domingo, 8 de maio de 2016

Alguém Para Perdoar - Cap 5


          Uma Milena fria e muito nervosa despediu-se de Emily e Jonas ao ir se recolher no quarto assim que Nathan foi embora. A breve conversa à frente de uma adormecida Maria Fernanda ainda ecoava em sua mente. Ele não apenas afirmou ter certeza da paternidade como lhe cobrou explicações. E por um breve instante ela passou de vítima a culpada. Breve. Por que logo depois lembrou-se do sofrimento que passou e de quem o causou. Armada dessas lembranças, voltou a acusá-lo mais preocupada em se defender.

            - Eu não tenho nada para te dizer. – Ela lhe disse antes de se voltar em direção à porta. Parou apenas quando a mão de Nathan fechou-se em seu braço. Não queria aquele toque. – Me solta!
            -Vamos conversar. Prefere aqui ou na sala na frente da família toda? – Ele estava realmente disposto a cumprir a ameaça. – Não me custa nada.
            - Não é hora nem lugar de falarmos nesse assunto. E não venha me ameaçar bancando a vítima! O culpado aqui é você.
            - Está bem. – Ele aceitou. – Não quero atrapalhar o sono de Maria Fernanda.
            - Ótimo...outro dias nós...
            - Não! Nem pense que irá me enrolar, Milena. Amanhã pela manhã, bem cedo, você irá me encontrar naquele hotel em que sempre íamos. Peça pela mesma suíte que usávamos.

            Milena gelou com aquela lembrança. Não era para ele lembrar-se daquele hotel, daquela suíte nem do que por lá aconteceu. Ela não queria recordar-se de nada daquilo. Apesar de nunca ter conseguido esquecer. Não teve alternativa a aceitar o que ele exigiu.

            - Estarei lá. Agora vamos para a sala, antes que Jonas desconfie de algo.

            Aparentemente, ninguém desconfiou do que se passou naquele quarto, mas o clima do jantar esfriou alguns graus. E após se recolher, Milena passou grande parte da noite acordada. Não era uma questão de decidir o que falar ou quais explicações ofereceria. Nathan não tinha condições morais de cobrar nada, não quando ao conceber Maria Fernanda enganava a todos e a dispensou no dia em que resolveu voltar para a esposa.
            Ainda assim, daquela conversa surgiriam rumos para sua vida. O que faria caso Nathan exigisse participar da vida de Maria Fernanda agora que parecia realmente interessado em viver no Brasil? E se fizesse questão de colocar seu sobrenome na filha. Durante algum tempo, sobretudo enquanto estava grávida, manteve alguma esperança de que ele voltasse arrependido e cheio de saudade. Em seus sonhos, ele seria surpreendido pelas mudanças que Maria tinha feito em seu corpo e ficaria emocionado com a ideia de ser pai. Pediria perdão e a assumiria como sua mulher. Isso jamais aconteceu. E o sonho congelou em seu coração.
            Agora entrar naquele mesmo hotel, encarar o mesmo recepcionista cumprimentá-la com um aceno discreto e lhe indicar o elevador por ainda mais doloroso. Quantas vezes fez aquele caminho? Muitas. Em todas estava feliz em ter com ele outro encontro às escondidas. E essa lembrança lhe dizia que também fora culpada porque permitiu-se ser enganada. Mas nada foi pior do que tocar a campainha do quarto sentindo-se humilhada, quase como uma acompanhante barata. Deparou-se com Nathan lindo, de cabelo molhado e barbeado, como costumava lhe esperar quando se encontravam logo pela manhã.

            - Não precisava ter tocado a campainha. Sabe que a porta sempre lhe aguarda aberta. – Ele afirmou, parecendo esquecer-se dos anos que passaram. – Entre e vamos nos sentar. Temos uma longa conversa. Quer beber algo?



             - Não. Quero ir direto ao assunto e voltar para casa logo. Adiei meu voo para Porto Alegre e pedi que Emily olhasse Maria essa manhã, mas pretendo estar na minha casa ainda hoje. – Ela lhe avisou, firme e sem fugir de seu olhar.

