domingo, 28 de agosto de 2016

Alguém Para Perdoar - Cap 11

          O telefone tocava sem parar. Uma, duas, três, quatro ligações. Todas finalizadas pela operadora sem que Márcia conseguisse falar com Raul. Ao que parecia, o advogado estava realmente irredutível na decisão de não mais representá-la judicialmente no processo da guarda de Joaquim. Seria lealdade masculina? Não Raul jamais manifestou nenhuma simpatia por Alex. Ainda na sala de Jonas, agora sozinha, Márcia seguiu olhando para a porta retrato que exibia a família feliz do sócio.
            Há tempos atrás, quando acabara de se divorciar e buscava dar um novo rumo a sua vida, a oferta de Juliana para lhe vender a parte que lhe cabia na JRJ, lhe soou como louca e interessante. Pensou que numa empresa na qual não teria laços familiares nem de amizade conseguiria impor um ritmo de trabalho forte aos funcionários. Afeição e sentimentos, a sociedade com o marido lhe provou, faziam muito mal aos negócios. Logo que chegou à JRJ, ficou chocada com a forma quase fraternal que tinham de lidar com as obrigações.
            Funcionava para eles, era inegável, mas não lhe agradava. As agendas eram quase compartilhadas e cabia a secretária equilibrar as mudanças de última hora. Ela simplesmente não funcionava daquela forma. Porém, após aquela conversa com Jonas, podia ver as razões para aquilo. Ele inegavelmente valorizava muito ambas as empresas em que atuava, porém, nada lhe era mais importante que sua família. Isso valia para os que viviam no interior do Rio Grande do Sul e, também aos que tinha por perto todos os dias, ali em São Paulo.
            Nunca tornou-se íntima de Emily, talvez por acreditar demais no que Juliana lhe afirmou. Sua amiga, que fora namorada de Jonas num passado distante, guardava esperanças de ficar com ele até vê-lo passar rapidamente de solteiro convicto para marido apaixonado e pai devotado. Revoltada, culpou a mulher que conseguiu despertar em Jonas o que ela passou anos tentando sem sucesso. Agora Márcia começa a rever seus conceitos. Parecia que tanto Jonas quanto Rafael tinham boas razões para agir como agiam. E se por anos a JRJ funcionou dessa forma, com sucesso, quem seria ela para questionar.
            Decidida a mudar o rumo da própria vida, Márcia deixou a construtora e seguiu até o escritório de Raul. Talvez ele estivesse apenas ignorando suas chamadas no celular. A secretária, porém, lhe explicou que não.

            - O senhor Raul está no fórum, em uma audiência. Não deve retornar. – Explicou a jovem e bonita garota. – A senhora quer deixar recado?

            Não quis. Tinha de aproveitar aquele momento de decisão ou acabaria desistindo do que planejava fazer. Voltou ao trânsito e, dessa vez, seu destino foi o apartamento de Raul. Ela o tinha há bastante tempo, mas nunca fora procurá-lo na residência. Chegou, perguntou ao porteiro e ficou sabendo que ele não estava.

            - Vou esperar no carro. – Avisou.

            Passaram 15 minutos. Passaram 20 minutos. E mais 30. Quando Márcia estava quase desistindo, avistou o carro dele virar a esquina. Ele não a viu, entrou na garagem e então Márcia esperou mais um pouco, o tempo que ele precisava para chegar ao apartamento. Então voltou a portaria e avisou ao porteiro que gostaria de subir. Ele até argumentou que o morador não havia passado por ali, mas logo entendeu que aquela mulher não desistiria fácil. Interfonou para um irritado Raul, que, apesar do cansaço de um dia péssimo, resolveu receber Márcia.

            - Eu vi suas ligações, mas não podia atender naquele momento. – Disse assim que abriu a porta. – Iria retornar assim que pudesse tomar um banho, abrir um vinho e relaxar. Mas já que está aqui, entre.



            - Preciso falar com você.
            - Não. Tudo o que tínhamos para resolver foi resolvido. Agora, assim que você encontrar outro advogado, passo o caso para ele. É simples.
            - Só 10 minutos. Me dá 10 minutos para tentar te convencer a não abandonar o caso.
            - Nem que fosse o dia todo, Márcia. Nós não conseguiremos bons resultados juntos. É ruim para você que eu siga te representando.
            - 10 minutos, por favor. – Ela insistiu.
           
            Raul estranhou aquela postura em Márcia. Desde o momento em que ela o contratara, oferecendo uma quantia vergonhosamente alta para arrancar tudo o que pudesse de Alex Salomão no acordo de divórcio. Naquele momento ele já percebia um imenso rancor nela, mas acreditara ser algo momentâneo. Estava ferida pela traição do marido e parceiro de tantos anos. Só que aquele comportamento pouco sensato e movido pela mágoa, por um ideal que só via vingança, esquecendo-se da criança que sofria em meio aquela briga, não teve fim nem mesmo perdeu força. Agora parecia ter a sua frente outra mulher.
            - Sei que errei, não deveria ter dito o que lhe disse e nem ter tentando interferir nas ordens judiciais. Eu preciso da sua ajuda. Não posso perder meu filho, não posso.
            - Não sei se devo te ajudar, preciso pensar. – Ele queria ajudar, afinal, aquela lhe parecia outra mulher. Porém, tinha medo do local aonde aquela decisão poderia lhe levar. - Você é muito impulsiva, não aceita regras, não aceita que mandem em você. Sei o quanto você sofreu em seu casamento, mas precisa agir pensando além do próprio sofrimento.
            - Eu sei...
            - Eu ainda estou falando. – O advogado cortou-a. - Seu filho é a prioridade. Deveria ser a primeira das suas preocupações. Se o seu ex te traiu, é uma pena. Mas vocês já estão separados e você já se vingou arrancando-se muito mais do que merecia em dinheiro.
            - Não uso meu filho em vingança. Jamais desejei isso.
            - Usa! Talvez não seja intencional, mas usa. Deve conversar com seu filho é saber como ele se sente diante dessa situação. Aliás, essa é a minha sugestão. Faça isso, converse com Joaquim e depois voltamos a conversar.
            - Mas...
            - Agora, se já nos resolvemos, peço que se retire, pois tenho que tomar um banho e ir para outro compromisso. Até mais... e pense no que eu disse. – Raul disse e abriu a porta.
           


            - Posso considerá-lo meu advogado novamente? – Ela estava decidida a não sair sem essa certeza. – Por favor.
            - Pode...desde que converse com seu filho. – Ele concedeu.

            Com aquela confirmação, Márcia foi para casa. Não tinha certeza alguma do que faria, mas estava decidia a mudar a sua forma de lidar com a vida. Sentia-se com alguém que começava uma dieta restritiva. Só que ao invés de restringir carboidratos ou açúcar, tentaria reduzir o ódio e as atitudes rancorosas, abrindo espaço em sua vida para sentimentos mais bonitos.
Naquele momento, no orfanato liderado pelas mãos maternais de Marta, Rafael seguia esperando. Depois de conversar com a senhora que conhecia tão bem a menina que Melissa tanto desejava, ele se sentia dormente. Seu coração estava cortado, devastado e ensanguentado. Sua vontade era sair correndo em direção à JRJ, fazer suas reuniões e esquecer dos problemas particulares. Mas isso não ocorreria, Não enquanto finalmente não enfrentasse seus próprios desafios. Conversaria com Isabely e enfrentaria os próprios demônios. Ele tremeu quando os olhos da menina se fixaram nele, mas sentou-se ao seu lado e encarou o desafio de conversar com alguém com quem não tinha nenhuma afinidade, mas que já era muito amada por sua esposa e filho.

            - Oi. – Foi o que conseguiu falar.
            - Oi. Se veio buscar o seu filho, ele...
            - Ele já foi, eu sei. – Rafael não sabia bem como começar a conversa, mas teve que seguir. - Vim conhecer você, se quiser, me conhecer também, é claro.


