domingo, 11 de junho de 2017

Vida Roubada - cap 34



Um caixão fechado. Na morte, Gabriela não teve o direito de exibir sua beleza. Não embalsamento ou maquiagem que tornasse possível velar seu corpo de outra forma que não escondendo o que restara de seu corpo. E quem ali estava não tinha interesse nenhum em ver seus traços. As notícias dos últimos dias já os fizera ver Gabriela com a antiga máscara. E sua antiga beleza, caso ainda existisse, não mais enganaria ninguém.
A capela recebeu mais de uma centena de pessoas. A maior parte curiosos e jornalistas atraídos pela curiosa da jovem nascida em família rica, que escolheu o crime e agora já fora apelidada pela imprensa como a “princesa da prostituição”. Pouquíssimos familiares e amigos das famílias Alencastro e Benitez compareceram. E até mesmo o religioso que veio fazer uma oração pela alma de Gabriela Alencastro por pedido de Rúbia, parecia constrangido com a situação. Somente a matriarca pareceu orar sinceramente pela sobrinha.



Diante do austero caixão, Rúbia tentava entender onde aquela família se perdeu. Há menos de um ano ela chorava a morte do cunhado, a quem seu marido muito ajudou, apesar de jamais ter confiado a gerência da BTez. Só agora ela entendia as razões de Ramón. Ele desejava manter o irmão por perto apenas por desconfiança. Um a um, no entanto, todos foram morrendo, esvaziando sua vida. E saber que Gabriela fora responsável por mortes era uma ferida a mais em seu peito. Restou apenas Miguel. E agora os netos que ele lhe deu. E era nessa nova geração que ela desejava pensar.

            - Vamos acabar logo com isso, Padre. Faça o que tem de fazer o mais breve que puder. – Ordenou ao religioso, mantendo a fachada firme pela qual todos sempre a reconheceram.

            Enquanto o padre iniciava seu rito, Rúbia olhou em volta. Viu mais desconhecidos que pessoas queridas. Do lado de fora da capela, os jornalistas faziam entradas ao vivo, recontando a história já conhecida pela sociedade e alertando para que, a qualquer momento, teria início a saída do corpo. Apesar da mágoa, Rúbia autorizou que o corpo fosse sepultado no mausoléu da família.
            Rúbia também reconheceu alguns policiais. O que achou estranho, no entanto, é que os identificou pelos rostos conhecidos, que frequentaram sua casa enquanto Elizabeth lá viveu. Muitos não usavam farda ou qualquer identificação. Estavam ali por alguma razão bastante específica. Com um arrepio atravessando sua espinha, ela olhou para Miguel. Abatido, seu filho parecia ter envelhecido muito nos últimos dias, talvez meses. As dificuldades no casamento e na empresa somaram-se as pressões da paternidade. Aquele menino que desejava apenas ser médico, ganhou uma empresa para gerenciar e essa organização caiu em seu colo justamente em seu pior momento.
A expressão fechada de Miguel naquele momento nada tinha a ver com a BTez. Era Elizabeth e sua persistência em ignorar qualquer pedido seu que o irritava. Ela ainda convalescia de um parto difícil, tinha um recém nascido em casa e, mesmo assim, ali estava, com a cabeça em uma investigação policial.



Elegantemente vestida em um traje todo preto e maquiada com uma perfeição que Miguel raras vezes observou, Elizabeth poderia se passar facilmente por uma familiar abalada pela morte de Gabriela. Mas Miguel não cairia nesse golpe. Nem ela tinha a pretensão de fazê-lo crer em algo assim.

            - Gostaria de perguntar onde você escondeu a arma nessa roupa. – Ele disse ao sentar-se ao lado da esposa.
            - Sem armas, querido. Estou de licença, lembra? Estou aqui como sua esposa. – Ironia era algo bem conhecido pelos dois.
            - Então porque eu vejo a policial Elizabeth Benitez aqui na minha frente?
            - Por que é o que eu sou, armada ou não. E eu achava isso um assunto velho. Qual o seu problema, Miguel?
            - Meu problema é o fato da minha mulher não conseguir atender a um pedido meu! Nem mesmo quando é algo que envolve o nosso filho, que acabou de nascer! – Ele a acusou, deixando de lado as meias palavras. E viu raiva nos olhos de Elizabeth.
            - Benício está alimentado e bem cuidado por Bia. E em uma hora eu estarei de volta em casa, em tempo da próxima mamada. Está bem assim?
            - Claro...afinal sua irmã está às voltas com a saída da cadeia do namorado criminoso. É um ótimo ambiente para o nosso filho.
            - Pois se você não acha bom o bastante, vá você ficar com ele. Leve Benício e Catarina com você para a BTez todas as manhãs. Afinal, você tem tanta responsabilidade quanto eu por eles! E é o fim desse assunto aqui! Sua mãe já está nos olhando feio.
            - Quer saber? Faça o que bem quiser!

            Sozinha, Liz já se arrependia de ter comparecido ao velório. Além de seu corpo sofrer bem mais do que a maquiagem e roupa deixavam transparecer, sua mente estava em casa, com Benício. Seu menino, tão frágil e pequeno, merecia uma mãe melhor. Daquelas mulheres que, aconteça qualquer intempérie, não sai de arredor do berço, sempre pronta a defender a cria.

            - Essa não sou eu, infelizmente. – Disse à si mesma.

            Durante toda a gravidez, não faltaram pessoas a lhe dizer que a culpa era um sentimento a sempre acompanhar as mães. Talvez por culpa da sua frieza, jamais acreditou. Sempre julgou-se superior a isso. Benício tinha poucos dias e ela já entendia o que era sentir-se mal simplesmente por fazer o mesmo que realizada semanas atrás. É que agora, ao passar horas trabalhando, sem descansar ou se alimentar, também era seu bebê quem sofria.

            - Não sei quem exibe a pior expressão, você ou Miguel. – Matheus aproximou-se discretamente. Ele veio ao velório junto de Patrícia para prestar seu apoio à amiga. – Devo acreditar que fingem para manter a aparência de sofrimento por Gabriela.
            - Você sabe que não. Por mim, ela pode queimar no inferno por milênios e, ainda assim, será um castigo brando demais. – Amarga, Liz não media as palavras, mesmo numa cerimônia religiosa. – Mas meu problema agora é Miguel. Ou melhor, eu sou o problema de Miguel.

            Matt poderia ter opinado. Sabia exatamente qual o problema e conhecia o casal o bastante para entender o que se passava. Porém, conhecia-os tanto que entendia que qualquer conselho de nada serviria naquele momento. Eles precisavam do tempo a passar para que os sentimentos se assentassem e eles, pela rotina, aprenderiam a ser pais. Ele não disse, mas enxergava o que ocorria. Sua amiga e o marido tentavam, em vão, viver a vida de antes, quando, a partir do nascimento de um filho, nada podia ser igual.
            Um desconhecido que lesse seus pensamentos questionaria quem ele era, um advogado com quase 33 anos, criado num orfanato e que passou mais de uma década na mais infrutífera vida amorosa. Ele, cuja família sempre fora composta apenas pelos amigos. Ele, que sempre preferiu levar as companheiras ao motel para não lhes dar esperança de relacionamentos duradouros. Ele, que jamais pensou em casar e ter filhos. O que justo ele entendia sobre ser um bom pai ou mãe? Tudo. Porque ele cresceu sem tê-los.

