quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Alguém Para Amar - Capítulo 33


            A decisão de onde passar a noite de núpcias do casamento foi difícil para Lorenzo. Pensou em viajar com Jéssica naquela noite mesmo para a lua de mel. Desistiu acreditando que o descanso entre a festa e a viagem seria importante para ela. Então escolheu o mais simples, óbvio até, mas que representaria muito para eles. Levou-a até a casa deles, seu lar no RS. A casa feita em pedra e localizada no centro de Bento Gonçalves serviria bem para o início de sua vida de casados.
            Depois de muito ele pedir que Jéssica sugerisse modificações no lugar e conversasse com a arquiteta para iniciar uma reforma ali, Lorenzo convenceu-se de que não adiantaria. Ela não ira se intrometer naquilo por a casa ser dele. Ao invés de iniciar uma briga, ele mesmo conversou com a profissional e lhe pediu o que desejava. Manteve toda a estrutura da casa, mas reformou o banheiro do quarto de casal, ampliou o quarto de Clara e redecorou a sala de estar. No quarto dos gêmeos nada fez. Depois que soubessem o sexo dos bebês, eles poderiam decorar como desejassem. O restante da casa estava pronto. E Lorenzo teve o prazer de ver os olhos de Jéssica se iluminarem em surpresa.

            - Você mudou a casa. – Foi uma constatação, não pergunta.
            - Apenas uma cara nova. Não mexi na estrutura. – Lorenzo esclareceu. – Depois você vê tudo com calma. Agora estou ansioso para tirar esse vestido de você e tê-la na nossa cama.

            Jéssica gostou de saber que aquela noite seria passada na casa deles. Hotéis eram lindos, mas ali era o lar deles. Seria ali que viveriam sempre que viessem para o Rio Grande do Sul e era ali que precisam encontrar felicidade. Não seria difícil. Não quando Jéssica tinha um marido dedicado ao estremo.
            Eles passaram direto ao novo banheiro, que havia recebido uma banheira confortável. Ali, Lorenzo soltou cada mecha de cabelo, até que ele caiu sobre seus ombros, um tanto ondulados pelas camadas de fixador. Depois foi a vez do vestido ser descartado. Apesar de lindo, ele foi brevemente dispensado por Lorenzo. Assim como as roupas íntimas usadas pela esposa.

            - É um presente poder olhá-la assim. Tão linda. Tem noção de como está perfeita nesse exato momento?

            De tanto ouvir de Lorenzo elogios daquele tipo, Jéssica começava a acreditar que era sim muito bonita. Ele estava fazendo maravilhas por sua autoestima. E disposta a cuidar dela muito mais. Seu agora marido, Lorenzo acomodou Jéssica na água morna enquanto tirava as próprias roupas. Só para provocá-la, fez o trabalho lentamente, provocando-a. Sabia que uma das mudanças trazida pela gravidez é que agora Jéssica tinha muito mais apetite sexual. Era estranho observar isso nela, principalmente quando o rubor tingia as maças de seu rosto tudo a vez que isso ficava evidente. Era quase como se ela se sentisse envergonhada por desejá-lo a ponto de perder o controle. Já ele, deliciava-se em cada instante. Agora sentava-se sorrindo, observando a esposa na água perfumada feito uma deusa e observava-a enquanto abria a camisa lentamente.

            - Vai me provocar muito? Ou virá me fazer companhia? – Ela estava tímida com aqueles olhares.
            - Eu não perderia isso por nada.



            Quando ele enfim tirou toda a roupa e entrou na água, Jéssica percebeu que as deliciosas provocações estavam apenas iniciando. Nas mãos de Lorenzo, Jéssica sentiu uma doce tortura. Ele sentou-se às suas costas e Jéssica tinha a sensação de senti-lo em todas as partes do corpo. Às costas sentia-o firmar-lhe, na cuca tinha arrepios em cada vez que seus dentes a arranhavam. E as mãos dele pareciam estar em qualquer lugar. De repente a água pareceu gelar, em contraste aos corpos fervilhando.

            - Eu quero você. Agora. Aqui. – Jéssica disse contorcendo-se.
            - Eu estou só começando, meu amor. – Lorenzo respondeu.

