domingo, 5 de junho de 2016

Ariella - Capítulo 13

            Por mais ágil que o Ítalo tenha agido para organizar o retorno de Diego para a Espanha, ainda foi pouco. Mesmo com Murilo perguntando a todo o momento por informações a respeito do estado de Ariella, na era o bastante. Quando enfim Diego chegou ao hospital, já haviam se passado quase 20 horas do acidente. Na recepção, encontrou o amigo e Olívia, ambos com expressões pouco animadoras.

            - Ainda bem que agora chegou. – Murilo falou enquanto Ítalo aproximava-se da esposa e do filho. – Quero falar agora com o médico responsável. E depois quero explicações do que se passou em minha casa! Onde Pablo está? Eu quero explicações!
            - Eu também as quero, meu neto. – Só então Diego percebeu a presença da avó, Anita, no hospital.

            Bastou apenas um olhar a Murilo para que Diego compreendesse o que aconteceu. Ninguém havia avisado a idosa, mas ela cumpriu a promessa de vir visitá-los, talvez porque aquela conversa ao telefone serviu apenas para deixá-la mais desconfiada de que seu neto estava cometendo muitos erros. Chegar a Madri e deparar-se com a notícia de que a jovem esposa de seu neto estava gravemente machucada.

            - Depois conversaremos,vovó. Agora preciso saber de Ariella. – Diego respondeu, simplesmente. Tudo o que não precisava era de alguém se intrometendo em sua vida de casal enquanto não sabia se ainda teria uma esposa para viver ao seu lado.

            Quem já estava naquela fria recepção hospitalar por tantas horas pouco sabia do estado de Ariella. Isso porque a equipe médica afirmou só poder passar detalhes aos familiares. A imprensa local, que há dias já mostrava curiosidade pelo discreto casamento do Conde, ficou em polvorosa quando veio ao conhecimento de todos que um grave acidente teria ocorrido dentro dos muros da mansão. Eles não sabiam de nada concreto, mas às a desconfiança era ainda mais perigosa.

            - Avise a Afonso Amaral que sua filha sofreu um acidente e ajuste tudo para que ele esteja aqui o quanto antes. Faça o mesmo com Dulce. – Diego pediu a Ítalo sem sabem que a amiga de Ariella já tinha sido informada por Murilo e estava a caminho. – Lance um comunicado à imprensa dizendo apenas que minha mulher se acidentou de carro e que pedimos a gentileza de ter respeitado nosso direito a privacidade nesse momento de dor. Não quero que detalhes de seu estado clinico cheguem aos jornais.



            Saber do que realmente se passou não foi fácil para Diego. Ele garantiu a si mesmo que jamais afirmaria a ninguém ter qualquer culpa do que se passou, mas, conforme os minutos foram sendo marcados pelo relógio, mais ele sentia a própria culpa. Os médicos demoraram a lhe oferecer um parecer minimamente completo. Diziam que ela ainda estava passando por exames. Ele já estava nervoso, ansioso e gritando com as recepcionistas quando, enfim, afirmaram que poderia vê-la.




            Olhá-la trazia uma dor a que ele ainda não havia sido apresentado durante toda a vida. A primeira coisa a lhe chamar a atenção foi o emaranhado de fios que iam de aparelhos montados ao redor da cama até o corpo de Ariella. Em seu rosto havia um curativo na testa, próximo da raiz dos cabelos ruivos. Ainda assim, ela trazia uma expressão serena no rosto, o que transmitiu a Diego a esperança de que tudo poderia ficar bem. Só depois ele viu que suas pernas contavam com grandes curativos, que iam desde a região dos joelhos até o tornozelo.

            - O que aconteceu com ela? – Diego perguntou ao médico. – Ela teve as pernas operadas?
            - Sim. Mas apenas de forma emergencial. Precisamos que você assine autorizações para que os outros procedimentos ocorram. – O médico grisalho, mas ainda jovem, comentou.
            - Que procedimentos? Eu quero entender exatamente o que minha esposa tem e quais possibilidades de tratamento existem para depois autorizar o que seja.

            O médico o levou então para uma sala do hospital, não desejava falar na frente da paciente porque haviam induzido-a ao coma no intuito de preservar sua capacidade cerebral e ouvir a voz de pessoas conhecidas poderia lhe atrapalhar naquele momento, ainda mais falando a respeito do acidente.