            - Benício é um bebê de sorte. Tem grandes pais. Vocês ainda vão descobrir isso.



            Antes de voltar a falar, Elizabeth acariciou a face de seu amigo como apenas ela tinha liberdade para fazer sem despertar o ciúme de Paty.

            - Porque esse tom de voz tão amargo, Matt? Você não é assim.

Nem ele sabia responder. Talvez fossem os sentimentos muito mais profundos a tomar seu coração que o deixassem assim. Talvez amar gerasse isso. Ele não sabia, afinal, não era acostumado a ter um sentimento tão profundo dentro do peito.

            - Sei lá...deve ser o fato de estar em um velório.
            - Não, nós dois sabemos que não tem nada a ver com Gabriela. Eu nem sei bem o que você faz aqui com Patrícia. Onde ela está, aliás? – Pelo amigo, Liz estava disposta a deixar os seus problemas de lado.
            - Foi pegar um ar lá fora.
            - Ótimo. Aproveite para me contar o que há. Vocês brigaram? A baixinha é brava, não?



            - Muito. – E pela primeira vez naquele dia Matt se pegou sorrindo, ao lembrar-se de sua última briga com a namorada. – Mas eu e Paty estamos muito bem, sem brigas.
            - Ótimo! Eu queria poder dizer o mesmo. Mas se não é Paty e, eu sei, também não é o escritório, o que há?
            - Acho que você já descobriu o que é, Liza. Pense bem, se não for Paty ou o escritório, o que mais é a minha vida? – Ele começou, quase constrangido. – Patrícia se transformou não em parte, mas em toda a minha vida, a fatia mais importante, pelo menos.
            - E isso é ruim?
            - Sei lá...as vezes eu acho que é. Amo Paty. Muito. Mais do que eu gosto de reconhecer. Mas olho para a minha vida e...me parece vazia. Sempre sonhei com família. Sei lá, você e Bia sempre superaram melhor o fato de ter crescido num abrigo.

            A história de vida de Matheus era muito bem conhecida por Elizabeth. Enquanto ela e Bia sofriam pelo desconhecimento de jamais terem descoberto porque ela e a irmã foram deixadas no estacionamento de um aeroporto, Matt sentia a dor do conhecimento. Ele já era grande o bastante para entender o que se passava quando sobreviveu ao acidente que matou seus pais e a irmã mais velha. Hoje, Luiza, de quem ele não esquecia a face de menina, apesar dos anos passarem rápido, hoje já teria quase quarenta anos. O que ele também não esquecia, era a única visita que recebeu dos avós. Eles lhe abraçaram, mas não o levaram para casa.
            Apesar de conhecer a vida do amigo muito bem, Elizabeth por vezes se dava conta de que não o compreendia. Bom estudante, homem de princípios, uma grande pessoa, sua solidão era de surpreender qualquer um. Dono de uma personalidade fechada, às vezes triste, ele não permitia que muitas pessoas o conhecessem de verdade. Isso explicava a falta de relacionamentos amorosos, apesar do interesse feminino. O espaço que Patrícia conseguiu cavar naquele coração nunca mais seria o mesmo. O que Elizabeth não conseguia reconhecer, porque era algo completamente novo, era aquela infelicidade, surgida tão de repente.

            - Você e Paty estão noivos, Matheus. Era para você estar feliz. – Liz tentava entender.
            - E eu estou, muito. Talvez esteja apenas ansioso por formar uma família.

            Família sempre foi um assunto doloroso para Matt. E talvez fosse justamente isso a incomodá-lo. De repente, ele se viu cercado por bebês das amigas. E sem os seus. E ele sabia que, com Patrícia, não teria filhos biológicos.

            - É o fato da mulher que escolheu para ser sua esposa ser estéril que está te deixando assim? – Depois de usar um termo tão direto Liz arrependeu-se de sua objetividade.
            - Não, não, não! – Ele negou veementemente enquanto olhava envolta. Caso Paty ouvisse algo desse tipo, ficaria ferida. – Patrícia é a mulher da minha vida! E podemos adotar crianças.
            - Então...?
            - Quero fazer essa mulher feliz, a mais realizada de todas. É idiota, eu sei. Mas as vezes eu queria ter uma família para oferecer à Paty.
            - Pare de se torturar pelo que não tem, Matheus. Nós dois sabemos que Patrícia também não vem de uma família modelo. Ela te ama e agradece o que já ofereceu pra ela. Não complique as coisas. Marque logo a data desse casamento, compre uma casinha branca e adote meia dúzia de crianças. Você quer a família do comercial de margarina! Está na sua cara!
            - Eu vou tratar de fazer isso. – Não pela casa ou pelo comercial, mas pela mulher que lhe fez ter vontade de mudar a vida. Quando o telefone começou a vibrar ele ignorar. Até ver o nome da namorada no visor. – Espere um minuto Liz. Tudo bem Patrícia? Tá...Mas por que? Não eu...eu estou indo.
            - Tudo bem, Matheus? – Liz achou o amigo ainda mais estranho.
            - É Paty...ela quer ir embora. Está nervosa...sei lá. Vou encontra-la no estacionamento e depois te ligo.
            - Tá. Liga mesmo. – Liz achou estranho, mas tudo naquele dia parecia assim. – Se precisar de algo, é só chamar.
            - Claro. Mas...tentarei não precisar. Você ainda tem de lidar com um enterro. E tem Benício te esperando em casa.

...

            Benício estava naquele momento descansando em seu berço, no novo apartamento de Liz e Miguel, após ter sido trocado por Beatriz, sob o olhar atento de Eva. Seria uma cena familiar perfeita, não fosse aquele bebê não ser dela, Eva ainda a olhar estranho para aquela que era sua mãe e aquele ser um ambiente completamente novo para os três.
            O coração de Bia, no entanto, estava distante. A qualquer momento Sebastian chegaria, trazido pelo advogado. Apesar de toda a sua insistência, o namorado exigiu que ela não comparecesse na carceragem. Isso atrairia atenção de repórteres e era desnecessário expô-la a isso. Beatriz até pensou em lembra-lo de que ela sabia lidar com a imprensa, porque fazia parte dela. Ignorou, para evitar uma discussão.



