domingo, 31 de julho de 2016

Alguém Para Perdoar - Capítulo 10

            O lar de amparo dirigido por Marta era, apesar de simples, uma casa bem conservada e bonita. E, acima de tudo, com ares de casa de vó, daquelas onde a matriarca é respeitada e amada em grandes doses. A primeira coisa que Rafael percebeu ao passar pelo portão, foram os gritos das crianças mais jovens que brincavam na pracinha. Já os maiores não estavam por ali. Enquanto esperava por Marta, Rafael ficou procurando com o olhar onde estaria Isabely. Para nenhum lado que se virasse, conseguiu encontrá-la.

            - Ela está no quarto. – Marta o surpreendeu. – Isabely gosta de ficar sozinha no seu tempo livre...abre exceções ao seu filho. Eles estão conversando lá. Você veio buscá-lo?
            - Não...eu vim conversar com você e conhecer melhor a história de Isabely.
            - Então vamos dar uma volta enquanto conversamos. Logo Tales vai embora e então, talvez, ela queira conversar com você.

            Caminhando pelo local formado por cômodos muito grandes e sempre ocupados por muitas crianças e adolescentes, Rafael ficou sabendo que seu filho havia conseguido algo que Melissa ainda tentava. Se tornaram amigos e mesmo que ela ainda guardasse algumas reservas, tinha encontrado nele alguém em quem confiar. E isso, tratando-se de Isabely, representava muito.

            - Ele vem todos os dias, conversa com ela e brinca com as crianças menores. É um menino de outro. – Marta elogiou.

            Eles começaram pelos assuntos mais leves, porém, chegou o momento em que foi necessário encarar a razão a trazer Rafael ali em pleno horário de trabalho. Ele precisava entender Isabely e ver o que causou tanto magnetismo entre ela e Melissa.  Pediu então que Marta lhe contasse toda a verdade a respeito da adolescente rebelde que estava prestes a se tornar sua filha, inclusive a parte mais restrita da história e, que ele desconfiava, Mel tinha lhe escondido ou também não sabia. Ninguém cresce traumatizada daquela forma sem ter uma história muito triste na vida.



            - Me conte tudo, Marta, por favor. Não posso entrar nessa história vendado.

            Marta até tentou contar-lhe uma versão resumida, mas ele pressionou. Garantiu que foi ali munido das melhores intenções e que nada do que ali fosse dito seria divulgado por ele a ninguém.
            - Nem mesmo Mel. Mas eu preciso saber. – Reiterou.
           
            Marta não temia que ele contasse algo à esposa. Até porque Melissa tinha se mostrado uma pessoa muito confiável e realmente disposta a lutar para ter Isabely como sua filha. Seu temor era que a verdade afastasse Rafael ainda mais. Mesmo assim, resolveu que a verdade seria o melhor.

            - Isa teve duas famílias, além da de sangue, mas nenhuma lhe fez bem. A mãe biológica era usuária de drogas pesadas e deixava-a, ainda pequena, sozinha em casa e saia para rua à procura de droga. Não é difícil imaginar como conseguia dinheiro.
            - Prostituição. – Rafael citou, repetindo o que já lera tantas vezes em jornais.

            A diretora do orfanato confirmou e seguiu contando a história mais comum do que deveria. Não houve confirmação, mas era bem provável que a mulher trouxesse os clientes para a própria casa e à frente da filha ambos usassem drogas e mantivessem relações.

            - Esses homens a maltratavam e eram um risco. Ela foi levada ao abrigo pela primeira vez depois que vizinhos ligaram à polícia relatando que uma criança chorava abandonada em uma casa. Isa estava há dois dias sozinha, sem comida. A mãe perdeu o direito de guarda e respondeu processo por um tempo, mas morreu pouco depois nas mãos de um traficante. Chegou ao abrigo anêmica e desidratada.
            - E o pai?
            - Desconhecido. Talvez ela seja fruto da prostituição, mas ninguém sabe.
            - E a segunda família? – Rafael estava enojado.
            - A adotaram, mas não estavam prontos para luta que é receber em casa uma criança com tamanho trauma. Ela não é fácil, não é amável apesar de precisar muito de amor. Após uma discussão ela fugiu de casa e voltou para o abrigo. Ao invés deles conversarem com ela, desistiram da adoção. Isa jamais nos disse, mas tenho certeza que ela se sentiu abandonada e rejeitada uma segunda vez. Depois ela não aceitou de forma alguma a aproximação de outras famílias. A mais recente interessada levou o susto de uma fuga, foi no dia em que sua esposa conheceu Isa.

            Rafael sentiu pena pela menina. Ela realmente merecia uma família de verdade. Sua dúvida era se ele estava pronto para aquela luta. Se realmente a adotasse, jamais a devolveria para um abrigo. Aquilo lhe soava desumano.

            - Eu quero, mas não sei se devo. Não sei se consigo.

            Marta então o acompanhou até a pracinha externa onde naquele momento, próximo da hora do almoço, Isabely costumava se isolar após Talis ir embora. Não desejava pressioná-lo, mas via em Rafael a necessidade de receber uma ajudinha.

            - Vai com calma. Mostre que aprendeu com seu filho e se torne amigo dela. Boa sorte. – Disse a senhora, habituada a ver pais e mães nascerem.

            Naquele instante outros dois pais se encaravam. Um experiente e feliz com a família cultivada com a mesma calma e paciência com que produzia vinhos finos. Já o outro engatinhava com atraso na tarefa e se sentia assustado a qualquer passo errado. Ambos assemelhavam-se apenas em uma coisa: o amor das filhas. Leonel amava sua única filha desde o dia em que ela lhe foi entregue. Lembrava de seu sorriso tímido e do choro forte naquela primeira noite em que ela ainda não estava habituada ao novo quarto, preparado por ele e Giovanna com todo o cuidado. Quando ela enfim dormiu, em seus braços, ao ser embalada pela madrugada, ele entendeu que aquele amor já era correspondido e estaria em Milena por toda a vida.



