esse cansaço que vejo em Ariella não é normal. Eu a conheço há muitos anos...
            - Mas nunca conviveu com ela grávida, suponho. É natural que algumas características mudem, sobretudo no começo, quando os enjoos são frequentes e o corpo ainda se adapta as questões hormonais.

            Diego não saiu do consultório totalmente satisfeito. Porém, havia conquistado o apoio da médica em coisas importantes como Ariella repousas durante uma hora durante a tarde. Já da alimentação, a obstetra foi mais severa e destacou que exageros alimentares só prejudicariam o bebê e Ariella.

            - Não gosto de médicos que insistem em dietas desnecessárias. Por que uma grávida faria uma dieta restritiva se por séculos elas foram orientadas a “comer por dois” e a técnica funcionava? – Diego argumentou, no carro.
            - Porque se eu comer muito virarei uma baleia e sofrerei mais para recuperar meu corpo depois. – A parte de que o peso extra prejudicaria sua dificuldade de locomoção ela deixou de fora pelas reações exageradas de Diego nesse assunto.
            - Alguns quilinhos a mais não lhe fariam mal. – Mas ele preferiu trocar de assunto.
           
            Policiais chegaram a ir a casa de Ariella para interrogar Diego. Mas Ariella não os permitiu entrar. Avisou que Diego ainda não estava completamente restabelecido e precisava de repouso. Não era bem verdade. No fundo, ela desejava atrasar o quanto pudesse aquele depoimento e seguir fingindo ser uma mulher apaixonada e vivendo feliz com o amante enquanto esperam um filho.

            - Quem era? – Diego perguntou.
            - A polícia...queriam o seu depoimento. E eu os mandei embora.
            - Ariella...
            - Eu sei, não podemos fugir eternamente. Mas eu prefiro ser feliz enquanto posso. E sinto que mexer nisso só trará mais dor.
            - Não sei. – Diego seguia preocupado. – Amanhã eu vou à polícia depor. Quanto antes eles descobrirem o que aconteceu é melhor. Quem tentou sequestrar você, pode não ter desistido. – E isso ele não permitiria.

...

Na Argentina...

            Afonso andava de um lado para o outro, atendendo ligações e dando explicações a credores. O cerco se fechava cada vez mais porque, contando com o dinheiro da filha, ofereceu promessas e promissórias de que pagaria as dívidas. Agora seus agiotas estavam agitados e exigindo o dinheiro.

            - Meu plano não deu certo...ainda. Só precisam ter paciência. Não adiante pressionarem. Enquanto eu não tiver o dinheiro, não poderei pagar a vocês.

            A resposta do outro lado da linha não o agradou.

            - Não adianta me ameaçarem. Eu já paguei tantas vezes. Não é verdade? E se me matarem só conseguirão não receber jamais. Qual o lucro disso?

            Apesar do argumento ser válido, resolveria por muito tempo. E Afonso sabia que precisaria de bem mais para acalmar seus cobradores.

            - Talvez unir forças fosse mais proveitoso. Eu sei da onde tirar o dinheiro...apenas não está fácil atingir ao alvo. Vocês entram nesse jogo, ganham a sua bolada e eu saio bem. O que acham?



domingo, 4 de dezembro de 2016

Vida Roubada: capítulo 29


            A cena, aplaudida por tantos, fazia o coração de Beatriz desmembrar-se em pedaços minúsculos. Tão pequenos que ela ousava pensar jamais poder juntá-los novamente. Ou que, no mais feliz dos destinos, ele seria remendado e sobreviveria carregando um emaranhado de horrendas cicatrizes que tempo algum poderia apagar. Talvez o que mais lhe ferisse fossem os olhos brilhantes e acusadores que observava no saguão do aeroporto. Eles festejavam a prisão de um criminoso, de um abusador, de um ser cruel. Somente ela o reconhecia como algo além disso tudo.



            - Beatriz...Bia...venha conosco, por favor. – Rebeca, atendendo a um pedido de Elizabeth, tentou tirá-la do meio da confusão. Licenciada das funções policiais, Liz foi impedida de se aproximar. – Bia...
            - Eu vou com ele. Para onde estão levando-o?
            - Para a carceragem da Polícia Federal, por enquanto, para depor. Ele está muito enrolado com as autoridades, Bia. E sabe disso. Sebastian comunicou que se entregaria hoje.
            - Não! Ele não é um criminoso! Não! – Perdida entre o que sabia e que sentia, ela olhou em volta e viu o rosto da irmã, ao longe, atrás da barreira policial junto de uma séria de curiosos. Correu até ela, empurrando quem tentou freá-la. Já no caminho gritava para a única pessoa em que ainda acreditava. – Liz! Porque você está aí!?!? Venha aqui e mande que soltem-no! Eu posso testemunhar ao seu favor...

