segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ariella - Prefácio

Cádiz, Espanha, em 1989


            Ramón e Silvana Bueno encaravam-se com há meses, mesmo morando na mesma casa, não haviam feito. O casamento não ia bem. Talvez nunca tenha sido como deveria, como faziam com que parecesse a quem apenas observava de longe. A verdade é que em algum momento o amor deixou de existir. E enquanto Ramón fingia estar tudo bem e passava a trabalhar mais horas ao dia, Silvana sentia-se só, abandonada e sem razões para manter os juramentos matrimoniais. Até que tudo desabou. E esse erro custou mais caro do que esperava.

-Eu não consigo acreditar que ele foi capaz desta traição comigo! – Ramón encarava a esposa com olhos incrédulos. Havia ódio neles. Mas o que mais machucou foi a mágoa. Mesmo vivendo um casamento infeliz e sem amor, Ramón não esperava pela traição e estava sofrendo.
-Nós nunca desejamos que isso acontecesse, Ramón. – A vergonha estava estampada em seu rosto. – Jamais!



-Mas aconteceu! Eu fui traído por minha mulher e meu amigo! – De repente ele ficou pálido. – E Diego? É meu? Ou além de tudo terei de perder meu filho também?

Diego, com apenas quatro anos, era a única fração positiva que restou daquela união. E também a fonte de preocupação de Silvana. Aquele menino não merecia sofrer a tempestade que se avizinhava. Silvana não tinha nenhuma dúvida de que Diego é filho do marido. Caiu na tentação muito depois. Engravidou em um momento em que ainda tinha esperança de salvar o casamento. Errou. O casamento chegou ao fim e agora havia mais alguém para sofrer.



            Ramón ostenta o título de Duque, herdado de seus antepassados e que irá transmitir a Diego. Viviam na tranquila cidade costeira de Cádiz e tinham aparentemente a vida perfeita. Essa vida de riqueza com a sociedade espanhola aos seus pés, com título de nobreza e a imensa casa que lembrava um castelo não conseguiram salvar o casamento. E no auge da carência afetiva conheceu Afonso, um argentino de passagem por Cádiz, a oportunidade de ser feliz.



            Enganar Ramón, um homem mais preocupado com dinheiro do que com ela e a família, parecia fácil. Já Afonso lhe dava atenção, amor, carícias e a fazia sonhar. A cada vez que tentou por fim ao caso e retomar a vida tranquila de dona de casa, era atraída de volta para a teia de Afonso. O charme daquele homem a viciou. Mas os meses passaram e talvez por ter ficado mais ousada ou menos cuidadosa, Ramón descobriu tudo. Agora ali estavam,sem nada a não ser ódio.

-Não diga bobagens.  Diego é seu filho. – Após algum tempo de silêncio Bueno fez o pedido que sabia jamais seria atendido. – Pode me perdoar? Podemos tentar novamente.

            O olhar que recebeu disse tudo que precisava saber, mas as palavras foram ditas por Ramón da forma mais cruel que conseguiu.

-Nunca fui interessado em mulheres que não se dão valor. Vá embora! Sem Diego!
-Não pode fazer isso. Aquele homem não é nada. Eu fui seduzida! Acabou Ramón, eu juro.
-O que acabou foi o nosso casamento! Você me traiu com um homem que esteve em minha casa, jantou na minha mesa. Talvez, tenham usado até mesmo a minha cama. No que depender de mim, você jamais olhará Diego novamente!
Sem alternativa ou argumento para agir em contrário, Silvana abraçou ao filho sem saber se tornaria a vê-lo novamente. Deixar Ramón não foi difícil, já não o amava e, se tentou reatar a união, foi pensando em Diego. A ideia de fazer ao filho sofrer lhe doía no peito.

- Mamãe...você vai demorar muito? – Diego perguntou vendo-a sair com a mala.
- Não sei, filho. Eu não sei. – Foi tudo o que pôde responder.

Ao sair da casa, Silvana levava suas roupas e o carro. As joias Ramón havia confiscado alegando que ela não as merecia já que foram dadas para uma esposa por um homem apaixonado. E essa relação de amor e confiança já não existia. Os planos de Silvana eram se encontrar com Afonso e, juntos, deixarem Cádiz. Iriam para a Argentina e fariam uma nova vida. Ela então poderia tentar rever Diego e um dia retomar a relação com o filho.
Nenhum desses planos foi possível. Silvana jamais reviu Diego. Nunca colocou os pés na Argentina. Nem mesmo tornou a falar com Afonso. Ainda na estrada, nervosa e em alta velocidade, ela não conseguiu manter a atenção na íngreme estrada que levava da casa até a cidade. Quando percebeu, às lágrimas pareciam encobrir a visão e o carro chocou-se contra uma árvore. Silvana despediu-se do mundo sabendo que deixara muito por fazer e que sua falta seria sentida não por Afonso ou Ramón, mas por Diego, que cresceria sem mãe e em meio ao ódio causado pelo seu comportamento.

Semanas depois...

            Nem mesmo a morte de Silvana aliviou o peso da traição que afligia o coração do Conde Ramón Bueno. Tudo ali lembrava-o da mulher com quem se casou. Por mais que tenha cometido erros como marido, amou-a até o último momento e por isso nunca entenderia como fora capaz de entregar-se a outro.
            Odiava Afonso Amaral com todas as suas forças. O turista que ele conheceu na rua e convidou para jantar em sua casa, tornou-se um amigo e depois usou disso para roubar-lhe a mulher. Um homem sem caráter e que além de trazer traição para o seio daquela família, levou Silvana para a morte.

            - Papai, eu quero a mamãe. Quando ela chega? – Diego apareceu à porta do escritório logo cedo pela manhã. Usava pijama e tinha as bochechas rosadas pelo sono.
            - Nunca mais. Sua mãe não vem nunca mais. – Ele disse ao filho, sem piedade. – Por culpa daquele homem. Afonso Amaral! Lembre desse nome Diego, nunca se esqueça. Foi ele quem destruiu sua família. Foi ele quem levou a sua mãe!

