sábado, 21 de maio de 2016

Alguém Para Perdoar - Capítulo 6


            Minutos após discutir com os sócios devido a um atraso, Márcia ainda estava nervosa em sua sala. Jamais aceitou aquele tipo de comportamento, independente da empresa na qual atuava. Problemas particulares não poderiam jamais estar acima do coletivo, do que era importante para os resultados da JRJ Construtora. Se fosse permitir que os problemas pessoais a afetassem na profissão, sequer estaria ali e teria passado os últimos anos chorando em casa.
            Ao invés disso, reinventou-se e agora morava em outro estado, trabalhava em outra empresa e retomava sua vida. Passou 18 anos de sua vida casada, e feliz, com Alex Salomão, um empresário a quem ela conheceu ainda na escola e com quem fundou uma empresa de sucesso. Administrou-a ao lado dele por uma década. Julgava ter a vida perfeita. Um marido apaixonado, um filho saudável e uma carreira de sucesso. Tudo desmoronou quando descobriu que Alex tinha uma amante a qual bancava com o dinheiro da empresa fundada por eles e a qual ela dedicava seu tempo. Poderia ter ignorado o fato e seguido ao lado dele, fingindo que tudo era perfeito.



            - Não mesmo! – Pensou.

            Pediu o divórcio e exigiu na justiça metade da empresa. Muito dinheiro, sem dúvida. Vendeu as suas ações e comprou parte de JRJ, além de investir em outros segmentos da economia. Era uma mulher muito rica. Mesmo assim, fazia questão de que Alex lhe pagasse uma gorda pensão. Era sua obrigação para com Joaquim e, se fosse sincera, reconheceria que tinha prazer em vê-lo pagar pelas despesas do filho sem que ele pudesse conviver com o menino. Ela fez questão de se mudar para outra cidade e, agora, para Alex conseguir passar um final de semana com o menino, precisava vir de Belo Horizonte até São Paulo ou lhe pedir para levá-lo até Minas Gerais.



            - Você merece por isso pelo que me fez. – Era o que sempre dizia a si mesma quando sua consciência a lembrava da tristeza causada por essa decisão.

            Agora ali estava, adaptando-se a uma nova casa e novo trabalho no qual não era a comandante de tudo e precisa debater os assuntos junto de Rafael e Jonas. E isso era um problema quando eles pareciam sempre estar às voltas com questões particulares.
            Tentando adaptar-se à nova realidade, Márcia mandou um recado ao seu novo advogado pessoal cancelando a reunião almoço que teriam já que Jonas e Rafael desorganizaram a sua agenda e enfim pode seguir a reunião que teriam com os sócios. A própria vida teria de esperar, como sempre.

            Aquele foi um dia extenuante para Jonas também. Quando enfim reuniu-se com Márcia e Rafael, a conversa alongou-se demais. A nova sócia, apesar de uma pessoa difícil para se conviver, tem grande competência administrativa e isso facilitava as coisas. Ela gosta de conduzir tudo com mão de ferro, analisando cada número da empresa. Isso leva tempo, porém, garante bons resultados. E o liberaria para dedicar-se ao que mais gostava, a engenharia das construções e lhe ofereceria mais tempo à vinícola. Não gostava de levar para casa trabalho. Lá era o momento de cuidar dos filhos e de passar algum tempo com Emily. Hoje, curiosamente, também era um tempo em que gostaria de passar com sua irmã já que Milena ainda não havia retornado ao sul, mas ela preferiu novamente recolher-se ao quarto.



            - Milena não vai jantar? – Ele estava estranhando demais o comportamento da irmã.
            - Não. Disse que ofereceria um lanche para Maria e elas ficariam no quarto depois. Elas saem cedo amanhã. Pegarão o primeiro voo.
            - Estou preocupado com minha irmã. Isso não é normal para ela. Milena sempre foi uma mulher reservada, mas nunca foi triste nem se isolou.
            - Sua irmã é adulta, Jonas. E não podemos viver a vida dela. Deixe-a fazer as coisas como ela prefere. Se é sem dividir seus problemas com a gente, que seja. Ela sabe que, caso precise, nós estaremos aqui.