            Mas não na água. Porque ele também já começava-a a senti-la fria e o conforto e aconchego da cama macia estavam convidativos. Levou Jéssica para a cama e espalhou seus cabelos louros pelo travesseiro. Novamente pensou que ela, plena em feminilidade como estava, parecia uma deusa similar as das representações gregas.

            - Linda, perfeita. – Disse ao pegar um frasco de óleo perfumado e pingar algumas gotas sobre a pele de Jéssica.

            Com paciência e mãos delicadas, Lorenzo espalhou o produto, começando pelos seios inchados, a barriga redonda e seguindo pelas coxas alvas e macias até os pés. Curioso como algumas partes dos pés, ao tocadas, despertavam sensações muito intensas.

            - Depois vou querer saber onde você aprendeu a fazer isso. – Jéssica provocou entre suspiros.
            - Depois por quê? Não quer saber agora?
            - Não...agora não tenho condições de me concentrar em nada.

            Num riso charmoso e deliciado que já era conhecido de Jéssica, Lorenzo mudou de posição na cama para encostá-la em alguns travesseiros e, tendo-a confortável, aquecer-se na maciez de seu corpo. Fazer amor com uma gestante exigia criatividade e paciência ao amante para que a grávida tivesse prazer em segurança. Essas características não faltavam a Lorenzo e agora ele já conhecia tão bem o corpo e as reações de Jéssica que quando enfim a tomou para si, sabia que ela estava em êxtase. E quando se aliviou dentro dela encontrou reencontrou aquela velha sensação de estar em casa. Relaxou e deitou-se de costas na cama, puxando-a para encostar a cabeça em seu peito. A diferença é que agora sentia também a barriga arredondada de Jéssica junto de seu abdômen. Seus filhos estavam ali, manifestando-se ao mexer na barriga da mãe.



            - Tudo bem? – Ele perguntou mesmo sem ter dúvida disso.
            - Tudo ótimo. Tudo perfeito.
            - Ótimo. Vamos dormir então. Amanhã cedo viajaremos.


            A viagem na manhã seguinte foi rápida. Em menos de duas horas eles estavam em Gramado. Mas o visual da cidade deu a Jéssica a sensação de estar em um lugar muito distante. Não parecia o Brasil, não lembrava em nada os cenários tropicais tão procurados pelos turistas. Era um lugar famoso pelo frio e pelo chocolate que em alguns anos era brindado pela neve. Passariam ali uma semana, tempo suficiente para conhecerem os principais pontos turísticos e já sentirem saudade de Clara.



            Na primeira noite eles saíram para caminhar numa larga alameda. E Jéssica viu que, iluminada, Gramado ficava ainda mais bela. As casas mantinham arquiteturas antigas, com chaminés e torres. Muita madeira decorava as residências e todas contavam com lareira. Quando o frio ficou mais intenso, Lorenzo levou-a para o hotel. Essa era outra das vantagens da Serra Gaúcha, o frio dava a desculpa perfeita para manter Jéssica aquecida em seus braços.

            Aquela semana também passou muito rápido para Emily e Jonas. Ele curtia seus últimos dias de licença da JRJ e Emily estava a cada dia mais empolgada com o novo restaurante. E Dedicando-se intensamente a esse novo projeto, Emily já procurava o local e imaginava como organizaria a nova equipe de trabalho.

            - Quero te convidar para, quando esse projeto se concretizar, ser maitre. – Emily disse a Márcio. – Será um espaço muito mais refinado. O cardápio será assinado por Nathan Johnson. E servido num ambiente classe A.
            - Eu adorarei ajudá-la nesse novo projeto, minha querida. Mas e o seu restaurante?
            - Seguirá na ativa, como sempre. Eu contratarei chefs para ajudarem em ambos. E para o seu lugar...estou pensando. Como Jéssica tem se saído na recepção aos clientes?
            - É muito esforçada. Os trata com cortesia e eficiência. Mas não é uma conhecedora de vinhos, apesar de que com o marido que tem, muito em breve deve superar essa dificuldade. – Desde que Lorenzo, feito um herói, defendeu Jéssica de Bruno, Márcio estava encantado por ele.

