segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Vidas Ocultas - Capítulo 9






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Texas – EUA

            Javier encarava a filha com tranquilidade. Ela tinha meios para ajudá-lo a viver por tempo indeterminado. E sabia de tudo.

            - Sabe que eu tenho uma imagem a preservar. Não posso me arriscar por você. Hoje conseguir vir discretamente aqui. Mas não pense que virei sempre.
            - Você só é o que é, Gabriela, porque eu paguei seus estudos e te ajudei a vida toda. Então você vai sim ajudar ao seu papaizinho. E se trouxe dinheiro e mantimentos, não precisará vir nos próximos dias. Eu mando notícias quando me instalar melhor.
            - Para onde pretende ir?
            - Ainda não sei. Tudo dependerá de como a investigação irá evoluir no Brasil. A essa hora, a polícia daqui deve estar me procurando e cercando a sua casa. Fique atenta. Se Miguel for condenado, o cerco diminuirá contra mim. É assim, querida filha, quando encontram um culpado, esquecem de puxar os outros fios.
            - É claro, papai. – O telefone de Gabriela tocou e ela desistiu de ignorar quando viu a chamada internacional. – Alô! Miguel, querido! Há quantos anos não recebo uma ligação sua. Lembrou dessa prima distante?

            Sorrindo, Javier observou a filha mentir calma e confiante para Miguel. Eles nunca conviveram. Gabriela nasceu no Brasil, mas foi levada para os EUA pela mãe aos 16 anos. Ela terminou os estudos nos EUA e logo assumiu postos importantes no tribunal de justiça. Sua imagem ilibada lhe permitia ter acesso a informações uteis ao esquema. Ela ajudou e lucrou por muito tempo com a ida de mulheres para locais de prostituição. Gabriela Alencastro era esperta. Miguel não perceberia que ela estava mentindo.

            - Sim, Miguel. Eu compreendo sua preocupação. A polícia já entrou em contato e até revistaram minha casa. Mas não sei de papai. Ele não entra em contato comigo há meses. E eu jamais o ajudaria a fugir da polícia.

            Javier não ouvia Miguel responder e quase era capaz de acreditar na veracidade das palavras de Gabriela.

            - Eu ainda não acredito que ele tenha feito isso. Mas se papai fraudou a BTez, empresa para a qual sempre trabalhou, eu fico extremamente decepcionada. E lhe garanto que ele não terá meu apoio, Miguel.

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            A tarde de trabalho de Elizabeth foi morna até ela receber uma encomenda nada discreta. Um boque de flores foi entregue em sua sala. Ninguém ousou ler o cartão endereçado a ela, mas os cochichos não pararam mais. As colegas queriam saber quem tentava ganhar o coração da investigadora e os policiais estranharam a ousadia. Elizabeth era conhecida pela forma dura com que tratava os homens. Tom foi único a notar instantaneamente quem era o remetente da encomenda.
            - Vão todos trabalhar e deixem Elizabeth em paz! Ela também tem mais o que fazer.

            Antes, porém, ela leu o cartão que dizia simplesmente: com toda a delicadeza que você merece. Não resistiu e pegou o celular. Miguel não podia ficar lhe enviando flores. Mesmo sem assinatura, alguém podia desconfiar.

            - Gostou do meu presente, Liz? – Ele já atendeu provocando.
            - Não faça isso! Já pedi para manter-se afastado até a investigação terminar. Não entendeu?
            - Entendi, mas não obedeço suas ordens. Entendeu?
            - Pode me criar problemas! Não quero que envie flores!
            - Sinto muito, mas vou enviar sempre que estiver com vontade. – Sua risada a fez sorrir também. Apesar da raiva. – Acho que você precisa se acostumar a ser tratada como uma dama, Liz. É assim que eu trato as minhas namoradas. Acostume-se.
            - Eee...eu não quis dizer que não gostei....só não aqui.
            - Está bem. As próximas eu mandarei para sua casa. Por falar nisso, quero te ver hoje a noite. Minha casa, sua ou nos encontramos em um hotel?
            - Hoje não Miguel. Tenho que trabalhar numas coisas. Amanhã nós ficamos juntos.