            Não foi fácil escapar do olhar curioso de Jonas e desconfiado de Emily naquela manhã. A cunhada estava muito desconfiada e até mesmo seu irmão, que jamais se intrometia em sua vida, olhou-a desconfiado quando avisou que estava adiando seu retorno ao RS. A desculpa foi o tratamento médico de Maria, uma suposta conversa que o especialista pediu. Mais uma mentira. Estava se tornando experiente em inventar desculpas.

            - Se esconder no sul não vai resolver nossos problemas, Milena. Sugiro que você fique aqui em São Paulo junto de Maria até que tudo esteja acertado.

            Toda aquela calma de Nathan a irritou e a fez esquecer tudo o que planejou naquela noite em claro. Toda a raiva de meses de sua ausência transbordou e ela extravasou, enfim, na frente dele.



            - Não fui eu a me esconder, Nathan. Eu estive sempre no meu lar. Foi você quem fugiu para a Itália! Não venha agora fingir que a culpa é minha!
            - Eu não fugi, nem me escondi. Não sou um covarde! Não abandonaria uma filha! E eu não participei da vida de Maria Fernanda porque você jamais me contou de sua existência. Essa culpa é sua sim.

            Nathan tinha consciência de que naquela discussão nenhum deles era totalmente inocente. Ainda assim, com certo tombo em seu orgulho precisou reconhecer sua imensa parcela de responsabilidade.

            - Eu preciso ouvir da sua voz a confirmação de que Maria é minha. Diga, Milena. – Implorou. E, caso não fosse, sofreria muito. Aquela menininha tinha de ser sua.
            - Eu queria poder dizer que não, poder afirmar que Maria Fernanda nada tem de você. Mas ela é sim sua.

            Com aquela notícia, Nathan sorriu.

            - Eu sei que errei com você, Milena. Mas eu jamais fugiria da minha responsabilidade como pai.
            - É fácil dizer isso agora e bancar o homem honrado. Mas a verdade é que você fez mais do que ‘errar comigo’. Você foi cruel, Nathan. Me transformou numa qualquer, numa amante. Brincou comigo enquanto a sua esposa por direito te esperava em casa. E então, quando se cansou de mim, voltou para a Itália e para a família perfeita. E depois disso tudo, de deixar claro que eu não era bem vinda na sua vida, esperava que eu fosse à Europa lhe contar que estava grávida e rastejar por um pouco de atenção? Não, Nathan! Eu e Maria Fernanda não precisamos de você!
            - Fale por si, mas não por minha filha. – Sentindo-se culpado, Nathan demorou a responder. - Sei que errei só te falando que era casado no dia que fui embora, mas você está equivocada em muitas coisas. Não pesquisou sobre mim? Não perguntou ao meu respeito à Emily?
            - Eu não quis ouvir seu nome depois daquele dia!
            - Se tivesse pesquisado, saberia que meu relacionamento com Valentina não é esse comercial de margarina que você pintou nessa cabecinha ingênua. Eu não a amava. Nos casamos porque era do interesse dos dois. E depois de um episódio muito triste em nossas vidas, Valentina passou anos em estado vegetativo sobre uma cama. Eu simplesmente não podia abandoná-la.
            - Eu não quero saber de nada disso! – Milena gritou.
            - Mas vai ouvir! Porque é a verdade! Valentina sofreu e eu sofri junto dela por anos vendo-a vegetar sem nada poder fazer nada. Fiquei com ela pelo carinho e você não pode me crucificar dessa forma!
            - Nada disso o obrigava a sair por aí enganando as pessoas. Eu dormi com você sem saber que era casado! Não importa se ela estava doente ou não, você foi desonesto e não se importou em me fazer sofrer ao me dispensar. Disse que era o fim, que jamais voltaria ao Brasil e que nunca mais nos veríamos. Que tipo de homem despreza assim uma mulher?
            - E então, por vingança, você decidiu que Maria não me conheceria! Não percebe que fez mal à sua filha numa vingança mesquinha contra mim?
            - Você não conhece Maria, não sabe o que já passei para lhe oferecer o melhor. Não esteve presente em nada de sua vida! Então não fale por ela!
            - Não estive presente por escolha sua!
            - Mentira! Você voltou apenas porque sua esposa morreu. Se tivesse tomado conhecimento da existência de Maria antes, não teria voltado.