            Só quando chegou muito perto de Elizabeth, é que Beatriz deu-se conta que ela não usava nenhuma identificação da PF, nem carregava o coldre que amparava a pistola municiada, seu companheiro em operações. Ela estava à paisana, com uma expressão confusa na face e vestindo uma roupa que não escondia uma gigantesca barriga. Só então lembrou-se que pouco antes de ser sequestrada ela vira Elizabeth descobrir uma gravidez. Isso fora há apenas alguns meses, mas parecia uma vida toda atrás.

            - Você...o bebê... – Tudo aquilo, a junção dessas duas vidas, fizeram com que a confusão tomasse conta de seu pensamento.
            - Sim, um bebê. Benício, seu sobrinho. – Elizabeth abraçou a irmã e percebeu o quanto seus braços tremiam. – Você está em choque, vamos sair daqui.

            Beatriz encarou a irmã como se não mais a reconhece-se. Apesar de não usar uniforme nem distintivo, Elizabeth agia como a mulher da lei, não a irmã. E aquilo feria o seu já machucado coração.

            - Mandem soltá-lo agora! Ele não é um criminoso. Ele não merece ser humilhado assim. Tirem essas algemas dele! – Ela repetiu, tropeçando nas palavras.



            - As coisas não são tão simples Bia. – Elizabeth tentava buscar em seu treinamento e experiência profissional a forma certa de agir com alguém envolvido emocionalmente com quem lhe inflige dor. – Eu entendo como você está se sentindo, mas não é possível fechar os olhos para o que ele fez. Vamos para casa. Você não precisa depor agora.
- Você não sabe o que está dizendo! – Beatriz grita à frente da irmã. - Ele me salvou.
Nos anos de estudo e pesquisa jurídica, Elizabeth deparou-se algumas vezes com a Síndrome de Estocolomo, um fenômeno no qual psicólogos especializados em crimes se debruçavam, mas que apenas agora ela imaginou estar diante de um caso concreto. A Síndrome de Estocolomo costumava ser usada para explicar reações como a de Bia, quando a vítima de um sequestro envolvesse romanticamente com seu algoz. Beatriz parecia pronta a lutar com quem a salvou para salvar um dos responsáveis por sua dor.
Elizabeth deparou-se com a difícil tarefa de ser firme quando tudo o que desejava era prender Bia dentro de seu abraço a acalentá-la. Aquela menina era até muito recentemente a sua única família, meio irmã e meio filha, dupla às brincadeiras de criança, parceira nos desafios de toda a vida e razão de muito orgulho. A menina frágil do passado parecia agora mais enrijecida, devido a dor e os horrores vividos.

- Não sou sua inimiga, Bia. Sou sua irmã. Aquela que te viu crescer, lembra? Nós vamos acertar tudo, com o tempo. É disso que você precisa agora: tempo. Vou levar você para casa, de volta para a sua vida, no seu quarto, você irá colocar a cabeça e os sentimentos no lugar.
- Não fale comigo como se eu fosse uma criança estúpida! Sou uma mulher e está tudo em ordem com a minha cabeça!
- Será mesmo? E será que Eva passou por essa cabeça em algum momento? – Liz lançou mão do último argumento de que dispunha.

O mundo de Bia, que já se estabilizava sobre fracas estruturas e balançava a cada nova emoção, agora desabava num precipício aparentemente interminável. Além de mulher apaixonada e vítima e uma quadrilha internacional ela agora lembrava-se que também era a mãe de uma menina de dois anos e meio, um ser inocente no meio de tudo isso. A culpa somava-se a dor e a obrigava pensar em coisas além do desejo de proteger Sebastian. Ela aceitou a mão estendida por Liz e foi com ela de volta à antiga vida. Difícil seria enquadrar a nova Beatriz a ela.



            Ainda no aeroporto Sebastian conversou com oficiais que há anos esperavam por aquele momento. Membros da equipe de Elizabeth e que a ajudavam a conhecer detalhes da atividade criminosa na qual ele se envolveu. Quando todo o tumulto sessou, uma dupla de jovens policiais o acomodaram em uma sala reservada.
            - Você pode chamar um advogado. – A mulher que apresentou-se como oficial Carla Santorini. – Tem o direito de não falar sem a presença de um representante legal.
            - Fico feliz em exercer esse direito, senhorita Santorini. – Ele nada poderia fazer, mas sempre preferiu exercer deveres. - Meu advogado chegará em breve.