            Em meio a dor da traição e do luto Ramón tinha apenas uma certeza. Ensinaria Diego a ser um homem honrado e jamais trair a palavra dada. Esse era o seu dever de pai. Seu filho herdaria muito mais que o título de nobreza ou sua fortuna, levaria também seus ensinamentos morais. Seria um homem de verdade. E também o ensinaria a odiar quem assim merecia e a fazer justiça. Passaria para Diego a imensa ira que hoje carregava só. Afonso Amaral não seria esquecido.
            Naquele instante Ramón observava seu menino brincar no jardim. Diego ainda sentia a falta da mãe, mas, no futuro, não teria piedade de nada. Lembraria apenas da traição que seu pai sofreu. E um dia Afonso experimentaria uma dor tão forte quanto a sua. Ramón não tinha pressa. Deixaria Afonso construir uma nova vida na Argentina, para onde voltou após o enterro de Silvana. A traição e a separação jamais foram divulgadas na imprensa e Silvana teve sua imagem protegida pela morte. Assim como Afonso, que fugiu para seu país de origem sem ter de se responsabilizar pelo que fez. Não importava. Quanto mais longe fosse e mais construísse, mais iria perder no futuro.


            Ramón deixou o tempo correr e fazer seu trabalho...

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Vida Roubada: Capítulo 15


            Uma sala discreta na qual alguns homens se acomodavam em cadeiras confortáveis enquanto mulheres colocavam-se sobre um tablado alto. Luzes destacavam sua beleza, trajes e adereços. Tudo normal. Não fosse o objetivo criminoso. Ali, não se vendiam roupas nem joias. Elas eram a mercadoria. Cada uma delas estava prestes a deixar de ser uma prostituta para tornar-se propriedade particular de alguém. Alguns homens poderiam chamar de amantes. Outros eram mais objetivos e diziam ir ali para adquirir uma escrava sexual. O nome não importava muito, o objetivo final é o mesmo.
            Bem vestidos e servidos pelo garçom, cada cliente segurava um copo de bebida, Whisky e vodka eram os preferidos. Nenhum deles tinha menos de cinquenta anos e uma exigência para estar ali era ser um cliente assíduo e de total confiança. Aqueles esporádicos eram muito arriscados. Isso, é claro, além de ter muito dinheiro. Não se tratava apenas de pagar pela garota. Mas de poder oferecer a vigilância necessária àquele tipo de aquisição e, no caso de não conseguir evitar uma fuga, ter recursos para encontrar a garota. Após fechado os negócios, todos ali seriam avisados que caso permitissem que a mercadoria chegasse até um posto policial, teriam de explicar-se sem colocar em risco a boate.

            - Vamos começar, senhores. – Samantha deu início ao leilão. – Naomi é a nossa primeira peça de hoje. Tem apenas 30 anos, de origem oriental e perfeita saúde. Naomi está conosco há vários anos e jamais ofereceu problemas de indisciplina. Tenho certeza de que será uma grande aquisição para qualquer um dos senhores.



            Samantha deixou de informar aos clientes que Naomi já tinha sido leiloada uma vez quando trabalhava em outro país. Retornou após tentar assassinar o novo dono. Ele preferiu não arriscar uma nova oportunidade e como ofereceu abrir mão do valor pago, o organizador do leilão a aceitou de volta e passou a Gregory a tarefa de colocá-la no serviço novamente. Samantha passou semanas castigando-a duramente por ter ousado atentar sobre uma decisão deles e só depois permitiu que iniciasse seu ‘trabalho’ no salão. Agora ela seria novamente leiloada.

            - Eu ofereço U$10 mil. – Gritou um homem ao qual Naomi atendia com frequência. – A quero e agora.
            - Alguém mais? – Samantha perguntou, divertindo-se. – Nesse caso, ela é sua, Sr. Dervishi. Vai querer vistoriar a mercadoria?
            - Não. Conheço como a palma de minha mãe. Se você me garante que está saudável, levo-a agora mesmo.
            - É claro. – Samantha não poderia estar mais satisfeita. – Naomi. Vá se preparar e encontre o Sr. Dervishi na saída em alguns minutos. Ele passará no caixa antes e acertará tudo com Gregory antes de levá-la.



            A próxima a ser colocada em destaque foi Natacha. Com seu olhar forte e desafiador, não disfarçada seu horror em estar ali. Ao contrário da maior parte das mulheres colocadas a leilão, Natacha não tinha um cliente fixo do qual esperava um lance. Poderia sair dali com qualquer um ou não despertar o interesse de ninguém. E ela não sabia qual destino era mais apavorante. Se estava ali é porque os administradores não a consideravam mais importante aos negócios, não mais dava lucro e, se era assim, não iriam mantê-la ali.

            - Natacha é brasileira. E isso por si só já explica sua sensualidade. Muitos aqui já a conhecem por seus tempos de Noxotb. Apesar do rosto e corpo de menina, tem 25 anos e está há oito conosco. Depois dessa imensa experiência, podem imaginar do que ela é capaz na cama de um homem. Vamos lá garotos, façam seus lances.

            - Ofereço U$7 mil por ela. Mas quero conferi-la antes de fechar negócio. – Um homem que há tempos frequentava a boate gritou. Ele já tinha saído com Natacha várias vezes. A conferência não passaria de uma demonstração de poder.
            - Dou U$8 mil. – Gritou outro cliente. – Essa carinha emburrada dela me conquistou. Vou adorar tirar esse ranço da menina.

            O primeiro não quis brigar por Natacha. Ao que parecia, ele estava realmente interessado e haveria outros. Não havia razão para brigas.

            - Quer conferi-la de perto, Srº Lancelot? A sala ao lado está a disposição para isso.
            - Não preciso de sala alguma para isso. – O homem alto e forte, apesar dos cabelos completamente brancos respondeu caminhando até ela e tocando-lhe o corpo sobre o vestido. Seios, cintura, bunda e toda a extensão das pernas foram apalpados à frente de todos. – Firme. Pele ainda jovem. Está em bom estado. Vou levá-la. - Ele falou então em seu ouvido – É bom tirar essa cara amarrada. Ou eu tirarei de um jeito que você não vai gostar.