            Já Nathan soubera da existência de Maria Fernanda há pouquíssimo tempo. Ainda assim, quando ela o olhava, ele tinha a certeza de que já havia algo de especial entre eles. Maria Fernanda podia não ouvir, mas seu coração percebia claramente o quanto de amor aquele novo amigo lhe tinha a oferecer.
            Aqueles dois pais se encontraram na entrada da casa dos Vicentin. Leonel fez questão de esperar o visitante, lhe estender a mão e cumprimentá-lo. Manteve a educação, mas não escondeu seu desgosto frente ao que aconteceu com sua neta. Seja por erros de Milena, de Nathan ou do destino, fora tomado de Maria Fernanda momentos junto com o pai que jamais poderiam ser reparados.



            Já no escritório dos Vicentin e antes de Nathan ver qualquer outro membro da família, eles começaram a difícil conversa.

            - Sabe, Nathan, quando meus filhos entraram na adolescência e começaram a ter interesses românticos eu os chamei para conversar e disse para aproveitarem a juventude e namorarem bastante até que encontrassem as donas de seus corações. Pedi a Jonas e Lorenzo apenas para serem responsáveis e não colocassem filhos no mundo de forma irresponsável e, caso ocorresse uma gestação impensada, agissem para que a criança não fosse penalizada pela irresponsabilidade dos pais. Eles honraram os meus conselhos. Já você feriu minha filha e minha neta exatamente dessa forma.
            Nathan chegara à vinícola Vicentin sabendo que teria uma tarefa difícil. Teria de se explicar aos avós e bisavós de sua filha, além de provar a Milena que poderia agir de uma forma mais responsável. A forma como Leonel o recepcionou não surpreendeu. Tratava-se de um homem já idoso e muito tradicional. Além disso, estava cercado de ótimas razões para dizer tudo aquilo. Ouviu sem esboçar nenhuma tentativa de interromper o homem nem atrapalhar sua longa fala. Quando ele enfim lhe estendeu uma taça de vinho, Nathan entendeu que ele havia desabafado e oferecido a bandeira da paz. Era sua chance de falar.

            - Nada do que eu falar irá servir de perdão ao que fiz, mas eu gostaria que ouvisse minhas razões. – Disse em português claro, apesar de Leonel falar italiano perfeitamente.
            - Estou disposto a ouvir tudo o que tem a dizer. Se minha filha algum dia se interessou por você, acredito que tenha algo de positivo.
            - Quando vim ao Brasil estava fugindo da minha vida na Itália. Eu estava amarrado a um casamento inexistente, fruto de uma amizade apenas. E cujo destino foi cruel em por fim, mas me manter amarrado.
            - Vou precisar que seja um pouco mais claro, Nathan. – Leonel falou, sem entender.
            - Eu me casei com uma amiga da juventude. Tínhamos uma amizade colorida, jamais nos amamos. O casamento era bom aos dois, mas tínhamos vidas separadas, com outros parceiros sexuais e amorosos. Foi bom por um ou dois anos, mas então eu soube que o significado de “vida livre” para Valentina era bem mais amplo que o meu. Ela começou a fazer uso de drogas pesadas, começou a definhar e eu a pressionei pelo divórcio. Ela aceitou, mas pouco depois sofreu uma parada cardiorespiratória após uma overdose. Eu consegui que as cousas jamais viessem à tona e todos em Milão choraram pela tragédia da mulher que ficara em estado vegetativo tão jovem.
            - E você ficou amarrado a ela! – Leonel entendeu.
            - Eu podia me divorciar e casar com quem bem entendesse. Mas não parecia certo. Passei anos tendo casos rápidos, mas dormindo no quarto ao lado dela. Minha casa se transformou num hospital repleto de enfermeiros e remédios.
            - Então vim ao Brasil a trabalho, revi Emily e lhe propus nossa parceria profissional. E conheci Milena. Ela mudou o rumo de tudo. Sua filha colocou cor na minha vida. Mas as minhas obrigações na Itália permaneciam e quanto mais eu via Milena criar sonhos com nosso relacionamento mais assustado eu ficava. Eu sabia que o final não seria bom. Até que chegou a hora de ir embora. Mas saiba que assim que cheguei em casa, quis voltar para o Brasil e, mesmo distante, foi Milena a me alimentar e me manter vivo nesses anos.

            Leonel se emocionou com tudo o que ouviu. Nathan tinha uma história de vida muito infeliz. Nada disse perdoava seus erros, afinal ele mentiu à sua filha. Porém, ele já parecia castigado demais pela vida para alguém ainda tripudiar.

            - Minha filha sempre foi sonhadora, romântica e muito esforçada para conseguir tudo que desejava. Mas depois da gravidez, ela mudou muito, se fechou para o mundo. Milena dedicou sua vida a Maria e ao seu trabalho.  Ela se fechou para o mundo, especialmente aos homens.
            - Eu vou fazer de tudo para reconquistar sua filha, para ter novamente a confiança é o amor dela. E lutarei para ter o amor de minha filha, pois desde o dia em que vi Maria Fernanda, senti que minha vida ia mudar.

            Nesse momento o pai de Milena tornou a interromper o homem que por pouco não se tornou seu genro e, pelo que falava, estava disposto a lutar pelo posto. Não era contra nada daquilo. Se tinha sentimentos por Milena e Maria Fernanda, tinha mais que lutar. Porém, que dessa vez agisse feito homem.

            - Minha neta é uma criança especial, que mesmo com seu problema físico não tira o sorriso do rosto. Todos nós da família a apoiamos e ajudamos Milena, durante a gravidez e a primeira infância de Maria. Isso não vai mudar. Milena tem família para defendê-la. Então só te falo mais uma coisa: se você fizer minha filha e a minha neta sofrerem, acabo com a sua vida. Não importa se você estiver aqui, na Itália ou em outro planeta, vai se comportar feito homem e honrar as calças que veste. Ou se entenderá comigo.
            - Não irei lhe decepcionar. – Nathan falou, honestamente. E estendeu a mão.
            - Ótimo. Agora vamos comer. Mais tarde tomaremos um mate e você e Milena terão de conversar com Maria. Essa menina precisa saber que tem pai.