Aquelas eram desculpas inventadas. Todos sabiam. O que Sebastian não desejava era que Bia assistisse as algemas lhe serem abertas. Ainda não tinha superado a humilhação de ser preso. E essa, estava longe de terminar. Sebastian não poderia deixar o Brasil ainda por longo tempo, além de permanecer monitorado por meio de uma tornozeleira eletrônica.
O acordou feito com a Polícia Federal previa a pagamento de uma fiança milionária, a comprovação, por meio de uma varredura em suas contas bancárias pessoais e das empresas, de que sua fortuna não foi engordada por meio de lucro oriundo do comércio sexual. Tudo isso, além dele se comprometer a ajudar a polícia a elucidar qualquer questão vinculada ao caso. Nomes de empresários e políticos foram ditos em depoimento. E isso, quando viesse a tona, se reverteria num escândalo internacional que ainda geraria um grande impacto nos negócios.
Ele poderia ter optado por não fazer acordo. E, de acordo com Aristeu, ainda assim dificilmente seria condenado a prisão porque jamais atuou com tráfico de mulheres e apenas fez uso de serviços sexuais. Poderia facilmente negar saber que elas eram qualquer coisa além de profissionais do sexo. Seu único crime consistia na compra de Beatriz e o depoimento dela lhe abonava muito nesse caso. Era justamente por Bia, e também por sua mãe e filha, que optou por assinar o acordo. Sua imagem estava suja demais. E só a verdade completa seria capaz de restaurar sua imagem. Errou muito com Beatriz. Tinha agora a obrigação de fazê-la se orgulhar dele como homem.
            Sebastian chegou ao apartamento percebendo a sutil provocação do destino. Aquele rico prédio, pelo qual ele acessaria o apartamento de Miguel e Elizabeth Benitez através da garagem, lhe serviria de palco para o reencontro com a mulher que amava. Justamente aquele apartamento, de posse da mulher que tanto tentou prendê-lo, mas que, ao menos aparentemente, agora lhe dava um voto de confiança forte o bastante pra lhe permitir ficar muito próximo de seu bebê recém-nascido.
            Sabendo da intimidade que aquele reencontro exigia, Aristou levou-o até a entrada do elevador e depois se despediu, entregando a Sebastian o endereço em que sua mãe e Luísa. Elas os esperavam para um jantar especial, em família, naquela noite. Com um sorriso no Sebastian agradeceu ao advogado e disse que certamente e lhe pediu um último favor. Precisava que lhe fizesse uma compra e deixasse em nome dele, numa embalagem discreta, na portaria do prédio de sua mãe.

            - Está bem, mas, tem certeza? Certas decisões não deveriam ser tomadas no calor do momento. – O idoso opinou, desacostumado aquele comportamento de Sebastian. No passado, seu amigo foi mais sensato.
            - Tenho sim. Descobri que os melhores momentos são os de calor. – Depois de um tempo preso, pensar demais nas decisões era tudo o que Sebastian não desejava. – Agora vou entrar, tem alguém que eu quero muito reencontrar.

            A porta estava destrancada e ele entrou no ambiente muito claro. Não havia ninguém na sala para recepcioná-lo. E a decepção foi deixada de lado por Sebastian quando ouviu o voz de Bia contarolar uma estranha canção. O bebê deve ter acordado. Um pouco constrangido, ele largou sobre o sofá da sala a mochila que carregava e seguiu pelo corredor, abrindo as portas. Encontrou um quarto de casal, banheiro e um cômodo ainda não completamente mobiliado que, aparentemente se tornaria um escritório, antes de abrir a porta certa.  Ali, viu uma bela menina, dona de traços similares aos de sua mãe, sentada a uma mesinha cheia de massinhas e modelar. Beatriz estava próxima a um berço, curvada sobre um bebê. E a forma tão familiar como aquele reencontro ocorria não passou despercebida a Sebastian. Beatriz sentiu a presença dele e, ao virar-se em direção à porta, já sorria. Nada foi dito antes de alguns passos porem fim a distância e o reencontro, fisicamente, se concretizar, mesmo que sob o olhas de olhos infantis.



domingo, 21 de maio de 2017

Alguém Para Perdoar - Capítulo 19


Os olhares e a troca de palavras entre Milena e Nathan não conseguiam amenizar o clima existente entre eles. Ao contrário, a energia que parecia explodir sempre que trocavam um olhar estava a cada momento mais presente. Enquanto Maria Fernanda já jogava no celular de sua mãe, bastante sonolenta, seus pais pareciam seguir os passos de uma dança muito bem coreografada. Eles acreditavam que a menina estava alheia a tudo em sua inocência. Engano. Ela podia não ouvir, mas sentia o clima de amor que pairava entre os adultos.
Mas ia muito além do sentimento percebido pela menina. Havia desejo. Havia o mesmo tesão que os levou a ficar juntos anos antes, sem vontade alguma de pensar no amanhã. Havia, também, muita dor. A mágoa pelo abandono de um lado. A vergonha pela própria covardia de outro. Eram sentimentos demais, transbordando sem que eles dessem conta.
Durante toda a tarde juntos, Nathan teve algumas ideias para a noite. A maior parte delas envolvia uma Maria adormecida e eles bastante despertos. Nesses devaneios, Milena lhe sorria menos carrancuda que nos últimos dias e bem mais parecida com a mulher a qual ele se apaixonou. No sonho, ela largava a taça de vinho e, sedutora, se despia para ele. Surpreso e encantado com a ousadia, poderia apreciar o desenho do corpo daquela mulher e ter mais uma chance de fazê-la reviver os sentimentos que os aproximaram.
Sem o sonho se concretizar, assistiu Milena apenas bebericar de sua taça e não chegar nem próximo de seduzi-lo. Ao menos a bebida ajudou a por fim na animosidade entre eles. Ambos eram conhecedores de vinhos. Ela dominava a produção como poucas mulheres. Ele entendia do casamento entre os diferentes estilos da bebida fermentada aos mais finos sabores. A combinação desses dois conhecimentos rendia deliciosas conversas.



            - Você já deve ter provado os mais maravilhosos sabores. – Ela o provocou. Se Nathan não a conhecesse, pensaria que estava falando de um tema bem mais íntimo que o vinho. – Eu sou mais da terra, sem esse glamour.
            - Já provei alguns sim. Rótulos especiais, envelhecidos com todo o cuidado. Daqueles vinhos que você mais parece cometer um pecado ao beber e que custam muito mais do que qualquer refeição. Há muita...perfumaria nesse assunto, se é que você me entende.
            - Sim, é claro. Mas essa “perfumaria” tem tudo a ver com o seu negócio. Se não me engano, Nathan Johnson assina um livro sobre harmonização de vinhos finos com pratos refinados.
            - Bravo! É verdade...mas nem sempre o vinho mais caro, antigo ou delicado é o melhor. Às vezes o melhor sabor vem justamente da terra, do mais honesto, sem tanta artificialidade.
            - Isso me sua muito simples para um homem de paladar tão apurado.
            - Eu sei o que é bom, Milena. Sei do que gosto, do que meu corpo precisa. E sei, principalmente, aonde encontro isso. Se tiver que mudar toda a minha vida para conseguir...não parece um sacrifício tão grande.
            - Por uma garrafa de vinho? Acho exagero.

            Ela estava mais uma vez fugindo de assunto. Mas Nathan estava disposto a lhe permitir isso, até porque levá-la para a cama parecia – apesar de muito tentador – o menos complicado de seus desafios. Precisava era encontrar uma forma de reaver sua confiança. Tinha de encontrar um meio de conseguir fazê-la desejar sua presença sem a necessidade de uma relaxante taça de vinho. Queria que ela não apenas fosse até sua cama pela própria vontade incontrolável como lá permanecesse. Sair correndo impulsionada pela vergonha ou pelas dúvidas logo ao raiar do sol não era uma alternativa aceitável. Ele deu-lhe um minuto de privacidade enquanto foi acomodar Maria Fernanda na cama do quarto de hóspedes e, quando retornou à sala, puxou outro assunto.

