domingo, 29 de maio de 2016

Vida Roubada - Cap 21


Depois de um longo passeio pelo jardim do condomínio que agora era seu lar, Beatriz avisou Francisco de que chegara a hora de retornar para seu esconderijo e se arrumar. Após três dias de distância, Sebastian viria passar a noite ao seu lado. E isso lhe bastava para fazer surgir um sorriso em seu rosto. Conforme os dias passavam, melhor ia conhecendo Sebastian. E vendo coisas bonitas nele. Sebastian agora lhe permitia sair à rua, sempre acompanhada, é verdade, mas a companhia de Francisco não era um incomodo.
            Por vezes ao amanhecer abraçada ao peito do amante, Beatriz percebia não mais se ressentir de sua condição na vida dele. Chegava a esquecer ter sido comprada. Junto dele esquecia-se de tudo. Somente uma dor era tão forte para permanecer a qualquer hora: a saudade de Eva. Sua filha, ainda bebê quando foram separadas, era uma contínua fonte de tristeza. Poderia superar a tudo, menos não saber como ela estava, com quem e se bem cuidada. Porém, nunca teve coragem para falar a Sebastian que havia deixado uma filha para traz. Engolindo aquilo que a sufocava, banhou-se e embelezou-se para receber quem conseguia aquecer. Quando chegou, Sebastian encontrou uma mulher bela e perfumada, uma casa à meia luz e música, muita música, que ela dançava agilmente.

            - Estava te esperando! – Ela disse, sorrindo, assim que o viu passar pela porta.
            - Estou vendo. – O sorriso dela espelhava-se nele. E, de repente, Sebastian percebia que há muito não se sentia tão feliz. – Essa música é muito animada.
            - Dança comigo!
            - Eu não sei dançar. Não assim, pelo menos.
            - Sabe sim, vem...é só aproveitar o momento.



            Ele realmente não tinha o molejo que o ritmo exigia. Mas quem se importaria quando tudo o que Beatriz desejava era, na verdade, que as mãos dele estivessem em sua cintura? Logo o corpo dele mostrava pressa, desejo acumulado nos dias distante dela, distante intimamente de qualquer outra mulher.

            - Linda, única...minha. – Sebastian repetia palavras doces ao tirar de seu corpo cada uma das peças de roupa vestidas por ela. – Senti muito a sua falta. Sentia mais do que eu queria sentir.



            Isso representava pouco perto da realidade. Sentira falta dela de uma forma insuportável. Caso fosse possível, teria parado qualquer reunião, almoço de negócios ou assinatura de contrato para estar com Beatriz sob os lençóis daquela cama que agora os aquecia. E em cada noite longe dela seu corpo ressentiu-se, negando-se a responder a qualquer outra. Mesmo que essa tentação fosse grande como a voluptuosa e ousada Gabriela, que deixara clara sua intenção de fazer com ele bem mais do que negócios. Nada, porém, conseguia lhe tirar a atenção daquele furacão sensual e de cabelos negros chamada Beatriz.

            - Viciante. É isso o que você é, minha Beatriz. Tem um sabor viciante.
            - E qual é o meu sabor? – Beatriz não resistiu em provocá-lo, afinal, já sem calcinha e sendo provada na intimidade, Sebastian não tinha muita facilidade em se concentrar. Mesmo assim, ele não a decepcionou na resposta.
            - Sabor...eu diria doce e picante, numa mistura perfeita. – Lhe disse deixando um rastro de mordidas no abdômen.

            Beatriz dissolveu-se nos braços de seu amante. Logo depois, porém, lembrou-se de lhe oferecer as carícias que mais o agradavam. Sebastian ia a loucura quando o tomava na boca. E ela, como profissional, tinha a obrigação de satisfazê-lo. Por mais que ele não mais dissesse as palavras, ela sabia seguir como uma prostituta de luxo.

            - Perfeita! Não sei como vivi sem você até agora. – Sebastian disse após dissolver-se nela e despencar sobre a cama, sem energia para nada além de dormir por alguns minutos.



            Na manhã seguinte, quando enfim deixaram de lado o sexo, ficaram na cama conversando até que Beatriz foi à cozinha na intenção de preparar um lanche. Surpreendeu-se ao ver Sebastian lhe seguindo ao invés de sentar-se à mesa e esperar pela refeição, preparar o lanche ao seu lado. Ele não era não esnobe quanto parecia. E ficava lindo daquele jeito, nu, sem segredos nem mentiras, numa atividade tão rotineira quanto cortar fatias de pão.

            - Porque está me olhando assim? – Sorrindo ele ainda teve a ousadia de perguntar. Será mesmo que sequer imaginava?
            - Você aí sem roupa e cozinhando. Não é uma imagem que combina muito com o cara terrível do qual as garotas me alertaram antes de te conhecer.
           
            Sebastian a olhou muito sério, largou a faca e sentou-se numa das cadeiras que ladeavam a bancada.

            - Aquele tempo acabou. Nenhuma delas me conhecia de verdade. Não como você conhece.

            Aquilo não era a verdade, pensava Beatriz. Porque por mais intimidade que tivessem conquistado – na cama e fora dela – Sebastian jamais mostrava-se inteiramente. É verdade que já não a mantinha trancada naquele prédio. Às vezes eles saíam juntos, porém, sempre muito discreto, Sebastian costumava levá-la a lugares sem acúmulo de pessoas. Já tinham ido passar um final de semana no campo e jantar fora. Mas não passou despercebido o Bia que o restaurante havia sido fechado para eles. Sebastian não deseja ser visto junto dela. Além disso, jamais falava de sua família. Nem mesmo da linda menina a quem ela tinha visto numa foto guardada por ele com todo o carinho na carteira.