            Apesar das reclamações de Miguel, Elizabeth realmente não podia vê-lo naquela noite. Tinha inquéritos para analisar, além do relatório da polícia americana quanto a Gabriela Alencastro. Ficaria no prédio da polícia federal até muito tarde. Sua equipe estava avisada para sair após cumprirem suas tarefas e não interrompê-la. Desvendar um crime era como visualizar os passos do criminoso e, numa ordem cronológica, ver todos seus passos e assim poder antecipar a próxima ação. Isso exigia silêncio e dedicação. Após o expediente, Elizabeth pretendia analisar a vida de Javier e de Gabriela e tentar antecipar o próximo passo do fugitivo.



            Enquanto isso, cumprindo sua promessa à amiga, o advogado Matt foi ao presídio conversar com sua mais nova cliente. Aquela não era uma área do direito que o agradava. Normalmente atuava com direito de família, em casos de divórcio ou guarda de filhos, às vezes com de violência doméstica ou abuso contra menores. Também representava empresas em casos de roubo patentes e espionagem empresarial. E esses casos lhe rendiam muito dinheiro.
Hoje já podia se dizer um homem rico, levando em consideração ter sido criado em um abrigo do governo e estudado em escolas públicas toda a vida. Podia sentir-se um vitorioso. Razão pela qual, nunca negava-se a ajudar amigos daquele tempo. Elizabeth era uma delas. Ali estava ele, recebendo o caso de Patrícia Silva. Uma prostituta de 19 anos, presa ao entrar no Brasil contrabandeando drogas no próprio corpo. Eles tinham duas alternativas de estratégia de defesa. Ela dizia ser inocente e afirmava ser obrigada a trazer as capsulas estômago ou confessava culpa e tentavam um acordo no qual ela reduziria a pena entregando os comparsas.
De qualquer forma, seria mais uma jovem com a vida marcada pelo crime por preferir as ruas quando deveria estar estudando. Para Matheus isso era questão de caráter. Ele, Liz, Beatriz e tantos outros também não tiveram a melhor das infâncias e nem por isso acabaram no crime. Patrícia e as outras presas dessa forma não eram vítimas que não tiveram escolha. Elas também tinham responsabilidade no que fizeram e por mais que a defendesse a pedido de Liz, não pretendia protegê-la de tudo. A única chance de Patrícia era que alguém fosse duro o bastante com ela e lhe colocasse juízo na cabeça. Só assim sairia da cadeia buscando uma vida honesta. Só não contava com a aparência de menina frágil dela. Agora entendia porque Elizabeth sentiu vontade de ajudá-la.




            Ela olhou-o desconfiada assim que chegou. Sem usar o tradicional uniforme dos advogados por odiar gravata, Matt realmente não parecia um defensor legal. Mas era e estava disposto a ajudá-la. E ajudá-la, na visão dele, não era lhe passar a mão na cabeça e tratá-la como inocente.

            - Imagino que tenham lhe avisado da minha visita, patrícia. Vou tentar defender você da encrenca em que se meteu. Meu nome é Matheus Albuquerque da Costa.
            - É, aquela moça da polícia disse que você viria. Vai me tirar daqui, Matheus? Você é muito novo pra eu te chamar de ‘senhor advogado’.
            - Tenho 31 anos, Patrícia. Mais de uma década sobre você. – Olhá-la lhe trazia uma tristeza profunda. – Vamos ver como eu posso te ajudar.
            - Podia começar me trazendo uma carteira de cigarros. Estou necessitada.

            Aquela postura irritou Matt. Ela estava presa por trazer drogas para outro país e perdia o tempo com seu advogado para pedir cigarros.