            - Porque você quer me conhecer? Eu sou igual às crianças daqui, todas elas. Não tenho pai nem mãe. Porque você e sua esposa querem conhecer justamente eu?
            - Até hoje pela manhã eu também me perguntava isso, Isabely. Não entendia a razão da minha esposa desejar tanto se aproximar de você. Briguei com ela por isso. Hoje acho que descobri por que é você e não nenhuma outra criança. Você é especial.
            - Eu não tenho nada de especial! – Ela gritou.
            - Pra nossa família é, muito. – E agora ele se incluía nisso. - Te peço desculpas, pois julguei você e isso não se faz a uma criança...
            - Não sou criança! – Ela repetiu.
            - Está bem. – Rafael concedeu. Porém, no íntimo, pensava que ela era muito criança. E precisava da sua atenção. – Ninguém deve ser julgado. Não sem antes ter a chance de se expressar. Eu agora entendo o desejo de Melissa em te conhecer melhor. E, se você permitiu que Tales seja seu amigo, pode nos deixar te conhecer melhor também. Vamos ser amigos?
            - Sou amiga de Tales porque ele não quer nada em troca. Gente velha sempre quer algo em troca.
            - Eu não quero. Nada além de ser seu amigo. – Rafael respondeu, mesmo achando graça do comentário tipicamente infantil de alguém que se dizia uma adulta. – Só quero que você permita que a minha família a conheça melhor. Não estou falando em adotá-la nem em levá-la para morar na nossa casa. Isso só acontecerá algum dia, se você quiser.
            - Jura que você e sua mulher não querem isso? – Sua casa é o abrigo, sua família é formada por Marta e as outras crianças. E desejava que continuasse assim.
            - Não posso jurar isso. Seria mentira. E eu não vou mentir pra você. Melissa quer adotá-la sim. Eu não queria, mas agora entendo porque minha esposa pensou nisso. Mas jamais faremos nada que você não queira. Conversei com Marta e ela nos falou da possibilidade de você ser nossa afilhada. Assim poderá nos conhecer melhor, frequentar a nossa casa, brincar....digo...passar um tempo com Tales, e depois voltar aqui para a sua casa. O que acha?
            - Acho legal. Mas tem uma condição.
            - Qual?
            - Eu não quero ser mimada por vocês como se eu fosse o mascote da família. Não preciso que fiquem me olhando com pena. – Ela explicou. Apesar de jovem, conhecia bem aquele olhar de pena.
            - Não é pena que nos motiva, Isabely. – É amor, no caso dele um amor recém descoberto. Mas essa parte ele optou por não externar. A menina não estava pronta para isso. – Eu vou conversar com Marta. Se prepare então para passar esse final de semana lá em casa. Tales vai adorar.

            Ele e Melissa já tinham cadastro como uma família acolhedora. Por isso, não foi difícil liberar a saída de Isabely. Marta estava muito feliz. Sempre amou todas as crianças que passaram por aquele lar, mas, por algumas, teve despertado um sentimento especial. Emily fora um desses casos e ver aquela menina lutar por seus objetivos e vencer na vida foi o grande orgulho de sua vida. Agora, vivia esse mesmo sentimento por Isabely. Aquela criança tinha uma história de vida muito sofrida e parecia lutar contra a felicidade. O coração de Marta dizia que dessa vez Rafael e Melissa não permitiriam que ela fugisse de ter família. Estavam dispostos a lutar por ela.

            O horário de almoço já havia passado há bastante tempo quando, enfim, os Vicentin sentaram-se à mesa. Ninguém tinha vontade de comer. Alguns, como Milena, porque o nervosismo havia matado todo o apetite, ou como a vovó Ângela que, comeu sem se preocupar.

            - Vou comer sim. A família está aumentando. Isso é razão pra festejar e não para ficar sem comer. – Vovó estava muito feliz. – E você, Milena, não me enganou nadinha. Eu sabia que aquele rapaz ia te chamar a atenção. E não ia? Até eu, que já passei da idade, virei o pescoço pra olhar. Ele é um charme só. Claro que minha neta não ia deixar passar.
           
            - Vovó! Por favor! – Milena reclamou.
            - Isso mesmo. Não adianta ficar vermelha. Um homem daqueles a gente não deixa passar. – A senhora não tinha papas na língua. – E agora minha Maria terá um pai, isso é motivo para comemorar.

            Maria Fernanda tinha recebido seu almoço, no horário de sempre. Mas estava desconfiada do que acontecia. Ela sabia que seu avô estava no escritório com alguém, mas ninguém lhe dizia quem era. Aquela hora, deveria estar tirando seu cochilo, mas não adormeceu, apesar da mãe ter tentado colocá-la para dormir. Sua ansiedade foi explicada quando viu Nathan deixar o escritório. Saiu correndo e atirou-se em seus braços. Com gestos atrapalhados, perguntou se ele veio lhe fazer maçarão, igual aquele dia, no restaurante. Milena, percebendo que todos riam, menos Nathan, que não havia entendido a menina, traduz a pergunta, mas a repreende.

            - Você já almoçou. Não seja gulosa nem intrometida. – Falou por sinais e voz.

            Nathan, porém, desejava passar algum tempo com a filha. E se ela queria macarrão, ele podia oferecer isso à menina. Bem devagar para que a pequena pudesse ler seus lábios, ele respondeu.

            - Se sua mãe e seus avós deixarem, eu faço o macarrão agora mesmo para você.
         - Não precisa Nathan. – Milena afirmou, mas se arrependeu quando viu a mesma expressão de decepção em pai e filha.





            Coube à bisa Ângela ajudar Maria Fernanda. Cansada de ver Milena agir como pensava ser o certo, mas não como pedia seu coração, a idosa tomou a frente. Pegou Nathan pelo braço e, ciente de que ninguém iria contrariar uma anciã, rumou para a cozinha.

            - Deixe o rapaz cozinhar para a menina. E para nós! Aí vemos se ele cozinha bem mesmo. Ralhou com a neta.
            - Mamãe! – Leonel gritou. Ele conhecia bem aquela senhora e sabia que se aceitava Nathan em sua cozinha era por simpatizar com ele. – Nathan é chefe de cozinha, mas não veio aqui para isso. E tenho certeza que Ana está com comida pronta. São mais de duas da tarde. Ele não vai fazer macarrão agora!
            - Vai sim! A filha dele quer. E eu também. – Estava encerrado o assunto. - Vem meu filho, vou te mostrar a cozinha.

            Maria Fernanda foi junto, era a ajudante de cozinha. Coube a Nathan preparar apenas um molho de tomate e colocar para cozinhar o macarrão feito em casa que sempre estava à disposição na geladeira. Afinal, em casa de italiano, macarrão nunca faltava. Ana o ajudou a encontrar o que precisava e, ao lado do pai, Maria Fernanda misturou os ingredientes. Impossível para Milena não se emocionar vendo os dois tão bem integrados naquele trabalho de equipe. Enquanto eles trabalhava, ela pegou o celular que fora desprezado pela sala e fez uma foto deles juntos. A primeira de muitas, desconfiava.



            Terminada a preparação e eles por a mesa e todos vão almoçar. Mesmo aqueles que não tinham fome sentaram-se a mesa para satisfazer a pequena, que, animadamente, realizou o desejo de almoçar aquele macarrão. Por gestos ela disse a Nathan que estava “muito bom”. E ele, que já tinha ganho aplausos internacionais por pratos muito mais elaborados, recebia o maior elogio de sua vida.

            - Meu filho, você cozinha muito bem. – Vovó Ângela elogiou. - Se eu fosse solteira e mais nova, te levava para o altar agora mesmo.