            - Ela precisa de toda a paz e tranquilidade que pudermos lhe oferecer. – Reiterou já no consultório.
            - Porque ela está em coma? – A palavra assustava.
            - Nós a induzimos porque ela sofreu um impacto na parte frontal do cérebro e os exames mostraram um inchaço. Por segurança, até que esse inchaço suma, nós optamos pelo coma induzido por medicamentos. Mas não há nenhum indicativo de que ela sofrerá de sequêlas neurológicas. Quanto a isso, pode ficar tranquilo.
            - E quanto ao que eu devo me preocupar, Doutor? Que cirurgias são essas que ela ainda fará?
            - No momento do impacto, sua esposa tinha as suas pernas muito esticadas sobre pedais do carro e a musculatura enrijecida. Com o choque, teve músculos distendidos e ossos fraturados.
            - Mas ela já passou pela cirurgia mais urgente. E tudo correu bem, certo? Posso ficar tranquilo que ela sairá dessa sem nenhuma lesão permanente? – Essa era a sua esperança.
            - Infelizmente, não. – O médico foi categórico para não crias falsas expectativas. – A operação emergencial serviu para corrigir as fraturas em ambas as pernas. Mas, principalmente na perna esquerda, houve uma perda óssea, um desgaste que causa um desencontro com as articulações.
            - E outra cirurgia irá corrigir isso?
            - É o objetivo, ou, ao menos, minimizar, para que ela possa caminhar mesmo que com alguma dificuldade.

            A última afirmação do médico foi dita como que uma sentença. O tom baixo e sereno com o qual falou não tirou seu peso nem importância. Ele acabara de levantar a hipótese de Ariella não mais andar.

            - Não pode estar falando sério. Ariella...minha esposa é uma mulher jovem e sadia, sem nenhum problema de saúde. Ela não pode de uma hora para outra ficar impossibilitada de andar. A medicina está evoluída e...
            - Entenda, senhor Bueno, sua esposa passou por um sério acidente automobilístico. É uma benção ela estar viva. Nós tentaremos fazer o melhor por ela, mas A senhora Bueno chegou ao hospital com ambas as pernas fraturadas gravemente. A medicina está avançada, mas o que o senhor espera é um milagre.

            Em silêncio, Diego apenas contemplou a imagem do médico lhe dizendo coisas simples, mas que lhe soavam tão distantes e frias. Não fosse a lembrança de Ariella no leito hospitalar, as palavras do especialista nada representaria.

            - Eu tenho outra coisa para lhe dizer...talvez fosse melhor que o ginecologista falasse mas não faz sentido passá-lo para vários médicos apenas para lhe informar do prontuário. – Ao ouvir o médico gaguejar Diego já desconfiou de algo muito ruim.
            - O que um ginecologista tem a ver com os ferimentos de minha mulher?
            - Quando ela chegou estava com um intenso sangramento vaginal e foi investigada a causa. Pela sua reação já percebo que vocês não sabiam...eu sinto muito...
            - Fale!
            - Eu sinto muito ter de informar dessa forma, mas a senhora Bueno estava grávida de 6 semanas e sofreu um aborto.

            A dor não poderia ser maior. E ele não podia nem mesmo sofrer pelo filho que tanto desejou e fora o responsável pela morte. Tinha de lutar para que o melhor ocorresse com Ariella. Um milagre. Ainda esperando por isso, Diego voltou aos braços da família planejando dar à equipe médico o tempo de que necessitavam. Ariella estava nas melhores mãos que a Espanha podia oferecer e tudo o que lhe restava era rezar. Além disso, ele precisava resolver questões práticas antes que a polícia o procurasse. Ítalo o avisou que o hospital alertou as autoridades devido a seriedade do acidente. O delegado queria saber por que Ariella estava com tamanha velocidade dentro da propriedade e, ainda mais, qual a razão de alguém ter fechado os portões naquele momento.

            - Eu não, delegado. Estava em viagem ao Japão, mas creio que meus funcionários irão explicar. E eu posso depor a qualquer momento. – Disse ao homem, que o olhava com desconfiança.
            - É claro. Mas o depoimento que, mas me importa é o de sua esposa.
            - Para isso terá de aguardar. – Lá no fundo Diego pensava que se fosse para Ariella nunca mais andar, ele mesmo se entregaria à polícia na tentativa de amainar sua culpa.

            Ainda assim, exigiria explicações de Pablo e foi isso a levá-lo do hospital até em casa. Enquanto Murilo seguiu lá, Anita, Ítalo e Olívia acompanharam Diego. Enquanto as mulheres foram aos seus aposentos para poderem se banhar e trocar as roupas utilizadas na emergência médica, Ítalo avisou ao segurança que o patrão desejava vê-lo. Para desespero de Diego, ele não negou nada e afirmou estar cumprindo ordens ao impedir que Ariella deixasse a residência dos Bueno.

            - Você causou esse acidente. Nunca ordenei que deixasse minha mulher em coma em um hospital. – Diego lembrou-o.