            - Não Patrícia, eu não vou lhe trazer cigarros. E eu acho bom você se preocupar em me ajudar a tirá-la daqui. Agora, comece me dizendo para quem trabalhava na Grécia, como foi para lá, o que fazia e por que. E eu já te aviso que meu tempo custa caro. Minta pra mim e lhe dou as costas. Entendeu?
            - Você não tá a fim de me ajudar...acha que eu mereço ficar aqui. Bem típico de um advogado com nome de família boa...você não sabe o que é ficar sozinho na rua Sr. Albuquerque da Costa. – Ela debochou.
            - Não que lhe interesse, mas eu sei sim, Patrícia. Só que eu não escolhi cometer crimes por isso. Agora fale da sua vida. Porque não sou eu quem está preso. Agora! Segundo a sua documentação, você vivia Grécia, mas o voo no qual foi presa, veio da Rússia. Por quê?
            - Eu vivi na Grécia por alguns anos, fazia programas na rua ou em casas noturnas...eu não queria mais e...
            - Alguns anos? Você tem 19. – Era jovem demais.
            - Fui pra lá com 16 anos...mas já fazia programas no Rio de Janeiro desde os 15 anos. Eu fugi de casa.
            - Por quê?
            - Meu padrasto...ele não era legal. Eu vim de Minas Gerais para o Rio achando que conseguiria me virar e acabei na rua. Com 16 eu embarquei para a Grécia com documentos falsos. Eu sabia o que ia fazer lá...só não sabia que ia ficar refém deles. A língua deles é muito difícil...tinha medo de morrer gritando e ninguém perceber que eu gritava por socorro.
            - Onde a Rússia entrou nisso?
            - Só para despistar a polícia. Eu vivi na Grécia por esses anos, trabalhando nas ruas...até que um homem me comprou.
            - Comprou? – Matt estava enojado. – E levou você para onde?
            - Comprou dos homens que me levaram para lá e levou para um apartamento dele em Atenas...era uma prostituta exclusiva dele. Pra ele fazer o que quisesse sabe? Esses caras têm gostos excêntricos, sabe?
            - Não sei. Mas prefiro não saber os detalhes. E aí? O seu comprador tem nome?
            - Nikolay. É Russo e mantém um esquema de contrabando de êxtase da Europa para a América Latina. Mas ele nunca me levava para a Rússia e não costumava me usar nisso...só na cama mesmo. Daí aconteceu uma coisa e eu passei a irritar ele.
            - Que coisa foi essa?
            - Não te interessa!
            - Pode baixar a bola e começar a falar garotinha! Você não está em situação de se negar a falar. Quero detalhes desse homem.
            - Eu não tenho detalhes para te dar! Eu só tinha de abrir as pernas quando ele tava com vontade! E quando nem pra isso eu servia, resolveu me colocar nesse esquema. Eu embarquei para a Rússia e engoli as capsulas no aeroporto de lá, depois de já ter passado pela alfândega. Só me pegaram porque cheguei aqui passando mal. Podia ter morrido.
            - Devia ter pensado nisso antes de engolir a droga! Porque não se negou?
            - Porque eu tinha medo de acabar na rua novamente. Mesmo que Nikolay fosse...exigente e as vezes violento ainda era melhor que a rua. Ele não me deixava passar fome nem me emprestava pra outros homens. Ele era bom pra mim...
            - Bom? – Matt espantava-se no quanto ela se desvalorizava. E expressava-se bem, com clareza. Não era uma ignorante. – Um homem que compra uma menor de idade não me parece ‘bom’. Você o ama?
            - Não. Amor não é pra garotas como eu...que já passaram pelas mãos de tantos caras. Eu nem lembro com quantos já transei. E se um dia sair da cadeia, vou acabar na rua. Sei que vou.
            - Você estudou até que série, Patrícia? Pode concluir os estudos. – Ele sentia pena dela.
            - Estava no primeiro ano do ensino médio quando fugi de casa.
            - Quer que contate sua mãe? Procure-a em Minas Gerais?
            - Não. Só quero que me tire daqui. Pode fazer isso? – Ela o olhava de uma forma tão esperançosa que dificilmente conseguiria negar-lhe algo.
            - Eu vou tentar. Você foi obrigada a trazer essas drogas e é, claramente, vítima de uma quadrilha desde a adolescência. Não posso dizer para o juiz que você não fez algo que está provado, mas posso lhe explicar as razões que te levaram a isso e, aliado a um depoimento onde você ajuda a investigação dessa quadrilha e a esse Nikolay, tentar uma sentença ao seu favor. Você tem chance de sair daqui e eu vou me esforçar.
            - Obrigada. E o que eu faço enquanto isso?
            - Planos, Patrícia. Faça planos para ter uma vida melhor.




            Elizabeth só interrompeu sua pesquisa e leitura dos inquéritos para atender a ligação de Matheus. Não surpreendeu-se ao ouvi-lo emocionado com a história de Patrícia. Matt podia até tentar bancar o advogado frio, mas não era. Ele faria o possível para tirar aquela menina da cadeia e, mais do que isso, colocá-la num caminho melhor.
            Essa, infelizmente, foi a única boa notícia da noite. Apesar da análise detalhada, Elizabeth não descobriu nenhuma pista que levasse até Javier ou que indicasse um comportamento duvidoso de Gabriela Alencastro. Por mais que não confiasse nela cegamente, até o momento Gabriela era inocente sobre o olhar da lei. O que não a impediria de continuar mantendo-a sobre a vigilância da polícia americana.
            Já era tarde quando deixou a polícia. Foi ao subsolo do prédio carregando alguns processos e tentando encontrar a chave do carro no fundo da bolsa. Surpreendeu-se ao ver um homem alto e bonito encostado em seu carro. Miguel não tinha jeito mesmo.