            Como já era esperado, Nathan ficou sem jeito e Milena repreendeu sua avó. Na verdade porém, a velha senhora fazia aquilo de propósito, para aliviar os ânimos, afinal, todos naquela mesa, à exceção de Maria Fernanda, estavam nervosos.

            - Vamos todos almoçar em paz. Depois eu cuidarei da mesa. – Giovanna assumiu a responsabilidade de colocar ordem naquela estranha refeição. - Milena e o Nathan têm uma missão muito importante, que não pode ser adiada.

            Quando o almoço fora de hora termina, Maria Fernanda pergunta se pode ir brincar no balanço. A mãe concorda, mas avisa que ela e Nathan irão também.
            - Temos que te contar uma coisa. Vamos brincar. – Ela avisa, fazendo a alegria da menina.
            Enquanto Nathan e Maria vão ao balanço, Giovanna chama a filha e lhe entrega um álbum de fotos. Nele, recordações da gravidez de Milena, do nascimento de Maria Fernanda e sua primeira infância. Os primeiros passos, as primeiras quedas, a ida para a escolinha, o crescimento dela. Após agradecer a mãe, Milena foi ao encontro de pai e filha, carregando aquelas tão importantes recordações. Quando chega ao parquinho, encontra a filha no colo do Nathan, se balançando.

            - Tem um lugar para mim nessa brincadeira?
            - Sempre haverá lugar pra você. – Nathan responde, abrindo espaço para ela.
           
            Com Maria sentada entre os pais no imenso balanço, Milena entrega para Nathan o álbum. Juntos, eles ficam olhando as imagens e comentando uma a uma. Muitas vezes Maria quis dizer algo para ele, mas precisou da tradução de Milena. Ela, delicadamente, ia fazendo essa ponte entre pai e filha enquanto ainda precisavam de ajuda. Logo compreenderiam um ao outro só pelo olhar.



            Foto por foto Nathan foi se emocionando e conhecendo a história de sua filha. Do miúdo bebê que nasceu sem ter um pai para ampará-la, até a menina que encantava a todos. Seu crescimento estava ali. E era perceptível em cada foto o tamanho do amor que cada Vicentin tinha por Maria. Ao virar as páginas do álbum Nathan sentiu uma ferida se fechar em seu peito e agradeceu a Milena por isso. Agora, ao menos conhecia um pouco melhor aquela menina que tanto já amava.

            - Obrigada. De verdade. – Disse para ela. – E me perdoe. Eu queria muito ter estado aqui no dia em que você deu a luz. Mas eu entendo que a culpa é minha. Você não tinha razão para acreditar que eu seria um bom pai. Eu vou ser, prometo.
            - Vamos deixar o passado no lugar dele, Nathan. Ainda tem muitas páginas em branco nesse álbum. Muitas. – Ela então olha para a filha, que não entendia porque os adultos estavam tão sérios. – Maria, você quer ver a nova foto que a mamãe colocará no álbum?  Uma foto sua com seu pai?

            Curiosa e desconfiada, Maria olha para mãe com os olhos brilhando. Milena tira o celular do bolso e mostra a foto dos dois cozinhando, pouco tempo antes. Instantaneamente, pai e filha se olham, ambos entenderam o que Milena disse por sinais e voz ao mesmo tempo. Maria olha para Nathan, desce do balanço e depois passa a encarar a mãe, esperando por uma confirmação. Ela demora a acreditar. Por um gesto, perguntando para mãe: “ele é meu pai mesmo?”. Milena faz que sim com a cabeça e Maria abraça Nathan silenciosamente. Sempre quis um papai e agora tinha um. Milena sai lentamente, deixando pai e filha aproveitarem o momento. Ele deixou escapar algumas lágrimas. Ela era só sorrisos. Formas diferentes de expressar o mesmo sentimento.




sábado, 20 de agosto de 2016

Ariella - Capítulo 19


Pelas ruas da cidade que ainda acordava após mais uma noite de festa, Diego e Ariella saíram a caminhar. Estava tudo calmo, quase adormecido ainda. Na véspera, muitos blocos de Carnaval entraram a madrugada circulando pelas ruas de pedra, seguidos por uma multidão que preferia festejar como antigamente. Outros tantos preferiam assistir aos desfiles no sambódromo. Qual fosse a escolha, poucas pessoas no Rio de Janeiro passavam pelo Carnaval sem viver essa festa de alguma forma. Esse, porém, era o primeiro Carnaval em que o espírito de festa tomou o coração de Ariella. De sandália rasteira nos pés e um vestido longo e estampado e quase nenhuma maquiagem ela atraiu olhares por onde andava. Quem a conhecia, notou um sorriso diferente a enfeitar seus lábios.



Após alguns anos no Brasil, Ariella olhava para aquelas belas ruas já com a segurança de quem as conhece bem. Apesar de ser reconhecido como um Estado violento, ela jamais teve medo de caminhar pelo Rio de Janeiro e nunca passou por nenhuma situação de risco. Por isso, todo aquele temor por um sequestro apresentado por Diego não a convencia. Bem lá no fundo ainda tinha esperança de que ele estivesse usando isso como uma desculpa para aproximar-se.
Mas não era assim. Apesar de viver um momento de realização, de finalmente se sentir feliz após anos de um desfilar pela vida sem dela aproveitar verdadeiramente, Diego continuava preocupado com as razões que o trouxeram ao Brasil. Desejava muito poder esquecer as preocupações, mas, sem que Ariella soubesse, antes de saírem da casa, pediu que os dois seguranças os acompanhassem à distância.

- Mas a casa ficará completamente desprotegida, Sr. Bueno. – Um deles o lembrou.
- Não importa. Apenas fiquem atentos para que ninguém suspeito se aproxime de Ariella.

Com o coração mais sossegado, sabendo que eram protegidos, Diego aproveitou o passeio. Entre uma vitrine e outra, permitiu-se ver as belezas do Rio e dos cariocas. Estava encantado. Ariella lembrou-o que precisavam fazer compras de verdade, necessárias, além das “belas bobagens” que ele desejava.
- Não são bobagens. São coisas pra deixar você ainda mais linda. – Disse ele ao comprar um colar vendido na calçada.
- É, mas temos de comprar vários mantimentos.
- Você falou feito uma esposa agora, Ariella. – Diego comentou, sorrindo. – Eu gostei, mi sol.



Ariella pensou em lembrá-lo mais uma vez que não eram casados há vários anos e que ele não tinha o direito de chamá-la por apelidos carinhos. A repreensão ficou presa em sua garganta quando lembrou a si mesma que aquele dia deveria ser especial, composto apenas de felicidade e reencontros, sem espaço para mágoas antigas.
Foram às compras necessárias. E Diego sorria ao entrar no supermercado. Quantas vezes fez isso na vida. Pouquíssimas. E teria feito muitas mais caso estivesse tão feliz quanto agora. Ariella, acostumada a ir naquele estabelecimento, pegou um pequeno carrinho e desfilou calmamente entre os corredores. Escolheu algumas frutas cheirando uma a uma, selecionou um pão integral e depois pediu a um funcionário uma seleção de frutos do mar. Desejava preparar um risoto para aquela janta.

- Você escolhe um vinho? – Perguntou a Diego.
- Claro. – Foi a simples resposta.

Ao contrário do que Ariella acreditava, não foram direto para casa após as compras e passeios. Ele pediu que um dos seguranças levasse tudo para casa e então levou a acompanhante à praia.

- Mas eu não estou de maiô por baixo da roupa! – Ariella respondeu.

Então Diego lhe ofereceu a única sacola que não enviou com o segurança. Era um biquíni discreto, elegante e que combinava totalmente com ela. Aquela hora, porém, a praia já estava com várias pessoas no mar e na areia. O que deixou-a triste. Várias vezes nadou naquele mar claro e de temperatura agradável. Algumas vezes, expondo suas cicatrizes sem se preocupar com os comentários. Normalmente, porém, fortalecida pela coragem trazida por uma taça de champanhe. E nunca havia nadado na frente de Diego. Essa exposição lhe era quase incogitável.