            - Coma! Quero lhe levar para fazer compras. – Ele anunciou, tirando-a de seus devaneios.
            - Vão nos ver juntos.
            - Vamos a um lugar muito discreto. Não se preocupe. Além disso, não devo satisfação a ninguém.

            Sebastian tinha mais razões para manter a amante escondida do que as conhecidas por ela. Manter aquele relacionamento em segredo era mesmo um grande objetivo, afinal, não tinha como explicar à sociedade da onde aquela mulher vinha. Alguém poderia tentar investigar seu passado e descobrir que ela havia desaparecido no Brasil há algum tempo. Bia não costumava falar de seu passado, mas ele desconfiava não se tratar de uma mulher abandonada pela família. Pessoas deviam procurar por ela e, qualquer foto publicada em jornais poderia alertar para o seu paradeiro e colaborar para que lhe tomassem sua Beatriz.

            - Você é minha. – Ele lhe disse ao vestir um boné e lhe abrir a porta do carro, ainda na garagem do edifício.

            O que Sebastian não viu foi a presença de um homem num carro discreto a observá-lo assim que deixaram o prédio. Ele esteve ali desde que viu, na tarde anterior, Sebastian chegar para se encontrar com a amante. Conforme ele desconfiava e já havia informado Gabriela, ali era o esconderijo da mulher a quem ela desejava ver morta. O desejo apenas ainda não fora concretizado porque a segurança do condomínio já era alta e se elevava ainda mais quando Sebastian chegava. Seria necessário armar um plano sabendo exatamente os horários em que ele não aparecia por lá.
            Sem saber que eram observados de longe, Beatriz e Sebastian aproveitaram o passeio juntos. Tratava-se de um conjunto comercial que ele costuma frequentar antes de ser casado. Um lugar afastado, sem requinte, porém, que oferecia uma grande tranquilidade. Seus amigos da alta sociedade não conheciam aquele recanto, o que lhe livrava de qualquer risco de ter de dar explicações. Ou assim ele pensava. Infelizmente, ao sair com sacolas de uma das lojas perceberam que eram observados. Inicialmente, Beatriz percebeu a irritação de Sebastian, mas não o motivo, afinal não reconheceu ninguém. Depois lembrou-se da menina na foto e entendeu tudo.

            - Papai! Você não estava viajando? – Essa havia sido a desculpa oferecida por Sebastian à mãe e à filha.
            - Estava. Voltei há pouco e ia vê-las logo mais. – As mentiras se acumulavam. Seus planos eram de passar mais aquela noite com Beatriz. – Mamãe...o que faz aqui com Luísa?



            - O mesmo que você, ao que parece, estamos passeando. Não vai me apresentar?
            - É claro...essa é....Beatriz...ela... – Ele não encontrava uma palavra verdadeira e não comprometedora para representar Beatriz em sua vida.
            - Amiga. Sou uma amiga de Sebastian. – Beatriz mentiu com facilidade e aproveitou para entender a vida de Sebastian melhor. – E você?
            - Eu sou a Luísa! E essa é a minha vovó Angelina! Se você é amiga do papai porque nunca veio na nossa casa? – Até mesmo Luísa percebeu algo de muito errado naquela história.
            - Talvez um dia, Luísa. – Foi Sebastian a responder. – Agora eu preciso levar Bia para casa. Nós falamos depois.

            Aquele encontro improvisado desagradou Sebastian bem menos do que ele esperava. Nenhum dano impossível de corrigir, como ele mesmo falou ao entrar no carro. Sua mãe iria fazer perguntas e sonharia com um relacionamento duradouro, mas aceitaria ter se enganado quando percebesse que não a levaria para a casa da família. Além disso, o comportamento de Bia, sem lhe comprometer em nada o agradou muito. Ela o agradava por completo, Sebastian pensou. Menos agora, quando não mais sorria.

            - O que foi? Não gostou de conhecer minha filha e minha mãe?
            - Elas são muito simpáticas. Não é isso.
            - O que é então? – Sebastian a olhava deixando claro que não desistiria de entender o que ocorria.
            - É que ver a sua filha me fez lembrar da minha. – Beatriz disse e ficou olhando em seus olhos para ver a sua reação. – Ela tinha quase dois anos quando eu a vi pela última vez.

            Sebastian não sabia o que dizer. Havia um sofrimento nos olhos dela jamais visto antes. Ele se perguntou onde aquela dor estava até agora. Eles se conheciam há meses, dormiam juntos desde então e nas últimas semanas mantinham um relacionamento muito agradável. É verdade que ele jamais abriu mão das regras estipuladas por ele e nem pensava em fazê-lo, mas aprendeu a gostar dela muito além do sexo. Jamais a deixaria completamente livre ou lhe permitiria voltar ao Brasil. Ela era sua! Ainda assim, faria qualquer coisa pela sua felicidade.

            - Ela está com o pai?
            - Não acredito. Eles nunca tiveram uma relação próxima. Eva deve estar com minha irmã. Talvez nem se lembre mais de sua mãe.
            - Se ele pudesse, buscaria sua filha para viver aqui com você. – Foi o de mais terno Sebastian conseguiu responder.

            Mas a Beatriz soou como uma oferta ameaçadora. Eva merecia ser livre e seguir em sua pura infância. Ela não merecia ser jogada nesse mundo imundo em que pessoas são escravizadas e vendidas feito coisas, no qual uma cela bonita e um Sebastian mais doce e controlado eram considerados o melhor dos mundos.

            - Aqui não é o lugar de Eva. – Nem o meu, ela teria acrescentado caso fosse completamente sincera.