            - Eu disse que essa noite iria trabalhar até tarde, Miguel. Já passa das 23hs e amanhã cedo tenho de estar de volta aqui.
            - É. Passa das 23hs e eu fiquei aqui criando raízes só pra ganhar um beijo quando você saísse. Me beija. Vem aqui. Vem.

            Depois de um dia exaustivo resistir àqueles lábios era quase impossível. Elizabeth deixou-se levar e permitiu-se alguns instantes em seus braços. Mas não passou disso. Logo se recompôs e mandou-o embora.

            - Boa noite, Miguel. – Disse dispensando-o. – Eu lhe disse que hoje era impossível. Amanhã nós ficaremos juntos.
            - Já é quase amanhã, Elizabeth. A gente pode esperar até a meia noite e...ficar juntos. Eu quero passar todas as noites com você. Não apenas algumas.

            Era tentador. Mas a resposta de Elizabeth não mudou.

            - Quando eu encerrar o caso. Antes seria loucura. Agora você vai para sua casa, Miguel. Eu vou para minha e amanhã a noite você vai me levar par um hotel e nós vamos fazer amor pela madrugada toda. Está bem assim?

            Não estava bem. Miguel não estava acostumado a ser despachado por mulher alguma. Talvez fosse justamente isso a atraí-lo até Elizabeth. Ela tratava-o como nenhuma outra. Mesmo assim, a raiva era tão grande quanto o desejo frustrado. Ele entrou em seu carro e saiu sem se despedir.

domingo, 21 de setembro de 2014

Diaba Ruiva: Passado Revelado - Cap 2




Cinco dias depois...

Era fim de tarde e Neal foi fazer uma corrida pela orla da praia enquanto Rachel buscava George da tarde de brincadeiras com os pequenos amigos. A vida infantil era agitada em Marselha. O garotinho costumava voltar tão cansado que dificilmente fazia muito mais do que tomar banho, jantar e dormir.



Não era apenas a rotina de George a ser cansativa. A deles também. Em especial por manterem algumas investigações paralelas. Uma visava apenas encontrar o diamante para montar uma estratégia de roubo e, finalmente, ter a pedra em mãos. Era apenas dinheiro. As outras investigações eram mais pessoais. Eles queriam descobrir os próprios passados. Queriam dar a George a verdade sobre seus avós.
A todos que perguntavam, Neal sempre dizia que a mãe estava morta. E de certa forma ela realmente estava. Não se viam desde que ela sumiu após a prisão de seu pai. Ela sofreu muito na época e não aguentou a pressão de ver o marido, policial, ser preso por corrupção. Os dois foram levados para um abrigo do governo e tentaram sobreviver com a ajuda da então parceira polícia do pai: Helen. Quando a mãe parou de lhe dar atenção, foi Helen quem ajudou a criá-lo.
Nunca mais teve notícias da mãe. Poderia estar viva ou morta. Já do pai era ele a não desejar um reencontro. Aproveitando-se da boa vontade de Helen, enganada já próxima da morte, ele aproximou-se do filho e apenas o usou para conseguir algo que precisava. Sumiu no mundo e ainda cometeu um assassinado deixando Peter como suspeito. Para livrar o amigo, ele fraudou uma gravação. Não queria nunca mais ver o pai. Mas tinha esperança de rever a mãe e dar outra avó para George e para a pequena Helen.
Quanto ao passado de Rachel, havia mais fios para puxar. Ela só não buscou pela própria história antes porque não tinha certeza se desejava mexer nesse assunto. Tinha a convicção de que seus pais adotivos ao resgatá-la de um acidente de trânsito onde os demais ocupantes do carro morreram, investigaram e descobriram que era uma criança traficada. Ela foi tomada dos verdadeiros genitores e vendida para aqueles que morreram no acidente. Se John, seu pai, havia realmente, ao menos iniciado uma investigação, Nicolle, sua mãe teria alguma pista. Mas ela estava em NY e qualquer contato poderia ser rastreado pelo FBI.
Mozzie vinha ajudando-os nas três investigações. A pista do diamante levava até New York, da mãe de Neal a última notícia vinha de antes do sumiço, há 15 anos, no abrigo de testemunhas. A menos que o pai lhe tivesse mentido. E as pistas sobre a família de Rachel estavam nas pesquisas de John e na memória de Nicolle. Ou seja? Tudo nos EUA. De Marselha pouco poderiam fazer. E ir até os EUA representava o risco de ficarem presos.