            Garota por garota, o leilão avançou lentamente. Algumas tiveram mais de um interessado, o que alongou a disputa, lance a lance, dólar por dólar. Vários homens pediram para olhá-las de perto, conferir o que estava comprando. Outros estavam ali a pedido de uma delas e não a expuseram a mais aquela humilhação.
            Uma delas, Cléo, não recebeu nenhum lance. Não lhe faltava beleza nem clientes, mas nenhum homem desejou comprá-la. Assim como Beatriz, ela tinha um cliente fixo, que sempre a deixava reservada quando estava na cidade. Mas ele não se interessou em comprá-la. Após o silêncio da plateia informar que não a desejavam, Samantha mandou que Cléo se retirasse. Nenhuma das garotas ali presentes soube se ela estava feliz ou triste, talvez Gregory ao cumprisse a ameaça e simplesmente deixasse trabalhando quem não recebesse lances. Era essa a esperança de Bia. Sem Sebastian, ela esperava não chamar a atenção de mais ninguém e seguir na Noxotb até que ele voltasse à Rússia e viesse procurá-la. Talvez então pudesse convencê-lo de que o melhor era ele tomá-la como exclusiva.
            Cada uma por vez, as garotas foram sendo chamadas, colocadas a venda, compradas ou desprezadas e retidas do salão. A madrugada era já alta quando restou Beatriz no palco. Essa foi mais uma das formas encontradas por Samantha para provocar a mulher que mexeu com Gregory, despertou o interesse de Sebastian e a quem Gabriela tinha como inimiga. Samantha obrigou Beatriz assistir o sofrimento de todas as demais e antecipar o seu próprio antes de enfim selar seu destino.

            - Nossa última garota se chama Beatriz. Tem 32 anos, mas, como podem ver, pele, corpo e cabelos ainda muito satisfatórios. É brasileira, fala com clareza, tem instrução e sabe se comportar.



            Samantha estava divida em seus desejos. Desejava livrar-se daquela mulher que colocava em risco seu casamento, mas, também, lá no fundo, nutria o contraditório desejo de que ninguém desejasse Beatriz. Serviria para humilhá-la. Mostrar-lhe que não era desejada por todos aqueles homens poderosos.

            - Ofereço U$ 7 mil. – Um homem alto e magro gritou.
            - Eu dou U$10 mil. Outro disse no mesmo minuto. Esse negro e de constituição mais forte.
            - Subo a oferta para U$12 mil. – O primeiro elevou o lance.
            - U$15! – O negro mais uma vez superou o outro.

            Sem muito entender, Beatriz assistia a troca de lances sem torcer por nenhum daqueles homens. Não os conhecia. Nenhum lhe era melhor ou pior. Já estava satisfeita em saber que sairia dali em breve. Porém, a ideia de que a desejavam não era boa notícia. Melhor seria tornar-se propriedade de alguém a quem pouco interessasse. Assim, lhe daria mais liberdade logo de início e não a caçaria quando fugisse. Quanto mais altos os lances, menores as chances dele lhe permitir ir embora.




            Sebastian estava na Rússia desde aquela manhã. Não por desejar participar do leilão. Veio para fechar a compra de um estaleiro que após meses de negociação enfim foi concluída. Mas o convite de Samantha esteve presente em seus pensamentos durante todo o dia. Quando o relógio marcou o horário em que o leilão começaria, ele estava em casa. Tomou banho, bebeu e tentou concentrar-se em outras coisas.
            Quando viu passar da meia noite disse a si mesmo que àquela hora ela já devia pertencer a outro homem, que nada mais poderia fazer. Ainda assim, o amargor típico de uma desilusão seguia em sua boca. Estava desiludido com sigo mesmo. E estaria assim em qualquer situação. Afinal, que tipo de homem é aquele que deseja comprar uma mulher? Mas do que poderia ser chamado, da mesma forma, o homem que deseja comprar e não o faz por pura acomodação. Esses homens, que estavam todos dentro dele mesmo, despertavam seu desprezo.
            Por um instante, um breve instante, pensou que poderia comprar Beatriz e não fazer dela sua escrava, mas sim lhe dar a liberdade. Não. Se a tivesse para si um dia, jamais conseguia lhe libertar. Ao contrário. Garantiria que fosse sua, somente sua, para sempre. Que nenhum outro homem a visse, para não desejá-la. Também pensou em como poderia ter sido caso não tivesse conhecido Beatriz como uma garota de programa. Se a tivesse encontrado num daqueles aborrecedores jantares da alta sociedade a que precisava frequentar. Poderia tê-la cortejado, chamado para dançar, levado-a para jantar naquele restaurante que tanto apreciava em New York ou para caminhar pelas ruas de Paris. Beatriz poderia tomar chá com sua mãe e brincar com Luísa. Quantas vezes a menina lhe disse desejar uma mãe?
            Mas nada disso é possível. Não com Beatriz sendo quem é. Não demoraria para que a mídia descobrisse seu passado de prostituta. E mesmo reconhecendo nela elegância e cultura típicas de quem teve oportunidades na vida e desconfiando que havia nela algo de muito especial, a verdade é que Beatriz não servia para ser apresentada à sociedade como a senhora Gonzáles. E se já não mais seria possível tê-la esporadicamente na Noxotb, não mais a teria de forma alguma.

            - Ainda precisará dos meus serviços, patrão? Não pretende sair...ver a senhorita Beatriz? – Francisco disse após bater à porta.

            Sebastian riu antes de responder.

            - Senhorita? Ou você é muito simpático, ou simpatiza com ela.
            - Ela é uma jovem muito agradável e simpática. Difícil não simpatizar. Não irá vê-la?
            - Não...Hoje um homem a irá comprá-la, Francisco. Estão....droga! Eu tenho vergonha até de dizer. Não posso participar disso.



            - Ao saber que outro a comprará, o senhor já está participando. Se me permite dizer...
            - É claro. Há quantos anos você é meu segurança, Francisco? Pode falar. Acha que eu devo ir até lá, dar um lance e comprá-la?
            - Ou chame a polícia e avise que estão vendendo mulheres. Isso é crime. Então Beatriz será libertada e voltará para sua casa, seu país.
            - E eu nunca mais a verei. Não sei se consigo ser tão altruísta assim.
            - Nesse caso, acho que o senhor deveria fazer o que tem vontade. Duvido que a senhorita Beatriz prefira um desconhecido, que talvez vá maltratá-la. – Mesmo constrangido, Francisco resolveu falar. – Ela me parecia muito feliz em vir atendê-lo.
            - É...você está certo. – Não sabia se o leilão já não havia ocorrido, mas resolveu tentar assim mesmo. – Vamos na Noxotb.


            Beatriz já estava cansada daquela disputa quando o homem alto, magro e de pele clara ofereceu $50 mil dólares para tê-la como sua e o outro disse que aceitava a derrota. Samantha tinha os olhos brilhando em felicidade. Não pode dizer a Bia que ninguém a desejava, mas conseguiu uma alta quantia. E a brincadeira ainda só começava.