            O experiente advogado, Aristeu de Conto, um amigo de longa data e conselheiro estava a caminho e desembarcaria a qualquer momento, pronto para começar a agir. Depois de aconselhá-lo a em hipótese alguma entrar no Brasil junto de Beatriz e ter a indicação ignorada, o profissional preparou-se para enfrentar tempos difíceis. Aristeu contou por décadas com a honra e o constrangimento de ser um dos poucos a conhecer o verdadeiro Sebastian Gonzáles, o integral, sem a edição maquiada que ele oferecia ao mundo. Somente ele e o motorista Francisco, que naquele momento oferecia seu apoio à Angelina e Luiza, nos EUA, realmente sabiam de qual fibra era feito aquele homem.

            - Senhor Gonzáles, eu sou o policial Frederico Amaral. – Fred apresentou-se entrando na sala acompanhado de Aristeu. – O senhor reconhece Aristeu de conto como seu representante legal?
            - Reconheço. Podemos começar? – Sebastian foi objetivo.
            - Ainda não. Por ordem da policial que comandará o depoimento, ele deverá ocorrer na delegacia e não aqui. – Fred explicou. – Terá alguns minutos para conversar com seu advogado antes de seguirmos.
            - Está bem. Será a investigadora Elizabeth Benitez a comandar o interrogatório?
            - Antecipar esse tipo de informação não...
            - Não. – Respondeu Carla. – Apesar dela certamente desejar isso. Mas certamente você sabe que, sendo ela afetivamente tão envolvida com o caso, não poderá fazer isso. O interrogatório será comandado pela investigadora Rebeca Hassum.

            Não apenas ela, Sebastian descobriu duas horas depois quando, já exausto física e emocionalmente, seu depoimento teve início. Além de Rebecca, o delegado Tomaz Clerk ocupou uma cadeira na sala. Ainda que se mantendo calado a maior parte do tempo e sem sequer expressar qualquer reação, a presença dele deixava clara a importância que aquela prisão tinham àquela unidade da Polícia Federal. Sebastian se sentia preparado para o que ocorresse. Na conversar com Aristeu, o advogado o informou de que seria acusado de crimes como sequestro, formação de quadrilha e abusa sexual. O jurista adiantou ao cliente que ele passaria aquela noite na carceragem, mas que, no dia seguinte provavelmente seria encaminhado a uma penitenciária e que o melhor seria agir para que, extraditado, seja julgado e cumpra pena nos EUA.

            - Vamos começar, Senhor Gonzáles. – Rebeca deu início aos questionamentos. – Qual a sua ligação com a quadrilha que manteve durante anos esquema para levar latino-americanas a serem escravizadas e prostituídas na Europa?
            - Nenhuma. Eu não sequestro mulheres, investigadora. – Ele respondeu, satisfeito com o tom firme que infligiu na própria voz.
            - Há registros de você com pessoas comprovadamente envolvidas. Entre elas, a suposta comandante de tudo Gabriela Alencastro. Seu nome também aparece nos registro da boate Noxotb, local gerenciado por um homem chamado Gregory, na Rússia. Tenho indícios muito claros de que o senhor o conhecia muito bem. O que me diz?
            - Usei os serviços da Noxotb por vários anos, sempre que estava na Rússia. Assim como de outras boates, em várias partes do mundo. Lá conheci Gregory. Eu fui consumidor dos serviços de um lugar duvidoso, assumo. Mas jamais sequestrei uma pessoa.
            - O senhor sabia que se tratavam de escravas?
            - Não. – Sebastian falou orientado pelo advogado. – Jamais fiz questionamentos a esse respeito, nem para elas quanto para Gregóry ou para sua parceira, Samantha, se não me engano. Eu simplesmente escolhia a que me interessava e a tinha em algum lugar do meu agrado. Pagava a conta e logo depois me esquecia dela.
            - O senhor nunca se perguntou o porquê dessas mulheres se sujeitarem a isso?
            - Não por tempo suficiente para fazer algo a respeito. – Essa resposta foi mais sincera do que o advogado gostaria.
            - Várias mulheres resgatadas da Noxotb o acusam de agressão. Algumas relatam ocasiões de brutal descontrole, que exigiu atendimento médico e deixou marcas em seus corpos, além do psicológico.
           