            - Eu quero acompanhar mais de perto o tratamento médico de Maria. Andei pesquisando e hoje há alternativas muito eficazes. São raríssimos os casos em que a criança que nasce surda não recupera nenhum grau de audição.

            A mudança repentina de assunto assustou Milena. Agradou-a, por um lado. No rumo que estavam, terminaria aquela noite arrependida. Por outro lado, ver Nathan como um pai preocupado e zeloso ainda lhe era difícil. Além disso, era uma clara constatação de que agora já estava sozinha e isso apresentava uma face muito difícil de se adaptar. Era difícil ser mãe sozinha e arcar com todas as responsabilidades em solidão. Porém, ter um companheiro significava dividir decisões. E ter algumas do passado julgadas e questionadas.

            - Você acha que eu já não pesquisei tudo isso? Eu lido com isso desde que o teste da orelhinha apontou problemas, ainda na maternidade. E não é tão simples quanto parece!
            - Calma! Eu não quis dizer que é fácil nem nada do tipo, Milena. Só...quero me inteirar. Apenas isso.

            Sabendo que havia passado do ponto, Milena baixou o tom.

            - Eu sei. Desculpe.
            - Tudo bem. Eu apenas gostaria de ir às próximas consultas da minha filha. Eu faria de tudo para o bem estar de Maria. Você passou os últimos anos já fazendo isso e, agora, eu também desejo contribuir.
            - Está bem... – Milena percebeu que era hora de abrir a realidade para Nathan. - Os médicos falam que tem uma cirurgia capaz de devolver a audição de Maria, ao menos em parte. Já falar não é possível plenamente. Depende de um trabalho com fonoaudióloga.
            - Então vamos lhe oferecer a cirurgia e a fonoaudióloga! – Para Nathan, soava como algo simples.



            - Você não entende...o medo de fazê-la sofrer, de colocá-la em risco. O pavor de deixar Maria desprotegida. Nada do que diz respeito a Maria é fácil de decidir.

            Era nesses momentos que Nathan entendia as marcas que o seu abandono causou. Maria não sofreu com a falta de dinheiro. Teve alimento, roupas e todos os brinquedos que uma criança poderia sonhar. Também da falta de amor não padeceu. Afinal, os Vicentin a cercaram de todo o afeto. Mas nada conseguiu compensar a falta da segurança que ele, enquanto pai, deveria ter lhe fornecido. Era seu dever ter servido de esteio para Milena nos momentos difíceis. Sem onde amparar-se, ela permitiu-se deixar o medo crescer a ponto de endurecer o coração contra as alternativas para Maria. Tudo por amor. Tudo por pavor de também perder sua menina.

            - Acalme-se Milena...eu não disse que era fácil. Apenas...quero conhecer, saber de tudo.
            - Eu sei...eu...
            - Você está assustada com tantas mudanças e é natural. Mas não precisa. Nós vamos nos adaptar. – Com a calma que a passagem do tempo lhe ensinou a ter, Nathan espero-a se acalmar. – Quem sabe você apenas marca uma consulta com o médico de Maria nós vamos juntos. Só isso.
            - Está bem...eu marco. – Ela cedeu.
            - E enquanto isso você ficam em São Paulo. Aqui, comigo. Grande parte do seu trabalho na vinícola pode ser feito à distância.
            - É...não sei...eu... – De repente, num surto de coragem, pareceu ser o certo. – Tá...ok. Ela adora ficar aqui e...eu também.

            Não era apenas a vontade de ter Milena e a filha por perto que incomodavam Nathan e o faziam pressionar para que ela adiasse seu retorno ao Rio Grande do Sul. A situação de Milena com sua família também o levavam a crer que ela precisava de apoio naquele momento. É que por mais força que ela aparentasse, a reação dos irmãos à verdade a feriu demais. E tudo ainda estava muito mal cicatrizado. Seus pais e avós a receberiam no sul cheios de dúvidas e ele não gostaria que Milena lidasse com tudo sem a sua presença.
            As horas já haviam avançado e eles viviam a constrangedora dúvida entre querer dormirem juntos, mas temerem as consequências. Uma coisa era entregar-se à paixão num momento de furor, no qual nenhum deles estava raciocinando. Outra, bem mais comprometedora, era escolherem dormirem juntos após terem passado horas conversando. Caso acontecesse, não seria algo impensado. E eles não poderiam se esconder da responsabilidade.

            - Eu...vou...ver Maria e me ajeitar para dormir. Já está tarde. – Ela optou pela razão.
            - Claro...eu terminarei essa taça de vinho e depois me recolherei. Fique à vontade. – Ele preferiu não pressionar.

            Preocupado com o futuro e descontente, Nathan ali ficou. O restinho de vinho na taça recebeu a companhia de mais uma dose. E depois de outra mais. E quando ele ouviu o barulho do chuveiro sessar e Milena abrir a porta usando uma camisola curta e delicada, ele não resistiu.
            Ao caminhar pelo curto corredor, Milena sentia-se exposta. Mas também bastante sedutora. Mais do que correr em direção à cama que dividiria com a filha, ela desejava manter-se longe do pai dela. Conhecia bem seus desejos e o quanto a sua força de vontade podia ser fraca quando envolvia aquele homem. O corredor pareceu esticar-se ou seus passos encolheram. Quando enfim seu braço alcançou a maçaneta da porta, também sentiu uma mão quente e firme colocar-se sobre a sua e a impedi-la de abrir a porta.

            - Não incomode o sono da menina. Fique comigo nessa noite. – O convite ganhou ares de proposta. Daquelas irrecusáveis.
            - Eu...é melhor eu ficar com...
            - Não se esconda atrás de Maria, Milena. Você é mais mulher do que isso. – Nathan falou sem permitir que ela se afastasse. – Se você disser não eu vou compreender...mas eu sei qual a resposta está no seu coração.

            Com os rostos muito próximos, a resposta começou a ser oferecida sem que houvesse necessidade de palavras. Milena rendeu-se a um beijo que ali estava – pesando entre eles – há bastante tempo. Dessa vez, porém, não poderia agir para esconder-se depois atrás de mentiras. Agia sabendo o que fazia.
            O beijo passou a um amasso. Não aqueles típicos dos namorados adolescentes, rápidos e afoitos. Um amasso de quem já se conhecia, conhecia o ritmo um do outro, sabia o que agradava ou não só pela temperatura do corpo. A parede serviu de apoio e logo Milena estava desabotoando a camisa de Nathan tendo as pernas em volta de sua cintura. Uma tarefa que exigia habilidade.
            Nathan desistiu da noite de malabarismos e contorcionismos e ergueu no colo, dando alguns passos e largando-a na cama. Depois, com ela olhando-o um tanto atônita, ainda lembrou de trancar a porta. É que só assim poderiam ter uma noite íntima, sem correr o risco de Maria os surpreendê-lo no meio da transa.