            Isso era tudo o que Nathan desejava.

            Márcia esperou por Rafael na JRJ até o relógio marcar 14hs. Ele havia saído no meio da manhã e não retornou. Segundo a secretária, via WhatsApp afirmou que viria para reunião depois de resolver uma questão pessoal. E essa palavrinha estava irritando Márcia além da conta. Ninguém naquela empresa poderia ter mais problemas pessoais que ela. Ainda assim, ela jamais deixava sua vida pessoal se sobressair a profissional. Trabalhava horas a fio sem dar atenção ao filho, nem sair com amigas. Se dedicava algumas horas por semana no salão de beleza era estritamente por saber que aparência era algo importante à profissão. Tudo sempre se resumia ao trabalho. E, ainda assim, não conseguia dar conta de tudo. E isso se devia, em grande parte, porque seus sócios viviam bagunçando a agenda dela devido aos problemas pessoais dele. Se Rafael não estava lá, ele foi cobrar de Jonas uma atitude.

            - Ele teve um problema familiar e eu o aconselhei a tirar a manhã de folga para resolver. Assumi sua participação numa agenda importante. Ele deve chegar logo e aí vocês conversam.
            - Problema de família! Sempre, problema de família! Eu não trago meus problemas pessoais para o local de trabalho. Acho que vocês deveriam deixar esse tipo de problema para ser resolvido nos horários de folga! – Ela explodiu.

            Jonas ouviu tudo e pensou em quantas vezes ele já tivera conversas similares com Márcia. Muitas, nesses meses de sociedade. Poderia responder para ela com a mesma agressividade, aos gritos e dizer-lhe que para ser um homem ou uma mulher com sucesso profissional não era preciso abdicar da família. Ele mesmo tivera muitas brigas com Emily por ele crer que ela trabalhava demais. Nunca, porém, Emily escolheu seus restaurantes quando ele e as crianças precisavam dela em pleno horário do almoço. E por isso ele abria mão de qualquer coisa quando ela lhe telefonava. A verdade é que Márcia precisava urgentemente criar uma vida de verdade e assim entender o que tinha valor na vida. Como uma mulher que fora casada e tem um filho ainda não descobriu isso era algo que ele jamais entenderia. Preferiu, porém, falar com calma e lhe mostrar como a segurança afetiva fazia bem.

            - Aqui na empresa primamos primeiramente a família. Se um de nós tem problema, nos entendemos, apoiamos e ajudamos um ao outro a resolver. Sempre foi assim. Rafael muitas vezes assumiu minha agenda. Inclusive quando me licenciei por meses. Então, Márcia, pare de gritar e sente-se se quiser conversar comigo.
            - Conversar não resolve problemas!
            - Discordo. É um ótimo exercício. Qual o problema tão urgente você tem que não pode esperar algumas horas? – Jonas perguntou, sabendo que não havia nada além de uma reunião interna. Aquilo não passava de irritação sem sentido.
            - Eu também tenho meus problemas e nem por isso....
            - Você não traz os seus problemas para a empresa. Eu já sei. Mas isso não significa que você seja uma executiva melhor, apenas não sabe se abrir...aliás...eu gostaria de conhecer você melhor. Fale-me sobre você.
            - Eu quero trabalhar. Não ir a um terapeuta, Jonas! – A calma do sócio a irritava ainda mais.




            - Nós não somos amigos, sei disso. Mas tá na cara que você tem algum problema que, chega sim aqui no escritório porque torna você mais irritadiça e impossível. Às vezes colocar pra fora é um bom remédio para que o problema comece a ser resolvido. – Jonas disse e viu Márcia ficar de boca acerta. Achou que ela iria voltar a gritar, mas então viu uma lágrima rolar por seu rosto. Jonas então puxou duas cadeiras e viu que o assunto seria longo. -Todos nós temos problemas, então, se quer conversar, sei que você está precisando.

            Márcia estava triste consigo mesma. Insatisfeita com os rumos da própria vida. Poucas vezes alguém se disse disposto a ouvir seu desabafo. Realmente não era amiga de Jonas. Mas seus amigos estavam em Minas Gerais. E ela precisava de um ombro amigo. Abriu-se com o sócio, confiando que ele lhe seria leal.

            - Não sei nem por onde começar. Sempre fui sozinha e tive de lidar com tudo sem ajuda. Eu trabalhei ao lado do meu marido sempre. Fundamos e fizemos crescer uma empresa. Era...perfeito. Fomos colegas de faculdade e, achei, tínhamos a vida perfeita. Até que descobri sua amante. Não uma pulada de cerca breve, mas uma amante mantida com o nosso dinheiro em um maravilhoso apartamento que ele visitava com frequência.

            - Imagino o quanto foi difícil. – Disse Jonas, sem entender o que levava um homem a fazer algo desse tipo.
            - Eu pedi o divórcio e tirei tudo o que pude dele. Metade do patrimônio, mais uma gorda pensão mensal para Joaquim. E, se eu pudesse, o teria deixado na miséria. Me mudei para São Paulo não pela JRJ, mas para fazê-lo sofrer sem o filho.
            - Ele não era um bom pai?
            - Era. Sempre se dedicou ao filho. Por isso mesmo eu usei essa arma para feri-lo fundo. Ele sofreu como eu sofri. Recentemente ele entrou na justiça alegando que eu dificulto visitas e o afasto de Joaquim.

            Jonas sentiu pena do homem. Sabia o quanto Márcia podia ser difícil quando irritada. Traída, deve ter sido cruel. Triste era ter uma criança no meio disso.