            - Disse que ela não poderia escapar de forma alguma. Minha única alternativa era fechar o portão. A culpada foi ela por tentar fugir de casa, tentar fugir de você.

            A calma de Pablo deixava Diego mais nervoso. E havia mais de uma razão para isso. Além de tudo o que Ariella estava passando por sua culpa já ser castigo o bastante, se ele falasse tudo aquilo à polícia, era muito provável que já estivesse preso quando Ariella saísse do coma. Acabou amarrado na chantagem daquele homem que, só agora, percebia ser um criminoso.

            - Acho bom para nós dois que isso fique como um acidente causado pela desatenção de sua jovem esposa. Ela não tem experiência ao volante mesmo. Ou eu terei de contar ao delegado que você me contratou para evitar que sua esposa, a quem mantinha em cárcere privada ilegal, fugisse. Assim ele rapidamente entenderá quem é o verdadeiro culpado.

            Demitido, mas saindo da casa calmamente e com uma alta quantia, Pablo foi embora. Ele não falaria nada e, quando fosse depor, diria se tratar de um acidente. Tudo, porém, viria a tona quando Ariella acordasse. Não que fosse essa a maior preocupação de Diego, não quando a saúde dela parecia tão afetada.

            Quando Dulce chegou ao hospital estava revoltada e ameaçando avançar sobre Diego e revidar em nome de Ariella tudo o que ele havia lhe feito. Ela, porém, não sabia exatamente o que esse ‘tudo’ representava porque a amiga jamais lhe disse exatamente o que havia ocorrido e quais razões a trouxeram e seguram na Espanha. Amor certamente não era.

            - Eu não posso te falar muita coisa. Sou amigo de Diego, mas não estou dentro da cabeça dele e, também, seria muita traição te contar. Sua amiga falará quando puder. – Murilo lhe disse.

            Dulce não pretendia aceitar aquela desculpa e se calar diante de tudo aquilo. Ainda assim, tinha preocupações mais urgentes. Ao que lhe parecia, o pai de Ariella estava à caminho e ela parecia ser bem atendida. Então todo o resto podia esperar. Além disso, era inegável que Murilo mostrou-se correto e cumpriu a promessa de lhe avisa caso ocorresse algo de grave. Ele provou ser fiel as próprias convicções, mesmo mantendo-se leal a Diego.

            - Obrigada, Murilo. Você é...bacana. Além de muito bonitinho. – Disse, sendo o mais doce que conseguia.
            - Obrigada, Dulce. Você também é bem bonitinha.



            Em outros momentos Dulce teria se ofendido ao ter sua piada virada contra si, mas não ali. Estava bem satisfeita em ficar próxima de Murilo.

            - Eu vou tentar entrar para ver Ariella. Você me espera aqui?
            - Não pretendo sair. – Murilo sorriu. – Vai lá ficar com sua amiga.

            Ramón avisou que levaria ainda dois dias para chegar, mas ao telefone, já deixou claro que manter o incidente em segredo dependeria de Diego demonstrar mais atenção com ele, deixando de negar-lhe decisões da empresa. Era uma ameaça velada a que Diego duvidava muito que ele realmente colocasse em prática. Primeiro porque iria expor o seu nome na Argentina tanto quanto o dele na Espanha. Além disso, era a sua única filha em jogo e por mais que não tivessem uma relação próxima, filhos são para sempre. Mesmo assim, cedeu à chantagem e lhe deu carta branca temporária nas empresas. Não tinha cabeça para nada mesmo, além de pensar em Ariella ferida e seu filho morto. Mesmo quando ficou em casa, a paz não o encontrou.

            - Quer dizer que você virou juiz e carcereiro agora? – Anita disse ao invadir seu quarto naquela noite. – Decretou a culpa de Ariella Amaral e resolveu que a pena seria viver amarrada a você, sendo infeliz. É isso?
            - Eu não estou com cabeça para essa conversa agora, vovó!
            - Você não está com cabeça há bastante tempo. E é por isso mesmo que irá me ouvir calado.
            - Eu não queria que Ariella se ferisse...eu...apenas...o pai dela é um monstro e foi o culpado pela morte de mamãe...eu...só...
            - Mesmo que isso fosse verdade, Ariella nem mesmo era nascida. Você não tinha o direito de arrastá-la para toda a imundície que há na família Bueno. Haja como um homem não como um menino mimado! Entenda que ninguém é mocinho nessa história. Sou pai não era um anjo inocente que...
            - Não fale de meu pai. Ele foi traído por todos. Por mamãe e por um amigo que esteve dentro da nossa casa. Afonso Amaral é um traidor que destruiu nossa família.
            - Eu não criei um neto para maltratar uma mulher! Basta! Ouviu bem! Quando essa moça sair do hospital, e se Deus for justo ela saíra, você não mais a procurará! Não fará mais nenhum mal a Ariella!