- Comprei enquanto você se distraiu olhando aquela loja de decoração para casas. – Ele lhe explicou. – Quero muito vê-la nele, sob esse sol. Vamos Ariella, você é linda e corajosa. E há uma canga junto. Vá ao banheiro de algum comércio, vista a roupa de banho e vamos aproveitar a praia.
Ela não aceitou se intimidar. Lembrou mais uma vez a si mesma que aquele era um dia especial. Depois talvez Diego desistisse de tentar reatar aquela relação tão machucada. Ou eles mesmos chegassem a conclusão de que simplesmente não combinavam, que suas vidas não se encaixavam. Entrou em um bar, trocou de roupa e saiu, de cabeça erguida e sem se preocupar com o fato de alguns olhares se voltarem a ela.
Na verdade, só um par de olhos lhe era importante. E esse veio acompanhado de um sorriso orgulhoso. Diego esperou-a com os pés na areia e já sem camisa, o que a fez lembrar-se do quanto o tempo foi generoso com ele. Ela também sorriu, a vida estava sendo bondosa em lhes dar aquela segunda oportunidade. Foram direto para a água, deixando na areia fina as roupas do passeio. O celular de Ariella ficou por lá também. Já Diego levou o dele junto. Não foi por medo de ser roubado.



  - É para te fotografar! – Explicou.

Algumas fotos e muitas recordações depois, o celular também foi deixado de lado para que ele pudesse mergulhar junto da mulher que sempre considerou sua esposa, independente do que os papéis afirmavam. Na água Diego se aproximou, abraçou e acariciou a pele clara, macia e cheia de minúsculas manchas. Ela também o acariciou, dedilhando suavemente pelas costas e peito fortes. A beleza dele, que um dia a surpreendeu, agora a fazia pensar no quanto lhe custou. Quantas horas passou erguendo pesos ou privando-se de outras coisas?
Certa vez, sua melhor amiga, Dulce, lhe contou que após finalizar o divórcio Diego isolou-se de todos, preferindo a solidão às festas e encontros de amigos. Por ter se casado com Murilo, sócio e amigo de Diego, Dulce vivia parte do tempo na Argentina e parte na Espanha. Quando em solo europeu, passava algum tempo próximo de Diego. E o viu mudar no decorrer dos anos. Do homem focado, porém jovem e cercado de amigos que foi na juventude, Diego tornou-se um empresário dedicado, discreto e solitário. Trabalhava grande parte de seu tempo. E no que sobrava, exercitava-se em casa. Era na academia e na piscina de casa que extravasava sua infelicidade. Algumas mulheres se aproximaram. Várias foram rechaçadas. Poucas conseguiram uma noite em sua cama, seguida de um desprezo frio na manhã seguinte. Não se sentia preparado para erguer um novo relacionamento. E mesmo sem crer que um dia voltaria para Ariella, a ideia de substituí-la lhe doía demais.

- O tempo te fez bem, Diego. Está com o corpo perfeito. – Ela foi sincera ao elogiar.
- É mais fácil cuidar do corpo que do espírito, Ariella. Eu fiquei completamente destruído quando você me deixou. Eu mereci, sei disso. Mas nunca me recuperei totalmente. Cuidar dos meus músculos foi o caminha mais simples para passar o tempo enquanto esperava e criava esperanças de que você um dia me aceitaria de volta.



Os beijos que começaram na água seguiram para a areia. Mesmo ao povo brasileiro, tão carinhoso e aberto a carinhos em público, a efervescência do casal atraiu olhares. Deitado na areia, tendo Ariella grudada ao seu corpo e vestida apenas com um maiô molhado sobre as curvas, Diego foi excitando-se e esquecendo que estavam numa área aberta e pública, cercados por pessoas curiosas.

- Acho que devemos parar por aqui. – Diego disse, ao perceber os olhares indiscretos.
- Acho que devemos ir ao motel. É perto daqui. – Ela respondeu e viu os olhos dele se surpreenderem. – Não quero ir para casa ainda, não quero voltar à realidade ainda.
- Está bem, vamos ao motel...mas...eu só...
- O que foi? – Ela não entendeu a apreensão.
- Fico pensando se você esteve lá com muitos homens. – Ele respondeu francamente, mesmo sabendo que não tinha o direito de fazer cobranças. – Eu não quero ser ...
- Machista? Ótimo. Não seja. – Ariella respondeu. – Eu tive vida sexual por todos esses anos, Diego. Assim como você. Mas, se você tem a necessidade de ouvir isso, lhe direi. Eu já estive no motel com outros homens sim, não costumo levá-los para minha casa. Só que eu nunca estive em um motel com você, com o homem que foi meu marido, é o meu amante hoje e quem me enlouqueceu de desejo minutos atrás. Não estrague esse momento.



Diego continuava com a ideia dela na cama de outro homem engasgada na garganta. Porém, diante das opções, encarou o desafio de fazê-la esquecer qualquer outro que tenha passado por seus lençóis. E isso, conseguiria apenas se pudesse fazer daquele instante um momento especial aos dois. Eles têm química, têm sentimentos que os unem e têm uma paixão sem limites. Faltava apenas reerguer a confiança sob os destroços do passado.
Vestindo as roupas sobre o corpo sujo de areia, seguiram ao motel. Ariella pediu que Diego dispensasse o segundo segurança. Disse que não se sentiria confortável sabendo que o homem o aguardava do lado de fora. Feliz, Diego concordou e pediu que ele fosse para a casa de Ariella e esperasse lá, junto do colega que saiu mais cedo. Eles seguiram para o motel, entrando discretamente. Lá dentro, a camisa branca dele e o vestido leve dela logo foram ao chão.

- Eu estou suja, a pele pegando. Me deixa tomar um banho antes. – Ariella disse, indo ao chuveiro. Foi surpreendida por Diego segui-la. – Eu quis dizer sozinha.
- Também estou louco por um banho.

Ela não se acovardou. O desejo é maior que a vergonha e dessa vez ela despiu-se à frente de Diego sem reclamar nem pedir que fechasse os olhos. Resolveu arriscar-se na vida e aproveitar a felicidade. Trocaram algumas carícias, mas Ariella fez questão de realmente banhar-se antes de se entregar ao sexo. Diego lavou seus cabelos calmamente, sentindo o perfume. O mesmo de uma década atrás.

- Quero vê-los vermelhos novamente, em algum dia na vida. – Diego lembrou-a.
- Sou morena há tanto tempo que não me vejo mais ruiva. É estranho. Parece que não sou mais aquela mulher.
- É sim. Mais velha, mais madura, mais forte. Mas ainda e para sempre aminha Ariella. – A mão dele desceu, encontrando o ponto mais íntimo do corpo dela, que já implorava por aquele toque. Antes de penetrá-la com um dedo, brincou com os pêlos que cobriam seu sexo. – Na essência você continua ruiva.

Foi impossível ela negar isso. Principalmente, porque estava tomada pela paixão e foi completamente desarmada ao ver Diego ajoelhar-se no box do chuveiro e brindá-la com o mais íntimo dos beijos e a mais inesperada das ações. Para o espanhol orgulhoso, colocar-se aos pés dela não era uma humilhação, mas sim prova de amor. E Ariella entendia o que aquilo representava.

- Eu vou te dar o que nenhum outro ofereceu. – Avisou.
- Estou ansiosa. – Ela respondeu.

O prazer que começou sob a água, continuou na cama. Diego fez questão de acariciá-la, mas só conseguiu isso após extravasar a sua paixão no chuveiro. A delícia de ter aquela mulher entre em seus braços e disposta a tudo o levou ao paraíso. Se antes, na primeira noite, ela estava desconfiada e arisca, hoje ela havia se entregado ao prazer de estar nos braços dele. E isso refletia em prazer aos dois.