            - Ver vocês com suas famílias felizes é um tanto doloroso. – Humilhada ela reconheceu. – Não pense que os invejo. Não. Jamais. Apenas sofro ainda mais. Mas se isso chegou de alguma forma a afetar meu trabalho, peço desculpas.
            - Não tem nada a ver com trabalho Márcia. Apenas...gosto de trabalhar com pessoas felizes.
            - É meio difícil quando até meu advogado desistiu do caso alegando não me suportar. – Mesmo triste, Márcia reconheceu ser engraçado tudo aquilo. – Não deixarei que meu ex tome Joaquim de mim. Ele que vá ter filhos com aquela vagabunda!
            - Não pense nele...aja pelo bem do seu filho. Ele não sente saudade do pai?
            - Muita. – Márcia reconheceu.
            - Então mostre para o juiz que o melhor é seu filho ficar com você, mas deixe que seu ex visite Joaquim, pois é o melhor para ele. Nenhuma criança deve crescer sem um dos pais.


            Márcia se calou e enfim olhou para Jonas como um amigo e não apenas um sócio. Reconheceu que ele era um bom homem, que amava os filhos e, assim como Rafael, tentava equilibrar família e empresa, sem deixar nenhum de lado. Esse equilíbrio é exatamente o que lhe falta exercitar.



            - Agora eu preciso ir. – Ele apontou para o grande porta-retrato que enfeitava a mesa. -Tenho três pessoas me esperando. Apague a luz quando sair. E fique o tempo que precisar em minha sala, aqui é um ótimo lugar para pensar e colocar os sentimentos em ordem. Falo por experiência própria.


Ariella - Capítulo 18


Quando Ariella percebeu já estava beijando o marido desesperadamente, como se sua vida fosse acabar naquele instante. Não queria pensar em qual sentimento ou instinto levava-a a fazer aquilo. Ela desejava apenas fazer exatamente o que fazia. E iria, até o fim, sem se deixar parar por medos ou preocupações.



Diego estava em êxtase. Por quase onze longos anos desejou ter a chance de tocar Ariella novamente e agora conseguia. Quando o amanhã chegasse, talvez ela não se sentisse tão liberta e ficasse furiosa com sigo mesma. Talvez o acusasse de se aproveitar de suas fraquezas. Mas e as fraquezas dele? Era impossível resistir quando tudo o que precisava era justamente dela.
Nenhum dos dois teve paciência para esperar ou acarinhar o outro por horas sem fim.  Uma década representava muito tempo, ainda mais para quem amava e estava distante da fonte daquele sentimento. Um beijo roubado na madrugada era pouco para tanta saudade e desejo. Ariella era outra mulher, Diego percebia em seu cheiro e seus toques. Ele notava a desenvoltura e desinibição de seus toques. Hoje ela não mais era a menina inexperiente do passado e essa certeza o incomodou. Aquela desenvoltura certamente fora desenvolvida nos braços de outro, ou outros. Ele decidiu não pensar nisso. Agora Ariella pertencia a ele novamente.

- Diga se algum outro já te fez sentir assim? – Diego cobrou quando ela respondeu com um gemido ao senti-lo colocar a mão dentro de sua calcinha. – Diz.



- Não, ninguém nunca conseguiu. – Ela respondeu, fazendo crescer o ego e o desejo do ex-marido.
- Você está vestida demais. Vamos tirar essa roupa.
- Apague a luz e feche a cortina. Agora. – A afirmação foi dita em tom de comando, sem deixar margem para nenhum argumento.
- Por quê? Você é linda, mora numa praia e pelas marcas de biquíni que vejo, não sente vergonha de olhares indiscretos. Duvido que agiu assim com outros amantes. – Diego ousou questionar.
- Ninguém na praia me conheceu como você, quando minha pele era lisa e livre de cicatrizes. Nenhum deles tem lembranças de como eu era há 11 anos.

Aquilo doeu em Diego. Nunca tinha visto suas cicatrizes, mas conhecia cada uma delas pelos relatórios dos médicos que a atendiam. Sabia que além das marcas físicas, o acidente poderia ter lhe deixado rastros psicológicos. Mas como Ariella jamais se fechou para o mundo e por diversas vezes posou para revistas mostrando sua beleza, nunca havia imaginado que ela se envergonhava do próprio corpo.
Pensando em não estragar aquela noite, decidiu fazer o que ela lhe pedia. Apagou as luzes, fechou a cortina e, já na penumbra, tirou cada peça das próprias roupas. Depois voltou aos braços de Ariella e despiu-a com carinho e cuidado. Ao toque, as cicatrizes estavam lá, mas não o atrapalhavam em amá-la.



Sentia em Ariella aquele mesmo desejo, aquela mesma sensação de libertação. O corpo dela o desejava, aceitava ser feliz junto dele, nos braços dele. Mesmo que a mente dela não reconhecesse, eles se encaixavam perfeitamente. E quando enfim uniu seus corpos, encontrou no grito de prazer dela a própria felicidade. Se pudesse, pararia o tempo naquele instante apenas para poder seguir com ela, dentro dela, sem nenhuma outra preocupação. Quando o auge do prazer chegou ao fim, porém, descobriu uma nova e voraz alegria, a de sentir Ariella explodir em prazer para depois relaxar sobre seu peito. E juntos esperaram o sono chegar.
Depois da paixão com ares de tempestade, o sol carioca chegou para acordar Diego escapando por uma fresta aberta da cortina. Ele ficou observando-a dormir sem acreditar no que haviam feito. Veio para o Brasil para proteger Ariella, mas tinha que reconhecer que se quisessem, teriam entrado na casa e os feito refém sem ele sequer perceber, de tão inebriado que se encontrava. Claro que havia deixado pessoas de sua confiança observando de longe a casa. Jamais brincaria com a segurança de Ariella, mas sequer pensou nisso enquanto estiveram perdidos na paixão. Certo que ela estava bem, deixou o quarto e foi dar um mergulho na piscina aberta, que se rendia ao mar.




