segunda-feira, 13 de junho de 2016

Ariella - Capítulo 14



        O abrir os olhos de Ariella não poderia ter sido mais amargo. Ela estava confusa, com os pensamentos nublados pelo acidente e pelos remédios. Mas algumas coisas eram claras. A culpa de Diego é uma delas. Assim que sua consciência voltou, teve recordações do que aconteceu no acidente e soube que Diego tinha responsabilidade. Ouvir a voz do pai a fez sentir um calor no peito, era alguém conhecido e que a amava a vir ficar ao seu lado. E então a temperatura desceu até que ela sentiu-se gelada.

se passar para mim a quantia, eu não o denuncio”

            Assim que percebeu o quão doentio e criminoso seu pai é, ela abriu os olhos e não mais pode segurar a emoção. As lágrimas vieram em desespero, num choro explosivo e dramático que sacudia seu corpo e o fazia doer. Ao vê-la acordada e naquele estado, ambos mudaram de comportamento, Diego aproximou-se para tocá-la e foi afastado aos gritos. O pai a quem sempre entregou toda a sua confiança sequer tentou. Ele a conhecia como ninguém e sabia que não havia como colar aqueles cacos.

            - Saiam os dois daqui. – Gritou assim que as lágrimas lhe permitiram expressar o que sua mente gritava desde muito cedo. – Saiam!

            Pelas horas seguintes Ariella escolheu ficar só, a não ser pela presença dos médicos e enfermeiros. Até mesmo Dulce teve dificuldade para encontrar a amiga acordada naquele despertar turbulento. E sem família por perto, a equipe médica precisou lhe oferecer notícias nada fáceis de aceitar.



            - Senhora Bueno...eu realmente gostaria de que possamos conversar na presença de um acompanhante. Ter apoio psicológico é sempre muito importante.
            - Eu sou uma mulher adulta, Doutora...
            - Carmela Hernández. – A médica respondeu.
            - Doutora Hernández, sou sozinha e responsável por mim mesma. E prefiro que me chame de Ariella Aguirre. É meu sobrenome por parte de mãe. Agora diga o que tem a dizer.

            De forma calma e delicada, mas sem esconder nenhum detalhe do real diagnóstico, Carmela relatou a Ariella o que lhe aconteceu, segundo as informações da equipe de resgate, quais os ferimentos e possíveis complicações. Em alguns momentos ela se calou apenas para permitir a Ariella alguns instantes para captar a informação e superar a dor do impacto. Em menos de uma hora de conversa, Ariella soube que esteve grávida de três semanas de um bebê que já não existia.

            - Não lhe deixou nenhuma sequela, fique tranquila. – É, não havia lhe deixado nada. Foi tudo o que ela pensou quando a médica tentou lhe oferecer conforto. Nunca quis um filho de Diego e aquele aborto lhe pareceu justo dentre tudo o que aconteceu.

            As cirurgias nas pernas ficaram dolorosamente marcadas em seu corpo. Sentia-as a cada respirar do corpo. E saber que elas não só deixaram cicatrizes profundas em sua pele como também dificilmente conseguirão reparar todo o estrago feito em um acidente que quase nada tinha de acidental.

            - Eu irei andar ou não? É só isso que preciso saber.
            - Espero que sim. As cirurgias foram bem sucedidas e a senhora tem tudo para andar...após muita fisioterapia e esforço. E depois poderá pensar em fazer plásticas para esconder as cicatrizes.
            - Não estou preocupada com isso no momento. – Foi a amarga resposta oferecida. – Só quero ficar sozinha enquanto tiver de ficar nesse hospital.
            - Você tem amigos que desejam lhe ver, além de pai e marido. Não quer vê-los?
            - Hoje não. Quero ficar sozinha para pensar. Posso?
            - É claro. O delgado também está muito curioso e quer lhe falar.
            - Por favor, Drª. Diga a ele que não estou em condições para presta depoimento. Por agora, não posso voltar a isso. Quer estar mais forte.
            - É claro. – E com isso a médica se retirou. Aquele caso era realmente diferente de tudo o que já tinha feito.
  
            Somente no dia seguinte Ariella aceitou ver alguém. E esse alguém não foi o pai nem Dulce. Muito menos Diego, apesar dele estar sempre por lá. Ela permitiu a entrada apenas da avó de Diego, Anita. E ambas tiveram uma longa conversa. Foi mais a curiosidade que a fez aceitar vê-la porque nesses meses vivendo na Espanha, jamais tinha visto ou ouvido falar de nenhuma avó.