            - Ótima oferta para uma ótima aquisição, Sr. Frashëri. Mas tenho certeza que depois de esperar tantas horas para comprar Beatriz e sem conhecê-la anteriormente, o senhor irá desejar utilizar a sala ao lado para conferir com seus próprios olhos a mercadoria pela qual está disposto a dar $ 50 mim. – Samantha ofereceu, pensando em machucar Beatriz o quanto fosse possível.
            - Não preciso de sala alguma. Não há mais ninguém a comprar e os outros podem ir embora. – Rafael Frashëri disse e Bia concluiu que se tratava de um homem prepotente. – Tire a roupa, Beatriz. Quero ver o que esse lindo vestido esconde.

            Ficaram na sala apenas o comprador, Gregory e Samantha. Beatriz tirou o vestido tomara que caia e a calcinha, ficando apenas com a sandália de salto fino.

            - Bons seios, querida. E belas coxas. É uma mulher e tanto, reconheço. Vale cada centavo pelo qual paguei. Vire de costas. – Ele sorria falando, quase salivava de desejo por tocar o que acabará de comprar para si.
           
            Ela virou de costas, mantendo a mesma distância – cerca de quatro passos – de seu comprador. Seu olhar era tão desesperado, tão voraz e violento que ela começava a temer aquele desejo todo. Havia orgulho em sua voz. Orgulho por ela agora ser sua propriedade.

            - Belo quadril. Você é muito bela, Beatriz. Venha até aqui. Você está muito distante e quero tocar o que me pertence. Venha!



            - Toque. – Ela o desafiou, olhando em seus olhos.

            Rafael Frashëri não se fez de rogado. Tocou Beatriz começando pelo rosto, sentiu seu cabelo, sentiu o perfume com uma delicadeza que surpreendeu a ela. Depois tornou-se mais ousado e fez uma das mãos descer pela cintura até pousar sobre o quadril e apertar a carne firme das nádegas, puxando-a para mais perto.

            - Gosto da sua textura. É firme e é macia ao mesmo tempo.

            Suas mãos passaram algum tempo acariciando o ventre dela. Não era repartido por músculos trabalhados, era macio e trazia algumas marcas que nenhuma mulher gostava mais que, sendo mães, dificilmente não têm. Beatriz não se importava em carregá-las. Mas se sentiu incomodada quando Rafael tocou-a ali.

            - Imperfeições. – Ele então olhou para Samantha. – Isso deveria ter sido dito antes dos lances. Não gosto de me sentir enganado.
            - E não foi. Se queria perfeição, Rafael. Deveria ter buscado por alguém mais jovem. – Gregório afirmou. – Mas, se desejar, podemos cancelar o negócio. É para isso que oferecemos uma vistoria antes do pagamento.
            - Não...vou levá-la assim mesmo. Daqui em diante ela terá um programa alimentar e de exercícios para se manter perfeita. Não gosto de nada menos que a perfeição. – Ele voltou a analisá-la e passar as mãos em corpo. – Eu gosto do conjunto da obra.

            Foi assim que Sebastian viu-os ao entrar na sala onde ocorria o leilão. Beatriz completamente nua, linda e sensual enquanto um homem a tocava e os administradores do lugar assistiam.

            - Sebastian... – Gregory caminhou até o recém chegado, antecipando a tempestade que se aproximava. – Acabou. Rafael Frashëri a comprou. É melhor você sair agora, vá ao salão. Há meninas jovens.
            - Fique longe de mim Gregory! E você, afaste-se dela. – Sebastian sabia não ter o direito. E não se importava. Nada ali era legal, por isso sentia-se livre em desrespeitar qualquer regra.
            - Quem é você para me dar ordens dessa forma? – Frashëri disse, estranhando a situação, mas mantendo-se calmo.
            - Sebastian Gonzáles. Beatriz é minha acompanhante fixa e não deveria ter participado desse leilão. Se o senhor já pagou o lance dado, tenho certeza que Gregory não hesitará em reembolsá-lo...
            - Sebastian não é assim... – Samantha tentou interrompe-lo.
            - Cale sua boca! – Sebastian sequer olhou-a. Esteve o tempo todo observando Beatriz e o homem que ainda a tocava. – Creio que poderei contar com sua compreensão. Venha até aqui Beatriz, por favor.

            Pela primeira vez naquela noite Beatriz sorriu. Ali estava ele, exigindo-a como sua, mesmo que aos olhos dos outros já não fosse. Ela fez menção de caminhar até ele, mas sentiu Rafael Frashëri a segurar pela cintura.

            - Ainda não. Vamos esclarecer algumas coisas aqui. – Frashëri disse, antipático a tudo que ali era dito. – Gregory, você me permitiu comprar uma mulher que já tem dono? Já lhe disse hoje: não gosto de ser enganado. E fiz um lance de $ 50 mil dólares.

            Rafael Frashëri tinha gostado de Beatriz desde o início do leilão. Mas não nutria por ela nenhuma obsessão. Não o que via nos olhos de Gonzáles. Além disso, conhecia seu nome e sua reputação. Tratava-se de um homem perigoso, a quem ele preferia ter como aliado. Naquele instante Rafael avaliava se realmente desejava comprar aquela briga por uma mulher que nem mesmo lhe era importante.

            - Eu não paguei por ela ainda. Estava conferindo se ela era do meu agrado...e nem mesmo a considerei tão perfeita quanto esperava. Se ela é tão importante. Fique com ela.
            - Ela é. Venha Beatriz. – Sebastian despiu o blazer do terno e quando ela se aproximou, cobriu-a com a peça. – Eu cubro a oferta de pagamento, Gregory. Beatriz vem comigo.
            - Se assim agrada a todos, que seja. – Gregory concedeu. – Vá se trocar Beatriz. Eu vou fechar o negócio com Sebastian.




            Apesar da afirmação, foi Samantha a falar com Sebastian enquanto seu marido despachava Rafael Frashëri. O comprador de Bia pagou pela aquisição e, ao que deu a entender, teria pago muito mais se fosse necessário. Aquilo incomodou Samantha. Desejava que Beatriz fosse castigada a cada dia por seu comprador e aquele não parecia seu destino, a julgar pela forma como Sebastian a olhava. Teria de fazer algo.