            Já sozinho em seu escritório, Sebastian ainda pensava em Beatriz. Era fácil pensar nela, seja como uma prostituta ou amante. Já vinha tendo pensamentos mais familiares ao seu respeito, principalmente quando passavam horas na companhia um do outro. Ainda assim, vê-la com sua filha e depois lhe confessando já ser mãe, foi uma surpresa. Nunca tinha pensado nela com um bebê nos braços, tanto que organizou para que fosse atendida por um médico que lhe oferecesse o melhor método contraceptivo. Mesmo assim, agora aquela visão não o abandonava.

            - Chegaram os papeis que esperava, senhor Gonzáles. – Foi a secretária a tirá-lo dos devaneios.
            - Certo, obrigada. – Logo após dispensá-la, ele dedicou-se a ler o relatório por muito tempo aguardado.



            O conjunto de papeis relatava a vida de Gabriela Alencastro, a belíssima brasileira loura e sensual que veio procurá-lo com um estranho plano de entrar no mercado hoteleiro. Ela claramente planejava despertar-lhe o desejo. Não conseguiu. Ao contrário, o fez sentir desconfiança. Porém, nada naqueles papeis aparentava nem vestígios de mentiras. Uma herdeira rica e funcionária pública. Ficou muito curioso porque nada daquilo combinava com o que sua intuição dizia. Havia lacunas na história de Gabriela. Quem eram os homens com quem se envolveu? O que ela fez em todas aquelas viagens rápidas à Europa. Aquela mulher rica tinha segredos e ele, sendo mantenedor de vários, sentia o cheiro de longe. Chamando a secretária novamente, resolveu que precisava investigar aquilo de perto.

            - Marque em minha agenda um almoço com a senhorita Alencastro. E lhe avise que tenho interesse em seu projeto para abrirmos um hotel em São Paulo.

            No Brasil, Elizabeth e Miguel encontravam-se jantando com Patrícia e Matheus. Apesar dos problemas, era um jantar de comemoração. Aquele seria o primeiro final de semana a que Liza, após todos os recursos tentados por Rafael, conseguiria enfim ficar com sua sobrinha e afilhada.

            - Eu lhe disse que não importava o quanto ele conseguisse retardar a decisão final do juiz, não há nem nunca houve razão aceitável para você ficar longe de Eva. – No linguajar típico dos advogados, Matt ainda desfilou muitos outros argumentos, até ser interrompido pelos beijos de Paty. – O que? Falei demais?



            - Tipo isso. – Ela mesmo respondeu. – E me beijou de menos.

            Eles eram um casal já tão próximo que, mesmo ainda namorados, pareciam casados há muito tempo. Patrícia conhecia toda a história de vida de Matheus desde sua infância num abrigo até tornar-se um advogado de carreira ascendente. Ele tinha conhecimento de cada vergonhoso trecho da juventude criminosa e de abusos vivida por Paty no Brasil e na Europa, e foi apenas por seu auxílio que ela conseguiu deixar tudo para trás. Agora ambos formavam uma família e tinham planos para no futuro oficializar o relacionamento. Por Matt, já estariam casados, era Paty a adiar os planos por pensar que antes ainda tinha alguns fantasmas a exorcizar. Um deles ela começaria a afastar naquele momento.

            - Liza....como está a situação daquele homem que foi baleado e preso na boate russa?
            - Gregory. – Liza estranhou a pergunta, mas respondeu. - Ele se recuperou. Deve ser verdade que vaso ruim não quebra. Está na carceragem aqui da Polícia Federal e à minha disposição, mas até agora não abriu a boca. Parece que está disposto e ficar um tempo em cana, sem entregar mais ninguém.
            - E você tem com condená-lo sem uma confissão? – Patrícia tornou a perguntar e notou que apenas Matt não a olhava com estranhamento. Ele já sabia de tudo.
            - Sim. Mas se ele abrir a boca, prendo outros. Mas porque essas perguntas, Paty?
            - Por que eu menti para você. Quando nos falou de Gregory eu disse não ter nenhuma informação a respeito, mas foi apenas por não desejar me aproximar disso tudo novamente. Dói falar deles. Dói pensar sobre isso. Mas...mas eu já estive com esse Gregory.
            - Acho que já está na hora de falar tudo Patrícia. – Foi Miguel a intrometer-se na conversa. – Liz está se arriscando muito para que as pessoas ainda lhe escondam informações.
            - Eu sei. Me desculpem...
            - Está bem. Vá direto ao assunto, por favor. Conte como conheceu Gregory e porque está me dizendo isso. Eu sei o quanto esse assunto é difícil para você e, se resolveu falar, deve ter algo relevante a dizer. – Liz orientou a amiga. Estava nervosa, antecipava algo realmente importante.

            E estava certa. A informação seria capaz de mudar os rumos de toda a investigação. Patrícia voltou anos no tempo até estar novamente na Grécia, numa boate muito similar a que Elizabeth tinha fechado na Rússia. Lá ela se prostituía com quem estivesse disposto a pagar e lá conheceu Nicolay, o homem que a comprou e tornou-a sua escrava. Nicolay foi o que de pior a vida lhe apresentou e, após quase matá-la ao obrigá-la a realizar um aborto, passou a utilizá-la como mula no tráfico de drogas.
            Antes, porém, de conhecer Nicolay, Patrícia atendeu a muitos homens na boate grega. Presenciou reuniões escusas nas quaism o chefe da casa, chamado por todos de Zenon, recebia convidados. Ela sempre desconfiou daquelas reuniões e costumava servir bebidas aqueles homens apenas para tentar ouvir algumas palavras. O grego nunca foi o idioma mais usado e por vezes entendeu a conversa. Uma delas ocorreu quando Gregory lá esteve para falar com Zenon. Numa mistura de inglês e português eles trocaram informações a respeito da chegada de um novo lote de garotas, que iriam dividir entre as duas boates. Elas, ambos acreditavam, dariam muito lucro, pois era de origem latina, a preferência dos europeus.