O sol estava alto quando Ariella realmente acordou. A noite havia sido longa e movimentada e ela não tinha vontade alguma de encarar a realidade. Sua vontade era ficar na cama até ter certeza de que seu ex-marido já estava de volta á Espanha, assim não teria de encarar as consequências do que havia feito. Ele tinha outras intenções, no entanto, claramente tinha outras intenções. Não fora o sol a acordá-la, mas o leve abrir da porta e a entrada de um homem belo, lindamente despido e com um sorriso aberto no rosto enquanto carregava uma bandeja com o café da manhã. Ele largou-a sobre a mesa, abriu completamente a cortina e, sob o alcance dos raios, jogou-se sobre a cama para beijá-la antes de dizer qualquer palavra.



- Chega a ser pecado você ficar tanto tempo nesta cama quando há um sol tão lindo à sua espera.

Ariella ficou sem palavras, aceitou seus beijos sem saber o que dizer ou como reagir. Ficou com vergonha e tratou de cobrir-se com o lençol. Era constrangedor ter na sua cama um homem que não fazia parte de sua vida há uma década e que, ainda assim, era quem a conhecia mais intimamente no mundo. Sentiu-se sufocada por ele. Física e, principalmente, emocionalmente. Sentia que estava se afogando numa felicidade falsa, porque não tinha alicerces sinceros.

- Pare Diego. – Enfim ela o empurrou. – Obrigada pelo café. Mas eu quero me levantar, me vestir e depois conversamos. Preciso de privacidade, por favor.

Ela estava tentando se fechar novamente. E Diego pensou se deveria ou não permitir isso a Ariella. Não tinha o direito de tomar decisões em nome da ex, porém tinha o dever de tentar libertá-la de dores do passado. Dores pelas quais ele era o responsável.

- Levante, pegue sua roupa e vista. Não vou impedi-la nem forçá-la a nada. – Jamais faria algo assim. – Por mais que ver seu corpo mexa comigo.
- Saia, por favor.
- Não se esconda, por favor. – Ele respondeu. – Você é a mais bela mulher que eu tive o prazer de conhecer. Com ou sem cicatrizes.
Ariella não desejava ter com ele, naquele momento, aquela conversa. Entre outros tantos assuntos difíceis, esse era o pior. Aqueles riscos que poderia ter tirado do corpo com plásticas eram como um escudo para protegê-la de Diego. Com eles ali, a cada manhã ao olhar-se no espelho, lembrava-se do mal que ele lhe causou, lembrava da obrigação de odiá-lo. Lutar contra tudo isso parecia difícil demais.



- Vamos, Ariella. O café está esfriando. – Sem ver efeito naquele pedido, mudou de armas. – Coragem, Ariella. Você jamais foi covarde, sempre soube enfrentar seus piores demônios. Mesmo quando esse era eu. Ora, minha esposa, se desfilou nua na minha frente quando eu te feria a cada palavra dita, porque não agora que todo o meu desejo é te ver feliz?
- Ex-esposa. Aquela Ariella não existe mais, Diego. Será que não entende!
- Existe sim. Ela estava nessa cama, comigo, ontem à noite. E pode permanecer pra sempre, basta você deixar. Quem não existe mais é aquele Diego. Eu não sou mais dominado pelo ódio, nem pelo desejo de vingança.
- Mas eu carrego agora as minhas magoas. Não posso esquecer o que aconteceu...
- Não te pedi isso. – Esse era um objetivo distante demais. – Pedi apenas para não se acovardar. Saia dessa cama, Ariella, vista seu roupão e venha tomar cama. Deixe o resto para decidirmos depois.

Mais por medo do rótulo da covardia do que por convicção, a passos acelerados demais, ergueu-se da cama e cobriu-se com o longo roupão. Depois de uma breve passada pelo banheiro, sentou-se na pequena mesa localizada num cantinho do quarto. Aquele quarto que dias atrás lhe parecia gigantesco, hoje era pequeno. Estava transbordando de apreensão e de sentimentos que não reconhecia. Estava transbordando de Diego e de tudo o que ele representava.

- Pare de pensar, querida. Tome café comigo, apenas isso. Sem conversas difíceis nem discussões. Apenas um café da manhã.
- Não dá pra fingir que somos dois amigos lanchando juntos. Só vamos manter a relação até o final do Carnaval, depois você tem que ir embora, voltar para a sua vida em Madri e me deixar seguir com a minha por aqui.
- Não vou brincar com sua segurança, já disse.
- Você aceita ir embora assim que o feriado acabar, ou o obrigarei a pegar suas coisas e deixar minha casa agora mesmo. Nem que tenha de mobilizar toda a força policial desse país!

 Ela o olhou firme e Diego entendeu que era necessário aceitar a derrota naquela batalha e assim poder seguir na guerra.

- Está bem, vamos comer. E vamos viver esse nosso acordo.
- O que quer dizer com isso? – Ariella viu os olhos de Diego brilharem e sentiu que ele maquinava algo. A inteligência daquele homem sempre a encantou.
- Quero dizer que ainda tenho quatro dias pra te mostrar que há muito para nós vivermos. E vou mostrar, Ariella. Termine seu café e se arrume. Vamos sair e passear pela cidade. Quero entender porque ama tanto esse país.

A ideia de sair com ele, algo que jamais fizeram em casados foi inicialmente assustadora. Mas também tentadora. Como aquilo lhe fez falta? Agora Diego se dizia interessado a se mostrar como homem. E ela não resistia a conhecer esse homem. Engolindo o café adocicado, ela foi se arrumar. Desejava estar bonita para o mundo e para Diego. Que fossem apenas quatro dias então. Mas seriam três dias verdadeiramente vividos.


domingo, 24 de julho de 2016

Vida Roubada - Capítulo 24



            No movimentado saguão do hotel carioca, Sebastian encontrou-se com Gabriela. Ela havia lhe telefonado propondo um café da manhã juntos e em particular, mas foi mais uma vez rechaçada. Seria um encontro breve, com ele já carregando a própria mala. Tudo o que Sebastian desejava era alertá-la de que estava retornando aos EUA, sem dar detalhes da razão.