            Emily orientou o amigo e funcionário de longa data a aproveitar o período entre o retorno de Jéssica da lua de mel e sua saída para licença maternidade para ensiná-la tudo o que sabia. Sem dizer nada. Ela iria observá-la mais de perto. Caso acreditasse que ela daria conta do cargo, faria o convite para que Jéssica assumisse o lugar de Márcio quando voltasse da licença maternidade. Caso não fosse possível, ela poderia seguir como auxiliar na cozinha.
            Mas nem só de trabalho viviam os Vicentin. A rotina com os filhos estava a cada dia mais deliciosa de ser vivida. As horas junto de Vida e Bernardo pareciam passar tão rápido que eles por vezes desejaram parar o tempo. Tudo passava muito rápido. Vida acabara de completar um ano. Eles comemoraram a data intimamente. Só os quatro no apartamento. Era assim que se sentiam mais felizes e confiavam que Vida percebia o tanto de amor já havia à sua volta. Já Bernardo completara três meses naquela semana. Havia ganhado muitos centímetros e algumas gramas. Estava lindo e a cada momento mais manhoso. Adorava o colo dos pais.
            Esse apego muitas vezes impedia Jonas e Emily de ter uma noite tranquila. O pior é que quando Bernardo chora, também acorda a irmã mais velha. E Vida não gosta de ter seu sono de beleza interrompido. Quando acorda no meio da noite ela chora junto do irmão. E aí ninguém no apartamento consegue descansar. Isso prejudicou a vida do casal no único setor que eles ainda seguiam inseguros dos resultados da cirurgia de Emily. Depois do parto e da histerectomia, eles não tiveram relações sexuais. Primeiro por proibição médica, depois pelos temores do casal e, atualmente, pelas interrupções dos filhos.
            Naquela noite Emily chegou tarde do restaurante e encontrou Jonas sentado na sala à sua espera. Vida e Bernardo estavam já em seus berços e Emily foi beijá-los antes de tomar seu banho.

            - Deram muito trabalho? – Banhar e alimentar dois bebês não era fácil.
            - Quase nada. – Jonas, porém, jamais reclamava.

            Logo depois estava sentada à mesa da cozinha, tenho a camisa de Jonas sobre o corpo e as mãos dele a apertá-la. Minutos assim eram raros para qualquer casal com filhos. Quando esses eram dois bebês era mais raro ainda.
                       


           
            Jonas até tentou lhe oferecer algum jantar. Emily estava mais interessada em ter o marido como refeição. Ela tratou de abrir as roupas dele e se fartar naqueles músculos, sempre à sua disposição. Mas foi só as carícias esquentarem para um chorinho fino se fazer ouvir. E logo depois ele ganhou eco em outra garganta. Quando Jonas se afastou de Emily e viu nela a mesma decepção que sentia.

            - Eu vou ver as crianças. – Ela avisou descendo da bancada da cozinha.
            - Vou com você. Amanhã terei uma conversa séria com essas crianças. Quando eles estão brincando papai não atrapalha. Mas é só eu chegar perto da mamãe que Bernardo solta as cordas vocais. Isso não é justo!

            Era brincadeira. Mas tinha um fundo de verdade. Três meses era tempo demais sem sexo, ainda mais quando Emily havia recuperado as curvas do corpo rapidamente. E, como se não bastasse, parecia agora mais macia e curvilínea que antes.
            Jonas e Emily acalmaram o choro dos filhos e os colocaram novamente em seus berços. Vida foi ninada por Jonas. E Emily afagou Bernardo até que ele adormecesse. O caçula da família, já grudado na mãe, parecia sentir seu cheiro de longe e adormecia muito mais fácil quando era Emily a cantarolar por perto. Bernardo parecia saber da força com que sua mãe desejou-o, inclusive arriscando a própria vida. E agora queria recompensá-la. Pena que nesse objetivo acabava estragando momentos íntimos do casal. Nada com o que eles não conseguissem lidar.
            Quando enfim chegaram em seu quarto era tarde demais e sabendo que o dia seguinte seria cheio, foram dormir cansados. Sem sexo, porém, com o coração transbordando de amor. O dia seguinte seria a despedida de Jonas dos tempos de descanso da construtora. Ele e Emily aproveitariam para passar o dia juntos. Jonas acompanharia a esposa numa visita a alguns pontos comerciais que poderiam servir ao novo restaurante. Após deixarem Vida na escola e Bernardo com Marta por algumas horas, seguiram para aquele raro momento de paz a dois. Foi uma manhã cansativa vistoriando lugares. Seguida por um almoço satisfatório. E na volta, quando Emily quis que Jonas seguisse em direção ao orfanato para resgatar Bernardo, percebeu que ele ia em outra direção. A do motel que costumavam frequentar nos tempos de relacionamento sem compromisso.

