domingo, 17 de abril de 2016

Ariella - Capítulo 7

Andando desesperadamente para todos os lados da cabine, Ariella tentava ordenar os pensamentos. Seu marido estava o oposto que sempre havia sido e ninguém sabia onde se encontrava. Bom, Dulce, sua amiga, sabia que havia se casado e, se por acaso, algo lhe acontecesse, entraria em contato com a polícia.

- Não! – O que estava pensando? Cogitando? Que tivesse se casado com um psicopata? Um bandido? Isso tudo é loucura demais. – Diego me ama. Ele não está bem. Deve ter acontecido alguma coisa, mas, ele vai se acalmar.

Mas saber que ele havia lhe trancado na cabine de um avião em movimento enquanto certamente ouvia seus gritos era assustador. E, nesse momento, só uma certeza lhe acalmava. Era o conhecimento de que se algo de errado ocorresse, certamente, Dulce, avisaria seu pai e ele não mediria esforços para regatá-la, como foi na oportunidade de seu sequestro, tantos anos atrás. Mas até alguém procurar por ela tudo podia acontecer.
Desesperada, foi ao encontro de sua mala e bolsa e viu seu estado de nervos tornar-se ainda pior ao não encontrar seu passaporte, identidade, celular ou nada que pudesse lhe ajudar. Antes dela acordar Diego havia tirado todos os pertences que a ligavam ao mundo. Agora não tinha mais nenhuma dúvida. Fora sequestrada! Tecnicamente seqüestrada não, já que há poucas horas estava assinando, sorridente, um contrato de casamento com aquele homem que agora a abandonava e trancava ali, mas era assim que se sentia: uma raptada.
Diego havia planejado aquele momento e imaginado cada instante repetidas vezes. Somente não estava preparado para sua noite de núpcias com a esposa. Lá no fundo tudo era diferente, mesmo que estivesse seguindo o plano a risca. Porque os seus planos ela não gritava com aquela voz delicada nem o olhava com medo. Era aquele medo a feri-lo. O pânico de quem já havia sido sequestrada uma vez e agora revivia o trauma. Isso não estava nos planos e feria Diego.
A forma doce como ela o tratava, até mesmo quando iniciaram aquela briga, o emocionou tanto que não conseguiu atirar em sua cara a verdade como pretendia anteriormente. Adiou o momento da verdade para quando estivessem em terra, dentro de sua casa.



- Lá poderei controlá-la melhor. – Disse a Ítalo, respondendo a uma pergunta silenciosa. Os gritos de Ariella eram capazes de assustar a qualquer um. E ele se sentiu um monstro ao ver a forma como Ítalo o olhava. E ignorou a sensação.

A residência era afastada e não haveria forma de fugir. Ariella teria de se acostumar com a vida de esposa e depois que soubesse que Afonso estava completamente atado a ele, ficaria até mesmo de boa vontade. Se tivesse alguma partícula de honestidade no corpo, entenderia suas razões e se voltaria contra o pai. Ainda assim, não era o demente que Ítalo imaginava e sabia que aquele plano era datado. Mesmo que Ariella jamais o aceitasse e nunca desse a luz um filho seu, nenhum contrato de casamento a obrigaria a ficar eternamente ao seu lado. E nem mesmo ele desejava isso.
Depois que Afonso sofresse o suficiente, seria obrigado a analisar e decidir como ficaria sua situação com Ariella. Quando esse momento chegasse, já estariam casados há dois, três, talvez cinco anos. E então ela seria uma esposa dócil, talvez mãe de seus filhos. E então a jogaria de volta no mundo, sem a criança e sem nada. E então ela teria de se reinventar e renascer. Do zero, exatamente como ele teve de fazer quando sua mãe foi morta e o pai decidiu abandonar a vida.
O tempo passou e Ariella desistiu de gritar. Chorou baixinho para que Diego não ouvisse. E, por fim, acabou por adormecer. Quando Diego abriu a porta da cabine e encontrou a esposa dormindo tranquilamente, pensou em adiar mais um pouco a verdade. Então percebeu que não podia. Em pouco tempo estariam em casa e lá Ariella teria que se comportar ou lhe criaria problemas. Passou três meses entre desconhecidos na Argentina. E agora estava no céu. Então os gritos de Ariella seriam ouvidos e ele corria o risco de ver seu nome envolvido em um escândalo em Madri. Seus empregados eram fiéis, mas se sua esposa ficasse histérica e começasse a acusá-lo de sequestro a todo o momento, os falatórios seriam inevitáveis.