            Nathan não sabia se aquela afirmação era ou não verdade. Por isso não questionou. O fato é que foram anos perdidos da primeira infância de Maria Fernanda. Um período importante e ao qual nada poderia substituir. Restava apenas olhar para frente.

            - Eu sou o pai dela e vou participar de sua vida. Precisamos contar para a sua família toda a verdade e legalizar essa situação. Além disso, vou querer conviver com ela.
            - Nossa vida é no RS! – Milena, desconfiada, lhe gritou.
            - Pode ser. Mas você pode ter um apartamento aqui e trazê-la em um ou dois finais de semana por mês. Eu posso financiar isso.
            - Não quero o seu dinheiro, obrigada!
            - Como preferir, desde que eu possa vê-la. Além disso, eu posso ir ao sul e passar alguns dias com ela quando você não puder trazê-la. A única coisa que não pode ocorrer é ficarmos distantes.

            Milena pensou e decidiu que precisavam se respeitar. Apesar de tudo, Nathan tinha direitos sobre a filha e entrar em uma disputa judicial era tudo o que não desejava. O melhor que poderia fazer ali seria ganhar tempo para pensar e habituar-se a ideia de não ser mais a única responsável pela filha.

            - Eu preciso de tempo...vou voltar hoje para Bento Gonçalves e  depois nós conversamos.
            - Milena...
            - Não, Nathan! Não pode chegar do nada e desestabilizar a nossa vida. Preciso preparar a minha família para receber a notícia de que você é o pai de Maria. E nem pense em falar antes que eu resolver que é hora. Estamos de acordo?
            - Sim. Desde que não demore muito.




            Em outro ponto da cidade, Melissa, já no fim da manhã, encontrava-se frente a frente com o marido. Ela o tinha deixado ir trabalhar sem tocar novamente no tema adoção. Mas lhe telefonou por volta das 11hs para ter certeza que ele viria almoçar em casa e pedir que chegasse cedo. Estava ansiosa. Quando Rafael enfim chegou, ela sorria feito uma criança que acabara de ganhar um doce.

            - Posso saber a razão da pressa e dessa alegria toda? – Rafael disse ao beijá-la.
            - Quero conversar com você antes de Tales chegar da escola. Minha advogada já me ligou e enviou uma lista com tudo que será necessário para a adoção.
            - Eu lhe pedi calma, Melissa...não concordei com isso.
            - E eu estou agindo com muita calma. Por isso, antes de darmos entrada com qualquer pedido, ela nos aconselhou a fazer uma visita a Isabely e talvez nos tornarmos padrinhos dela. O que você acha?
            - O que inclui sermos ‘’padrinhos”? – Rafael pouco entendia desse mundo chamado adoção.
            - Incluir visitá-la com alguma frequência, acompanhar sua vida escolar, lhe custear algumas necessidades específicas, quando surgirem e...mais tarde, quando estivermos mais adaptados, trazê-la para passar alguns dias aqui em casa. Talvez nas férias escolares. O que você acha?
            - Acho isso tudo uma loucura. Mas já é melhor do que entrar com processo de adoção. Está bem, converse com Marta e marque uma visita ao abrigo e eu irei com você.



            Melissa não se importou com o mau humor aparente de Rafael. Até porque estava habituada demais com seu marido e sabia que ele respondia assim aquilo que era novidade. Rafael também se assuntou quando ela, assim que voltaram da lua de mel, lhe afirmou estar grávida. Mas aquela angústia inicial se transformou e motivação e Tales teve o melhor pai possível. O coração de Rafael logo se abriu para acomodar o filho. Com doçura e firmeza, ele participou de cada momento da vida do filho. Tanto que, ao chegar para almoçar, Tales sorriu ao encontrar o pai.

            - Pai! Você veio comer com a gente. Que legal!

            Tales não fazia ideia que estava prestes a ganhar uma irmã. Mel e Rafael não sabiam se era ou não aconselhável incluí-lo naqueles planos. Talvez servisse apenas para deixá-lo angustiado. Mesmo assim, eles resolveram testar qual seria sua reação.

            - Filho...o que você acharia da ideia de ter uma irmã? – Melissa perguntou.