            - Para onde pretende levá-la?
            - Não é da sua conta. Bem longe daqui. – Foi a resposta, pouco educada ou esclarecedora.
            - Não é por intromissão. É só que...segundo Gregory essa é a sua primeira aquisição. Preciso lhe dar algumas orientações, Sebastian, ainda mais com Beatriz.
            - Por que “ainda mais”?
            - Porque ela é...perigosa. O que para você se torna um grato desafio.
            - Diga logo o que tem a dizer, Samantha. Meu tempo é curto. – E por alguma razão Samantha o irritava demais.
            - Mantenha-a presa em algum lugar seguro, sem acesso a internet ou a telefones. Nem pense em dar-lhe liberdade em sair sozinha. Ou ela fugirá na primeira oportunidade.
            - Ok, já ouvi seus conselhos agora...
            - Falo sério, Sebastian. – Agora ela sabia contar com sua atenção. – Conheço cada uma dessas garotas. Beatriz é a mais traiçoeira. Você deve tratá-la com rédea curta, ela precisa temer você, temer ser castigada por você. Beatriz precisa saber que sua vida depende de agradá-lo ou logo ela lhe dará uma rasteira, vai a polícia, cria problemas para nós e acaba com a sua reputação. E o que era a sua diversão sexual, torna-se uma grande decepção.
            - E o que você me sugere, Samantha? Colocar uma coleira com minhas iniciais no pescoço dela e chicoteá-la?
            - Nada tão cinematográfico, Sebastian. Mas tire esse olhar adocicado do rosto e aprenda a dar-lhe comandos. A repreenda quando lhe desobedecer e não a mime excessivamente. E, principalmente, mantenha seguranças de olho nela. Lembre-se, você não comprou uma namorada, mas sim uma escrava sexual.

            Ao contrário do que esperava, Beatriz não foi embora com Sebastian naquele momento. Ele apenas avisou-a que na manhã seguinte viria buscá-la. Entristeceu-se ao saber. Principalmente porque notou nele uma atitude diferente, mais fria e dura ao lhe falar.

            - Pensei que ia para o hotel com você.
            - Pensou errado. Estou muito ocupado. Amanhã Francisco a buscará e vamos direto ao aeroporto. Vou instalá-la em um lugar.
            - Na sua casa nos EUA?

            Ele riu e Beatriz entristeceu-se ainda mais.

            - Não. Certamente não. Lá é o último lugar onde eu esconderia uma mulher como você. E já está perguntando demais. Não precisa saber onde estará. Apenas que quando eu for vê-la, deve estar bela e à minha disposição. Até amanhã, Beatriz. -  Com um beijo Sebastian despediu-se e deu-lhe as costas.



            Elizabeth e Miguel desembarcaram em Moscou quando o sol nascia. Ela completamente exausta após não conseguir dormir por nenhum instante durante todo o longo voo. Nem mesmo durante as duas escalas feitas, conseguiu relaxar. Ela apenas ficou quieta, tentando descansar enquanto Miguel cochilava.
            Conforme o tempo passava, Miguel foi se preocupando mais. Elizabeth não desligava, não repousava. Ela não se permitia nem mesmo alguns instantes de paz, antes da batalha que viria ao chegar.

            - Enfim, aqui estamos. Vamos deixar as malas no hotel e eu vou até aquela boate e... – Ela disse enquanto ainda estavam no aeroporto.
            - Nem pensar. Você vai dormir primeiro, nem que eu tenha se sedá-la. Liz, por favor, há um bebê, nosso filho dentro de você.
            - Mas...
            - Depois que você dormir algumas horas, eu mesmo te ajudo a investigar essa boate e a encontrar Beatriz. Mas antes você cuidará do nosso filho. Nem mesmo se alimentar você conseguiu.
            - Está bem. Eu comerei e dormirei antes.

            Concordar com Miguel não a fez desistir de seus planos. Depois de entrarem no quarto do hotel e tomarem um banho relaxante juntos, Miguel pegou o telefone para pedir uma refeição e ela ligou o computador para continuar suas pesquisar. Daria algumas horas de repouso ao seu corpo, mas logo seguiria no rastro dos que sequestraram e agora escravizavam sua irmã.



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Vida Roubada - Capítulo 14


           - Papai! Papai! Vem brincar! – Luísa gritou, sacudindo a Sebastian pela calça.

            Não que ele estivesse insatisfeito em brincar com a filha. Não. Luísa é um programa bem mais agradável e divertido que suas inúmeras reuniões de trabalho. Naquela manhã havia encontrado-se com futuro sócios de um novo empreendimento e depois almoçado com um grupo de uruguaios que desejam seu investimento em um projeto. A tarde. Conforme havia prometido, seria completamente dedicada à filha. Um passeio em uma livraria, compras em loja de brinquedos e agora uma passada pelo parque. Esse sem dúvida o momento mais cansativo do dia. Luísa parecia contar com uma energia interminável.

            - Papai está brincando com você há horas. Já não está bom não?
            - Não. – A filhas respondeu prontamente. – Porque logo você viaja novamente para longe e eu não o tenho mais para brincar.

            Sebastian deixou suas preocupações de lado e foi brincar com a filha por mais algumas horas. Devia ser por esse tipo de comportamento de Luísa que sua mãe costumava lhe implorar para voltar para casa, alegando que a menina ficava carente nos períodos em que se ausentava. Ainda assim, ele nada ou muito pouco poderia fazer. Sua vida não podia parar porque Luísa parecia ressentir-se das ausências maternas. Mesmo que, ele concordasse, ela tinha todos os motivos em ser carente. Em especial quando ele tinha escolhido tão mal a mulher que seria sua esposa e mãe de seus filhos.
            Já tinham mais de 40 anos quando decidiu casar-se. Lílian parecia a mulher perfeita. Tinha uma postura à sociedade capaz de fazer uma rainha se orgulhar. Bela e sempre muito elegante, estaria à frente na organização de jantares e recepções que um homem de seu nível precisava frenquentar. E, além disse, por algum tempo, Sebastian teve sentimentos por ela e creditou serem correspondidos. Casaram em grande estivo e saíram em lua de mel. Lílian voltou mais bela e mais bronzeada. Eram felizes. E não demorou para ela anunciar estar grávida.
            Sebastian olhava Luísa correr à sua frente e perguntava-se se ainda viveria aquele tipo de felicidade. A resposta negativa parecia ser atirada em sua face em resposta.   E nem mesmo ele desejava aquela sensação falsa de felicidade. Porque depois descobriu que tudo não passava de mentira. Luísa nasceu antes deles completarem um ano de casados e por mais que ele desejasse ficar com a família, tinha de trabalhar. Lílian jamais reclamava de seus períodos distante. E ele tinha a sensação de que o casamento era perfeito.
            Mas então os meses passaram e ele soube o porquê de Lílian não se importar e até gostar de suas viagens. Ela mantinha um caso com outro homem, encontrava-se com ele livremente quando o marido estava fora. Em hotéis, dentro do carro, na cama que divida com Sebastian. E nenhum dos empregados teve coragem de desobedecer a patroa e revelar seu segredo. Assim, numa volta para casa sem aviso prévio, ele a viu nos braços de outro e o colocou para fora da casa aos socos. Lílian assistiu a tudo calada e apenas enrolada em um lençol sobre a cama. Antes de falar com ela, Sebastian ligou para sua mãe e pediu que viesse cuidar de Luísa. Apenas quando Angelina chegou e dispensou todos os funcionários, trancando-se no quarto com a neta é que ele e a esposa tiveram sua última conversa. E essa não foi calma ou civilizada. Eles discutiram problemas que Sebastian sequer sabia que tinham.