            - Ela é minha mulher! Mora comigo!
            - Porque você a obrigou e isso irá mudar. Ou eu mesma, mesmo em meus 60 anos, irei à polícia! Essa vingança que tanto almejou destruiu sua própria família por culpa do seu pai. Ele criou você contando apenas o que lhe interessava na história. Parecendo um santinho! É meu filho, mas eu sei que ele também cometeu erros. Se sua mãe foi embora é por conta de Ramón, que nunca zelou pelo casamento. Ramón a traía também e com isso a jogou nos braços de Afonso Amaral. Não fosse ele, seria outro. Foi casamento arranjado, não havia amor e com isso logo acabou. Não houve vilão nessa história, a não ser o destino.
            - É fácil falar isso agora. Você não estava lá enquanto eu crescia sem mãe.
            - Sinto por isso, meu neto. Mas os meus erros, os do seu pai e de mais ninguém lhe dão o direito de fazer essa moça sofrer ainda mais. Assim que ela estiver bem, deixará Madri para seguir a onde desejar. Eu cuidarei disso.

            Quando Afonso enfim apareceu em Madri para ver a filha ela lá estava internada há três dias e os médicos começavam a reduzir os medicamentos para que ela acordasse. Eles ainda seriam muito pesados para que ela sofresse o mínimo de dor possível, mas deveria acordar nas próximas horas. Por isso, as visitas que até aquele momento eram permitidas apenas a uma pessoa por vez, agora podiam incluir um pouco mais. Sem saber que eles eram inimigos, o médico convidou Afonso e Diego a irem visitar Ariella juntos.

            - O grau de consciência dela ainda é muito pequeno por conta dos remédios. Mas certamente ouvir a voz do pai e do marido será bom. Conversem com ela.

O médico apenas não sabia que conversar estava longe do minimamente possível entre os dois. Mesmo assim, um diálogo aconteceu e Afonso aproveitou para fazer sua chantagem e tornar a ameaçar contar tudo à imprensa, dos motivos de seu genro ter armado aquele casamento até o que levou sua filha ao hospital. Ainda ameaçou levar à polícia a denúncia de que aquele acidente que poderia ter custado à vida de Ariella havia sido culpa de Diego, algo armado por ele para matar a esposa e não um imprevisto. Citaria maus tratos e cárcere privado na denúncia.



- O que quer? – Diego cansou de ouvir suas ameaças.
- Quero todos os bens de Ariella em meu nome.
- Ariella? Eu não tenho posse de bem algum que seja dela.

A vingança armada por Diego jamais envolveu retirar posses de sua esposa. Ao contrário. Sempre planejou lhe oferecer tudo financeiramente e uma vida confortável, principalmente após ela lhe oferecer os filhos que ele tanto queria.

- Tem sim, mesmo que não saiba ainda. – Afonso explicou. - O avô de Ariella foi um homem riquíssimo. Acha que casei com Martina por quê? Infelizmente também era muito desconfiado e não confiou na filha ou em mim para cuidar da herança. O dinheiro está em uma conta judicial em nome de sua esposa. O testamento deixado pelo avô dizia que ela poderia tomar posse assim que completasse 25 anos se tivesse permanecido solteira, algo que eu estava certo que aconteceria. Assim, tinha certeza de que ela assinaria a autorização me dando plenos poderes para gerenciar o dinheiro. Mas agora, é você o responsável legal pela herança dela.

- Por que não ela mesma? – Diego estava zonzo com mais aquela revelação. Qualquer um pensaria que ele se casou para roubar a esposa. Até mesmo ela acreditaria nisso.
- Porque o pai de minha mulher não era muito feminista. Ele queria cuidar do futuro da neta, mas não acreditava que ela poderia administrar o dinheiro. Confiou que o marido faria isso melhor. Mas vamos ao que interessa, se passar para mim a quantia, eu não o denuncio. Você dará o divórcio a minha filha e eu volto com ela e o dinheiro para Argentina. Fim dessa palhaçada criada por você. – Essa era a proposta. E dava a entender que ficar com Ariella poderia ser barganhado, o dinheiro é que não.
- Está roubando sua filha.
- Ela sequer sabe que tem dinheiro próprio. Sempre foi sustentada por mim. – Afonso afirmou. – Não lhe fará falta.


Ele só não imaginava que Ariella estava acordada e em choque com tantas revelações. Mesmo confusa, conseguiu compreender muito bem a negociação que ali ocorria sobre a sua vida. Quando abriu os olhos, o choque passou a eles.

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