- Você é gostoso demais. – Ariella afirmou, quando o teve gloriosamente excitado dentro de si pela segunda vez naquela noite.
- Vamos ver se você melhora esse elogio até o final da noite.
- Mas é meio dia! – Ela brincou.
- Eu não tenho pressa alguma, meu amor.

Diego cumpriu a promessa. E os manteve na cama até o sol carioca se despedir. Naquelas horas transaram com fúria, com paixão, com ternura e, no final, também com preguiça. Comeram para recarregar as baterias e depois decidiram que precisavam de outro banho, dessa vez individual, antes de seguir para casa. Estava felizes e relaxados como apenas um dia como aquele seria capaz.

- Estou exausta. E a culpa é sua. – Ariella brincou.
- Assumo totalmente minha responsabilidade.

No caminho de volta, Diego pensava que era hora de relaxarem. Assim que chegassem, precisava ligar para Murilo e resolver algumas coisas de trabalho. Havia lhe prometido ligar no início da tarde. E não o fez por conta da felicidade ao lado de Ariella. Por enquanto manteria assim. Se estivesse tão preocupado, Murilo teria telefonado. Deixando o pensamento de lado, Diego segurou as mãos da esposa durante todo o caminho e ao se aproximarem da grande residência dela, ele a puxou para seguirem pela areia e sob estrelas lhe deu mais um beijo.

- Eu sei que prometi não te pressionar por nada...mas preciso te dizer uma coisa. Eu te amo Ariella, ainda mais do que te amei no passado. E quero que saiba disso. Mesmo que não me queira de volta, eu te amo. Vou amar sempre.

Ariella pensou em responder com uma declaração tão intensa quanto a dele. Mas então lembrou-se de que declarações feitas ao calor do momento costumavam render problemas. Aquele velho medo voltou, lembrando-a que há 11 anos Diego também a tinha enganado com carinhos e declarações. O dia fora lindo, mas ainda era cedo para juras, acordos ou certezas. Aquele poderia ser apenas um amor de Carnaval.

- Vamos...dar tempo ao tempo. – Foi a resposta dela, fria diante da declaração e dos olhares dele.

Ainda assim, sorridentes eles entraram em casa. Diego nada percebeu de estranho, talvez por estar envolto em desilusão por não ter recebido um ‘eu te amo’ em resposta. Triste, passou o braço pela cintura nela, em busca do calor que seu corpo oferecia. Pensava em fazê-la descansar, percebendo que ela já começava a mancar um pouco graças as caminhadas e as estripulias na cama e no box do motel.

- Vou preparar o jantar enquanto você descansa.
- Pode ser. – Mas ela estranhava a casa estar com três luzes externas apagadas. – E os seus seguranças. Não deveriam estar aqui na porta?
- Sim...devem estar lá dentro. – Ele afirmou. – Vamos entrar.

Eles seguiram, um tanto desconfiados, mas cada um guardando o próprio temor dentro de si. A porta estava fechada, como era de se esperar. Ariella usou sua chave eles acessaram o hall de entrada, trancando-a logo depois. Ela acendeu as luzes internas e foram à sala de estar. Lá, viram a mais dura das imagens já vistas por ambos. Os dois seguranças estavam no chão, banhados numa poça de sangue, já com o corpo pálido de quem havia morrido horas antes. Ariella gritou de susto, Diego passou um braço pelo seu corpo no ímpeto de protegê-la. Juntos deram dois passos em direção a porta da rua, mas já não adiantava muito. Perceberam isso quando três pessoas surgiram na sala. Três homens mascarados e fortes surgiram, separando-os e calando-os.

- Socorrooooooo – Ariella gritou e foi calada com uma bofetada que a levou ao chão.
- Solte-a! – Diego tentou soltar-se para ir até Ariella, mas foi segurado por dois dos homens enquanto o terceiro a erguia e segurava pelo braço. – Não a machuquem. O que querem?

A resposta veio em forma de um golpe que acertou o maxilar de Diego, mas não foi capaz de derrubá-lo. Com a mente fervendo, Diego tentava antecipar o que acontecia. Aqueles homens não queriam simplesmente assaltar ou sequestrar Ariella. Não agora, ao menos. Provavelmente já sabiam quem ele era, o que ele era e, principalmente, o quanto de dinheiro possuía. Desejava estar certo. Nesse caso, o alvo teria saído de sobre Ariella e assim sua segurança estaria mais garantida.

- Tranquem ela no banheiro. Agora. – Um homem gritou e enquanto apontava uma arma para a sua cabeça outro levou Ariella, que já não gritava, mas tremia olhando a cena.

Diego ficou observando sem entender o que eles faziam. Prender Ariella a um banheiro lhes garantiria, apenas, que ela nada faria, mas não os ajudaria a conseguir quantia alguma. Deveriam, no mínimo, não precisar dela para encontrar um cofre nem abri-lo.

- O que desejam? – Ele questionou.
- Que você cale a boca. – O mesmo homem respondeu. – Amarrem e amordacem ele. Não quero ouvir a voz do gringo.



Ariella estava em desespero. Não se lembrava mais da dor na perna, nem ligava para o sangue que escorria de um dos cantos da boca, quando a bofetada lhe cortou o lábio. Estava em pânico. E em silêncio rezava por Diego. Se levassem tudo o que tinha dentro da casa, mas deixassem Diego vivo não se importaria. Seu medo era que matassem aquele homem que veio ao Brasil para defendê-la, para protegê-la.
Lembrava-se muito bem de quando fora sequestrada, ainda muito jovem. E um ensinamento daquela época, agora lhe dava esperança. Os homens mantinham mascaras sobre os rostos e isso significava que planejavam fugir logo, sem dar-lhes chance de ir à polícia e indicar o rosto dos suspeitos. Significava que planejavam deixá-los vivos.

- Não o matem, por favor, não o matem. – Ela repetia a si mesma.

Tentava pensar em algo, fazer alguma coisa para ajudar. Infelizmente, seu celular havia sido tirado dela antes de lhe trancarem ali. A janela do banheiro era alta e pequena. Seria praticamente impossível para ela sair por ali. Não tinha o que fazer, além de rezar e tentar ficar esperançosa. Tentava convencer a si mesma que, com Diego amarrado, eles revistariam a casa e levariam o que desejavam. Mas a visão dos seguranças mortos lhe dizia outra coisa. E o som de um disparo garantiu seu desespero. Tiros. Tiros contra Diego. Que amordaçado não pode gritar. Ariella, porém, não precisou ouvir sua voz para saber que ele fora atingido. Sentiu no próprio corpo o sofrimento dele.




- Nãooooooooooo!

Ariella gritou esmurrando a porta e lutando contra o medo de um destino cruel. Agora que eles enfim haviam dado uma chance à vida, ela lhe ameaçava a maior rasteira de todas.





domingo, 14 de agosto de 2016

Vida Roubada - Capítulo 25


                Há cinco dias Sebastian vivia em família, com a mãe, a filha e Beatriz. Já nem se lembrava de quando passou tanto tempo sem sair de casa, seja por uma viagem internacional ou séries intermináveis de reuniões. Angelina estava encantada com Bia, sua “nora” como não parava de dizer. Essa estada feliz em sua casa, porém, trouxe problemas. Não foi fácil convencer sua mãe de que Beatriz não podia sair de casa para fazer compras ou, nem mesmo, para ir num parque qualquer. E Luisa estava avisada de que nenhuma coleguinha de escola deveria vir na casa por agora.

            - Você gosta de estar com a Bia, não é mesmo?
            - Sim, papai.
            - Então não deve contar para ninguém que ela está conosco. Ou Bia terá de ir embora. – Sebastian explicou.