            - Não venha bancar o santo e me acusar de pecadora. Eu sei que você não é perfeito como aparenta, Sebastian.
            - E você, por acaso é?



            A discussão seguiu por horas e, conforme os minutos passavam, mais irritado Sebastian ficava e mais debochada Lílian se tornava. Palavras duras foram ditas, palavras que não poderiam ser esquecidas. Ambos sabiam que não havia perdão disponível da parte dele nem arrependimento da dela. Por um momento Sebastian achou que tudo o que lhe cabia era informá-la que deveria ir embora para darem início ao processo de divórcio. Mas lá no fundo ele não aceitava que depois de tudo ainda tivesse de lhe oferecer pensão e visitas à filha. Ela piorou ainda mais a situação com suas ofensas debochadas.

            - Se quer saber, Carl é muito melhor na cama que você. Muito mais homem que você. E será um pai muito mais presente. – Ela lhe gritou.

            Até aquela tarde, Sebastian jamais havia erguido a mão para uma mulher. Sua mãe havia lhe ensinado a tratá-las feito damas, flores delicadas que mereciam respeito e carinho, jamais violência. E ele seguira o conselho até aquele instante. Deu-lhe um primeiro golpe na face e jogou-a por sobre a cama. Assustada, Lílian levou alguns instantes para tentar erguer-se. E quando conseguiu foi atingida novamente.

            - Pode me bater. Mas terá que me sustentar pelo resto da vida. E eu vou criar Luísa com o marido que escolher. – Ela gritou mesmo tendo o rosto já marcado.
            - Vagabunda! Safada! Vamos ver se você gosta disso!

            As cenas que seguiram até hoje estavam na lembrança de Sebastian. Jamais se orgulhou. Porém, nunca se arrependeu. Espancou Lílian até que vendo-a machucada conseguisse por fim aquela sensação de impotência. Ela gritou, mas, com apenas sua mãe no outro lado da grande casa, jamais seria ouvida por alguém. Ao final, viu medo nos olhos dela e enfim disse-lhe como seriam as coisas a partir dali. E pela primeira vez percebeu como amedrontas as mulheres obedeciam.

            - Você vai pegar a chave desse carro e vai embora daqui agora. Quando minha raiva passar eu pensarei no que te oferecerei para calar a boca e ir embora com seus amantes e deixar minha filha em segurança.

            Assim foi feito e Lílian deixou a casa muito machucada, caminhando em dificuldade e enxergando a estrada sob olhos inchados. Sebastian ficou bebendo em casa e não se surpreendeu quando recebeu uma ligação dos bombeiros afirmando que sua esposa sofrera um acidente ao não fazer uma curva caiu num profundo precipício. Não sobrou muito dela nem do carro. E após a explosão, os restos mortais foram tão inexpressivos que a perícia jamais percebeu que alguns dos ferimentos não foram motivados pelo acidente.
            A única pessoa a saber da verdade jamais falaria a verdade. Angelina nunca negou a decepção que lhe foi saber que o filho agredira a esposa, mesmo tendo ouvido a discussão e entendido suas razões. Não era por Lílian, mulher em quem a sogra nunca chegou a confiar. Mas por Luísa, que crescia longe da mãe.
            Em meio a tudo isso, Sebastian não se perdoava pelo que fez. Nunca respondeu criminalmente pela morte da esposa, arquivada pela justiça como acidental. Ele, porém, sabia ter responsabilidade naquilo. Ela estava ferida, machucada pelos punhos do marido e pegou a direção sem nem conseguir olhar a estrada corretamente. Quando mandou-a sair e avisou que se não o fizesse acabaria por matá-la, já tinha decretado sua vida.
            Depois da morte de Lílian, Sebastian passou a trabalhar mais a cada dia e a multiplicar sua fortuna. Luísa não teria a mãe, mas seria uma jovem multimilionária quando crescesse e recebesse o patrimônio que sei pai produziu. Como ele jamais se casaria novamente ou teria outros filhos, tudo era para ela. Algum dia, quando ele não mais estivesse ali e ela estivesse sozinha no mundo. No pouco tempo livre que lhe restava, divertia-se com mulheres que ao menos não fingiam ter classe. Eram putas sem tentar disfarçar. Todas, porém, lembravam-lhe de Lílian. E ele terminava o ‘relacionamento’ exatamente da mesma forma. E logo depois sentia-se mal por isso. A única que nem de longe lembrava-lhe a falecida esposa é Beatriz. A forma como Bia o olha nos olhos faz ter a esperança de que não tente enganar a todo o momento. Até quando ela o desafia, é melhor que fingir ser o que não é. Por alguns minutos ele sorriu sozinho, lembrando-se de Beatriz.



            Foi apenas o vibrar do celular em seu bolso que trouxe Sebastian de volta ao presente.