            - Ótimo, Paty. – Liz interrompeu-a. – Agradeço a sua confiança em me contar isso. Mas nada do que falou é novidade à polícia. Essa troca e venda de mulheres latinas na Europa é, infelizmente, uma chaga antiga. O chefe da quadrilha sabe disso e se alegra ao ter mais sul-americanas.
            - Eu não terminei Liz. – Paty afirmou, chamando ainda mais a atenção de Elizabeth. – O que a polícia não sabe é que eles se referiam ao chefe da organização como ‘ELA’. É uma mulher, Liz, quem comanda tudo.

            Miguel e Elizabeth trocaram um olhar desconfiado. Não havia nenhuma garantia naquela informação, mas também nada impedia de o comando de tudo ser feminino. E isso mudaria o rumo de todo o processo de investigação. Porque eles sempre procuraram por um homem. Porém, Patrícia poderia estar enganada esse tempo todo, afinal conversas cochichadas podiam sempre ser compreendidas da forma errada.

            - Você tem certeza disso, Paty? Porque não falou antes se sabia o quanto isso era relevante? – Elizabeth pressionou.
            - Liz...ela não tinha como sab... – Matt interferiu.
            - Ela não precisa de advogado, Matheus! Isso não é um interrogatório, ainda! Se eu precisar intimá-la você estará presente. Agora, fale, Patrícia. – Liz gritou.
            - Acalme-se, Liz. – Miguel pediu e se calou com o olhar recebido em resposta.
            - Zenon recebia muitos homens nessas conversas. – Paty, enfim, continuou. – Alguns eu percebia serem falastrões. Dava para perceber que esse chefe é alguém muito protegido a quem pouquíssimos realmente conhecem ou sabem o nome. Mas muitos fingem conhecê-lo. Só agora quando você prendeu Gregory é que soube ser ele o chefe da boate russa. Então entendi que ele realmente conhece quem manda, assim como Zenon. E se eles a chamavam de ELA é porque quem comanda o tráfico de mulheres que levou eu e Bia para a prostituição na Europa é sim uma mulher.



            Elizabeth chegou em sua casa naquela noite confusa e agradecida. Jamais esqueceria o grandioso ato de coragem de Patrícia ao resolver falar. O sofrimento que ela guardava nas lembranças serviria para calá-la para sempre caso não amasse Bia, Matt e a ela o bastante para fazer o que é certo. E aquela simples palavra – ela – tinha mudado tudo.

            - Você acha que há lógica nisso? – Miguel questionou-a enquanto massageava seus pés.
            - Sim. Por que não haveria?
            - Não sei...sempre pensei ser um homem.
            - Isso é machismo, Miguel. Vocês homens sempre vêem as mulheres como um ser mais fraco. Não é verdade. Uma mulher pode comandar...inclusive algo desumano como uma quadrilha de tráfico sexual. Sim, faz muito sentido e eu vou investigar isso detalhadamente.
            - Amanhã. Por favor. Agora você terá de dormir. Meu filho, ou filha, quer descanso. Aliás...você não esqueceu...
            - Não! Claro que não esqueci da nossa consulta com a doutora Francisca amanhã cedo. Estou ansiosa para enfim sabermos se é menino ou menina. Ele não ter nos deixado saber até agora é muito injusto. – Com o passar do tempo, mesmo lidando com tantos problemas, eles conseguir curtir a gravidez. E Liz já se adaptara a ideia de ser mãe. Mesmo que isso lhe trouxesse muito mais medo do que qualquer ação policial.
            - É. Mas não desejo apenas isso. Preciso conversar com Francisca porque acho que você está com muita retenção de líquidos no corpo. Essa barriga está muito tímida para seis meses. Você precisa ganhar mais peso.
            - Me sinto ótima, Miguel. Sossegue! – Não estava tão segura, mas era melhor do que mantê-lo tão nervoso. – Desculpe, mas não posso esperar por amanhã. Preciso dividir essa novidade com minha equipe.

            A ‘equipe’ deveria começar por Tomaz, seu superior. Mas foi o telefone de Rebeca a tocar segundos depois. A fiel escudeira de tantas operações deveria estar dormindo e, ainda assim, Elizabeth sabia que seria bem atendida. Não foi, porém, uma voz sonolenta a responder no primeiro toque.

            - Nossa! Eu já ia te ligar. Isso que é transmissão de pensamento. – Beca respondeu. – Você não vai acreditar no que eu descobri.



            - Ponho minha mão no fogo que não é tão interessante quanto ao que eu tenho pra te contar. – Liz respondeu.
            - Pois cuidado para não queimar sua mão.
            - Agora fiquei curiosa. – Se não fosse realmente importante, Rebeca não a estaria impedindo de falar. Ao que parecia, não fora a única a ter revelações naquela noite - O que é? Diga, Rebeca.
            - Você é testemunha de que analisamos todas as imagens de câmera de segurança e anotações em livros caixa e não achamos nenhuma referência a alguém chamado Sebastian.
            - Sim. E? – Liz sentiu o coração acelerar pela segunda vez naquela noite. - O que mudou?
            - Eu sentia que estávamos deixando algo passar. Trouxe uns materiais para analisar em casa e achei várias anotações. Inicialmente eram várias letras incompreensíveis. Tinha “FR” “PM”, “JJ” e outras siglas sempre seguidas de uma anotação que informava “reservada para SG”, tudo em datas diferentes e, ao lado, era sempre gravado o nome de um mesmo hotel. – Beca continuou.
            - Iniciais. Entendi. Mas descobriu um nome? – Liz tinha pressa.
            - Sim. Foi a quantidade de marcações que chamou minha atenção. Nos últimos tempos ele encontrou-se sempre com “B”. Então...
            - Bia...é o homem com quem ela se encontrou antes de ser vendida e muito provavelmente é o seu comprador. Fale! Quem é!
            - Eu liguei para o hotel, mas não quiseram me informar...então pedi alguns favores para membros da polícia russa e eles conseguiram o registro no hotel. Apenas as imagens das câmeras de segurança do hotel irão confirmar se Bia esteve lá com ele para servir de prova em tribunal e isso depende de autorização judicial...mas...o nome eu consegui e...
            - Fale de uma vez, Rebeca! – Liz gritou.
            - Sebastian Gonzáles. – Rebeca disse pausadamente, saboreando a descoberta. - E uma rápida pesquisa na internet o coloca exatamente na descrição obtida por você nos depoimentos. Temos o nosso suspeito de estar com Beatriz, Liz. Estamos muito perto.