            - Motel! Quem você pensa que eu sou?
            - Minha mulher, querida. E uma mulher e tanto. – Ele não se surpreendeu com o bom humor que via em Emily. – Quero você. E não aguento mais esperar.




            A tarde no motel teve cara de reencontro. Não só com o lugar, ou de um com outro. Mas de cada um com o próprio desejo sexual. Jonas viu e tocou na cicatriz localizada no baixo ventre da esposa. Logo quando a trouxe para casa, temeu que ela se revoltasse com a marca e não lhe permitisse vê-la. Enganou-se. Emily via o que preferia ver e dizia a si mesma que aquele fino traço localizado na parte baixa de sua barriga era uma recordação do feliz dia de nascimento de Bernardo. Todo o resto ela apagou num passado distante.
            Emily não mais pensava em dor, endometriose ou histectomia. Ao se postar nua na frente do espelho via uma mulher normal. Qualidades e defeitos ali estavam. Cicatrizes lembravam-na de tudo o que já passou na vida. Também via uma mulher da qual se orgulhava. Profissional de sucesso. Capaz de se sustentar sem depender de ninguém. Esposa amada e apaixonada. E, agora, mãe de duas crianças. Estava realizada em sua vida. Por isso, não seria uma cicatriz que a faria sentir vontade de se cobrir. Que Jonas visse a marca, tocasse e acostumasse com essa Emily, marcada sim pela doença, mas curada e muito feliz.
            E Jonas não se importou nem um pouco com aquela cicatriz. Estava mais preocupado em, palmo a palmo, conhecer as novas curvas de sua mulher. Jamais lhe diria, sob pena de deixá-la muito irritada, que seu quadril seguia um pouco mais largo e as coxas mais roliças. Sentia um pouco menos de músculos e mais maciez em seu abdômen. Estava deleitando-se com isso.

            - Meus filhos que me perdoem, mas hoje a mamãe é só minha!
            - Sou sempre sua...só com um pouco menos de tempo. – Ela respondeu em provocação. – Agora acho bom você aproveitar esses minutos a sós que temos.

            Ele não se fez de rogado e avançou sobre ela com fúria digna do tempo distante.

            Uma semana se passou e lá no sul o clima de romance permanecia entre Jéssica e Lorenzo. Às vezes Jéssica se questionava se aquele homem era perfeito ou se ela é que não via seus defeitos. Qual fosse a resposta, estava ótimo daquela forma. Após manhãs de cafés coloniais fartos, passeios tranquilos, tardes de muitas compras e noites muito bem aproveitadas, chegara a hora de voltar para casa.

            - Gostou da nossa lua de mel?
            - Lorenzo, eu gosto de estar ao seu lado, seja onde for. – Ela não tardou em lhe falar.

            Quando chegaram novamente em Bento Gonçalves o plano era ficar mais alguns dias na fazenda ou na casa deles e só então retornar para São Paulo. Foram bem recebidos por todos. Mas ninguém comemorou mais do que Clara. Foram poucos dias e, mesmo assim, a menina sentiu a falta dos pais. As primeiras horas na fazenda após a viagem Lorenzo passou junto da filha abrindo presentes e ouvindo histórias de tudo o que ela fez naqueles dias.

            - Vovô Leonel disse que vai me dar um cavalo. Um cavalo bebê! E vai me ensinar a andar nele! – Clara disse entusiasmada. – Eu posso levar ele pro apartamento?
            - Acho que não. Ele será mais feliz aqui, com muita gente cuidando dele. Mas o papai te trará para vê-lo.