            - Eu quero que a gente se assuma. – Entre beijos Nathan lhe confidenciou. – Quero te assumir como minha. Já passou da hora, Milena.
            - Não é justo me cobrar isso agora...
            - Nas outras horas você nem me deixa iniciar a frase. Eu mereço a desconfiança. Sei disso. Mas eu quero uma chance.
            - Chance para que? – No fundo, Milena já sabia o que vinha em resposta.
            - Para formar uma família com você. Uma noite, ou mais algumas, é pouco para o que eu estou sentindo, bella ragazza.
            - Não gosto quando me chama assim...lembro da noite em que me abandonou.
            - Estou te dizendo que a quero de volta, que te amo Milena, que preciso de você tanto quanto de ar ou de alimento. E que essa brincadeirinha de ser seu amigo e parceiro apenas por causa de Maria já não me basta. Amo minha filha. Mas preciso de mais. Preciso de você.

            Em choque, Milena achou que a noite de sexo havia se transformado numa “DR” daquelas complicadas. Mas mesmo com as palavras fortes,  desejo seguia entre eles. Porque estava amarrado justamente aqueles sentimentos que Nathan, enfim, externava.

            - Estou aqui, me tenha. – Ela respondeu.
            - Não é só na cama que eu quero. – Ele enfatizou enquanto começava a despi-la. A ideia era não permitir que o fogo se apagasse.
            - Eu continuarei aqui amanhã pela manhã, prometo. – Não fora a mais profunda das promessas, mas o melhor que Milena tinha a oferecer naquele instante.

            Feliz em tê-la e ainda mais satisfeito em ter lhe arrancado ao menos uma pretensão de lhe oferecer uma chance, Nathan dedicou-se a amar Milena. Em cada toque uma promessa. A cada beijo uma lembrança do passado e uma expectativa a elevar-se ao amanhã. Conforme a noite se transformava em madrugada, muitas promessas silenciosas foram feitas. Nenhum deles sabia quais seriam cumpridos. Nem estavam preocupados. Estavam interessados apenas em trocar calor humano, sem nada pensar. Dar e receber afeto, deixando as dúvidas e promessas para quando o sol nascesse.


            Quando os raios enfim entraram pela janela, despertando-os de um sono rápido e tumultuado, Milena negou-se a acordar. Nathan acordou-a aos beijos, certo de que dali em diante seria um homem comprometido. Confusa, Milena o encarava sem saber o que dizer ou fazer.

            Milena não era a única a ter conversas difíceis logo ao amanhecer. Na casa de Melissa, o dia havia nascido cheio de expectativa. E ela não entendia bem o porquê. Era um dia de semana normal. Tális deveria estar se preparando para a aula. E Rafael já deveria o estar apressando para terminar o café da manhã a fim de ambos poderem sair. No entanto, eles trocavam olhares cúmplices e sorrisos disfarçados enquanto ela fingia que não percebia.



            - Vocês irão me dizer o que se passa até o jantar ou eu terei de ver essas caras de “culpados” no dejejum de amanhã também? – Ela perguntou, desconfiada.

            Rafael gostou de saber que Melissa estava de bom humor. Não que desconfiasse da sua reação às novidades. Mas é que ela, apesar de feliz, não demoraria muito para questionar o por quê de tudo ter sido acertado sem a sua presença. Em todos esses anos de união, as poucas brigas que tiveram ocorreram quando Mel se sentiu excluída de seus problemas. Mesmo que fossem coisas de trabalho e as quais ela não tinha nenhuma interferência, ela exigia saber. Assim, costumava dizer, ao menos poderia oferecer apoio, mesmo à distância.

            - Somos culpados, assumimos. Não é Tális? – Ele começou.
            - Ei! Me tira fora dessa pai.
            - Falem...estou cansando disso.
            - Está bem...bom, serei direto. Estive com Isabely ontem. Nós tivemos uma longa conversa e, agora que ela já nos conhece melhor e eu lhe garanti que jamais tivemos o interesse de afasta-la de Marta ou de sua “família” no abrigo, ela nos aceitou.



            - Nos...aceitou? O que isso significa exatamente? – O coração começou a galopar do peito de Melissa. Ela só temia a decepção.
            - Aceitou ser nossa filha. Com algumas regras, é verdade. Mas aceitou.
            - Regras. Que regras?
            - Coisa pouca mãe...não liga.
            - Como não vou ligar, Tális. Vocês resolvem isso, sem nem me levar junto. E olha que estamos falando da vida de minha filha. E ainda querem que eu não ligue?
            - Acalme-se Mel. Eu só queria lhe poupar dessa parte. O que importa é que ela inda está tímida. E tem medo de se afastar de Marta e de seus irmãos de criação.
            - Eu jamais faria isso! – Melissa argumentou.
            - Eu sei, porque te conheço. Mas ela ainda precisa conhecer para confiar. Dê-lhe tempo. Além disso...ela afirma que não se transformará numa boneca mimada e cheia de frescuras.

            Aquela parte deixou Melissa um pouco triste. Era assim que Isa a via. Não como uma mãe dedicada, ou esposa preocupada. Ela era a boneca de luxo, bela e perfumada, porém sem muita utilidade. Era assim que o mundo a via.

            - Bom...o que me resta dizer? Vocês já acertaram tudo, não é? Quando ela chega? Posso estar presente, pelo menos?
            - Não fique assim, meu amor. Nossa filha vai começar a conhece-la aos poucos...e vai te amar exatamente como eu amo.
            - É mãe! Claro que vai!
            - Eu espero que sim... – como era de costume em Melissa, ela preferiu deixar a tristeza de lado e falar de coisas boas. – Bom...vou preparar um quarto e um guarda roupa novo pra ela. Tudo que Isabely precisar eu farei!

            Aquilo arrepiou Rafael...

            - Apenas...calma, por favor. Ela virá passar alguns dias por enquanto. A papelada definitiva demorará a sair.
            - Não se preocupem...eu me controlarei.

            Se na casa de Melissa e Rafael tudo se resolveu rapidamente, no apartamento de Nathan, Milena não facilitou tanto as coisas. Eles já concluíam o café da manhã junto de uma serelepe Maria quando ele voltou a pressioná-la. De uma forma bastante doce, porém. Lhe preparou algo que, ele jamais esqueceu, ela adorava ter no café da manhã: torrada aquecida com mel.



            - Ajudará se eu prometer nunca deixar faltar mel puro na nossa dispensa? E garantir que aqueço seu pão todo dia logo cedo? – O doce e autêntico “eu te amo” açucarou os sentimentos dela.
            - Assim é covardia. – Ela riu, mas aceitou a torrada com o doce derretido.
            - Você não viu nada. Meu próximo golpe é mandar trazer uma daquelas cucas maravilhosas que sempre têm nos cafés da manhã típicos do Rio Grande do Sul.

            Milena sorriu. Poderia ter explicado a Nathan que as cucas eram típicas dos imigrantes alemãs e não os italianos, como a sua família. Ainda assim, se calou. Afinal, o que valia era a boa intenção. E disso o coração dele parecia estar cheio. Ela resolveu que não queria mais fugir daquele amor que já crescia novamente em seu peito.

            - Eu quero...quero a torrada, o meu...e também quero você. – Milena, enfim, disse o que Nathan queria ouvir.