-Acorde e escute. – Teria de ser frio em todos os momentos até que ela se habituasse a obedecer.
-Vá ao inferno. – Ariella respondeu assim que abriu os olhos.



-Nossa! Isso não é coisa que minha esposa diga. Acreditava que você fosse me levar ao céu, Ariella.
-Não é o que merece o meu marido! Agora diga o que pretende. É tudo um plano para arrancar dinheiro de meu pai?

A risada dele foi mordaz. E fez Ariella perceber que Diego podia ser ainda mais cruel do que ela conseguiu imaginar.

-Acha mesmo que seu pai teria tanto dinheiro que valesse eu ter este trabalho todo? Seu pai não tem nada perto do dinheiro que eu possuo, meu bem. E o pouco que ele ainda tem, é apenas porque roubou e não teve tempo o bastante de esbanjar.
-Você só pode ser um louco! – Meu Deus, como fui capaz de casar com alguém que não conhecia? O que vai acontecer agora? – Meu pai é um homem honrado. Não um mentiroso feito você!

Foi inevitável que Diego não percebesse uma força até o momento disfarçada em Ariella. Seu tom de voz não mais era doce. Sua postura havia se afirmado e até seu olhar mudou. A impressão que lhe passava, era ser não outra mulher, mas a mesma reforçada com muita garra. Toda essa fibra o fez ver que precisava ser mais rígido com Ariella. Não seria fácil domá-la.

-Eu não ficarei bravo com você, minha bela, apenas porque sei o quando Afonso conseguiu enganar a todos. Agora escute com atenção. – A brincadeira acabava ali. – Seu pai é um conhecido antigo de minha família. Somente conseguiu criar a empresa que tem porque desviou uma alta quantia dos empreendimentos do meu pai. Não satisfeito, ainda seduziu minha mãe e fez uma traição completa. Bravo! Conseguiu tudo que sempre desejou e conseguiu se firmar como um importante empresário na Argentina.
-Isso tudo é mentira!
-Pouco me importa se acredita ou não. Apenas cale a boca e ouça! Infelizmente seu pai jamais teve talento como empreendedor e não conseguiu erguer sua empresa ao patamar da de meu pai. Hoje apesar de estar com contas estabilizadas, Afonso tem dificuldades para ostentar o luxo que da família. Sua mãe veio de um lar muito rico. E foi com o dinheiro dela, outro roubo de Afonso, que ele manteve o estilo de vida de vocês quando a empresa começou a falir. Quando Martina morreu e sua fonte de riqueza voltou a secar, a sorte de seu papai começou a se extinguir.
-Aonde esta história fantástica vai nos levar?
-Bom, seu pai continuava na ânsia de ganhar mais dinheiro, mas a falta de competência nos negócios ainda o estava atrapalhando. Desesperado por mais e mais, foi fácil cair em armadilhas. Seu pai deve dinheiro.
-Ele pagará! Se dever a muitos pagará a todos!
-Não querida, seu pai deve apenas a uma pessoa. Eu.
-E onde eu entro nesta história? – A cada momento Ariella se sentia mais assustada. E isso a fazia seguir firme. Ele não veria seu medo.
-Você é o meu pagamento!

Ele só poderia estar louco. Nas conclusões de Ariella, aquele homem pretendia ficar casado com ela e, para isso, embrenhou seu pai em problemas financeiros. Não! Ele queria se vingar de Afonso usando-a. O que também não fazia muito sentido. Se desejava a empresa de seu pai, poderia tê-lo levado a ruína sem sequer ter de ir à Argentina. Porque necessitou seduzi-la? Que resolvesse na justiça ou numa batalha industrial as divergências com Afonso. Mas não casando-se com a filha do inimigo, num antiquado clichê literário. Ariella por vezes achou estar tendo um pesadelo e desejou acordar e encontrar seu marido, o homem doce e educado, com o qual julgava ter se casado. Isso infelizmente mostrava-se real demais para ir embora junto do sono.