            Os tempos de tranquilidade só foram encurtados no dia seguinte quando a família foi passear no centro da cidade no meio da tarde. Como mesmo antes de Jéssica estar grávida Lorenzo já afirmava, dessa vez não haveria barriga escondida nem disfarçada. Ela usava um vestido que chamava a atenção aos gêmeos e muitos sorriam ao vê-la. Jéssica devolvia o sorriso e percebia Lorenzo acarinhar seu ventre como se fizesse questão de dizer a todos como se orgulhava daqueles bebês.
            Um desses olhares veio de um casal idoso já conhecido por Jéssica. Anitta e Fabrício, pais de Alice, primeira esposa de Lorenzo, estavam observando os dois com um olhar triste. Quando eles se aproximaram, Lorenzo pensou que teria pela frente gritos e ofensas. Mas não foi assim. Não havia mais raiva neles, só tristeza. Viam em Jéssica o futuro que foi tomado de Alice. Aquela felicidade, aqueles afagos no ventre, aqueles bebês, tudo aquilo deveria ter sido dela. A vida lhe foi tão injusta quanto breve.

            - Anitta e Fabrício. Como vão?
            - Bem, na medida do possível, Lorenzo. – Fabrício respondeu. – Ficamos sabendo do casamento. Meus sinceros parabéns.
            - Obrigado. – Lorenzo respondeu. – Anitta, eu espero que não guarde mágoas de mim ou da minha família. Eu a tenho como mãe.
            - Eu sei, querido. Apenas...não é fácil. Alice queria muito ter um filho seu, sonhava andar de mãos dadas com você com uma imensa barriga. Só achava que deveria esperar. Vocês ainda eram tão jovens. Eu lhe disse para espera. E me arrependo tanto. Hoje eu poderia ter um neto homem feito, que me lembra-se de Alice.
            - Anitta... – Fabrício tentou interrompê-la.
            - É uma dor que não se encerra. – Ela complementou.

            Aquele encontro terminou com os quatro emocionados. Anitta e Fabrício pela filha que perderam, Jéssica sentindo-se mal por estar feliz e Lorenzo dividido. Seus antigos sogros o puxaram de volta a uma tristeza que ele julgava ter enterrado. Calados eles voltaram para casa. Até mesmo Clara, que nada entendia do que se passava, pareceu mais quieta. Via na expressão dos pais que algo de muito errado ocorreu. Lorenzo levou Jéssica e Clara para a fazenda e, deixando a esposa muito preocupada, saiu novamente, sem dizer nada para ninguém.

            - Fica tranquila. Logo ele aparece. Lorenzo não é de sumir. – Milena lhe disse ao vê-la a cada instante mais nervosa.
            - Por isso mesmo. Lorenzo não é assim. Deve estar bebendo em algum lugar. Quer esquecer...ou lembrar.

            Pressionada, Jéssica contou para a irmã de Lorenzo o que aconteceu durante a tarde e então ela concordou que Lorenzo talvez estivesse precisando do ombro de alguém. Ele não atendia o celular e quando a noite caía Jéssica já estava decidida a ir atrás de seu homem.

            - Não! Você não conhece bem a estrada. – Milena se colou contra a ideia, assim como toda a família.



            Não houve quem pudesse dissuadi-la. Num carro emprestado, Jéssica seguiu pela cidade. Ela estava muito segura na direção. Ao contrário do que eles pensavam, há tempos havia decorado o caminho, após várias viagens naquele trecho. E dirigia muito bem desde os seus 16 anos. Só não teve condições financeiras de tirar carteira, algo que seria desnecessário porque não pretendia comprar um carro, nem tinha recursos para isso.
            Sinto posto e rádio ligado, ela colocou o carro na estrada um minuto antes de ligar para Lorenzo e mais uma vez não ser atendida. Fez o que considerou certo. Ele é seu marido, pai de seus filhos. Se alguém tinha de ir vê-lo num momento de dificuldade, esse alguém é ela. Chegou em casa e viu tudo escuro, talvez ele não estivesse ali. Estacionou já um tanto arrependida de vir. Piorou ao entrar e vê-lo no escuro. Na mesa à sua uma garrafa de vinho aberta, porém ainda cheia. Beber para Lorenzo era um prazer feliz, não um modo de esquecer as dores. Porém, em suas mãos estava a foto de Alice, aquela que ele guardou na primeira vez em que esteve na casa.