            Uma Maria Fernanda sorridente assistiu seus pais trocarem um beijo bem mais modesto que os da noite anterior. Feliz, a menina aproveitou a distração dos adultos para pegar uma das torradas para si. Milena não era a única a gostar daquele café da manhã.
O amor seguiu manhã adentro. O mais familiar dos cafés da manhã que Milena poderia oferecer à Maria e o mais feliz que ela poderia ter. Tudo desmoronou, porém, quando o telefone celular começou a tocar. No visor o número de Jonas. Elas se preparou para mais uma briga com o irmão a respeito de sua vida particular e se preparou para, armada, revidar qualquer acusação. Mas era, na realidade, muito pior.

            - Milena...eu...estou ligando porque...é o vovô.
            - O que aconteceu? – Tudo desmoronou. E qualquer outra desavença pareceu mesquinha e sem importância. – O que há com o nono?
            - Mamãe me ligou agora...ele piorou. Estão pedindo que nós três embarcarmos o quanto antes. Eu e Lorenzo vamos no voo do meio dia. Milena...você está bem? Está me ouvindo?
            - Sim. Eu...vou, claro que nós vamos também. Nós vemos...

            Não havia mais nada a dizer. E quando Milena desligou o telefone, viu Nathan com o notebook aberto. Na tela, o site de uma companhia aérea. Não estar só tinha suas vantagens.


segunda-feira, 24 de abril de 2017

Vida Roubada - cap 33

Cada incisão feita pela obstetra no ventre de Elizabeth pareceu lenta demais aos olhos de um ansioso Miguel. Esse, mesmo vestido adequadamente, em nada lembrava o médico capacitado para agir de forma fria naquelas situações. Ali estava o marido, o pai, que nada podia fazer além de esperar e confiar na perícia da médica. O tempo estava contra ele e por mais que tentasse se concentrar nos monitores médicos que o informavam da vida de Liz e Benício, os olhos fechados de sua mulher e o olhar contundente de Francisca pareciam maus presságios.



            O choro de seu filho bradou forte na sala. Apesar da ansiedade à sua volta, o menino parecia estar bem. E após um breve contato com o pai e a promessa de que muito em breve estaria recebendo o afago de sua mãe. Logo, porém, o pediatra o levou para receber os primeiros cuidados.



            Miguel viveu minutos de intensa alegria junto do filho, os primeiros da vida dele. Mas uma parte de seu coração seguia apreensiva. E só piorou quando percebeu que as suturas não estavam ocorrendo com a tranquilidade esperava. Liz sangrava muito. Apesar dos esforços incansáveis de Francisca, o parto não terminava como eles esperaram.
            A apreensão da equipe cresceu no mesmo ritmo que a pressão e os batimentos cardíacos de Elizabeth tornavam-se mais irregulares. Uma enfermeira pediu que ele saísse da sala, mas foi ignorada.

            - Eleve a dose. Não vamos perder a paciente. – Ele ouviu Francisca dizer a um dos assistentes.

            Aos olhos de Miguel, a luta estava sendo perdida. E naquele bater de coração cada vez mais frágil, sua vida também se esvaía. A liderança da BTez, o novo apartamento, seus dois filhos. Nada teria sentido sem Elizabeth. E era revoltante que, justo ela, passasse por algo daquele tipo, quando passou a vida lutando pelo certo, pela justiça e pelo melhor a todos os que amava. A vida estava lhe mostrando o quão injusta podia ser.

            - Se isso é algum castigo, meu Deus, que ele viesse apenas pra mim. Eu e Benício precisamos dela. Se eu não, ele a merece. – Apesar de jamais se considerar religioso, nesse momento, Miguel apelou para forças além das da medicina. – Ilumina as mãos dessa médica, meu pai. E não permite que Liz se vá. Não sei como viverei sem ela.



            Se foi a sua prece silenciosa ele jamais soube. Mas creditou a Deus o que se passou na sequência. Francisca conseguiu estabilizar o quadro e concluir a sutura da cesariana. Apesar das preocupações serem ainda muitas, após beijar a testa da esposa, ele permitiu que a mesma enfeira o retirasse da sala.

            - Eu vou cuidar do Benício enquanto você dorme um pouquinho. – Lhe disse, com o coração ainda doendo.
           
            O prognóstico, soube depois, era favorável. Elizabeth ficaria em observação por pelo menos 12 horas e era provável que necessitasse de doações de sangue. Mas iria sobreviver.

Uma semana depois...

            Os dias que se passaram, urgentes, acelerados e um tanto assustadores para Miguel. Ele teve de se dividir entre grandes alegrias e algumas tristezas. Benício viera ao mundo com saúde. Elizabeth passou por muitas dificuldades, teve um pós-parto difícil, mas, amparada pela família e por amigos, vinha se recuperando bem. Difícil era mantê-la longe de toda a tempestade que ocorria na vida dele.
            O corpo e Gabriela já havia chegado ao Brasil, entregue pelo governo russo. Porém, ainda não fora liberado. As autoridades brasileiras desejavam laudos contundentes do Instituto Médico Legal, para que nada capaz de comprovar uma morte proposital passasse despercebido. A teoria da polícia local de que se tratava de mais uma morte de prostitutas não convencia os brasileiros. Gabriela havia irritado muito alguém.
            Mas sem o corpo da prima para enterrar, aquela morte seguia pairando sobre os Benitez. A imprensa ainda o perseguia, criando problemas com Rúbia. Sua mãe já tinha lhe pedido para, utilizando os contatos de Elizabeth na polícia, tentar acelerar o processo e pôr fim aquele constrangimento público. Nada ele pode fazer. E manter Elizabeth distante do assunto tornou-se impossível.

            - Não quero que se preocupe com nada agora. Está de licença da polícia. – Ele a lembrava.
            - É de um problema na família do meu marido, a minha família, que estamos falando. Não da polícia.
            - Liz...
            - Eu tive um filho, Miguel. Não morri. O que o faz pensar que pode me excluir dos nossos problemas?



            Essa era uma luta perdida.  Miguel sabia que discutiriam em vão. Se não arrancasse informações dele, o faria de Matt, Patrícia ou Beatriz. Então lhe contou das pressões que Rúbia lhe fazia para que conseguissem deixar Gabriela ser esquecida. Na memória dela, a loura sempre seria a jovem de classe, bela e elegante, que chamava a atenção por onde passava e a quem seu pai, Javier, não cansava de tecer elogios. Agora, assim como ocorrera com o genitor, ela estava morta. Perdeu a vida de forma violenta após enlamear o nome da família. Rúbia jamais perdoaria Gabriela e seu pai por esse pecado, desrespeitar o sobrenome Benitez.

            - Diga para Rúbia vir visitar Benício e já conversar comigo. E tentarei lhe esclarecer quais os procedimentos estão ocorrendo e retardando a entrega do corpo. – Elizabeth ofereceu.
            - Elas quer vir mas...não ser se é bom. Você tem recomendação médica de não se exaltar.
            - Não haverá exaltação.

            O encontro que Miguem desejava evitar ocorreu poucas horas depois. Mesmo sem perder a típica prepotência nem fingir simpatia, Rúbia tentou ser agradável. O sofrimento de estar afastada do único filho lhe tinha endurecido o coração ainda mais. Ainda mais quando até mesmo Alejandra não lhe era mais tão próxima quanto no passado. E assim, Catarina com convivia com a avó da forma como Rúbia imaginou. Ela, que tanto sonhara com um neto, recebera dois quase juntos. Mas não conseguia  ser a avó de nenhum. E tudo o que mais valorizava, o bom nome da família, se esvaía em meio a descobertas policiais ofensivas.