            Emily sabia o quanto Jonas estava perto da verdade. Ele ainda não havia juntado as peças, mas estava no caminho certo. Milena nunca fora uma mulher que demonstrava sobressaltos. Sua vida sempre foi tranquila, sem arroubos de paixão juvenil nem crises emocionais. A forma como agora ela se fechava, era muito estranha. Somente uma vez ela surpreendeu a todos. Foi quando anunciou estar à espera de Maria Fernanda. Uma filha que, nas palavras dela, não teria pai. Ela chocou aos tão tradicionais Vicentin, mas, depois, Maria, fez o trabalho de conquistar a cada um sem nenhuma dificuldade. Ainda assim, a dúvida a respeito da paternidade dela ainda pairava sobre a família.
            Milena realmente pretendia dormir cedo para estar de pé antes do amanhecer e retornar à sua terra. Porém, já era madrugada e ela continuava revirando-se na cama. Tanto que ela resolver descer, fazer um chá e caminhar pela casa enquanto o sono não vinha. Em seus pensamentos, Nathan continuava a atormentá-la. Não era apenas pelo que ele lhe fez no passado, mas por medo que fossem criados vínculos com Maria Fernanda e depois, quando Nathan cansasse de ser pai, afastaste-se e fizesse a menina sofrer. Quando o chá já estava pronto, ela foi surpreendida pela cunhada que, ao que parecia, também estava com insônia.
           
            - Emily! O que faz de pé até agora? – Ela surpreendeu-se.
            - Acho que depois de termos filhos, perdemos o direito a um sono tranquilo. E você?
            - Nada eu...
            - Não precisa procurar desculpas Milena. Se não deseja falar o que te preocupa, não fale. E, quando quiser se abrir, pode contar comigo.





            Cansada de carregar tudo aquilo nas costas e não ter com quem desabafar, Milena pensou que após tantos anos na família, Emily certamente era digna de confiança. Porém, ela também era a esposa de Jonas e seu irmão não aceitaria bem caso soubesse de tudo. Além disso, Nathan e Emily conviviam muito. Emily não era pessoa mais indicada. Ainda assim, era ela a estar ali, no momento em que tudo parecia sufocar Milena.

            - Eu não aguento mais guardar tudo somente comigo. – Milena, enfim, reconheceu.         - Imagino o que está passando e não sei como suportou por tanto tempo, Milena.  – Diante do olhar confuso da cunhada, Emily continuou. - Eu já sei na verdade, na verdade eu imagino qual seja desde antes de você anunciar estar grávida. Maria Fernanda é filha de Nathan.
            - Como? Eu fui tão óbvia assim? Ou foi ele? Ele contou!
            - Não! Nathan jamais me falou nada e nem imagina que estamos tendo essa conversa. Eu percebi a aproximação de você e a sua tristeza quando ele foi embora. Depois, quando falou de Maria à família, juntei as coisas.
            - E Jonas?
            - Por mim ele jamais saberá de nada. Mas preciso te dizer que você é injusta com seus irmãos. Jonas e Lorenzo não iriam destratá-la nem a Maria. Somente Nathan teria problemas, é claro.
            - Não lhe desejo nada de ruim, apesar de tudo. – Milena foi totalmente sincera.
            - Isso porque você é muito boa, eu teria raiva dele. Sei que você ficou decepcionada quando descobriu que ele tinha esposa, mas Nathan casou muito cedo e não por amor.
            - Ele me falou disso tudo, Emily. Mas que respeito é esse que o fez ficar ao lado da esposa sem abandoná-la, mas que o permitia sair por aí divertindo-se com outras?
            - Entenda Milena, eu não o defendendo, apenas lhe digo que independente dos erros cometidos, ele merecia saber que iria ser pai. O destino é justo e naturalmente se encarregou de unir pai e filha.
            - Não sei se posso perdoá-lo. Nathan acha que tudo pode voltar ao que era antes.
            - Nathan se engana quanto a isso. Vocês têm uma filha, nada será como antes. Mas podem ter uma relação adequada, sem brigas e sem mais segredos. Acho que vocês devem reunir toda a família revelar o que se passou e legalizar toda a questão. Nathan tem obrigações morais para com Maria Fernanda.
            - Ele quer fazer isso. Mas não sei se estou pronta. – Havia lágrimas nos olhos de Milena.
            - Não precisa se preocupar com a reação de ninguém. Você é uma mulher independente. E, além disso, vovó Ângela sempre achou que você e Nathan formariam um belo casal. O único perigo é ela lhe pedir mais bisnetinhos.