            - Então é aqui que você está...com ela. – Jéssica disse após entrar sem que ele tenha percebido sua presença.
            - Jéssica! O que faz aqui? – Ele ergueu-se da cadeira, guardou a foto e agiu como se aquilo não fosse importante. – Quem te trouxe?
            - Eu peguei um carro e vim.
            - O que? Não! Por quê?

            Jéssica já estava um tanto aborrecida quando chegou. Mas talvez se Lorenzo tivesse lhe abraçado e pedido desculpas pelo sumiço, tivesse se esquecido de tudo e só se aconchegado a ele. Mas Lorenzo escolheu atacá-la ao invés de assumir a culpa.

            - Você não pode dirigir, à noite, nessas estradas! Não grávida! Você nem tem carteira!
            - Não grita comigo, Lorenzo!
            - Irresponsável! É isso o que você foi hoje.
            - Não! Irresponsável é o marido que some e não atende a esposa no celular.
            - E se acontecesse um acidente? E se você batesse contra uma árvore qualquer? – A ideia, só a ideia, de perdê-la ou vê-la machucada era dolorosa demais. Tanto que o fazia perder a pouca razão que manteve em meio aquele péssimo dia. – Você é minha vida! Droga! Você e as crianças. Se perder vocês, não resta nada.
            - Então devia ter ficado com a gente. Não vir sozinho pra casa, chorar por uma mulher que já está morta. Eu estou viva!

            Ciúme. Apenas cinco letras capazes de fazer ferver o sangue de qualquer um. Ciúme que manteve Jéssica raivosa mesmo reconhecendo as razões de Lorenzo para estar nervoso. Enfim ela conhecia um lado dele do qual não gostava. Lorenzo mantinha sentimentos e medos por conta de Alice e de sua morte trágica. Isso não ia acabar, fazia parte dele e era muito pouco se comparado às qualidades daquele homem. Ainda assim, ela subiu as escadas triste e se trancou no quarto.
            Lorenzo ficou um pouco sozinho. Guardou o vinho que, naquela noite, teve sabor desagradável. Reconheceu que havia passado do ponto. Nunca aceitaria que Jéssica saísse à noite dirigindo naquelas estradas fatais. Ele, porém, errou muito. Com ela, com Clara e com os gêmeos. Não pensava em Alice como mulher. Lembrou sim dos sonhos perdidos na morte dela. Da dor que sentiu quando o médico lhe disse que não havia o que fazer. Lembrou-se do dia em que falaram de ter filhos, da tarde do casamento e...da manhã em que a viu pela última vez. Anitta tinha razão, aquela era uma dor que jamais cessaria. Mas precisava ficar encarcerada. Ou ele jogaria fora sua chance de ser feliz. E isso estava longe de seus planos. Correu até a porta do quarto do casal e encontrou-a fechada. Com poucos dias de casado isso era muito frustrante.

            - Jéssica! Abre, por favor. Me perdoa. Eu não quis gritar com você...só...só me assustei em te ver aqui. Abre, por favor.
            - Não, Lorenzo. Se quiser fazer algo de útil, vá buscar Clara.

            Preocupado, Lorenzo fez isso. E só ficou mais tranquilo quando ao voltar com a filha e instalá-la em seu quarto antes de voltar ao do casal, girou a maçaneta e viu a porta se abrir. Depois que a raiva passou, Jéssica destrancou-a. Ela já dormia e eles não conversaram. Sobre o travesseiro ela lhe deixou um bilhete. [Prefiro voltar para São Paulo amanhã mesmo] Passara da meia noite então o amanhã já era hoje. Antes de dormir Lorenzo transferiu as passagens. Naquela tarde eles embarcariam. Ainda sentindo o cheiro dos cabelos dela, Lorenzo adormeceu abraçando-a pela cintura.