            Miguel viu Liz empalidecer e desistiu completamente de terem uma noite normal de casal.




sábado, 28 de maio de 2016

Ariella - Capítulo 12


Quando finalmente ficaram cara a cara, Dulce ignorou Diego completamente. Entrou na residência após ter a porta aberta por uma senhora muito sorridente.  O único sorriso que viu entre os funcionários. Os homens armados da portaria não pareciam nada simpáticos. Ela sentiu-se entrando numa prisão e aquilo não lhe agradou. Por isso, assim que Diego postou-se à sua frente, deu-lhe um aviso.

            - Ao contrário da minha amiga, eu avisei a todos na Argentina que vinha a Madri conhecer o conde Diego Bueno. Se eu desaparecer, conde de araque, você é o primeiro suspeito. – A chegada de Dulce não foi nada amigável.
            - Você tem um grande senso de humor, Dulce. Mas de que poderia me acusar além de desejar casar e viver ao lado de meu grande amor o mais rápido que possível?
            - Você se surpreenderia no quanto eu consigo ser criativa para elencar seus crimes, Diego. Mas por agora quero falar com minha amiga. – Ela abraçou Ariella por longo tempo. – O que esse doido fez com você? Pode me contar, não tenha medo.

            Ariella encontrava-se numa grande dúvida. Queria falar com Dulce, relatar à amiga o que vinha passando e através dela conseguir sua liberdade. Mas muitas coisas a faziam ficar de boca calada. A segurança de Dulce, a situação de seu pai, a melhora no relacionamento com Diego e, caso fosse sincera, a ideia de ver Diego preso por sequestro não a agradava. Ele não é um bandido, apenas um homem a quem faltou carinho durante toda a vida.

            - Acalme-se Dulce. Não...não é nada do que você está pensando. – Ariella começou a tentar enganar a amiga.
            - Nem tente! Eu não sei qual a ameaça que esse imbecil te fez, mas acredite em mim! É tudo mentira. Ele não pode te manter aqui. Nem ele nem aqueles brutamontes que estão no portão. São todos criminosos que te sequestraram! E vão presos se nós sairmos daqui direto para a polícia.
            - Não! Ninguém vai à polícia...eu me casei e...e escolhi viver aqui. Ninguém me prende aqui. Eu amo a Espanha, é linda. Conheci lugares fantásticos e Diego me trata muito bem.






            Nada daquilo convenceu Dulce. Mas lhe mostrou que seria necessário ser ainda mais astuta para entender o que acontecia naquela casa. Diego a olhou com desafio nos olhos. Definitivamente, não parecia um homem constrangido pelo comportamento da amiga paranóica de sua apaixonada esposa. Ele estava terrivelmente aliviado porque Ariella fez o que ele obrigou. Ela via Ariella tremer como só fazia ao mentir.

            - É mesmo Ariella? Você está feliz?
            - Como jamais fui em toda a vida. – Ariella respondeu e voltou a tremer o lábio.
            - Pois bem. Agora que o drama está esclarecido, vamos ao jantar. – Diego disse.

            O dono da casa pediu que Olívia avisasse Murilo que o jantar já seria servido e que, logo após o amigo chegar, poderia servir. Aos de fora podia soar estranho, mas na casa todos estavam habituados a Murilo utilizar as dependências como se não fosse o filho dos empregados. Havia uma relação muito antiga entre eles e por isso Olívia não se importava do filho estar sempre junto de Diego. Era comum eles jantarem juntos para discutirem negócios. Hoje o assunto era outro e não a agradou. A visitante não parecia estar com disposição para festas.

            - O bonitinho veio fazer parte do show de horrores. – Dulce provocou. – Que animado. Você mora aqui também? Nessa casa feliz onde o casal de eternos enamorados vive de forma tão perfeita?
            - Dulce...por favor! – Ariella repreendeu-a quando já tinham refratários fumegantes à mesa.
            - Por favor digo eu, Ariella! Estamos no século 21! Em pleno 2005 uma mulher não some após casar! Existe telefone celular, existem redes socias! O seu Orkut não foi atualizado desde que você saiu da Argentina. Não tente me convencer de que está tudo bem por aqui. Mas vamos jantar e fingir que estamos no paraíso, se isso te agrada.

            O jantar seguiu tranquilamente, mas Diego já sabia que Dulce não seria enganada. Ela estava como uma fera contida, pronta para abocanhar a mão de quem fosse lhe alimentar. Murilo tentou puxar conversa, agradá-la, mas na hora do licor ela já estava soltando as garras novamente.

            - Traga seu computador, Ariella. Quero olhar as fotos de seus passeios por Madri. Achei muito estranho que um conde tenha se casado e a mídia não publique fotos suas. Porque o segredo? Ou não tem saído de casa muito? – Rápida de pensamento, Dulce estava unindo os pontos certos e preocupando Diego.
            - Sou um homem muito discreto, Dulce. Isso não é crime.
            - Claro. Mas cárcere privado é. E Ariella jamais foi uma mulher discreta. Lembro quando ela ganhou uma câmera digital, lançamento do momento, saiu fazendo fotos por todos os lados. Se ela está passeando, tem fotos. E quero saber por que ela não as envia aos amigos.