            - Lhe peço desculpas pelo transtorno, mas será impossível ir com você para São Paulo visitar o hotel. Meu procurador aqui no Brasil fará essa visitação, você pode acompanhá-lo se assim desejar. – Informou à loura rapidamente.
            - Não há necessidade. Eu confio plenamente na sua equipe. Só sinto não poder acompanhá-lo no retorno. Quero rever amigos e familiares que moram aqui no Brasil.
            - Eu compreendo. – Sebastian respondeu por educação. Na verdade, não a tinha convidado para a viagem de volta. Estava a cada minuto mais desconfiado de Gabriela. Atacarem o apartamento onde instalara Beatriz justo quando ele estava fora dos EUA à pedido da loura foi coincidência demais.
            - Quando eu voltar te aviso e marcamos um almoço. – Gabriela gritou quando Sebastian já tinha lhe dado as costas. Ela então já sabia que aquela arma estava perdida. Ele estava desconfiado e não mais lhe daria chance alguma de aproximar-se de Beatriz. – Não importa. Conseguirei mesmo assim.



            Vestida de forma recatada e com gestos cuidadosamente delicados, Gabriela entrou na casa onde hoje apenas Rúbia Benitez vivia. Um desperdício de espaço e dinheiro, ela pensou. A solidão da velha, no entanto, lhe poderia ser muito útil. Não seria difícil arrancar de uma idosa carente as informações de que necessitava. Um beijo na face, uma xícara de chá e alguns biscoitinhos depois, soube exatamente o que veio descobrir.

            - Se soubesse que ando passando, Gabriela. – A senhora, muito triste, falou enquanto acariciava o rosto do único filho estampado em um porta-retrato. – Meu Miguel está enfeitiçado por aquela policial. Ela tratou de tirá-lo de casa. E estão morando num apartamento minúsculo.
            - Ele vai ser pai...
            - Sim. E com duas mulheres diferentes! Alejandra e Elizabeth dizem esperar filhos de meu Miguel.
            - Dizem?
            - É...de Alejandra não tenho dúvidas, é uma mulher íntegra. Mas essa policial...não tem berço, você me entende, não dá para confiar. Ela pegou meu filho pela cama, não deve ter ficado sozinha quando eles brigaram. E aí usou a barriga para enlouquecê-lo novamente. Ele voltou feito um ingênuo.
            - Me entristeço, titia. Mas quem saber será mesmo seu neto e eles serão felizes. Talvez Elizabeth só precise de um pouco de carinho. Eu soube do que aconteceu com sua irmã. Muito triste.
            - É! Eu soube. E isso a tornou mais obsessiva! Acredita que mesmo grávida ela arrastou Miguel para Rússia para investigar por conta o desaparecimento da irmã? Ela sequer pode porque não é a Polícia Federal que cuida desses casos! Mas como sempre aquela lá só faz o que bem entende! E Miguel foi, é claro. Abandonou toda a BTez para seguir a esposa e impedir que coloque o bebê em risco. Pobre de meu Miguel.
            - Ela foi pra Rússia... - Gabriela já sabia de tudo aquilo, queria apenas uma informação. – Mas encontrou a irmã? Ou será que agora ela desiste?
            - Que nada! – Rúbia reafirmou. – Miguel não me conta mais nada...mas tenho minhas informantes dentro da empresa. A secretária de Miguel me contou que ele passa muito tempo fora, com Elizabeth, envolvido em uma investigação particular que estão fazendo. O chefe dela não sabe.
            - Nossa! – Gabriela fez seu ódio soar como surpresa. – Talvez ela encontre alguma pista então.
            - Não duvido. Por mais que desgoste dela, tenho de reconhecer sua obstinação. Ela não descansará enquanto estiver distante da irmã. Meu medo é que acabe ferindo esse bebê, que pode mesmo ser meu neto.
            - Que lástima, titia. – Pela barriga, Elizabeth já deveria estar no final da gravidez. Então Gabriela teve uma ideia. – Acho que vou visitar meu primo então titia. Será que o encontrarei na empresa?
            - Não sei...vive em casa cuidando da esposa. Mas lhe dou o endereço.
            - Obrigada, titia.

            Cuidar de Elizabeth, porém, teve de esperar. Primeiro ela precisaria dar um jeito no problema mais urgente. E esse chamava-se Gregory. Ao que parecia, Elizabeth poderia ter feito bem mais ligações do que ela imaginava. E já havia uma hipótese dela ter chegado ao seu nome. Era necessário tomar atitudes mais enérgicas.

            - Alô. – Em uma única ligação para a pessoa certa ela começou a resolver seu problema mais urgente. – Teremos de adiantar os planos...não...já disse que não tem como esperar! Ainda hoje o serviço tem de ser feito. Não sei como! Mas faça!

            A segunda ligação foi para Rússia. Para ter certeza de que sua segunda ameaça estava controlada. Vinha pensando em dar a ordem fatal à Samantha, mas a ideia de tê-la trabalhando na rua, numa constante humilhação, era por demais tentadora.

            - Otto, como está minha hóspede especial?
            - Trabalhando. E muito. Eu realmente entendo porque Gregory a quis só pra si. Aquela morena tem um fogo nos quadris que derruba qualquer um. – O gerente da boate respondeu.
            - Só espero que não derrube você!
            - Estou vacinado dela, não se preocupe.
            - Ela está trabalhando na rua ou no salão?
            - No salão. E rendendo muito. Não tem uma noite que pelo menos dois não a disputem. Ela sabe arrancar dinheiro deles.
            - Coloque na rua, na mais barata que tiver. Já disse que desejo o pior para ela.
            - Não estou passando para ela nenhum príncipe encantado, até porque esse não é meu público. Ela está abrindo as pernas para dois, às vezes três, por noite. Todos sem muita instrução nem delicadeza. E nos rendendo bom dinheiro.
            - Coloque-a na rua. Já falei e não vou repetir mais. E prepare-se para por fim nela em breve.
            - Por quê?
            - Ela só me interessava viva por Gregory, se precisasse dominá-lo. E amanhã esse problema não existirá mais.