            Levou dois dias para o relacionamento voltar ao que era. Mesmo em SP Jéssica não o tratou melhor. Não houve mais discussões nem gritos e o mais provável é que Clara sequer tenha percebido o clima ruim entre os pais. Mesmo assim, a mágoa continuava ali, densa e difícil de vencer. Em todos os momentos que Lorenzo tentou se aproximar, Jéssica tratou-o com respeito e, mesmo assim, ele via aquela tristeza em seus olhos. Talvez se ela estivesse brava e gritando, ele soubesse lidar melhor com o problema. Assim, Jéssica parecia a Lorenzo um pouco inacessível. Até porque as indicações médicas eram para não irritá-la. Tranquilidade fazia bem aos bebês.
            E foram eles que restauraram a paz. No dia em que eles teriam uma consulta médica para tentar descobrir o sexo dos bebês, Jéssica desde o início da manhã já olhava para Lorenzo com olhos mais doces. A expectativa por aquele dia era linda demais para gastar energia brigando com quem já lhe deu tanto. A família tomou café unida, num clima muito amistoso. Os planos eram deixar Clara na escola e seguir direto para a clínica. A filha estava tão ansiosa quanto eles.

            - Bom dia. – Como em todas as manhãs, Lorenzo cumprimentou-a com um beijo. – Se sente bem?
            - Bom dia. – Pela primeira vez desde a discussão ainda no RS, Jéssica beijou-o em resposta. – Muito bem. E muito ansiosa. Quero ver nossos filhos.



            Eles viram. Com as mãos entrelaçadas assistiram Leonor mexer no equipamento de imagem e observar os bebês por diversos ângulos. Já estavam bem mais formados e o que antes eram manchas, agora já tinha a forma de dois bebês. E eles pareciam se encaixar perfeitamente no ventre de Jéssica. Lágrimas surgiram nos olhos dela. Lorenzo manteve-se firme, algo que lhe custou muito esforço. O amor por aquelas crianças já o tinha mudado muito. E enfim tiveram a notícia que tanto aguardavam.

            - Um casal. Você carrega um menino e uma menina, Jéssica. Já podem preparar os enxovais, rosa e azul. Parabéns!

            Com essa notícia Lorenzo se sentiu tão sortudo, tão feliz e abençoado por Deus que passou a questionar-se se ainda tinha o direito de sofrer pelo passado quando o futuro lhe sorria daquela forma. Olhar para Jéssica, ouvir o sorriso de Clara e imaginar seus bebês pareciam como uma passagem só de ida para uma terra feliz. Como que confirmando isso, depois de se vestir Jéssica lhe beijou e estendeu a mão para sair. As tristezas ficaram no passado. E quem havia errado já não importava.

            - Me perdoa. Não devia ter gritado com você. – Ele ainda lhe disse.
            - Tudo bem. Eu também não tinha o direito de sentir ciúme do seu passado, nem deveria ter saído de carro sem ter carteira de motorista.
            - Depois que os bebês nascerem você pode tirar a carteira e dirigir meu carro quando quiser. Na verdade, não me ofereço para te comprar um carro porque você me faria engolir as chaves. E eu não quero mais brigar. Prefiro quando você sorri assim.
            - Eu brigaria mesmo. Não pretendo comprar carro, Lorenzo. Mas vou tirar a carteira. É bom para uma emergência.
            - Está bem, se você prefere assim. – Lorenzo tentaria se acostumar com ela ao volante e a não fazer comparações. Ela não era Alice, nem sofreria um acidente como ela.

            Com a paz reinando entre o casal, Jéssica voltou ao trabalho no restaurante. Mesmo já não sentindo enjoos, Márcio lhe pediu que não voltasse à cozinha. Ele explicou que Emily estava muito envolvida em um novo projeto e por isso algumas mudanças no quadro de funcionários ocorreriam. Jéssica trabalharia na recepção até entrar em licença maternidade.

            - Depois vemos como ficará com os gêmeos...se o bonitão deixar você trabalhar. – O maitre brincou.
            - Vou trabalhar sim. Sempre. – Jéssica respondeu. – E não fale assim do meu marido...posso sentir ciúmes.
            - Sinto muito, querida. Mas casando com aquele homem essa será a sua sina. Deus abençoe a mãe que pariu esses homens. Benzadeus!