Continuando a corrida, ao longe pode ver a esposa caminhando pela areia a passos lentos. Ficou esperando-a chegar calmamente até ele, vestindo uma saia longa e estampada e apenas a parte de cima de uma biquíni. A barriga à mostra, como ela gostava. Helen era exibida pela praia diariamente, assim como os cabelos ruivos.



- Será que posso acompanhá-lo nessa caminhada? – Ela perguntou, sorridente.
- É claro. Como minha filha está?
- Agitada, por isso vim caminhar um pouco. Ver se no balanço ela se acalma. – Ela guiou a mão de Neal até a lateral da barriga. – Aqui está o pezinho. Sente.

Eles ainda caminharam de mãos dadas um pouco antes de voltar a falar. Com o sol já se pondo e a temperatura amena, a praia era um convite aos namorados. E eles ainda se sentiam assim.

- Estava pensando em como descobrir o nosso passado sem arriscar o futuro. – Foi Neal a puxar o assunto. – Eu quero continuar as investigações sem nos expor.
- Eu também. Mas queremos o impossível. Tudo parece nos levar de volta a NY. Justo NY. – Ela ficou triste. Queria poder voltar e esclarecer tudo. Nessas horas um ódio profundo por Josef Harabo a dominava. Por culta dele voltou a ser uma procurada pela justiça. – E se recorrêssemos a Peter?
- A chance dele fazer algo ilegal é zero. Isso inclui nos ajudar, a menos que resolvamos nos entregar. Isso significaria nós dois presos e distantes de Helen e George.
- Não...não consigo nem pensar. – Ela abraçou-o. – Mas você não é procurado por nenhum crime grave. Apenas por facilitar a minha fuga. Tenho certeza que para um crime assim, mesmo com seu histórico, Peter consegue um acordo. O FBI sabe como você é útil. Você pode voltar a NY.
- Voltar a usar tornozeleira? – O rastreador lhe fez companhia por anos e não trazia saudade. – Acho que não, amor. E qualquer acordo incluiria entregar a sua localização. Isso eu não farei. Não vou privar meus filhos do convívio com a mãe. Entre meu passado e meu futuro, eu fico com o futuro aqui, com você.



Ao voltarem para casa, encontraram Mozzie e George assistindo a um DVD infantil. Na verdade apenas Mozz assistia, ria e imitava as falas dos animaizinhos que dançavam animadamente. George já havia dormido no colo do amigo.

- Eu lhe dei um sanduíche e ele apagou.
- Obrigada, Mozz. Eu vou colocá-lo na cama. – Neal pegou o pequeno e levou para o quarto.
- Como vai a ‘baby-Helena’? – Claro que ele já havia apelidado a nova integrante da família.
- Muito bem, Mozz. Estávamos caminhando na praia e ela se acalmou. Deve estar tirando um cochilo. – De repente Rachel ficou séria. – Nós falamos sobre a necessidade de investigar em NY. Não podemos arriscar, Mozz.
- Nem precisam! Eu sou o ‘invisible man’. Vou e volto com as informações sem cair no radar dos engravatados.
- Nem no radar de Peter? – Neal perguntou ao voltar para sala.
- Eu reconheço que Peter é um engravatado melhor...nós lhe ensinamos muito. Mas ele não conhece todos meus truques. Eu consigo.
- Vamos amadurecer melhor essa ideia, Mozz. – Rachel finalizou a conversa. Iriam mais uma vez deixar essa decisão para o dia seguinte.

A noite foi de um amor terno e calmo, como se pressentissem o fim de sua calmaria. Já era tarde e deveriam estar deitados, mas ela abraçou o marido sem deixar-lhe dúvidas do que queria. Neal sentiu as mãos da esposa serpenteando por seu peito, descendo com destino certo. Rachel não era a mais delicada das mulheres para deixar claro que desejava sexo. Era direta e não tinha pudores em ser feliz na cama.