            Nessa pergunta Sebastian vacilou entre a verdade crua da consciência e a mentira simpática sugerida por Aristeu. Optou pela esperteza de ficar sobre o muro.

            - Na maior parte desses momentos, investigadora Rebeca, eu estava tão bêbado que sequer seria capaz de reconhecer a mulher. Se agredi alguém, não era meu objetivo e, obviamente, não me orgulho, mas não posso confirmar algo de que não me recordo.
            - Mas lembrou de Beatriz Santos o bastante para requerer novos encontros repetidas vezes? – Ele era esperto demais, conclui Rebeca.



            - Beatriz não era como elas, nunca foi e desde o início eu vi isso, apesar de não saber nada de sua origem ou o que a levou até a Noxotb. Ela conseguia conversar comigo como nenhuma outra, além de, é claro, termos uma ótima relação sexual. Eu não admiti ficar sem ela. E disso não me arrependo. Exigi de Gregory que ela não mais atendesse homem algum além de mim. O que incluía a ele mesmo, que sempre teve interesse nela.
            - Foi esse interesse em torná-la exclusivamente sua que o fez comprá-la? Ou isso era um costume?
            - Não! – Pela primeira vez ele se exaltou. – Não sou um fanático que criou um harém de escravas sexuais. Eu paguei por Beatriz sim, mas jamais pretendi torná-la uma escrava. Eu não aceitava a ideia de ter outros homens a tocando e apenas a comprei porque ela me pediu. Ela quis ser minha e...tornou-se muito especial na minha vida.
            - Quer mesmo me fazer acreditar nesse conto de fada, Senhor Gonzáles. Espero que tenha bons argumentos.
            - Eu...levei muitas prostitutas para hotéis, Rebeca, mas só Beatriz esteve em minha casa com minha mãe e filha. Creio que não exista prova maior.
            - Você comprou uma mulher e levou-a para sua residência oficial, com a conivência de sua mãe?
            - Não! – Tudo o que não desejava era criar problemas para sua mãe aquela altura da vida. – Inicialmente levei-a para um apartamento. Logo depois recebi um ultimato de Gregory para que eu devolvesse Bia e obviamente neguei. Então passei a cercá-la de segurança. Veja bem, não era para escravizá-la, mas para protegê-la. Ainda assim, tentaram feri-la. E hoje posso afirmar com certeza que o comando partiu de Gabriela Alencastro. Então levei minha amada para o local mais seguro possível, aonde estão todos os que amo.
            - Ela era livre nessa casa? Saía sozinha? Podia ir na padaria? – Essa era a principal pergunta. A que diferenciava a hóspede da escrava.
            - Podia...mas eu...deixava claro o meu desejo de que ela não o fizesse. – Sebastian respondeu, sabendo que aquilo estava muito longe da verdade ao mesmo tempo que, reconhecia, seria sua única chance de sair da cadeia algum dia.
            - Ela saiu sozinha alguma vez? - Rebeca foi direta no questionamento.
            - Não, isso jamais ocorreu. Mas, em minha defesa, afirmo que tentei fazê-la feliz. Tanto quanto qualquer homem tenta pela mulher que ama.
            - Por hoje terminamos. – O interrogatório teve fim com Rebeca pouco convencida e muito curiosa por ouvir Beatriz. Pela segurança de Sebastian, Liz teria dificuldade em fazer a irmã falar qualquer coisa contra ele.

            Já sendo retirado por Fred, Sebastian pediu novamente a palavra. E dessa vez conseguiu surpreender Rebeca.

            - Peço que avise Elizabeth que eu gostaria de conversar com ela. Tenho certeza de que a Polícia Federal permitiria a visita.
            - Elizabeth não se envolverá nesse caso por ter ligação pessoa, Senhor Gonzáles. – Tom, enfim, falou. – E, caso liderasse essa fase do caso, o senhor não teria vantagem alguma, acredite.
            - Eu tenho conhecimento disso.
            - Então porque deseja vê-lo? – Tomaz insistiu.
            - Por que ela é irmã da mulher que eu amo. – Foi a resposta que, Tomaz desconfiava, mais iria irritar do que emocionar Elizabeth.