            Jéssica ainda não sabia, mas os planos de Emily já estavam muito adiantados. Com o lugar escolhido, ela e Nathan já pensavam no menu do restaurante. Ainda havia muitos detalhes a serem decididos, mas Emily estava muito ansiosa. Junto de alguns amigos ela pretendia relaxar naquela noite e apresentar a eles alguns de seus planos. Repartir boas notícias era algo que sempre lhe agradava.


            Nessa noite, porém, não eram apenas os amigos a se reunirem em seu apartamento. Eram os amigos e os filhos deles. Além de Vida e Bernardo, Lorenzo e Jéssica trouxeram Clara. E Melissa e Rafael vieram trazendo Tales. Nunca tiveram uma reunião entre amigos com mais interrupções. Quando não era um ‘mãeee’ ou ‘não corre’, era o choramingo de um dos bebês. Mais ainda assim, foi uma linda noite.



            - Eu acho que Clara acabou de encontrar um ótimo partido. Tales é um menino de ouro. – Jonas brincou. E recebeu olhares surpresos dos quatro pais envolvidos.
            - Ele é. – Melissa disse. – E um tanto jovem.
            - Concordo. – Lorenzo ria das bobagens do irmão. Jonas estava de ótimo humor. – Além disso, ninguém manda no coração. Tales ainda pode se encantar por Vida no futuro.

            Nem mesmo a resposta afiada de Lorenzo tirou o humor de Jonas. Naquela noite ele estava particularmente feliz. Além de ter sua família e amigos por perto, reafirmou a Rafael que na manhã seguinte já estaria de volta a JRJ. Sua vida também era lá, talvez sem os mesmos laços sentimentais que na vinícola, mas, ainda assim, a construtora lhe era muito importante. Principalmente pelas amizades ali construídas.

            - A partir de amanhã vocês voltam a contar comigo. – Disse puxando um brinde.
            - Ótimo! Sentimos a sua falta. – Rafael respondeu.




            O único convidado que veio sozinho foi Nathan. E ele ainda levou algum tempo para se enturmar. Fora às novidades que ele e Emily tinham a contar, Nathan se manteve quieto. Ainda assim, muito simpático e agradável. Sempre fora um homem discreto, mas no passado de estudante do qual Emily se lembrava ele sorria mais. Depois de se casar Nathan ficou mais amargo e hoje é difícil arrancar dele alguma informação sobre a esposa. Nem mesmo aliança ele usa. Emily sempre evitou falar da vida particular do amigo. Melissa foi menos discreta.

            - Você não quis filhos, Nathan? Ou foi apenas Valentina que não...teve chance de lhe dar? – A ex-modelo perguntou.
            - Eu não quero falar disso. – Ele foi amargo. – Prefiro beber esse maravilhoso vinho que agora sei de onde vem.
            - Sim. – Jonas aproveitou para tirar uma dúvida. – Você visitou a Vinícola Vicentin, Emily me disse. Pena que nós não estávamos por lá. Podia ter nos avisado. Eu adoraria ter lhe mostrado nosso negócio.
            - Eu aproveitei outros compromissos. Eu pretendo voltar lá, inclusive. E levar alguns rótulos de vocês para Milão. Alguns vinhos têm perfeita harmonia com os pratos que sirvo lá.
            - Que ótimo. – Jonas simpatizou com ele. Muito. Tanto que logo depois o fato dele não falar na família ficou esquecido.

            Quando todos foram embora Emily e Jonas sorriram satisfeitos. Ter o apartamento cheio de amigos era algo que sempre lhes agradou. E a cada dia parecia melhor. Emily tinha certeza que não importava quantos compromissos profissionais tivesse. Sempre encontraria tempo para a família e os amigos. Jonas concordava e tinha isso como um das grandes qualidades de sua esposa. A capacidade de crescer, de ser ambiciosa, mas de manter-se dele, exatamente como quando se conheceram. Jonas foi dormir feliz, abraçado em Emily e otimista com a vida.


            

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