            - Sebastian falando? – Disse ele ao atender a ligação internacional. O país de origem o fez ficar nervoso.
            - Boa tarde senhor Gonzáles. Aqui é Samantha. Da Noxotb...
            - Sei quem você é e não me recordo de ter autorizado Gregory a lhe passar meu número. Espero que seja importante.
            - E é. – Samantha estava habituada com clientes grosseiros e não mudou nenhum milímetro de seu objetivo pelo comportamento dele. – E do seu interesse. É Beatriz.
            - Diga logo. Meu tempo vale muito dinheiro.
            - A boate irá...renovar seu catálogo para atender aos desejos de cada clientes. Na semana que vem receberemos um lote novo. Todas muito lidas e jovens. Várias loiras, negras, morenas, ruivas e orientais. Todas a sua disposição, é claro.
            - Eu já disse a Gregory que não tenho interesse em trocar de garota, por enquanto. Quero Beatriz a minha espera quando eu voltar a Moscou. É só isso que eu desejo de vocês. Será tão difícil assim?
            - Infelizmente não será possível, Sr. Sebastian. – Samantha disse e aguardou pela fúria do americano. – Digamos que eu preciso abrir espaço às novas meninas e me livras das antigas. E Beatriz terá de deixar a boate. Não só ela, é claro. Mas todas as que estão fora da idade predileta dos rapazes.
            - O que farão com ela? – Sebastian pressentia desgostar da informação que se aproximava.
            - Um leilão. Divertido não? Leiloaremos as garotas aos clientes que desejam tê-las como exclusivas. E como você parece gostar de Beatriz lhe telefonei para avisar. Se tiver interesse em comprá-la, esteja aqui na sexta-feira, às 11hs, pronto a dar seu lance.
            - E se eu não quiser?
            - Bom...por ser um cliente que demonstrou interesse nela, nós lhe ofereceremos prioridade, mas, se não a quiser, encontraremos quem a queira, Sr. Gonzáles.
           
            Ainda com a ligação ativa e ouvindo a respiração de Samantha do outro lado da linha, Sebastian pensava em como agir. Ali estava ele, nos EUA, sob os olhares do mundo e, ainda mais importante, de Luísa, recebendo a oferta de “comprar” uma mulher. E, pior ainda, reconhecendo silenciosamente que sentia-se tentado a pagar para ter Beatriz como sua e não mais precisar aceitar que outros a tenham. Porém, o que ainda lhe restava de escrúpulos, o impedia de fazer algo assim.

            - Eu não tenho interesse, Samantha. Não me ligue mais, por favor. – Disse pausadamente, sem muita certeza do que afirmava.
            - Como quiser. Encontraremos outro cliente. Até a próxima Sebastian. Garanto que quando vier novamente na Noxotb você encontrará uma nova e fantástica menina para divertir-se.


            No Brasil a noite já caíra há várias horas e Elizabeth continuava trabalhando. Não na delegacia de polícia, mas em casa, com Miguel como assistente. Na PF, estava tocando outros casos enquanto a data de início de suas férias não chegava e seguia investigando as casas noturnas e checando as informações de Pedro Ferraz. Ele foi mantido preso e Elizabeth não tinha dúvidas que mais dia menos dia ele seria encontrado morto na cela. É assim que o crime funciona.
            Não que ela estivesse preocupada. Já havia desistido de conseguir autorização para ir cuidar de tudo na Rússia pela Polícia Federal. Iria como civil e lá veria como a Noxotb funcionava. Bem de perto e com a ajuda de Miguel ela conseguiria descobrir se Beatriz estava ou não naquele lugar.

            - Vamos dormir? Amanhã é outro dia. – Miguel disse entregando-lhe uma caneca de iogurte com frutas a que ela olhou de cara feia. – Não adianta reclamar. Você tem de comer de três em três horas. Meu filho precisa.
            - A cada dia você estufa mais a boca para dizer essa frase.
            - E vai continuar assim, até que nosso filho tenha uns...sei lá... 50 anos talvez.
            - Será você um pai tão super protetor quanto minha amável sogra Rúbia Benitez?
            - Vou tentar não ser tão sufocante.
           
            Quase que sem querer Elizabeth ficou pensando que ao contrário de Miguel, ela não tinha um parâmetro. Não tinha ninguém em quem se espelhar, nem observar características a não seguir. Eram raros os momentos em que pensava em sua mãe e pai, na falta deles. Mas agora, com a gravidez e a ausência de Bia, esses pensamentos vinham lhe afligir de vez enquanto. Não tinha esperança de ter tido bons pais, mas, ainda assim, gostaria de ter alguma lembrança de quem a colocou no mundo, mesmo que apenas a servir de exemplo do que não fazer.

            - O que foi? Ficou triste de repente?
            - Não, nada. É só que...eu acho que deveria ir ver sua mãe antes de viajarmos. Ela é sua mãe, apesar de tudo. E por pior que ela seja...pra mim, ainda assim ela te ama e quando não mais estiver aqui, você sentirá falta. – Ela disse e se levantou, antes que Miguel tivesse a chance de ver o quão emocionada estava.

            Liz foi ao banheiro lavar o rosto e antes de retornar ao computador ainda pegou mais uma xícara de chá. Tinha muito para fazer ainda e contar com a companhia e inteligência de Miguel era sempre uma grande ajuda.

            - Veja. Pesquisei não apenas a Noxotb, como várias casas de lucro sexual de Moscou. São coisas horríveis, Miguel. Mesmo as que funcionam regularmente, vão muito além do que suas licenças permitem.

            Liz mostrou ao marido uma série de fotografias. Muitas mostravam boates nas ruas de Moscou, outras eram do interior desses estabelecimentos, quando já investigados por alguma polícia no mundo todo. Uma prática por lá comum é expor as mulheres em vitrinas e mostrar-lhe os atributos como se isso fosse algo bom para elas. As próprias achavam isso mais agradável no que ficar na rua, no frio russo, com poucas roupas. Não pensavam em como aquilo era humilhando a elas como pessoas.




            - Veja, parecem à venda como um pedaço de carne no açougue, já com etiqueta de preço. – Elizabeth ainda se arrepiava ao ver as fotos.
            - Elas deixam de ser seres humanos. Viram uma propriedade qualquer, para quem tiver interesse em pagar por elas.

            O que mais indignava Miguel naquilo tudo era o fato de grupos como aqueles reproduzir-se pelo fundo facilmente. Eles poderiam até diminuir sua atuação no Brasil porque perceberiam que a Polícia Federal estava agindo fortemente, mas encontrariam outra Nação mais frágil para disseminar. E lá seriam outras mães a chorar em desespero por nada saber do paradeiro das filhas. E outras irmãs, feito Liz, a crer ainda ter alguma chance de rever a sequestrada. O maior medo de Miguel é que aquela viagem fosse em vão e descobrissem que Beatriz não estava mais ou jamais esteve na Noxotb.