            O pedido funcionou e a menina se comportou muito bem. Nada falou na escola ou na vizinhança, passando muito tempo em casa junto de sua mais nova amiga. Todos esses alertas e cuidados, porém, deixaram Angelina muito desconfiada. E ela chamou o filho para uma conversa séria. A mãe estava muito distante da verdade, porém, percebia claramente que algo de muito errado ocorria na vida de seu filho.

            - Ela tem problemas com a lei? Ou um marido perigoso? Diga o que há de errado com Beatriz, Sebastian. Estou preocupada.
            - Você gosta dela?
            - É claro, é uma moça agradável, educada e muito atenciosa com minha neta. Mas isso não me faz fechar os olhos para o que ocorre em minha casa. Obviamente, ela não está aqui por problemas no encanamento! – Angelina, discreta como de costume, falou em tom baixo, mas firme, ao único filho.

            Em silêncio Sebastian encarou a mãe e cogitou contar-lhe toda a verdade. Porém, como dizer a uma senhora idosa que ele, um empresário sério e de credibilidade, frequentava boates clandestinas e havia comprado uma prostituta. Sorriu ao pensar que de tudo o que tinha para contar, certamente o que menos preocupara Angelina era o passado de Beatriz. Encantada como estava com nova nora, ela muito provavelmente só teria críticas ao seu comportamento como filho e pai de família, que dera um péssimo exemplo à filha.

            - Do que está rindo?
            - Nada mamãe. É só que...você está certa. Eu tenho coisas a lhe contar. Mas ainda não é hora.
            - E quando será? - Angelina estava realmente preocupada com o filho.
            - Logo. Eu prometo.



            Ele então resolveu que precisava sair, respirar outro ar e arejar os pensamentos. Porém, a ideia de sair sozinho não o agradava. Na verdade, a ideia de viver sozinho nunca lhe pareceu tão sem graça quanto agora. Enquanto Luísa estava na escola, avisou que Beatriz deveria se arrumar para sair com ele, iriam passear em um lugar qualquer.

            - Passear? – Beatriz viveu feliz nesses dias, mesmo que lá no fundo a consciência lhe lembrasse minuto a minuto que muito longe dali uma família sofria por ela. – Eu não tenho roupa pra me arrumar muito.
            - Nós vamos resolver esse problema no passeio. Vista qualquer coisa e estará linda.

            Primeiro sozinhos enquanto Luisa estava na escola e depois acompanhados da menina, Beatriz e Sebastian tiveram um dia especial. Ele não se sentia completamente livre, por isso manteve-se longe das áreas mais movimentadas e disfarçou sua identidade com roupas esportivas e um boné que cobria parte de seu rosto. Também manteve-se distante dos lugares que normalmente frequentava e dos centros de compras mais badalados e levou Beatriz para ver lugares discretos, mas que satisfaziam a ambos.
            As compras foram rápidas e simples. Somente o necessário ao que ela precisava para viver, já que Francisco trouxe algumas coisas que ficaram no apartamento. Sebastian já havia aprendido que Beatriz é uma mulher prática e daquelas que não gasta tempo além do necessário com cuidados de beleza. Ela escolheu algumas peças, ele as deixou no carro e, depois, foram aproveitar o dia. Depois de pegarem Luisa na escola, levaram-na para um parque e simplesmente observaram enquanto ela brincava.

            - Há muito eu não via minha filha tão feliz. – Sebastian reconheceu enquanto acariciava os cabelos da companheira de passeio. – Você é responsável por isso. Tenho de te agradecer.
            - Bobagem. Sua filha é uma criança maravilhosa. Aceitaria bem qualquer mulher que estivesse em sua casa.
            - Pode ser. – Ele, porém, jamais tinha levado nenhuma outra. – Mas ela não sorria assim pra mim. Nem eu passava tanto tempo em casa para vê-la feliz.
            - Que bom que isso mudou, então. Luisa está crescendo. Um dia a infância dela terá fim e ficarão apenas as lembranças. – Assim como ocorria com Eva. E ela estava perdendo o crescimento de sua bebê. – Momentos assim não voltam, Sebastian.
            - Conte-me sobre sua filha. Se ela está com sua irmã, diga-me o nome dela e onde vivem. – Sebastian percebia a oferta que estava prestes a fazer. Errada e muito arriscada. Ainda assim, fez. – Eu a busca e nós viveremos todos aqui. Minha filha e a sua crescerão juntas.



            Beatriz encarou Sebastian e, por um momento, quis que tudo aquilo fosse possível. Imaginou Eva ali nos EUA, com Luisa como irmã e Sebastian como pai. Aquele conto de fadas fora sonhado por ela em um momento de sua vida. Por isso casou-se com um homem que não conhecia tanto assim e foi mãe antes de estar pronta para isso. Queria apenas forma uma família. Só que agora, depois de tudo o que viveu nos últimos meses, não mais acreditava em contos de fadas finalizados por finais felizes.

            - Não, Sebastian. Nós dois sabemos que o nosso relacionamento não permite isso. Por favor, eu não quero falar de Eva.

            Sebastian foi para casa chateado. Não com Beatriz, mas com a situação em que a vida deixou os dois. A vida e, ele reconhecia, suas próprias atitudes repletas de erros. Algumas ações cometidas na vida jamais poderiam ser concertadas. Comprar uma mulher é uma delas. Por isso, por mais dolorido que fosse aceitar, ele reconhecia as razões de Beatriz e não lhe confiar qualquer informação a respeito de sua filha. Respeitava a decisão dela, porém, lutaria com as próprias armas. E assim que chegou em casa, cobrou por telefone o profissional que deveria lhe enviar o relatório de investigação a respeito de Bia, Gabriela e Miguel Benitez. Algo lhe dizia que Gabriela teve motivos escusos para procurá-lo e a resposta estaria em Miguel.

            - Eu lhe falei que levaria tempo. – O detetive e conhecido de muitos anos afirmou. – Até tenho um relatório preliminar a te oferecer, mas o final ainda demora.
            - Que seja o preliminar então, Clark. É urgente. Me envie o que tiver e alerte imediatamente, qualquer avanço.
            - Está bem. Estará na sua caixa de e-mail em alguns minutos.



            Longos cinco minutos se passaram até que a correspondência eletrônica enfim chegasse. Sebastian trancou-se no escritório na clara mensagem de que não desejava ser incomodado. E então começou a ler a sequência de informações. Conforme as linhas iam sendo vencidas, preocupava-se cada vez mais. Não poderia ter se enganado mais com Beatriz.

            - É claro que ela não é uma prostituta qualquer. – Esso esse já imaginava há bastante tempo. Porém, os esclarecimentos trouxeram coisas bem preocupantes.

            As informações se sucederam. Em pouco mais de meia hora Sebastian descobriu que Beatriz fora uma repórter num dos jornais de maior circulação de São Paulo. Acostumada a atuar em matérias cotidianas e de política, um de seus últimos trabalhos fora uma reportagem investigativa. O tema chamou a atenção de Clark, que fez questão de incluir uma cópia da matéria no relatório.

            - Você investigou o esquema de tráfico de pessoas que levava mulheres à prostituição na Europa. – Enchendo o copo com mais uma dose de bebida, Sebastian demorava a acreditar em tudo aquilo.

            A jornalista Beatriz Santos, ele seguiu lendo, desapareceu a cerca de oito meses após uma emboscada que matou seu namorado a tiros. Até hoje o crime não foi esclarecido pela polícia brasileira, que encerrou o caso.

            - A polícia acredita que Beatriz está morta. – Sebastian, por um momento, teve esperança de que pudesse viver aquela mentira eternamente. Até que seguiu lendo e descobriu que tinha pouco tempo para tentar resolver tudo aquilo se não quisesse terminar sem Beatriz ou, até mesmo, preso.