-Não pense que sou burra! Se tivesse tudo isto a seu favor poderia ter deixado a minha família na ruína, sem sequer colocar os olhos sobre mim. Então o que faço neste avião?
-Eu tenho tudo a meu favor Ariella e sei que você não é burra, apenas ingênua a ponto de acreditar que um Conde iria estar a passeio na Argentina e casar às escondidas.
-É tudo mentira?
-Não se preocupe. Você se casou com um conde espanhol. Pode se considerar uma Condessa. Comemore! – O tom era de um deboche milimétrico com o objetivo de irritá-la.
-Você que se exploda junto com seu título. O que quer de mim afinal?
-Nada que já não tenha conseguido. – Ele a olhou dos pés a cabeça. - Posso afirmar que você foi satisfatória em tudo. Agora preciso, apenas, que aceite sua nova vida.
-Mande que seu piloto retorne a Argentina. – Ariella ordenou e viu os olhos de Diogo brilharem com o desafio.
-Não! Agora você é minha mulher e vai morar comigo em Madri. Acredita que seu marido seria cruel a ponto de deixar que ficasse desamparada? Afinal você jamais seria capaz de se sustentar. Nunca soube o que é trabalhar!

Essa era uma arma antiga que Diego guardava na manga. Ele fazia soar como uma boa ação o fato de se dispor a ‘cuidar’ de Ariella. A teoria era simples. Sendo ela completamente dependente de um pai cujos negócios seriam reduzidos a pó nas próximas semanas, Ariella ficaria sem nada e graças a atenção do marido teria um teto sobre sua cabeça e o que comer.

-E o Conde sabe? – A afirmação de Diego a incomodou por fazer parecer um peso morto sobro os ombros do pai, quando sempre foi ele quem jamais gostou da ideia de interá-la dos assuntos da empresa ou de vê-la trabalhando.
-Sim, sempre trabalhei e tenho minha própria fortuna graças aos meus esforços. Coisa que seu pai não pode afirmar.
-Já disse que não acredito em nada disso.
-E eu já disse que não me importo com o que você acredita.
- Inferno! Fale o que pretende de uma vez por todas.
-Você vai ligar para o seu pai e vai contar com quem se casou. Vamos ver a reação dele.



Depois daquilo tudo, Diego deu a Ariella o tempo do qual precisava para pensar e entender, digerir cada informação. Ele realmente não esperava que ela acreditasse em cada uma de suas palavras rapidamente. Até porque ela não tinha nenhuma razão para crer no que ele afirmava. Porém, a fé que viu nos olhos dela ao defender Afonso o fez sentir ainda mais raiva. Era como se ela estivesse disposta a amar o pai independente do que ele fizera. E isso era apenas mais uma prova de que Ariella era tão culpada quanto Afonso e dividia sua falta de caráter. Após dar-lhe esse tempo e somente após o avião pousar, ele colocou um celular na mãe de Ariella e ficou observando-a falar com o pai. Com a expressão tão fria como uma pedra de mármore bruto, ela nada demonstrou. Ao final, entregou-lhe o telefone em silêncio e desceu as escadas até a pista onde Ítalo esperava com a porta do carro aberta. Ela nada disse e Diego escolheu deixar assim até que chegassem ao lar.