            - Fico feliz que você tenha aceito me receber, Elizabeth. E também em ver que meu filho exagerou na preocupação. Você está visivelmente muito mais forte do que ele alardeia. – Mesmo quando tentava, Rúbia não conseguia tratar a nora com delicadeza.
            - Exageros, certamente. – Liz concordou. – Estou ótima. Tanto que já estou quase pronta para retomar meu posto na polícia federal e voltar a destruir a reputação de famílias de bem, como você costuma pensar que é a minha principal função.
            - Eu não esperava que você fosse se preocupar em dar atenção ao seu bebê mesmo.
            - Não, é claro. Eu espero que ele já saia independente do hospital e me tome pouco tempo.
            - A ironia não lhe cai bem, Elizabeth. Eu jamais lhe acusei de fazer isso por gosto. Mas a verdade é que desde o dia em que você invadiu a empresa fundada por meu marido para prender meu filho, jamais os Benitez tiveram paz novamente.
            - Você consegue relevar isso, Rúbia. O que não aceita é o fato de seu filho ter me escolhido como esposa.
            - Penso que essa discussão já não tem valor, ainda mais quando você acaba de dar à luz um neto meu, que eu ainda não conheço, aliás. Miguel me pune aonde mais dói ao não me deixar conhecer Benício sem a sua permissão.

            Talvez fossem os tão falados hormônios da maternidade. Ou então amor demais por Miguel. A hipótese mais possível, porém, era que o passado cheio de interrogações e a falta de uma família a infligissem a oferecer uma avó para Benício, mesmo que essa não se encaixasse no modelo sonhado pela maior parte das pessoas.

            - Ele será trazido para mamar em alguns minutos. E então poderá vê-lo...e as portas de nossa casa estarão sempre abertas. Desde que você aprenda a não interferir nas nossas escolhas.
            - Meu filho...sabe disso?
            - Ele saberá assim que chegar ao hospital. Foi buscar Catarina para conhecer o irmão. – Elizabeth sorriu diante do olhar de incredulidade da sogra. – Eu não sou de ferro, Rúbia. Sim, tenho ciúme e não o queria perto de Alejandra, em especial quando estou arrebentada numa cama e sem conseguir dar mais que dois passos sem gemer de dor. Mas aguento a dose, por amor ao seu filho.

            Não era a primeira vez que Rúbia admirava a força daquela estranha mulher. Agora, porém, percebia que era isso a atrair Miguel. Assim como Ramón passar a vida lhe dizendo que ela era como uma dama de ferro, bela e elegante para estar ao seu lado dos momentos festivos, mas firme o bastante para sustentá-lo nas tormentas. Era isso que Miguel buscava. E agora lhe estava claro que Elizabeth podia não ser a melhor esposa ou mãe. Certamente estava longe de ser a primeira dama ideal da BTez. Mas era a parceira adequada a Miguel, quem podia sustentar a união quando ele fraquejasse.

            - Me perdoe, Elizabeth. – Dessa vez, não houve amargor na voz de Rúbia, mesmo que o constrangimento se fizesse presente. – Eu não tinha o direito de interferir na vida de meu filho. E não tornarei a fazê-lo, de forma alguma.
            - Ótimo...mas não foi por isso que você veio, Rúbia. – Liz aceitava as desculpas. Mas tornar-se amiga da sogra era o último dos seus planos. Uma relação distante, fria e amistosa era o que de melhor podia oferecer. – Eu não tenho como agilizar a liberação do corpo de Gabriela. Mas fiz alguns contatos e, ao que tudo indica, ainda no final dessa semana você o receberá para os ritos funerais. Eu indico que você faça o que tiver de fazer, o mais rápido e discretamente possível, para que o assunto suma dos jornais rapidamente. Muitos olhares atrapalham a atividade policial.
            - Ela era minha sobrinha...um monstro que eu tratei feito anjo. Gabriela teve tudo. Pais amorosos, uma família descente, estudo, lazer, o melhor círculo de amizades.
            - E usou tudo isso ao pior. Não sei quem corrompeu quem nessa história. Se Gabriela levou o pai para o crime ou Javier a inseriu no crime. De qualquer forma, ao que tudo indica ela teve participação em sua morte.
            - Meu Deus! – Rúbia se assustou.
            - Sim...peço que mantenha isso em sigilo, mas é uma das conclusões policiais. Mais do que isso, sua sobrinha está envolvida ou é a responsável direta pela saída de mais de 500 brasileiras para abuso sexual na Europa. Grande parte nuca retornará à família porque morreu, seja assassinada ou devido a alguma doença, muitas vinculadas ao trabalho que exerciam. Tudo por dinheiro, muito dinheiro.
            - Eu li sobre sua irmã...
            - Sim, Beatriz é uma dessas mulheres. Por sorte, graças a obsessão que Gabriela passou a nutrir por mim, Bia está viva. Mas se engana, Rúbia, quem pensa que realizei essa perseguição a Gabriela por questões pessoais. Não! Não é por Beatriz. Porque ela voltou viva. É por todas as mães que nunca sequer saberão onde foi largado o corpo das suas filhas. É muito grave. E não será uma reputação familiar que poderá frear a polícia.
            - Eu entendo...obrigada...vou...vou esperar Benício e logo irei para casa. Obrigada por tudo.



            As visitas continuaram se sucedendo. Algumas difíceis, como Alejandra e Catarina. Não era fácil perceber o quanto as duas tinham em comum. Ambas amavam Miguel. E as duas levavam nos braços um filho dele. Elas trocaram palavras frias, rasas e apenas sociais. Estavam selando a paz, sem nenhuma proposta de amizade. Pelo bem das crianças, Elizabeth estava disposta a suportar uma presença distante de Alejandra.

            - Você resolveu se ficará em São Paulo? – Ela puxou assunto.
            - Ainda não...minha vida é em Barcelona. Eu só fiquei no Brasil na esperança de reconquistar Miguel e...bom...está na cara que isso não vai acontecer. Então...
            - Então você castiga Miguel mais um pouco afastando Catarina dele. – Elizabeth foi direta, como de costume.
            - Eu...não...
            - Devia pensar no sofrimento que suas atitudes impensadas causam, Alejandra.
            - Você está dizendo que gostaria que eu ficasse aqui? – Alejandra olhava a antiga concorrente como se visse algo de outro planeta.
            - Na verdade eu adoraria vê-la se mudar para o Oriente Médio. Mas isso faria Miguel sofrer porque levaria sua filha para longe. Eu cresci sem mãe e sem pai, sei o que é isso. E não me venha com esse papinho de que sua vida está na Espanha. Você largou toda essa vida por mais de um ano, para ficar aqui atazanando o meu casamento. Se quiser manter Catarina perto do pai, você valida seu diploma no Brasil e se estabelece no país. Não precisa sem em São Paulo. Pode ser qualquer estado que permita Miguel ver a menina após um voo curto. É desumano lhe tirar isso. – Elizabeth desabafou quando estava à sós com a ex-mulher de seu marido. E a assistiu ir embora sem dizer se seu esbravejar mudou algo.
            Outras visitas foram mais doces. Matheus embalou o pequeno Benício com o mesmo carinho que zelava por Elizabeth e Bia na infância. Aquela criança, assim como ocorrera com Eva, os aproximava ainda mais. De nada importava que Benício não tivesse o seu sangue, aquele garotinho teria o melhor padrinho possível, alguém capaz de dar a vida por sua mãe. Acompanhado de Paty, ele pode se aproveitar dos momentos em que o bebê pareceu encantado pela madrinha para conversar com Liz.