            Na banheira que se banhou por anos, mas que não via há tempo o bastante para se sentir-se uma estranha, Bia ganhou alguns momentos sozinha. Estava no seu lar, o cheiro daquele sabonete lhe trazia lembranças, a vista da janela pouco tinha se alterado e, ainda assim, ao olhar-se no espelho, não se reconheceu.
            No carro, ela e Liz tentaram conversar e remendar laços que estavam ali ainda, mesmo que enfraquecidos. Eva foi o tema de quase toda a conversa. Bia soube da briga judicial iniciada por Rafael e que privou Eva do convívio com Elizabeth e Matheus. Aquele casamento parecia algo tão distante, quase fruto de um sonho antigo e nunca realizado. Rafael não mais existia em suas lembranças. E ela não via sentido algum em um homem que jamais agiu como pai querer a guarda da menina e retirá-la dos que a amavam. Ela chorou imaginando o sofrimento da menina ao ficar sem a mãe e os padrinhos quase no mesmo momento.

            - Eu quero ir vê-la. Quero minha filha de volta. – Ela deixou claro, ainda durante a viagem.
            - Matt vai cuidar disso e conseguir uma visita o quanto antes. Depois podemos requerer que você retome a guarda da sua filha. Por isso é importante que retome a sua vida. Juiz algum a impedirá de ver a menina quando vir a tona que você foi sequestrada. Ainda mais quando a prisão dos responsáveis for noticiado.
            - Não vou conversar com você sobre Sebastian. Você não entende o que acontece. – Assim a conversa foi encerrada.

            Quando viu o antigo quarto, lágrimas rolaram. Na parede fotos dela com Eva ainda recém-nascida dividiam espaço com lembranças junto de amigos do jornal e festas com Liz e Matt. As lembranças iam e vinham em sua cabeça. Cada imagem trazia a recordação de um momento feliz. Junto de uma das paredes, encostado a uma parede cor de rosa, a cômoda e o berço de Eva. Sua menina já nem devia usar um desses para dormir.

            - Está tudo como antes. E o quarto do seu bebê? – Perguntou à Liz.
            - Por enquanto Benício tem um berço ao lado da minha cama. Funcionou para Eva.
            - Só que ela não é filha de um empresário podre de rico. Você e Miguel...está tudo bem?
            - Foi uma longa história. Um dia te conto. – Ela sentia tanta falta daquelas conversas. – Miguel comprou outro apartamento, maior, mas...eu não consegui sair daqui. Era como abandonar a nossa história.

            As duas se amavam muito, mas estavam distantes fisicamente. Desejavam se abraçar, mas havia uma barreira com nome e sobrenome que as impedia. Enquanto não a ultrapassassem, seria impossível agir feito irmãs.

            - Aquele homem te fez mal. Ele colocou coisas na sua cabeça e você ainda o defende. – Liz começou, num tom de voz baixo, mas que não minimizava as palavras duras. – Você pode retomar sua vida, Bia, com Eva, no jornal e com alguém que a ame. Como Will. Você ainda lembra de Will? Ele deu a vida para tentar protege-la.
            A lembrança daquela noite voltou a tomar os pensamentos de Bia. Ela saía para seguir com sua investigação, sabia estar se arriscando, mas preferiu ir adiante. Foi abordada por homens que, naquele momento, acreditar serem apenas assaltantes. A infelicidade tornou-se tragédia quando Willian saiu na rua e ela o viu ser alvejado por tiros.

            - Ele não sobreviveu mesmo? – Lá no fundo ela guardava alguma esperança.
            - Não. Morreu na hora. – Liz respondeu. – Ele a queria em segurança. Isso é amor, Bia.

            A irmã mais jovem, porém, revoltou-se com a comparação.

            - Você não sabe de nada! Está fazendo deduções frias enquanto só eu sei o que vivi! Foi Sebastian quem me salvou daquele lugar horrível. Ele me ama!
            - Se isso fosse verdade, ele teria levado você às autoridades e não a mantido escondida. Sebastian tirou você de sua filha! Foi ele, Bia, quem retardou esse reencontro por puro egoísmo.
- Você não estava lá para saber!
- Verdade, eu estava aqui, sofrendo e lutando para trazê-la de volta! – Liz percebeu que se descontrolava. – Eu saberei dos detalhes quando você depor. E isso será logo porque a polícia tem pressa. Quanto mais tempo levar, melhor os advogados dele se sairão.
- Quando eu depor a verdade será esclarecida e vão soltá-lo. – Mas ela sabia que tudo dependeria de qual verdade fosse relatada. Havia muitas. A do Sebastian ao qual ela temeu e do homem que ela conheceu depois.

Elizabeth preocupava-se justamente com isso. Bia, na ânsia de proteger o amado poderia complicar-se com a justiça ao mentir em juízo. Ela já não confiava na irmã como antes. Porque a jornalista com sede de justiça e verdade nos fatos parecia submersa debaixo de um mar de acontecimentos confusos.