- Eu tenho um marido sexy demais para não usá-lo. Apreciar esse corpinho é o mínimo que eu posso fazer para agradecer a todos os exercícios que você faz, meu amor. E eu faço questão de agradecer diariamente.

Se ele mantinha exatamente o mesmo corpo de quando se conheceram, o dela estava bem diferente. Arredondado devido ao crescimento de Helen, o corpo dela estava farto e sensível a qualquer toque. Ela, já normalmente movida pelas emoções, grávida ficava ainda mais receptiva. Todos os sentimentos eram exacerbadas, inclusive a euforia do prazer. Por enquanto, a barriga não lhe atrapalhava nenhum pouco.

- É tarde...você deveria estar dormindo já. – Ele disse apenas para provocá-la. Não queria parar.
- Eu quero você. – Ela sequer deu atenção a provocação. Sabia que ele não lhe negaria o prazer. – Eu tenho a vida toda pra dormir e depois nós vamos ter o resguardo...preciso aproveitar agora.
- Então vamos aproveitar...vem pra cama vem.



Ao amanhecer Neal tinha planos claros. Levaria a família para um piquenique. Queria ficar na praia e curtir aquele momento. George andava perguntando por que a mãe não podia pegá-lo mais no colo e, apesar de não ter muito ciúme, estranhava a nova situação. Em breve ele não seria mais o bebê da família. O tempo só com eles iria lhe fazer bem.



- Bom dia, marido meu. – Rachel entrou no banheiro quando ele se preparava para fazer a barba. - Deixa assim. Eu gosto. Fico arrepiada.

Agradá-la era fácil e ele resolveu manter a barba por mais um ou dois dias. Nunca gostou de usá-la, mas combinava com o ambiente descontraído de Marselha. Utilizada por muitos turistas, era comum ver homens que a deixavam crescer durante a estadia ali.
Juntos, passaram a manhã brincando com George e animando-o para a chegada de Helen.

- Ela vai jogar bola com você quando crescer. – Neal lembrou ao filho.
- É...e vídeogame. – George concordou. Ele tinham uma coleção de joguinhos no tablet da mãe.
- E você vai cuidar dela? – Rachel perguntou.
- Vo sim...ela é muitooo pequena e eu sou grande.
- É! – Rachel riu. Parecia um adulto apesar de ainda nem ter completado três anos. – É o meu meninão lindo.
- Então vamos dar um beijo da Helen, George? Vamos? – Neal provocou-o antes de erguê-lo até a barriga da mãe.



Enquanto isso, os Burks desembarcavam em Marselha. O FBI tinha não fazia ideia de nada. A princípio, Peter estava em férias por uma semana. As únicas pessoas que sabiam da verdade eram Diana, Henrique e Sara. Eles esperavam que no retorno, Neal, Rachel, Mozz e George os acompanhassem. Mas primeiro, precisavam encontrá-los.

- Eu vou à praia papai? – Sofia perguntou.
- Sim, vai, querida. Depois. Primeiro vamos procurar o tio Mozz.

Mas não seria fácil. Foram a agência bancária onde Ana Assunção realizava os saques e nenhum atendente conhecia um morador com esse nome. Como tratavam-se de registros frequentes, era claro se tratar de uma moradora da praia que só utiliza os automáticos. Era um indício de que Sara estava na pista correta. Mas lhe dificultava a busca. Não faziam ideia de onde estavam ou quais nomes usavam.
Normalmente, Peter exigiria as gravações de segurança e buscaria imagens dos dias em que a conta teve movimentação, mas ele estava fora de seu país, em férias e, o mais importante, isso alertaria a polícia local. E não deseja criar problemas para Neal. Prometeu isso a Ell, Sara e Henrique. Ele voltaria aos EUA por vontade própria. Apenas isso. Se dissessem não, iriam embora sem denunciá-los. A saída era então uma só: perguntar para a população utilizando fotos.
As primeiras duas horas renderam abssolutamente nada. E preocupado com o esforço físico de Ell, pararam num bar para se refrescar. Ela sequer deveria ter vindo naquela viagem no sexto mês de gravidez, mas discordar dela naqueles meses era quase impossível. Ela ficava furiosa e gritava ou deprimida e chorava. Peter não sabia lidar com nenhuma das alternativas. Então fazia todas as suas vontades.