Através daquela ligação, Ariella descobriu que ao menos uma parte do que Diego falava é verdade e, contraditoriamente, isso fez com que duvidasse cada vez mais de tudo o que se passava. Há poucos minutos estava conversando com o pai e descobriu que não apenas Diego falava a verdade, como estava em um sério problema. Afonso só havia conseguido chegar aonde se encontrava porque traiu a confiança de um amigo que lhe abriu a casa durante uma viagem à Espanha. O pai de Diego.
Ao que parecia, o homem jamais o perdoou e, antes de morrer, certificou-se de passar o ódio ao filho. Diego tinha a possibilidade de deixar seu pai sem um centavo e cheio de dívidas, mas isto não o satisfazia. Tinha que humilhá-lo! E a humilhação seria fazê-lo perder a filha para o homem cujo pai traiu.
Ao contrário do que acreditou inicialmente, Diego não pensava em um sequestro trocado por dinheiro, mas sim em um longo casamento. Seu pai teria que fazer tudo que lhe fosse mandado para sequer ter notícias dela. Saber que a filha estava sofrendo iria acabar com o pai. Este era o plano de Diego: machucar a filha para atingir o pai. E assim se vingar por completo.
Ao telefone Afonso nada negou, mas também não disse nenhuma palavra em reconhecimento. Se disse em choque ao saber que a filha se casara e, ainda mais, quando ouviu o nome do marido. Ela manteve-se firme, pensando que o pai precisava ter clareza de pensamento para resolver aquilo. Exatamente como acontecera quando foi sequestrada e fora Afonso a negociar com os bandidos. Ariella relatou o que aconteceu, fez perguntas ao pai e disse-lhe apenas que Diego tinha muito o que falar com ele. Quando Afonso ia responder, Diego tomou o telefone de suas mãos e nada de muito importante disse.

- Espere meu novo contato e antes de chamar a polícia, lembre-se que tenho você em minhas mãos e não cometi nenhum crime. Ela é maior de idade e se casou por livre vontade. – Afirmou e desligou o celular antes de assistir Ariella deixar o avião de cabeça erguida em desafio.

O trajeto foi feito em silêncio completo. E quando percebeu Ariella estava em uma grande casa, na Espanha. Os empregados estavam aguardando na entrada e, sorridentes, cumprimentaram o patrão e a esposa. Uma mulher estava à frente dos demais. Ela usava um uniforme discreto que parecia dar-lhe um ar de seriedade, mas não disfarçava o olhar maternal com que ela encarava Diego.



- Sea bienvenida. – A mulher disse, cordata, porém não simpática. Estava obviamente contrariada.
- Essa é Ariella, Olívia. Ela é minha esposa. Ariella, essa é Olívia. Ela cuida da nossa casa e vive aqui desde que deixei a casa de minha infância, onde ela trabalhou para meus pais.
- Eu não estou interessada em saber nada disso. – Ariella respondeu, irritada com tudo o que era obrigada a ver, ouvir e fazer.
- Mas vai ouvir porque assim eu quero! E mostre educação com Olívia e todos os demais empregados dessa casa! Eles são muito mais confiáveis que você e não preciso de mais uma razão para me irritar com você! – A falta de respeito da esposa à frente dos empregados irritou Diego. – Voltando ao que eu ia dizendo, Olívia é esposa de Ítalo, que você conheceu no trajeto. O filho deles, Murilo, também mora aqui e trabalha comigo. Irá conhecê-lo mais tarde.
- Vai fazer um ‘tur’ comigo pela casa?
- Não. – Ele respondeu simplesmente. – Olívia, por favor, leve Ariella até nosso quarto. E, antes que tenha ideias, querida esposa, há grades e guardas demais para você pensar em fugir. Comporte-se.

Fugir! Era justamente isso a passar pela cabeça de Ariella. Isso não a fazia perder o juízo. Desde que passaram pelos portões da grande casa a qual Diego chamava de lar, ela viu vários seguranças. E, além do quarto muito provavelmente, ser em um dos andares mais altos, havia grades em várias janelas. Ela tinha certeza que seria alojada num dos cômodos gradeados. Ariella percebia estar em uma prisão! Não faltaria gente para vigiar seus passos. A segurança que via na porta com guardas armados e muitas grades lhe informava ser impossível fugir.


-Vamos querida! – Seu sorriso continuava encantador. E ela mantinha distância. Não se aproximava do homem que a tinha amedrontado no avião. – Apresse-se. Ao contrário de você, Olívia tem seus afazeres.

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