            Ariella não fazia fotos durante os poucos passeios que fez. E mesmo que tivesse feito alguns registros, não serviriam para enganar Dulce porque seriam fotos onde Diego não apareceria. Além disso, ela não tinha um computador para poder mostrar qualquer foto.

            - Eu não tenho...
            - Já basta disso, Dulce. – Diego cortou a conversa antes que Ariella inventasse uma desculpa. - Você já viu que Ariella não está amarrada a um calabouço. Ela é minha esposa e está feliz aqui. Agora basta desse interrogatório. E, caso não se importe, eu e minha esposa gostaríamos que você fosse embora.



            Dulce foi embora avisando que voltaria, que nada naquela noite fora eficiente para convencê-la de que estava diante de um casal feliz e normal.

            - Eu não sei o que ele te fez, mas saiba que estarei sempre ao seu lado. – Disse a Ariella ao abraçá-la forte e passar pela porta. – Tchau conde! Até minha próxima visita. Descobri que amo Madri, virei vê-los novamente muito em breve.



            Ariella deitou-se na cama muito triste naquela noite. Deu às costas para Diego sem vontade de conversar, nem de olhá-lo. O marido a estava afastando dos amigos e fez mentir para aquela que sempre esteve ao seu lado, pela vida toda. Lágrimas silenciosas correram por seu rosto e despertaram a preocupação de Diego.

            - Porque o choro? Acabou. Sua amiga entendeu que não conseguirá nos afastar. Eu fiquei muito feliz com a sua prova de lealdade hoje e...
            - Então curta a sua felicidade! Que é só o que te importa! Porque eu continuo sofrendo. E se afaste e me deixe dormir.
            - Não gosto de ver você sofrer assim. – Nisso ele era sincero.
            - Pois então não devia fazer o que faz. Porque tudo o que você faz me torna infeliz.

            Certo de que aquela tristeza passaria, Diego deixou Ariella dormir sozinha naquela noite e foi para um dos quartos de hospedes da casa. Não conseguia vê-la naquele estado. Não depois de ter observado a luz de seus olhos quando estava feliz. Porque por mais que negasse, ele sabia que a fez feliz em ao menos alguns momentos naquela casa. Com o passar dos dias ela esqueceria a visita da amiga e eles conseguiriam retomar a vida. Ele acreditava nisso.
            E estava correto. Alguns dias depois, ele e Ariella voltaram a ter uma relação tranquila e sem sobressaltos. Para seguir enganando e acalmando Dulce, foram juntos a um dos mais conhecidos pontos turísticos de Madri e enviaram uma foto à amiga através do Orkut. Talvez assim ela parace de investigar tudo e todos.

            - Satisfeita? – Diego lhe perguntou ao pegar de volta o seu notebook após ela realizar a postagem.
            - Nenhum pouco. Está me obrigando a mentir para minha melhor amiga.
            - Esse papel de ‘maria sofredora’ não combina com você, mí sol, sua amiga não tem o direito de se meter em nossas vidas e você sabe. – Com isso ele encerrou o assunto que costumava entristecer Ariella e irritá-lo.



            Nunca mais brigaram por aquela razão. E ainda assim ele se sentia culpado por cada olhar triste que Ariella lhe endereçava. Nada, porém, o fez mudar de planos. Nem mesmo a ligação de Anita, sua avó, e única familiar viva. Anita, certamente provocada por Olívia, ligou para saber o que havia de errado com seu único neto. Estava preocupada e até chorosa.

            - Como você se casa e eu não fico sabendo? Quem é a moça? Não me diga que casou porque serei bisavó em breve? – Ela o questionou.
            - Ainda não, vovó. Mas eu espero quem muito em breve Ariella esteja grávida sim.
            - Eu quero conhecê-la! – A animação na voz da idosa não denunciava sua apreensão. Olívia tinha lhe contado mais do que ela revelou ao neto. – Acho que vou nesse final de semana.
            - Não! Melhor não vovó. Nós vamos viajar. Eu ligo avisando quando for conveniente.
            - Se você prefere assim, meu neto, tudo bem. Mas veja se não faz nada que vá se arrepender por toda a vida. Eu estou lhe achando muito estranho...muito nervoso. Está me escondendo algo?
            - Não vovó. Claro que não. Eu apenas...tenho de desligar.

            O que Diego não sabia é que Dulce estava muito longe de desistir e voltar para a Argentina sem deixar nenhum rastro por Madri. Ela havia sim embarcado, mas não sem levar o número de telefone de Murilo. E uma promessa sua de que, caso algo grave ocorresse, seria avisada de que sua amiga não estava tão bem quanto todos queriam que ela acreditasse.

            - Não sei porque, bonitinho, mas acho que você é gente boa. É leal ao Diego...mas não tanto para ajudá-lo a ferir Ariella. Prometa que me telefonará se ela precisar de mim. – Ela lhe pediu no momento em que embarcou. Fora ele a levá-la ao aeroporto.
            - Eu prometo. – Murilo respondeu sendo totalmente sincero.

            Agora eles se falavam quase diariamente e Diego não fazia ideia disso. Murilo não pretendia trair ou prejudicar seu amigo, mas concordava com Dulce em algumas coisas. Ele sabia bem a diferença entre o certo e o errado. E Diego estava flertando com o crime há tempo demais. Tanto que eles vinham conversando muito e ele começava a achar que o amigo logo perceberia que devolver Ariella à liberdade era o único caminho.