            O menino de apenas 14 anos continuou mastigando sua refeição e só encarou a mãe em resposta por alguns segundos. Não sabia o que dizer. Por várias anos ele pediu aos pais um irmão. Hoje, no entanto, aquela ideia parecia muito fora da realidade.

            - Não quero um bebê chorão não, mãe. Pra que? Só pra me acordar na madrugada? – Mas ele também não queria magoar a mãe. - Você ta grávida?
            - Não, meu filho. A mamãe não está grávida. Se você tiver uma irmã não será um bebê?
            A conversa não se estendeu muito mais. Rafael despediu-se do filho e beijou a esposa lhe pedindo para agir sem atropelos. Depois pegou o carro em direção a JRJ. Tinha uma reunião de diretoria. Mais uma. Elas estavam muito frequentes desde que houve mudanças na liderança da empresa. Para desgosto dele e de Jonas, Juliana resolveu não retornar ao Brasil ao fim de seu curso no exterior. Por isso, ela vendeu sua parte na empresa não aos já sócios, mas incluindo uma nova proprietária. O que irritou Rafael e Jonas.



            Márcia Campos, uma executiva competente, porém insuportavelmente exigente, agora respondia como diretora administrativa e proprietária de 33% da empresa. O que incomodava não era a sua forma de gerenciar. Ao contrário, Márcia é organizada e experiente. O problema dela é o péssimo relacionamento com a equipe. Estando lá há apenas três meses, ela já era odiada por funcionários e parceiros. Segundo Juliana, todos aprenderiam a conviver com Márcia.

            - Ela é ótima. – Explicou a ruiva. – Não venderia minha parte na JRJ para alguém incompetente.
            - Não sabia que desagradável e grosseira eram sinônimos de ‘ótima’. – Jonas, na época da venda cobrou a antiga sócia. – Ninguém a suporta com aquele estilo militar e cheia de regras. É uma mal amada cheia de regras.
            - Reclame menos e trabalhe mais, é assim com Márcia. Vocês se adaptarão. Ela está mais rígida, eu reconheço, devido ao seu recente divórcio. Mas nada com que vocês não possam lidar nem se habituar. E o importante é sua competência.

            Rafael e Jonas vinham tentando se adaptar. Não era tão fácil quanto Juliana fazia parecer, mas estavam conseguindo, aos poucos, se aproximar da nova sócia. Ela nunca aceitava convites para sair e jantar com suas famílias, mas eles não desistiam.

            - Márcia já está nos aguardando para a reunião. Vamos? – Jonas o cumprimentou assim que viu Rafael entrar na empresa.
            - Não. Quero conversar com você antes. Algo pessoal. Márcia que espere.

            Sem muitos detalhes, Rafael contou a Jonas a ideia de Melissa de adotar uma criança já crescida e problemática. Sabia ser uma adoção muito diferente da feita por Jonas e Emily, mas, ainda assim, desejava a opinião de Jonas.



            - Não sei como dissuadi-la disso. E já imagino minha vida virada do avesso com uma criança que não nos respeitará e tentará fugir a todo o momento. Mas Mel está tão decidida e encantada que não consigo pensar em nada para fazê-la desistir. Já pensei até em sugerir uma gravidez...mas não sei se adiantaria algo.
            - Bom, meu amigo, eu acho uma coisa linda o que vocês estão pensando em fazer. E não importa de onde a menina venha e qual sua origem, importa é  o amor que os dois darão a ela.

            Os dois teriam continuado a conversa por mais alguns minutos não fosse a invasão na sala de Jonas. Márcia passou reto pela secretária e, ainda seguida por Valquíria, invadiu o escritório. Parecia não tratar com sócios e sim funcionários.

            - Vocês pensam que eu tenho o dia todo para esperá-los enquanto conversam?
            - Márcia, estou falando algo pessoal e importante com Jonas. Será que você pode respeitar isso? – Rafael ficou atônito pela postura de Márcio.
            - Problemas pessoais ficam fora da empresa. E atrasar uma reunião para conversar em particular é inaceitável!

            Ela saiu tão rápido quanto entrou e deixou Jonas e Rafael rindo do ridículo daquela cena. Aquela mulher deveria ser imensamente infeliz. Porque ninguém, nem mesmo o mais preocupado e competente executivo precisava se comportar daquela forma para ter sucesso.


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