            Otto obedeceu e ordenou que Samantha fosse para a rua encontrar clientes. Se na boate a clientela era ruim, porém conhecida, na rua poderia surgir qualquer pessoa. E o programa ocorrer em qualquer lugar, fosse um beco escuro ou hotel de péssima apresentação. O resultado disso foi muito desagrado para Samantha, mas ela já havia entendido que reclamar era pior. Então vestiu-se com as roupas que lhe deram para aquela tarefa e foi à rua, torcendo para conseguir fazer disso uma oportunidade.



            Usando meia arrastão e um vestido que pouco deixava à imaginação, ela ocupou um ponto na calçada e passou a atrair olhares. Muitas mulheres ofereciam o corpo naquela rua movimentada por homens que buscavam por sexo barato. Um programa ali valia quatro vezes menos que na boate, que já era menos que na casa de alto padrão que ela liderou junto de Gregory. Na Noxotb, a rua servia apenas para um castigo. Mostrar quem mandava e quem deveria obedecer. E deixar claro que sempre havia um destino pior.
            Mas ali não. No seu caso, ela soube assim que colocou os pés na rua que seria uma oportunidade. Já estivera do outro lado. E sabia o quanto era difícil controlar uma mulher na rua. O cliente é quem manda, o que significa jamais saber para onde iriam ou o que falariam a sós. O desafio dela seria encontrar o cliente certo.



            O primeiro que apareceu, no entanto, servia apenas para passar tempo. Um operário, garotão, com bastante fogo dentro das calças e pouco dinheiro nos bolsos. Levou-a para um quarto próximo, jogou-a sobre um sofá e fez tudo o que precisava rapidamente. Poucos minutos depois ela estava na rua, com algum dinheiro preso na calcinha e a necessidade de encontrar alguém que oferecesse oportunidades. Não esperava ser reconhecida por um homem que não via há muito tempo. Muito menos que ele tivesse intenções além da cama.



            - Samantha...não posso negar a surpresa que sinto. Vi o escândalo do fechamento da Noxotb, imaginei que estava presa, fugida, ou talvez morta. Mas jamais imaginei isso! Na rua...Samantha, que decadência hem? Quanto você está custando? Será que um trocado paga?
            - Nikolay! – Um antigo parceiro de Gabriela, Gregory certa vez lhe contou, que tornara-se um concorrente. – É, vivemos tempos difíceis. É uma surpresa encontrar você...mas tenho que trabalhar. Sabe como é...
            - Sei, sei sim...Mas estou interessado em conversar mais com você. – Ele se aproximou, passou o braço por sua cintura e beijou-lhe o pescoço. – E estou disposto a pagar.
           
            Samantha conhecia histórias horripilantes cujo protagonista era Nikolay. Um russo com negócios escusos na Rússia e na Grécia. Alguns diziam que Gabriela o tinha nas mãos e por isso ele jamais a entregou para a polícia. Outros tantos comentavam que na realidade era porque se a derrubasse, estaria prejudicando os próprios negócios. Eles eram iguais. Na frieza, na covardia e na ganância. A diferença é que para não concorrerem diretamente, Nikolay atuava na Grécia com prostituição e no tráfico de drogas sintéticas da Europa para a América Latina, Gabriela dominava a prostituição na Rússia. Funcionou, por algum tempo. Agora ele começava a pensar que Gabriela cairia e essa seria a sua oportunidade de tomar o mercado dela.

            - Sim, faz tempo que não nos vemos...desde...aquela viagem. Nos encontramos no seu apartamento na Grécia, eu estava com Gregory...e você também acompanhado. Como se chamava a menina?
            - Não interessa. – Ele respondeu seco demais. – Ela não existe mais. Agora vamos.
            - Pra onde?
            - Pra onde eu quiser. – E puxou-a pelo braço sabendo que alguém a vigiava para garantir que não fugisse.

            Quando enfim chegou à sua casa, já ao passar pelos portões Sebastian percebeu um clima diferente no ar. Antes de abrir a porta principal já ouvia as risadas de Luísa. Assim que entrou no cômodo pôde observar a menina sentada no chão da sala mostrando cada uma de suas muitas bonecas para a nova moradora da casa. Beatriz brincava com a menina e acariciava uma das bonecas. De olhos fechados, ela não percebeu a chegada de Sebastian. E ele notou sua emoção. Pensava na filha deixada no Brasil, ele imaginou. Com olhos apurados, não demorou a perceber a marca escura na lateral de seu queixo, nem o leve inchaço num dos pulsos. Ela estava ferida, e ainda assim estava linda, vestida de forma muito simples e sem nenhuma maquiagem no rosto.



            - Filhinha, só não esqueça que Beatriz não é uma de suas bonecas. – Sebastian disse quando a pequena levantou-se dizendo que planejava fazer um penteado em sua mais nova amiga.

            Ao ouvir sua voz, Beatriz abriu os olhos e ergueu-se do chão. Não soube se deveria manter-se fria e sem tocá-lo ou se podia atirar-se em seus braços como desejava. Lidar apenas com Luísa era bem mais fácil. Apesar de curiosa e cheia de perguntas, era fácil desviar da garotinha tão carente de atenção. Já de Sebastian era praticamente impossível fugir.

            - Nós estamos brincando, papai. Ela tem o cabelo bonito né? – Luísa respondeu.
            - Sim. Muito bonito. – Sebastian beijou a filha. Mas então precisou tirá-la da sala. – Onde está a vovó filha?
            - Cozinhando com a Clare. Elas querem fazer a receita de bolo de chocolate da Bia. – A garotinha adorava falar. E Sebastian estava surpreso com sua disposição. – Deve tá muito gostoso.
            - Deve. O bolo da Bia e muito bom. Porque não vai lá na cozinha ver se já está pronto.
            - Mas não tem nem cherinho de chocolate ainda.
            - Mesmo assim, vai lá filha.