- Espero que você pense bem antes de mentir para o juiz Beatriz. A Polícia Federal tem provas cujo seu depoimento não irá sobrepor. Além disso, não se esqueça daquelas mulheres que entrevistou, daquelas mães desejosas por justiça. Para proteger esse homem, com mentiras, você pode por em risco os resultados de anos de investigação. – Liz disse antes de ver a irmã trancar-se no banheiro.

            Elizabeth ofereceu algumas horas para a irmã se recuperar, sabendo que nada naquela história parecia seguir o curso natural. Rebeca havia lhe informado do andamento do depoimento e do recado de Sebastian para ela. Ele afirmava amar Beatriz, algo que ela não conseguia nem desejava acreditar. O próprio casamento não servia de exemplo para nenhum conto de fada, assim como ela estava longe de ser a heroína perfeita e Miguel nutria defeitos demais para servir como modelo de marido. Ainda assim, estavam juntos e assim pretendiam permanecer. Porém, acreditar que um homem como Sebastian Gonzáles, capaz de enganar o mundo todo e manter uma vida de abusos paralela, poderia realmente amar a mulher pela qual pagou e reconhecia ter mantido em cárcere privado era algo além das possibilidades.

            - Ele sabe que manter Bia sua refém emocionalmente é a melhor estratégia para livrar-se das acusações no tribunal e ganhar a opinião pública. – No momento era só nisso que conseguia crer.
            - Cuidado para não se chocar demais, caso descubra que não é bem assim. – Lembrou Miguel, que chegou discretamente às suas costas.
            - Não acha fantástica demais a história do homem que se apaixona pela prostituta e a torna sua mulher?
            - Acho. Mas a da policial que se envolve com o investigado não é menos surpreendente e aqui estamos nós, com Benício de prova para quem duvidar da possibilidade.

            Quanto a isso Liz não podia argumentar. Sim, amores impróprios surgiam nos corações humanos e eram responsáveis por mudar as pessoas. Talvez a vida policial fosse responsável por endurecer tanto os seus sentimentos a ponto de torna-la incrédula.

            - Tenho medo dele usar Bia e depois que ela não lhe for mais útil acabe descartando-a. Bia está muito frágil, ela pode ser destroçada por ele. E isso não posso permitir.
            - Talvez você não tenha escolha a não ser deixar que a vida siga o seu curso. Tente agradecer a Deus o fato de Beatriz ter voltado a ocupar a sua casa. Muitas irmãs e mães de mulheres que vivem o drama de Bia não terão a sorte de reencontrá-las.

            Liz sorriu para o marido e o puxou para um abraço.

            - Quando foi que meu marido se tornou tão sábio?
            - Não é sabedoria. Você analisaria as coisas da mesma forma, caso não estivesse emocionalmente envolvida.
            - É, pode ser. É que depois de viver tantos meses esse inferno, tudo o que eu espera era abraçar Beatriz. Mas ela parece ainda muito presa a esse homem. Não é a irmã que me tomaram.
            - Você também talvez não seja a mesma da qual ela se lembra. E não é de Benício que falo. Foram meses muito duros para todo nós, é claro que todos estamos mudados. – Ele a beijou antes de voltar a falar. – Eu, por exemplo, só fiz te amar mais depois que você conseguiu me perdoar.



            - Eu tentei ficar sem você, mas não consegui. – E ela desejava que esse não fosse o caso de Bia. – Eu só não quero que ela sofra.
            - Fique ao lado dela...e tente não ficar muito nervosa. Benício já teve emoção demais. Vou sair para deixa-las a sós.
            - Você mora aqui Miguel, não precisa sair.
            - Vamos colaborar para que Bia se habitue de volta ao lar. – Ele precisava dizer algo desagradável. – E eu vou visitar Catarina.
            - E a mãe de Catarina também...está bem, vá lá. Só mantenha o juízo. Matt e Paty devem chegar logo com Eva. Acho que fará bem a Bia.
            - Está bem. Só tentem não brigar.



            Elas provavelmente voltariam a velha discussão. Só não o fizeram porque olharam no olho uma da outra apenas quando Matt chegou. E ele não chegou sozinho. Estava acompanhado de Eva, que estranhava a única pessoa da qual não tinha lembranças recentes e a que mais a amava em todo o mundo. Sem saber como agir, Bia chorou vendo a filha esconder-se no pescoço de Matt com medo de sua mãe. Nada poderia doer mais.