            Milena recolheu-se com o coração mais leve. Dividir seu sofrimento com Emily a fez se sentir melhor. E como tinha total confiança na cunhada, dormiu mais tranquila e, logo cedo, seguiu para Bento Gonçalves. Iria pensar nas atitudes a tomar daquele ponto em diante e aproveitar os próximos dias para decidir que rumo daria na sua vida. Por sorte, Jonas não pode levá-la ao aeroporto. Ela preferia mesmo ir sozinha para não ter de responder mais perguntas.
            Jonas não podia levá-lo porque Rafael não estaria por lá e Márcia não era do tipo de sócia que aceitava substituí-los em agendas de última hora. Por isso, seria ele a atender dois clientes com quem Rafael havia marcado de conversar. O sócio estava em um compromisso de família. E dos mais complicados. Iriam ao abrigo dirigido por Marta para visitarem Isabely. A empolgação de Melissa lhe era chocante. Quase tanto quanto o mau humor de Tales com aquele compromisso.



            - Que saco! Agora vou ter que fica indo atrás de uma pirralha que nem conheço!
            - Justamente para você conhecê-la é que vamos lá! Ela poderá ser sua irmã!– Mel repreendeu ao filho. – E cuidado com esse linguajar porque eu lhe dei educação!
            - Melissa, vamos com calma...
            - Eu estou calma. Vamos logo que Marta deve estar aguardando já. – Com isso, Melissa encerrou o assunto e toda a família entrou no carro, rumo ao orfanato que servia de lar a Isabely.

            Aos poucos Emily percebia como seus amigos estavam cercados de problemas. Se Mel tentava a todo o custo convencer a família a adotar um bebê, ao chegar naquele dia ao restaurante, encontrou um furioso Nathan a cozinhar agilmente. Pensou em ignorá-lo já que obviamente ele estava irritado. Mas não seria boa alternativa. E pensou que um pouco de recriminação iria lhe fazer bem. Afinal, Nathan colhia os frutos do que passou anos plantando.



            - Você quer cozinhar ou quebrar todos os pratos? – Ela provocou-o. – Está irritado homem.
            - Sim, estou. Me deixe, Emily. Não sou boa companhia hoje.
            - Eu imagino. Até porque a companhia que você deseja está em Porto Alegre já.
            - Ela te contou tudo então. – Nathan não demorou a entender. – Que bom. E contou ao resto da família também?
            - Não. Na verdade eu já sabia faz tempo. Não era difícil adivinhar. Mas nessa madrugada Milena resolveu desabafar. Veja se não a faz sofrer mais. A sua cota já foi encerrada, Nathan.
            - Curioso como só os meus erros são vistos! Ou você acha justo que eu nunca tenha sido informado que Maria é minha? Quer dizer que você sabia de tudo e nunca me ligou para dizer a verdade?!? Que amizade é essa?
            - Sem drama, Nathan! Você foi um canalha! E, se eu fosse Milena, teria ido até a Itália para lhe dar uma bela surra, e não a notícia da paternidade! Quem você pensa que é para sair por aí fazendo filhos e enganando mulheres! Você mente, abandona Milena e ainda pensa ter direito de reclamar alguma coisa? Sinto muito abrir seus olhos, mas não é assim! Trate é de tentar remediar o que você fez!
            - Eu tinha o direito de saber!
            - Primeiro as obrigações, Nathan. Depois direitos. – Emily não se preocupou em amenizar os erros do amigo. – E pense bem antes de se aproximar de Maria. Milena é uma grande mãe e evitou até hoje que qualquer mal acontecesse à filha. Se você fizer a menina sofrer, ela jamais te perdoará. Ninguém na família irá aceitar isso.
            - Será que ninguém entende? – Revoltado, Nathan gritou tirando a panela do fogo e desistindo de cozinhar. - Eu já amo a Maria desde o primeiro dia que vi na fazenda. Não vou fazer minha filha sofrer. Jamais faria isso. Eu errei com Milena, sei disso, mas não errarei com minha filha.



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