            - Não sei se consigo viver longe dela agora. – Diego lhe confidenciou.
            - Não pode mantê-la preza Diego. Nem...ter um relacionamento normal enquanto estiver ameaçando o pai de Ariella. Se realmente quiser manter com ela uma família, terá de esquecer essa vingança, devolver Ariella para a sua vida real e ver se ela quer ficar ao seu lado.
            - Ela iria embora na primeira oportunidade.
            - E viver assim, com ela trancada em casa, lhe agrada? – Murilo pressionou.
            - Agrada mais do que viver sozinho.
            - Você sabe que não pode continuar com isso. – Mas a conversa já estava além do que a amizade lhe pretendia. – Você não tem mais como esperar para viajar. Precisa ir a Tóquio. É urgente Diego. Se não der atenção ao oriente, vai perder muito dinheiro.
            - Está bem, eu irei. Estou precisando passar uns dias longe disso tudo mesmo, me dedicando à empresa.
            - Você embarca amanhã então?
            - Pode ser. Melhor resolver isso logo. – Mas lá no fundo, a ideia não lhe agradava.

            Despedir-se de Ariella na manhã seguinte não foi fácil. Mesmo entre muitas brigas, eles se habituaram a viver juntos naqueles quase dois meses de casamento. E quando ela o viu colocando roupas na mala, entristeceu-se. Ariella não gostou nada de saber que o marido ficaria uma semana fora do país. A notícia de que Ítalo o acompanharia também era negativa. Sinal de que Pablo ficaria livre pela casa para assediá-la.

            - Quero ir com você. – Ela pediu.
            - Não fale bobagens, seu lugar é aqui.
            - Se sou realmente a sua mulher, meu lugar é ao seu lado. Porque não posso ir junto?
            - Porque não. – Diego não esperava sentir-se tão nervoso naquele momento. – Faremos um acordo então. Vamos usar esse tempo para pensarmos. Quem sabe quando eu voltar você não já não entendeu que pode ser feliz comigo se cortar definitivamente os laços com seu pai?
            - Meu pai não irá pagar para me ter de volta, será que você não entendeu isso? Ele não me quer, Diego. E nem eu cairia nisso. Não cairei na sua chantagem Diego, não importa quão bom na cama você seja. E isso vale para lhe entregar um filho e ir embora daqui. Jamais!
            - Sinal que você não merece benesses de minha parte. Fique sozinha aqui para pensar melhor. Avisarei a Pablo que não haverão passeios nessa semana. Você está precisando de um tempo aqui para pensar no que faz.



            Com um beijo Diego saiu deixando para trás uma Ariella entristecida, magoada e revoltada. Uma combinação perigosa. E ele sabia disso. Já no voo até Tóquio esteve nervoso. Ítalo tentou o tempo todo acalmá-lo, mas ele parecia arrepender-se da viagem. Deveria ter ficado na Espanha e garantido que Ariella não faria nenhuma loucura.
O tempo em Tóquio estava nublado e seu humor terrível. No primeiro dia que lá passou, teve várias reuniões onde a maior parte do tempo esteve sem concentração.  Ligava a todo instante para Olívia e recebia sempre a mesma resposta um tanto mal humorada:

-A menina Ariella está bem. Passa muito tempo na piscina já que está atada a esse lugar feito uma prisioneira! – Respondia a empregada.

Não havia conseguido falar com Ariella mais do que alguns minutos e ela sempre lhe pareceu triste e fria do outro lado da linha. E desde quando a tristeza de Ariella o incomodava? Droga! Enfim, não era hora de se preocupar, mas sim de terminar seus negócios rapidamente e voltar para casa. Já tinha comunicado a todos uma mudança de planos. O que eram sete dias viraram quatro. Em dois dias pretendia estar em Madri novamente. Algo lhe dizia que precisa voltar logo, que sua falta era mais sentida do que deveria.

- Porque esse desespero todo, garoto? Se ela estivesse com algo de errado, Olívia teria dito. Está tudo bem.
- Eu sei. Mas ela ao telefone estava estranha. Prefiro Ariella com raiva do que passiva. – Ele reconheceu ao amigo.
- Ela está presa em casa. É natural sua insatisfação. – Ítalo lembrou ao patrão. – Se quer uma esposa que se comporte normalmente, mantenha uma relação normal com ela.
- Eu sei. Todos me repetem isso. E eu...acho que...talvez estejam certos. Talvez eu...precise...talvez eu consiga lhe dar a liberdade. Estou pensando nisso. Mas não sei se consigo. Não sei.

Ariella estava ferida. Magoada com o comportamento de Diego. Enganou-se naqueles dias, pensou que ao menos um pouco ele havia mudado. Tudo um engano. Ela agora percebia que jamais deixaria de ser um fantoche que ele usava em sua vingança não importava o que vivesse.
Decidida a ir embora, ela passou aqueles dois dias reclusa em seu quarto e negando-se a falar com ele. Quando conversaram, não disse mais do que dez palavras antes de desligar. Só pensava em uma coisa: descobrir uma forma de fugir antes de Diego retornar. Mas como? Por ter conseguido evitar brigas nas últimas semanas conseguiu mais liberdade dentro da mansão. Mesmo sem autorização para sair pensava que conseguiria uma chance de fugir. Bastava esperar a hora certa.
Havia descoberto onde ficava uma cópia da chave do escritório e tinha a certeza de que lá estava seu passaporte e carteira. Só o que precisava era descobrir uma forma de fugir. Na manhã seguinte, porém, descobriu por Murilo que Diego voltaria antes do prazo. E isso a assustou. Com ele ali seria muito fácil cair novamente em seu charme novamente e ficar preza eternamente naquela prisão.

- Amanhã Diego estará de volta. Não está feliz. – Murilo perguntou.
- Claro, é claro que estou. – Respondeu. Mas, lá no fundo, tudo o que pensou foi “Preciso fugir hoje!”.