- Eu quero morangos. – Ela lhe disse olhando a banca de frutas do outro lado da rua. – Frescos. Aqueles morangos frescos ali!
- Morangos frescos? Porque não...já te trago.
A barraquinha simples de frutas era de um simpático vendedor. Ele lhe garantiu que os morangos eram sim frescos e ainda lhe sugeriu pontos turisticos da praia, lhe desejando boas férias. Peter não quis perder a oportunidade.

- Na verdade...nós estamos procurando um casal de amigos. Você os conhece? – Ao mostrar a foto, Peter teve o cuidado de não dizer nomes.
- Sim....claro. Os pais do menino George!
- Isso! Os pais do menino George! – Peter não se aguentava de felicidade. – Pode me levar até sua casa?
- Não posso deixar a banca...mas lhe indico como chegar. Srª Helena e Sr. Bernard gostam de tranquilidade. Moram numa parte mais afastada. Preferem criar George longe da agitação dos turistas. Aquele menino é tão inteligente...se puxar aos pais...
- Nem me fale. Eu tenho até medo. – Ele torcia para George ter gostos menos arriscados que Neal e Rachel. – Mas me diga como chego lá?
- Vai ter de alugar um carro. Pegue a estrada a beira mar e siga até uma placa que indica a aproximação da Praia do Prado. Ao fim dessa estrada encontrará uma única e bela casa. Fica numa elevada, de frente para o mar.
- Muito obrigada pela ajuda!



Sem saber a revolução que estava prestes a ocorrer, Neal trabalhava em uma escultura na parte de trás da casa quando ouviu a campainha tocar. Rachel e George tinham ido brincar na areia da praia e ela jamais esquecia as chaves. Era raro eles receberem visitas. Aquela casa foi escolhida por manter a privacidade deles e, caso fosse necessário, possibilitar uma fuga rápida, por terra ou por água. Manter seus segredos bem guardados também era o motivo para não manterem empregados. Apenas uma empresa de limpeza vinha uma vez por semana. Assim não criavam vínculos. Tinha de ser assim.
Um tanto desconfiado, vestiu uma camisa e foi atender a porta. Nada o tinha preparado para ver Peter ali, sorrindo e com a expressão tranquila. Não parecia o perseguidor das outras vezes...aliás, não parecia um agente do FBI. Discretamente, olhou em volta a procura dos policiais de apoio. Sairia daqui algemado? Rachel e Mozz conseguiriam escapar?

- Não vai me convidar para entrar, Neal? Ou devo dizer Bernard? – Peter via a confusão em seus olhos. Era natural. Precisavam conversar. Por isso Ell e Sofia tinham ficado para trás. Eles precisavam conversar antes.
- Não vai me prender?
- Não, Neal. Nem posso. Estou fora da minha jurisdição e de férias. Além disso, a França não...
- Faz acordos de extradição. É! O Mozz pesquisou isso.
- Eu não esperava menos dele, Neal. E já que eu vim sem algemas...será que posso te dar um abraço?

Peter não esperou pela resposta e abraçou-o. Era como se reencontrasse mais que um amigo. Neal era como um filho. Daqueles que é tão amado quanto problemático.




- Senti sua falta garoto!
- Eu também!



Depois do longo abraço e de efetivamente entrar na casa de Bernard, Peter anunciou o que era obvio. Por mais carinho que houvesse entre eles, tinham assuntos sérios a falar.

- Rachel e George estão?
- Não...eles saíram. – Neal não confiou o bastante para dizer que estavam chegando. Para Peter, fora ela a matar Harabo. E ele nunca teve muita simpatia por Rachel. Peter podia ter vontade de protegê-lo, mas nunca manifestou a mesma intenção por Rachel. Melhor deixar isso e a gravidez para falar depois. Peter não era muito chegado em bebês mesmo. – Ell e Sofia vieram com você...nas férias?
- Sim...Ell achou melhor a gente conversar à sós primeiro. – Não lhes disse que elas foram na praia ali perto e nem que Elizabeth esperava um bebê. O amigo e Rachel haviam perdido uma filha. Não sabia como haviam superado o assunto.

Assim, ainda cheios de segredos e desconfianças, eles se encaravam. Era um recomeço. Mas parecia bastante com o que viveram por anos em NY.

- Nós precisamos ter uma conversa muito importante, Neal.