            A Polícia Civil havia engavetado o caso, mas ele continuava sendo revirado por uma investigadora da Polícia Federal. Não por acaso. A policial Elizabeth Santos Benitez, casada com Miguel Benitez, investiga o tráfico de pessoas há muitos anos. Fora a partir dela que a irmã, Beatriz, conseguiu informações precisas para construir a reportagem que a levaram até muito próximo da quadrilha que denunciou. Próximo demais. Aparentemente, Elizabeth não conseguiu convencer seus colegas de polícia de que os fatos estavam interligados. Porém, sabia que ao investigar a quadrilha que sempre prosseguiu, também chegaria na irmã.
            E chegou. Pessoalmente, ela foi à Rússia e invadiu a Noxotb um dia depois que ele havia comprado e levado Beatriz de lá. Se a tarefa mostrou-se inócua para rever sua irmã, ao menos Elizabeth conseguiu desbaratar a quadrilha e prender um de seus principais líderes.

            - Gregory! – O homem, com quem pessoalmente negociou o preso por Beatriz. E que segundo o relatório acabara de ser morto numa prisão brasileira.

            Algumas coisas começavam a fazer sentido para Sebastian. Em especial a forma diferente com que Beatriz era tratada na Noxotb. Obviamente, ela não estava lá para dar lucro através de programas, mas como uma retaliação ao que fez e a investigação da irmã. O que Sebastian ainda não entendia era a ligação de Gabriela com o assunto. Porém, não seria ingênuo a ponto de acreditar em coincidências.
            O relatório nada dizia sobre Gabriela. Ao que parecia, o que ela escondia estava tão bem guardado que, ao menos por enquanto, Clark nada tinha descoberto. Porém, algumas suposições começaram a surgir em sua mente quando leu um trecho a respeito de Miguel Benitez. O primo de Gabriela e atual presidente da BTez Motors conheceu sua atual esposa ao ser preso por ela. Ele esteve envolvido numa investigação que o acusava de lavar dinheiro utilizando a montadora. Depois descobriu-se que outro diretor, Javier Alencastro Benitez, o pai de Gabriela Alencastro era o culpado. Apesar de jamais ter conseguido provar, Elizabeth chegou a declarar publicamente que acreditava que o dinheiro ilegal lavado na BTez vinha de prostituição.

            - É essa a ligação. Javier lavava o dinheiro que Gabriela conseguia escravizando mulheres. – Sebastian enfim entendeu tudo. – E ela quer Beatriz morta.

            Eram muitas novidades e muitas decisões que precisavam ser tomadas. Sebastian decidiu nada fazer naquela noite. Nada, a não ser pôr fim às mentiras que feito um muro seguiam entre ele e Beatriz. Engolindo o último gole de bebida que restava em seu copo, Sebastian decidiu que era necessário resolver tudo aquilo e que essa solução passava por dar o nome certo àquela relação e trazê-la para a luz. Há muito Beatriz já não era uma prostituta para ele, apesar de tê-la comprado, jamais a viu como um objeto sob sua posse. A desejava ao seu lado para sempre, porém, não em meio a fugas e mentiras. Entrou em seu quarto e encontrou-a arrumando-se para dormir após o banho. Sempre gostava de vê-la com o rosto livre de maquiagem, numa beleza liberta e fascinantemente verdadeira.

            - Você demorou tanto. Pensei que iria dormir no escritório. – Beatriz disse, sem entender o que acontecia, mas percebendo algo de diferente no olhar e na postura de Sebastian. – Você esteve bebendo.
            - Sim. – E não fora pouco. – Às vezes um homem precisa da ajuda do álcool para ter coragem. Temos de conversar, Beatriz.



            Em poucas e duras palavras, Sebastian contou tudo o que acabara de ler a respeito da vida daquela mulher. Desnudou-a a ela mesma, sem censurar nenhuma palavra. Ao final, perguntou como a jornalista se sentia diante da maior e mais extensa matéria de sua vida. E viu aquela mulher, que tanto havia suportado, desmoronar frente a verdade.

            - Me tiraram do jornalismo já faz algum tempo, Sebastian. Me tiraram da minha família. Da minha vida toda. – Mesmo lutando para frear as emoções, Beatriz começou a chorar. – Eu mudei tanto que...que nem mesmo sei se me encaixo naquela vida novamente.

            Sebastian também não sabia como ele iria se encaixar na vida da jornalista Beatriz Santos, aquela que denunciou homens como ele. Mas não tinham alternativa. Somente quando o choro de Beatriz cessou é que Sebastian continuou o assunto. Faltava confirmar o encaixe da última peça.

            - Por que Gabriela Alencastro quer você morta? – Perguntou claramente. – Eu estava com ela, no Brasil, quando coincidentemente você foi atacada. Tenho claras razões para pensar que você é um alvo dela.
            - Fique longe dela! – Beatriz jamais imaginou que Gabriela viria atrás de Sebastian. – Essa mulher é um demônio.
            - Eu fiz uma pergunta, Beatriz! Quero a resposta, não conselhos! – Irritado, ele respondeu.
            - Eu conheci Gabriela através de fotos, quando minha irmã começou a investigar a família Benitez. Mas jamais Elizabeth a considerou suspeita. Então, quando atacaram Will...e o mataram na minha frente...me levaram e...e então ela apareceu. Gabriela foi a assassina de Willian, um homem bom, um médico que só fez coisas boas por todos, por mim e por Eva. Ele morreu por estar comigo, só pelo prazer dela.
            - Você ainda o ama? – Sebastian não gostou daquela definição de Willian feita por Bia. Lhe soava muito injusto ouvir os elogios que ela fazia aquele homem, aos olhos dela tão perfeito, quando ele mesmo estava cheio de defeitos. Enquanto Will morreu defendendo-a, ele a tinha usado e escravizado. – Responda!
            - Não! – Beatriz respondeu, sendo completamente sincera. – Aquela Beatriz o ama. Mas ela também morreu naquela madrugada. Essa aqui é outra...nasceu naquele...bordel onde você me encontrou vendendo bebidas e alugando meu corpo. E tudo por culpa da crueldade de Gabriela. Ela podia ter me matado naquela noite, mas disse que me faria viver o inferno. E cumpriu direitinho a promessa.



            - Ao que me parece, você representa mais do que uma vingança pessoal. Sempre foi a apólice de seguro dela contra Elizabeth. Se a investigação de sua irmã avança-se, ela poderia usá-la para atingir a investigadora do caso. Mas então, estranhamente, Gregory resolve leiloá-la e eu a compro.
            - Não foi Gregory, mas sim Samantha. Ela não suportava o interesse pessoal do marido por mim.
            - Você é uma mulher que desperta muitos amores, Beatriz. Isso é inegável.
            - Eles não me renderam muitas alegrias. Veja a situação em que nos encontramos. – Havia uma melancolia na voz dela. Claramente, chegava ao ponto final. Mas ela ainda tinha o que lhe falar. – Sebastian...depois disso tudo...não sei o que vai acontecer, mas preciso que você saiba que em algum momento desses meses você se tornou alguém muito especial pra mim. Você cicatrizou a ferida que se formou quando me tiraram Will e me fez encontrar a felicidade, mesmo no meio disso tudo. Às vezes eu cheguei a me sentir constrangida em ser feliz, quando minha filha está tão longe.

            Sebastian desejava poder lhe prometer que logo estaria junto de Eva, mas isso não seria tarefa fácil de cumprir. Não só pelas dificuldades da lei como também porque ele necessitaria ter bons sentimentos dentro de si para abrir mão de Beatriz. E ele não tinha certeza de que conseguiria fazer isso, mesmo em nome de fazê-la feliz.

            - Agora você sabe da minha vida inteira, da mais bela parte, até o trecho mais vergonhoso. – Beatriz disse observando-o tirar a roupa e se atirar na cama. – Acho que é minha vez de conhecer você. Sei tão pouco ao seu respeito.
            - Amanhã. Vamos dormir. Hoje estou exausto. – Em todos os sentidos, principalmente emocional. Ele manteve essa parte da resposta só para si.