            - Sou Anita Bueno, gostaria de ter conhecido você numa situação melhor, Ariella.
            - É mãe do homem que tornou Diego no monstro que é. – Machucada por dentro e por fora, Ariella não se preocupou em proteger a senhora de nada.
            - Meu neto não é um monstro, posso lhe garantir. Mas reconheço que ele ofereceu a você apenas a sua pior face. Infelizmente, meu Ramón não soube proteger o filho do sofrimento e acabou nutrindo nele sentimentos ruins.
            - O sofrimento da sua família não me importa mais. Só desejo ficar longe de Diego. – Ariella disse, com raiva.
            - Eu compreendo e vim aqui justamente para lhe dizer que Diego nada fará para impedi-la de voltar para sua família. Eu já conversei com meu neto e, por mais que não aceite ainda perder a esposa e pareça realmente ter sentimentos por você, não irá se negar a lhe oferecer o divórcio. – A idosa garantiu.
            - Ódio. É o único sentimento que Diego tem por mim.
            - Nisso você não poderia estar mais enganada. E por isso eu lhe peço que pense bem antes de levar à polícia o que aconteceu, por mais que tenha motivos para tal.
            - Está bem, eu preciso estar melhor e mais forte para decidir o que fazer de minha vida. Eu entrarei em contato quando puder deixar o hospital e então faremos um acordo.

            Com um abraço as duas selaram, ao menos em parte, uma tentativa de paz. Na verdade, após ouvir da voz do próprio pai que tudo não passava de um plano para lhe roubar a herança, começou a entender a vontade de Diego em se vingar dos Amara. Ainda assim, a mágoa que sentia do marido parecia não diminuir. Porque confiou nele e o amou mais do que tudo. Todo esse amor agora se tornara uma revolta.



            Na semana em que se seguiu, Ariella continuou negando os pedidos de Diego para recebê-la. E isso o foi deixando a cada dia mais triste. Quando a avó lhe contou dos planos de permitir seu retorno a Argentina, ele negou, caindo em pranto e pedindo a avó que a convence-se de ficar, mesmo que em outra casa e distante dele.

            - Preciso vê-la, saber que irá se recuperar...que não lhe fiz tanto mal assim. – Pediu a avó, mas lá no fundo sabia que mentia. Desejava-a perto para tentar reconquistá-la. – Por favor.
            - O que você precisa, meu neto, é retomar a vida e colocar a cabeça no trabalho. Se um dia essa moça vier a superar o que aconteceu, não será agora. Por isso, se prepare para lhe dar o divórcio.



            Ariella foi recuperando as forças e, enfim, aceitou receber Dulce e Murilo. Percebia o quanto os dois estavam próximos e, estava claro, que ali começava uma paixão. Ela não ficou chateada, apesar da amizade de Murilo com Diego, estava claro que aquele rapaz era diferente de seu marido. E Dulce merecia um amor avassalador assim. Mesmo que o dela tenha terminado mal.
            Dulce enfim soube de tudo o que aconteceu. Uma parte foi Murilo quem contou e o restante Ariella. Pelo jovem administrador, Ariella conheceu mais um pouco da história dos Bueno e da infância triste de Diego.

            - Nada desculpa o que ele fez! – Dulce tratou de lembrar.
            - Nem eu estou dizendo isso. – Murilo emendou. – Mas sei que não é um homem mau. Talvez um dia vocês conheçam ele de verdade, como eu e meus pais.
            - Eu não. Por que logo deixarei esse hospital e começarei uma nova vida. – Ariella já tinha planos. – E vou precisar muito da sua ajuda, Dulce.

            Sozinhas, as duas amigas decidiram várias coisas. Com algumas Dulce não concordou, mas aceitou-as mesmo assim. As semanas reclusa no quarto de hospital lhe ofereceram tempo para pensar e resolver qual vida queria seguir. E também aceitar notícias ruins. Ela andaria, mas não da mesma forma. De todas as formas a equipe tentou lhe dizer que teria uma vida normal e caminharia bem se fizesse fisioterapia, mas a verdade estava revelada em seus exames. Havia um desgaste em um dos ossos da perna, uma atrofia difícil de ser compensada e que lhe geraria um descompasso em cada passo dado.
            Aceitando o fato, decidiu que a partir daquele dia nasceria uma nova Ariella. Talvez nem tão bela e perfeita quanto a do passado, porém mais forte e resistente. Essa viveria da verdade e não enganada como a outra foi. Muitas coisas mudariam dali em diante. A começar que agora ela sabia que tinham o próprio dinheiro, deixado pela mãe. Uma grande fortuna que seu pai sempre desejou. Contratou um advogado e com a ajuda dele tomou posse de seu dinheiro. Só então resolveu que era hora de ficar cara a cara com Diego e com seu pai. Mas antes pediu a Dulce mais uma ajuda.