Desesperada Ariella percebeu que os seguranças eram muito qualificados e fiéis ao patrão para que conseguisse sair sem chamar a atenção. A única forma era roubar um dos controles do portão e a chave de um dos carros e torcer para que, na escuridão da noite, pensassem ser o motorista. Se chegasse até o consulado da Argentina ou até um veículo de imprensa, estaria fora das garras de Diego.
Mesmo sabendo aquilo ser uma total loucura, assim que anoiteceu Ariella colocou uma roupa escura e um boné e foi discretamente pegar a chave do carro e do escritório. Pablo achava que ela estava no quarto e estava livre dele ao menos por alguns minutos. Conseguiu entrar facilmente, mas demorou muito procurando seus documentos. Quando tinha tudo que precisava nas mãos correu para o jardim e entrou no carro que lhe daria a liberdade. Meio que sem saber o que faria quando conseguisse chegar ao outro lado, colocou a chave na ignição e quando ia sair viu uma luz se aproximando. Era o outro carro usado por Diego e Ariella sabia que o motorista somente passava na mansão àquela hora e rapidamente saia em direção à própria casa. Mudando de planos rapidamente, Ariella resolveu que sair agora era a sua chance. Afinal não levantaria suspeitas dos guardas que ficavam no portão mais distante e que pensariam ser o homem que entrou há pouco. Manteve o portão aberto utilizando o controle roubado no escritório e acelerou o carro pelo longo caminho até o portão.
Tudo teria saído perfeito se Pablo não houvesse percebido coisas fora de lugar no escritório e ido até seu quarto. Dá janela, o experiente segurança viu o motorista chegando e Ariella tentando fugir. Se não fosse o seu trabalho mantê-la ali até mesmo teria lhe elogiado pela esperteza, mas como era seu dever e não estava disposto a ser enganado por aquela tola, correu até a cozinha para usar os controles gerais da residência e fazer com que o portão, que já se encontrava totalmente aberto, começasse a se fechar.
Seguro de que ela frearia o carro ao ver que o portão já não obedecia ao controle manual, Pablo assistiu ao portão se fechar. Estava seguro de que quando Diego retorna-se, lhe iria parabenizar por evitar uma fuga e cortaria todas as regalias que agora a jovem tinha. Pelo rádio, pediu que os guardas ficassem por perto e atentos para trazê-la de volta a casa. Após aquilo, teria o direito de trancá-la no quarto até que o patrão voltasse e ele não lhe repreenderia, afinal ela tentara fugir e nem mesmo Olívia, que sempre a defendia, poderia protegê-la dessa vez.
Até mesmo para Pablo foi um susto ver Ariella continuar acelerando o carro ainda mais. Obviamente não daria tempo dela passar antes do portão se fechar completamente, mas, ainda assim, ela seguiu acelerando. Foi por muito pouco. Sua velocidade era muito grande e até mesmo os guardas se surpreenderam com a força e o alvíssimo estrondo da batida.
Muito rapidamente os homens que compunham a segurança da residência cercaram o carro e começavam a gritar, alertando que a moça estava muito ferida. Pablo, que assistira a tudo, não duvidava disso.



- Meu Deus. – Ele ouviu de Olívia, as suas costas.
- Chame uma ambulância! Rápido! – Ele teria uma ligação muito pior a fazer. Diego não aceitaria aquele acidente.

Coube a Ítalo, alertado por uma ligação de Murilo, dar a pior das notícias a Diego. Num país distante, ele pouco podia fazer. Diego estava arrumando os últimos detalhes para seu retorno quando Ítalo chegou, pálido e com o telefone celular nas mãos.

- Ítalo. – Deveria ter algo errado. - Algum problema?
- Sim, mas eu preciso que fique calmo. Tudo já está sendo resolvido...da melhor forma possível.
- É Ariella não? Tentou fugir! Eu sabia. Os homens não permitiram não é? Esse é o serviço deles, droga!
- O serviço de seus seguranças foi feito, Diego. – Era difícil para Ítalo falar em acidentes com aquele garoto que pouco tinha de pessoas amadas para lhe amparar. – Só que houve um acidente.
- O que? – Diego perdeu o rumo dos pensamentos. Agora uma fuga já representava tão pouco. – Fale de uma vez!
- Ariella roubou um dos carros e tentou escapar. Pablo percebeu e fechou o portão, mas ela continuou avançando sobre ele e acelerando. Teve um colisão  em alta velocidade.
- Como ela está? – Era a única coisa que importava. – Viva, não é?
- Sim. Está viva e sendo bem atendida pelos paramédicos. Ela será levada a um hospital. Murilo ligou para te pedir que venha... afinal ela é sua responsabilidade.
- Ela é minha esposa! – Ele arrancou o telefone das mãos de Ítalo para falar direto com Murilo. Antes de qualquer outra coisa Ariella é a sua esposa. – Eu já vou. Já estou a caminho. Cuide para que ela tenha o melhor atendimento.
- Aviso a mais alguém? – Murilo questionou.
- O que? – Ele estava tão confuso. Agradeceu quando percebeu Ítalo já cuidando para deixarem o hotel e retornarem ao aeroporto.
- Eu devo avisar a mais alguém deste acidente. – O raciocínio lento era prova do quanto ele estava a abalado. – O pai dela talvez.
- Não. Por enquanto não. Temos que algo mais concreto para falar sobre o estado dela. Não deixe nada vazar para a imprensa e...me mantenha informado. O que sabe do estado dela? Ela não pode morrer...ela...
- Certo. Não informarei ninguém ainda. – Era hora de falar algo difícil. – Eu não tenho notícias concretas. Apenas sei o que os paramédicos me informaram na hora do resgate. E parece grave, Diego. Venha logo. Se o caso for tão grave quanto parece, você pode estar em sérios problemas com a justiça.