            - Liz, meu amor, você tem de estar preparada para nada conseguir, caso cheguemos a boate e não avistarmos Bia. A fala de um criminoso não é confiável.
            - Eu sei! Rebecca me lembra isso todos os dias. Ainda assim, é minha melhor dica. E mesmo que não consigamos encontrar Bia, certamente encontraremos outras pessoas lá, cujo retorno às suas vidas depende de nós.
            - Claro. – E ele considera essa ânsia por justiça linda nela.
            - Eu fiquei sabendo de uma denúncia que veio do Acre.
            - Sim, Acre. É distante, mas o alerta foi do meu interesse. Parece que três famílias deram queixa que suas filhas, de 15 e 16 anos desapareceram. Na véspera elas teriam sido contatadas na rua por um homem que disse ser de uma agência de modelos.
            - Você acha que são eles. Levando mais garotas.
            - Exatamente. Matam as que não servem mais, vendem ou simplesmente jogam na rua e elas mesmas morrem de frio ou de fome sem saber falar a língua daquela terra. E eles repõem com outras. É simples.
            - Venha, vamos dormir. Você precisa de repouso. Em cinco dias embarcaremos para Moscou e vamos encontrar Bia.
            - Eu tenho de arrumar minha mala!





            Na Rússia, já há alguns dias, as garotas foram avisadas que algo grande aconteceria. Mas a palavra leilão jamais foi pronunciada. Algumas, entre elas Natacha, Naomi e Beatriz passaram a receber um treinamento especial. Seguiam trabalhando normalmente, mas sentiam o olhar de Samantha sobre elas em alguns momentos. Isso lhes dava medo.

            - Aquela daqui está aprontando alguma. Ficar na mira dela nunca é boa coisa. – Natacha disse.
            - Mas o que pode ser? Não tem nada de pior que ela pode me fazer. – Bia já não a suportava. Medo era quase impossível quando estava no fundo do poço.

            Desde que pegara Gregory transando com Beatriz, Samantha dificultou a vida da garota como pôde, mesmo sabendo que não partira dela a iniciativa. Daquele momento em diante ela certificou-se que Bia trabalhasse muito mais. E jamais lhe permitia estar no alojamento nos períodos em que Gregory estaria na boate. O fato de Sebastian ter ordenado que ela não mais trabalhasse na boate não significaria que ela não teria funções a cumprir, como ela sempre dizia. Beatriz não conseguia pensar em nada pior para ela lhe fazer.

            - O que mais? Não seja tonta garota. – Naomi afirmou. – Sempre há o que fazer de pior. Vão se livrar de nós. De uma forma ou de outra, vão se livrar de nós.

            Bia sentiu um arrepio na nuca quando, apesar de tentar evitar e negar, passou a crer no que a oriental dizia. O brilho nos olhos de Samantha ia além da raiva, ela estava se divertindo enquanto antecipava o que aconteceria.



            Quando enfim o dia marcado chegou, Elizabeth despediu-se dos amigos e colegas de trabalho e embarcou de mãos dadas com Miguel rumo a Rússia. Estava tensa, nervosa e em nada disso medo de voar estava envolvido. Sua tensão era como um pressentimento. Algo acontecia com Beatriz. Ela podia sentir. E a tentação de estar mais uma vez falhando na missão de proteger Bia estava acabando com ela.

            - Relaxe. Logo estaremos a Rússia. – Era tudo o que Miguel conseguia dizer.
            - O problema é que “logo” pode ser tarde demais.

            Liz tinha razão. Em especial porque ela e as demais escolhidas por Samantha foram levadas até a sala de preparação. Aquela em que a esposa de Gregory havia lhe dito servir de local para abortos clandestinos e mais algumas coisas. Lá elas foram cuidadas como nunca antes. Fizeram depilação, arrumaram a sobrancelha e as unhas. Seus cabelos foram arrumados como que a uma festa. Tudo serviria para alegrar qualquer mulher. Desde que chegou à Rússia Beatriz não se sentia tão feminina. Mas quando uma empregada muito jovem lhe entregou um vestido de gala, ela não teve a reação esperada.

            - O que é isso? Para que tanto luxo? Com que homem sairemos? – A única coisa que passara por sua cabeça era que esse cliente solicitou várias mulheres para uma festinha privada. Ainda assim, parecia luxo demais.
            - Você não tem direito algum de perguntar, Beatriz. – Samantha afirmou com um sorriso diabólico nos lábios. – Ainda assim, vou responder. Vocês serão vendidas hoje. Leiloadas, na verdade. Por isso sorriam e tentem encantar algum comprador.
            - Leiloadas? – Natacha estremeceu.
            - Exatamente. E rezem para alguém estar disposto a comprá-las. Para nós, vocês já nada rendem então é isso ou...vocês não gostariam da alternativa.
            - Sebastian...ele vai voltar e me quer aqui. – Era a carta na manga guardada por Beatriz.
            - Não! Seu encanto por ele parece ter passado. Eu mesma o convidei a vir participar do leilão e Sebastian disse não estar interessado. Por tanto, abriu mão de você para outro homem. E é bom que você atrai alguém. Não suporto mais olhá-la. Ou alguém a leva para longe, ou você encontrará a primeira vala onde eu possa jogá-la. – Ameaçou.

            Beatriz encarou a parede tentando pensar em uma saída. Se fosse comprada por algum desconhecido, tinha certeza de que Samantha conseguiria o pior carrasco de todos. Seria como a escravidão. O pior é que ela não via saída alguma.

            - Vistam-se. Nossos possíveis compradores chegarão logo. Preparamos vocês dos pés a cabeça para atraí-los. Os interessados poderão vistoriar a mercadoria antes de fechar o negócio, é claro. Por isso, comportem-se bem e não respondam a eles jamais. Eles desejam mulheres submissas, capazes de assumir o posto de amante. Entenderam?



            Beatriz aprontou-se assim como as demais mercadorias daquele leilão. Apesar do glamour e falsa beleza, tinham nos rostos uma expressão de apreensão. Não sabiam o que ou quem encontrariam. E quando enfim entraram no salão, encontraram rostos com expressões de cobiça e muito prepotência. Quem ali estava considerava-se o rei do universo. Capaz de comprar tudo, inclusive uma escrava. E tudo o que Beatriz desejava era ver o rosto de Sebastian entre eles.

            - Eu lhe falei, queridinha, ele não veio. – Samantha fez questão de lhe sussurrar no ouvido. – Mas não se preocupe. Entraremos alguém perfeito para você.