            - Você lutou muito contra isso, mas a maternidade te deixou plena. – Ele elogiou.
            - Sim...plenamente doída, inchada e com a cabeça cheia de preocupações.
            - Não diga isso. O que está te deixando nervosa?

            Com ele, não era necessário nenhuma máscara. Mais o que isso. Enganar Matheus era impossível. Ele cresceu ao seu lado. E enquanto ela fora construindo essa armadura, hoje parte de sua personalidade, ele foi descobrindo caminhos escondidos para chegar diretamente em sua essência.

            - Não é bonito dizer...é que...a maternidade pode ter me deixado plena pra quem olha de fora, mas fez uma confusão danada aqui dentro. Eu...olho pra ele e...meu coração explode de felicidade, de vontade de fazer dele um homem de bem, de lhe dar tudo o que nós não tivemos. – Seus olhos, cheios de lágrimas, expressavam um sentimento que não encontrava palavras.
            - Isso é ser mãe. Não é um problema.
            - É...só que tem outra parte de mim, louca pra sair desse quarto de hospital e ir pra polícia. Se eu disser isso pra Miguel ele vi me internar no hospício...mas a verdade é que minha cabeça está lá...mesmo que o coração fique com Benício. A investigação que eu liderei por anos está no ápice! E eu aqui...à mercê das mamadas de Benício.
           
            Ela logo descobriria que ninguém, nem mesmo Matheus, teria uma resposta para oferecer aquele dilema. A proporção correta entre a mãe e a profissional era uma dúvida pela qual a maior parte das mulheres passava. E somente Liz seria capaz de encontrar o seu cálculo perfeito.

            - Uma coisa de cada vez. Agora você está se curando e de licença. Pode seguir liderando sua equipe, mas a prioridade é a sua saúde e a sua família. Depois tudo se ajeita Miguel sabe que a policial que existe em você grita alto demais para Benício silenciar.
            - Eu estou com vergonha de pensar em trabalho agora...
            - Não tenha! Você ama o que faz. E cumpre tão bem sua função que um dia Benício dirá com orgulho que sua mãe é uma agente da lei.
            - Será mesmo?
            - Pode apostar. Eu o ensinarei certinho! Sou o padrinho!

            Beatriz foi uma visitante esporádica. Não que a relação com Elizabeth estivesse ruim. É que dividir-se entre os cuidados com a família de Sebastian, as visitas a ele próprio e a preparação para que ele enfim deixasse a cadeia não era fácil. As coisas de Miguel e Liz já tinham ido para o novo apartamento e quando eles fossem liberados do hospital, seguiriam diretamente para o novo lar. Assim, o apartamento antigo agora era apenas de Bia...e daqueles que ela receberia. Isso incluía Sebastian, sua mãe e filha. Isso significava transformar o antigo apartamento, tão simples, num lugar confortável a pessoas acostumadas com outro padrão. E usar o dinheiro de Sebastian para isso, o que a incomodava demais.



            Parecia estranho, mas fora a melhor saída que encontraram. O rico empresário, para ter alguma chance de sair da cadeia, precisava de residência fixa no Brasil. Esse endereço seria um apartamento registrado no nome da investigadora que lhe fechou as algemas. Voltas da vida a parte, Beatriz voltava a sorrir conforme o advogado de Sebastian lhe apresentava boas notícias. Em breve ele estaria em liberdade provisório. O acordo seria selado. Os melhores dias, para ambos, eram os que conseguiram ficar cara a cara.

            - Se soubesse o quanto estou desesperado para conseguir pôr as mãos em você. – Sebastian lhe disse após um beijo. – Nunca pensei que fosse possível sentir tanta falta da pele de alguém.
            - Eu e suas mãos estamos no mesmo local. – Bia respondeu, deixando que a barba por fazer a arranhasse levemente no pescoço.
            - Não. – A resposta não deixava margem à discussão. – Não aqui, com vigilância sobre nós, expondo você num lugar feito esse. Quando eu sair daqui e estivermos na mesma casa, você terá tudo o que merece do seu homem.
            - Meu? Gosto disso...
            - Que bom. – O papo lembrava o de jovens namoradinhos, mas eles tinham assuntos sérios. – Aristeu me deu boas notícias. Acha que em três dias saio.
            - Sim, ele me disse. Está quase tudo pronto lá em casa...o apartamento é simples, mas sua mãe e Luiza estão adaptadas e me ajudando a deixá-lo mais ao seu gosto.
            - Depois desse lugar, meu amor, seu apartamento não precisaria de reforma alguma. – Ela o olhava mais docemente e Sebastian estranhou. – O que foi?
            - Você me chamou de “meu amor” pela primeira vez. – Bia disse, ainda surpresa.
            - É o que você é...resolvi expressão em palavras.


            Três dias depois alguns fatos coincidiram. Logo pela manhã, numa quinta-feira ensolarada, Elizabeth deixou o hospital ao lado de um orgulhoso Miguel e carregando o saudável Benício. Matheus e Beatriz estavam junto, os acompanharam até a casa nova e assistiram o recém nascido deitar-se pela primeira vez em seu berço.
            Logo depois, porém, Bia e Miguel tiveram de sair, cada um com um sério compromisso. Ela tinha de ir buscar Sebastian, que seria solto nas próximas horas. Já Miguel fora avisado que, em fim, poderia enterrar sua prima. Matt e Patrícia ficaram com Liz, enquanto eles se foram. Miguel ajudaria Rúbia a realizar um breve velório e pôr fim aquela dor.

            - Eu prefiro que você não vá. Fique aqui, com Benício. É o mais sensato. – Miguel pediu pouco antes de sair.

            Não passou pela cabeça dela a ideia de obedecer ao marido. Isso, não foi surpresa para ninguém. Já a razão, essa surpreendeu a todos.

            - Gabriela era muito odiada. – Explicou aos amigos, enquanto via Benício dormir tranquilo.
            - E? O que isso significa? – Patrícia perguntou.
            - Eu não me surpreenderia se alguma dessas pessoas fizessem questão de estar lá, vendo ela ir pra debaixo da terra.
            - Liz...você não está pensando em...
            - Eu estou de licença da polícia, eu sei. Mas tenho o direito de estar lá...e posso aproveitar para analisar quem aparecer. Não há nada de errado nisso, há? Miguel não pode me impedir.


            Nada de errado, era o que dizia o sorriso irônico que cobria os lábios de Matheus. Miguel não gostaria nada se soubesse daqueles planos de sua esposa. Mas já estava na hora dele aceitar que se casara com uma mulher impossível de dobrar ou encaixar em regras comuns.