            - Tem certeza? Eu acho você tão linda exatamente assim. – Dulce discordou.
            - Tenho. Essa Ariella não existe mais por dentro. Deve morrer por fora também.

            Cada vez em que se olhava no espelho, Ariella via os cabelos vermelhos e se lembrava de quando Diego a chamava de “Mí Sol”. Queria matar aquela imagem e aquela lembrança, dando adeus aos cabelos ruivos.




            Quando Diego e Afonso colocaram os olhos em Ariella novamente, ela tinha os cabelos negros como a noite e um olhar ainda mais gelado. O encontro ocorreu no escritório do advogado quando já fazia um mês do acidente e Ariella havia recebido alta hospitalar. Ela encarou os dois homens responsáveis pelo seu sofrimento e viu a surpresa nos olhos deles ao vê-la caminhando com o apoio de Dulce. Logo, porém, levou o assunto para fatos objetivos.

            - Eu tenho uma única proposta para vocês dois. Ou aceitam ou vamos resolver isso na justiça...e na polícia. – Avisou a ambos.



            Diego encarava Ariella com sofrimento. Primeiro porque já entendia qual a proposta dela e sabia que colocaria centenas de quilômetros a separá-los. E a cada passo difícil que ela dava, ele se sentia mais culpado.

            - Será que um dia você irá me perdoar, Mí sol? – Ele perguntou, mesmo a frente de tantas pessoas.
            - Nunca mais me chame assim! Você foi muito rápido em achar culpados por pecados do passado, Diego. – Ela sabia ser muito cruel, mas desejava vê-lo sofrer. - Agora lide com as suas culpas. Veja bem o que fez comigo. E lembre-se que aquele filho existiu e morreu por essa vingança.
            - Eu nunca vou esquecer... – Ele disse com lágrimas nos olhos. Era uma culpa que sempre lhe pesaria nos ombros.
            - Ótimo. Vamos ao que interessa então.

            A proposta de acordo consiste em ela receber sua independência completa. A herança da mãe e o divórcio. Diego devolveria a empresa ao comando de Afonso e assim eles não teriam mais nenhum vínculo. E ele diria ao delegado em depoimento oficial que tudo não passou de um acidente. Sem escândalos nem processos, todos sairiam sem problemas com a justiça.

            - Mas sem o dinheiro, não conseguirei salvar a empresa, minha filha. – Afonso tentou argumentar.
            - Problema seu! Agradeça eu não o denunciar por fraude. Afinal, eu nunca soube que tinha dinheiro a receber. Da minha herança, não receberá um centavo.

            Aquela discussão pouco interessou a Diego. Já estava disposto a entregar a empresa a Afonso e esquecer sua vingança. O que lhe doía é ter de oferecer o divórcio e dar adeus a Ariella. Não estava pronto para aceitar nunca mais olhar para aquela mulher.

            - Eu a amo...posso te mostrar ser um bom marido. Eu posso...vou te mostrar...te provar...só fique aqui, não vá para longe.
            - Acabou Diego. Eu vou embora de Madri ainda hoje. Adeus!

            Ariella ergueu-se da mesa e de braço dado com Dulce foi deixando a sala. Ao fundo podia sentir a dor daqueles que a olhava. E ainda ouviu a voz de Diego.

            - Pra onde você irá? Sua casa não é mais na Argentina. Você sabe disso.
            - Vou para o Brasil. Quero voltar a pintar e lá encontrarei um bom lugar para viver. – Ele não tinha porque saber, mas ela lhe disse. – Adeus, Diego. Espero que você supere o seu passado e seja feliz aqui.
            - Não serei, não sem você, Mí sol. Um dia você vai me perdoar.
            - Não conte com isso.


11 anos depois....








Nenhum comentário:

Postar um comentário