            Sebastian, porém, não dormiu nada naquela madrugada. Passou-a em claro, observando Beatriz dormir e tomando as mais importantes decisões de sua vida. Era hora de enfrentar todos os seus erros e arcar com as consequências, mesmo as mais dolorosas. Iria lutar para que nada o fizesse perder Beatriz, mas caso essa fosse a decisão dela, aceitaria.
            Na manhã seguinte, quando Bia acordou, Sebastian já não estava mais na cama. Ele havia saído ao amanhecer e cheio de decisões tomadas. Chamou seu advogado de confiança e depois de abrir o jogo ao jurista, ordenou algumas coisas surpreendentes.

            - Quero que Beatriz tenha seus documentos de volta. Tudo, inclusive o passaporte. E que com isso retorne ao Brasil, de cabeça erguida, como ela merece. Custe o que custar. – Afirmou.
            - Pode custar a sua liberdade. – O advogado afirmou. – Como você pretende explicar que uma mulher desaparece no Brasil e surge na sua casa? Na melhor das hipóteses, e contando com um depoimento favorável dela, você responderia por cárcere privado. Se vier à tona que a comprou de uma quadrilha de tráfico de pessoas, a situação se complica ainda mais.

            Sebastian ouviu uma série de conselhos. E, ao final, apenas repetiu:

            - Custe o que custar. – E se retirou.

            Elizabeth vivia momentos decisivos e difíceis na Polícia Federal. Decisivos porque nos últimos dias a investigação evoluiu muito, fazendo com que Elizabeth sentisse nos lábios um gosto conhecido. Ela sentia estar próxima de pôr as mãos em Gabriela, agora que estava convencida de ter encontrado o grande peixe que buscava.

            - Uma sereia, eu diria. – Rebeca lembrou-a. – O que faz uma mulher rica, de boa família e linda assim ir para o crime?
            - Não sei. Mas me lembre de perguntar quando for interrogá-la. Por mim, ela pode ser linda o bastante para ser a miss presídio, não importa. – Elizabeth respondeu. – E o nosso mister? O que temos? Seu último relatório foi bom, mas acho que ainda temos o que descobrir.
           
            O primeiro relatório apresentado por Rebeca fora muito completo. Mas apesar de oferecer um grande panorama a respeito do empresário Sebastian Gonzáles, homem de reconhecida capacidade profissional e de boa reputação. Porém, eram as entrelinhas que mais interessava a Elizabeth. E Rebeca fora muito eficiente em comprovar que ele tinha outro lado em sua vida, um lado bem mais obscuro. Se nos EUA Sebastian nadava em águas tranquilas e agia de forma muito familiar e responsável, quando ia para Europa ele frequentava lugares bem diferentes. Não se tratava apenas de alguém que curtia sair com prostitutas. Ele parecia extravasar a pior face de sua personalidade por lá. Porém, Elizabeth ainda acreditava ter mais.

            - Tem de ter uma explicação para ele ter vindo ao Brasil junto de Gabriela. Sebastian tem envolvimento com o tráfico. Essa é a minha aposta. – Liz disse.
            - Não encontrei absolutamente nada que levasse a isso.
            - Eu sei. Mas são indícios demais. Ele não deve frequentar tantas boates e sair com essas mulheres apenas por prazer. Ele deve estar envolvido sim.
            - Eu, se fosse você, preocupava-me mais com Gabriela do que com Sebastian. Ele não me parece perigoso.
            - Os piores são os que não parecem, Beca. – Liz respondeu. Reconhecia a si mesma que havia desenvolvido certa implicância contra Sebastian. – Estou de olho em Gabriela. Só preciso de uma prova, ligando-a ao que seu pai fez. Quero-a presa, seja qual for o motivo. E ela está sentindo isso. Sabe que eu estou perto. Por isso ordenou a morte de Gregory. Mas vou pegá-la. Vamos analisar as transferências bancárias dos dois nos últimos cinco anos. Eles não tinham medo algum da justiça, duvido que Gabriela possa explicar cada uma das transferências que seu papai deve ter lhe feito.

            Duas noites atrás Gabriela Alencastro tinha lhe feito uma visita. No início da noite apareceu no apartamento, dizendo procurar pelo primo.

            - Ele ainda não chegou. Mas chega logo. Quer ficar para jantar? – Liz a tinha tratado com a falsidade que lhe é habitual.
            - Acho que não. Afinal, você, com essa barriga, e depois de um dia de trabalho, deve estar exausta.
            - Pouca coisa. Não me falta energia para colocar atrás das grades quem não merece viver em liberdade.

            Apesar de não se permitir transparecer em nada aquela sensação, por alguns instantes Elizabeth temeu que Gabriela sacasse uma arma e atirasse à queima roupa. Racionalmente, porém, sabia que ela havia passado pela portaria e deixado rastros, seria entregar-se à justiça. Gabriela veio ali para algo, obviamente, mas não seria cometer um assassinato. Porém, a chegada de Miguel, mais cedo do que o normal, a impediu de descobrir.
            Miguel por muito pouco não conseguiu se segurar e acabou por expulsar a prima. Apenas o olhar de Liz o fez se calar e manter-se naquela farsa dolorosa. A ideia de ter Liz e seu filho ao alcance de Gabriela o assustava. O ar tornou-se mais denso. E fora a loura a colocar fim no encontro após Miguel colocar-se entre ambas as mulheres.

            - Acho que está na hora de todos repousarmos, meu amor. – Disse beijando os lábios de Liz. – Podemos jantar outro dia, não é mesmo, Gabriela?
            - É claro. – Ela respondeu. – Qualquer dia desses.
            - Sim. Mas ligue antes de aparecer. É melhor. – O aviso de Miguel fora claro.

            Aquela estranha visita, além de preocupação de Elizabeth, gerou uma briga com Miguel. No fundo, apesar de divergirem, eles concordavam na preocupação e temiam pelo filho. Elizabeth sempre lidou com criminosos e estava habituada com o risco, mas agora carregava outra vida dentro de si. E essa responsabilidade lhe pesava tanto quanto aquela barriga.

            - Está na hora de você sair de licença. – Miguel lembrou-a.
            - Sim, está. Mas eu preciso pôr fim nesse caso antes de Benício nascer. – Há poucos dias, enfim, haviam decidido o nome de seu menino. – Você sabe que não tenho escolha, Miguel. Gabriela não pode ficar impune!

            Ele sabia. Porém, assim como se orgulhava da policial com quem se casara, temia pela esposa e pelo filho. O que ela fazia não é saudável. Miguel não era o único a estar preocupado com a licença maternidade de Elizabeth. Tomaz, seu chefe, apesar de todas as desculpas ditas em resposta, não parecia mais disposto a adiar os prazos.

            - Já era para você estar de licença, Elizabeth. Não pode parir aqui na Polícia Federal. Por favor! Quer me causar um problema grave.
            - Não estou no serviço de campo. Qual o problema? – Ela conhecia as regras da polícia e sabia que as estava infringindo. – Quero trabalhar até meu filho nascer como tantas mães fazem!
            - Elas não lidam com criminosos.
            - Eu tenho um caso a resolver. E você sabe o quanto é importante.
            - E você sabe que a sua equipe é competente. Assinei a sua ordem de entrada de licença com data para início em cinco dias. E não tente me fazer voltar atrás, seu filho e você merecem esse tempo de descanso. – Ele avisou e saiu da sala.



            Chateada com aquele ultimato e muito cansada, Liz deixou a Polícia naquela noite. Ligou para Miguel avisando que estava indo e rumou para a rua. Devido a barriga muito grande não estava mais dirigindo e, como Miguel ainda estava na BTez, esperá-lo para pegar carona não foi uma opção. Parou na calçada e ficou tentando atacar um táxi. Apenas não percebeu que era observada atentamente de dentro de um carro.