            Sebastian enfim conseguiu ficar sozinho com a amante, tão perfeita na sala de sua casa e brincando com sua filha, mas, ainda assim, apenas sua amante. Estendeu a mão para que ela deixasse o chão e viesse lhe abraçar. Sentiu o perfume de seus cabelos e ficou feliz em vê-la menos arrumada do que normalmente o esperava no apartamento. Preferia aquela versão mais honesta da mulher mais bela que já conhecera na vida. Não soube o que fazer, no entanto, quando tudo que os cercava transbordou dentro dela em forma de lágrimas. Sebastian continuou abraçando-a enquanto ela chorava silenciosamente.

            - Passou, não precisa ter medo. – Ele disse suavemente. – Você reconheceu aqueles homens?
            - Não...mas devem ser de Gregory. Só pode.
            - Impossível. A boate não existe mais. Foi fechada pela polícia brasileira meses atrás...logo após eu tirá-la de lá. – Sebastian disse e viu Bia empalidecer. – O que houve? Senti-se mal?
            - Polícia brasileira, você disse?
            - Sim. Uma investigadora policial lidera a investigação. Parece que uma série de mulheres do seu país vem todos os anos para boates como a Noxotb.

            Só podia ser Liz, Beatriz pensava. Há anos ela tentava pôr fim em crimes desse tipo. Elizbeth estivera na Noxotb logo depois ela ter saído de lá para viver ao lado de Sebastian. Ela poderia estar em casa agora, ao lado de Eva e de Liz. E Sebastian...ele estaria preso. E essa ideia lhe doeu no peito. Tudo aquilo fez com que Beatriz senti-se as pernas enfraquecerem. Não se reconhecia mais, não sabia mais como levar sua vida. Não conseguia imaginar-se de volta ao Brasil e trabalhado numa redação, sem ter Sebastian por perto. Mas também não poderia seguir naquela vida indefinidamente, não era uma propriedade dele.E precisava rever sua família.

            - Beatriz! – Sebastian assustou-se. – O que tem? Há algo que precisa me contar? Fale...por favor. Confie em mim.

            Confiar no homem que fez negócios com Gregory, que ajudou a financiar alguns dos horrores que viveu naquele lugar, que comprou-a disposto a lhe escravizar e que lhe mantinha sob vigilância era impossível. Mesmo que dentro de seus olhos visse a mais completa preocupação e que essa vigilância tenha lhe salvado a vida.

            - Não tenho nada para contar...só estou em choque com tantas coisas. – Ela mentiu.
            - Claro...vamos subir. Tomar um banho juntos e relaxar. Você se sentira melhor. – Sebastian fingiu que acreditou.

            Eles relaxaram na banheira, entre carinhos que não foram sexuais. Essa era a primeira vez que se encontravam sem desejar sexo, que experimentavam uma rotina de casal. Sebastian a tirou da água, secou e colocou sobre os lençóis de sua cama. Não as de um hotel, mas a sua cama. Mulher alguma dormiu ali após o fim de seu casamento. Ainda assim, parecia certo ter Beatriz entre aqueles lençóis.



            - Fico feliz que esteja aqui. – Confessou a ela.
            - Aqui na sua cama?
            - Não. – Ele estava sendo mais sincero do que por toda a sua existência. – Aqui na minha vida. Aqui na minha casa, com minha mãe e Luísa. Essa casa não ouvia sorrisos há bastante tempo.

            Dormiram abraçados e sem transar. Sebastian pensou que teriam tempo para isso ao amanhecer. Agora que ela estava ali, teriam tempo para tudo no momento em que desejassem. Jamais permitiria que lhe tomassem Beatriz. Jamais poderia ficar sem ela.



            Naquela manhã Elizabeth deixou o apartamento em que vivia com Miguel sem esperá-lo. Saiu ouvindo seus gritos de que precisava manter a calma e se cuidar. Afinal, na entrada do oitavo mês de gravidez e bem mais inchada do que deveria, ela não estava em condições de suportar a carga emocional que seu trabalho por vezes exigia. E esse era um desses momentos.
            Elizabeth fora acordada pela notícia de que sua testemunha fora morta dentro do presídio, durante uma briga com outro detento devido a uma facada no pescoço. Elizabeth já levantou-se da cama aos gritos, vestindo as roupas um tanto apertadas enquanto engolia um sanduíche e dava instruções a Rebeca. Aquilo não ficaria impune. Alguém, mais uma vez, tentava lhe impedir de chegar na verdade, de chegar em sua irmã.

            - Quero saber tudo sobre essa briga. E sobre esse outro preso. – Avisou.
            - A carceragem diz que ele é violento mesmo e...
            - Não! – Elizabeth gritou em resposta. – Não aceitarei isso. Vão ao inferno com suas explicações. Eu mesma falarei com esse homem. E quero saber que visitas ele teve. Qualquer contato com o mundo externo. Ele matou minha testemunha! Minha chance de pegar Gabriela. Que inferno!
            - Acalme-se Elizabeth. Pense no seu filho...
            - Quer me acalmar, Beca? Faça o que estou mandando!
            - Já estou fazendo. – Rebeca conhecia bem demais a colega para se ofender com seu jeito. – E descobri que Sebastian já retornou aos EUA. Foi ontem ainda pela manhã. Mas Gabriela segue no Brasil. Não sei bem porque.
            - Eu sei...dar fim a Gregory era um compromisso inadiável pra ela. – Enfim ela começou a se acalmar. – Mas tudo bem.  Ela está agindo com pressa agora, eu a tirei do sério. Vai deixar rastro. Conseguiu investigar Sebastian.
            - Sim. Te apresento um relatório assim que chegar na PF.
            - Ótimo, estou indo.