segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Vida Roubada - Cap 9: parte II


            Na hora combinada, Miguel estava à frente do prédio de Elizabeth. O porteiro lhe disse que o deixaria subir sem problemas já que sabia se tratar do marido da proprietária, mas não adiantaria porque ele não conseguiria entrar sem chave. Restou-lhe a única alternativa de esperar, de mala na mão, sua esposa chegar. Isso não colaborou para a melhora do seu humor. E, depois da tarde difícil que viveu, isso era a última das coisas que precisava.
            Quando foi para a BTez estava satisfeito e até mesmo animado. Uma brecha de esperança havia se aberto. Foi assim que cumpriu suas primeiras atividades da tarde. Até que recebeu uma ligação pessoal e ficou sabendo que Alejandra foi rápida em levar suas queixas à antiga sogra. Ao que parecia, Alejandra foi até sua casa assim que deixou a clínica, chegou lá chorando e comoveu Rúbia.



            - Talvez eu deva desistir de tudo, Rúbia, voltar para Madri e criar meu filho sozinha. Miguel parece desejar me ferir cada dia mais, como se eu fosse culpada pela sua separação. E hoje eu tive a maior das humilhações!
            - Nem pense em ir embora, minha querida. Você é minha nora. Esse bebê é a minha alegria. O que Miguel lhe fez?
            - Ele sempre diz não ter tempo quando peço que me acompanhe. Nem para comprar o enxoval ou no curso de mães. Acompanhou-me ao obstetra apenas para me humilhar pedindo que a médica fizesse um DNA no bebê assim que nascesse.
            - Meu Deus! – Rúbia apavorou-se. Confiava cegamente em Alejandra e esperava do filho a mesma postura.
            - E hoje eu tive a pior das surpresas. Ele levou Elizabeth à mesma clínica em que me trato. Ela, que nunca quis lhe dar um filho, engravidou para segurá-lo. E conseguiu! Miguel está aos seus pés novamente. Viu-a me ofender, me chamar de vagabunda aos gritos e não me defendeu! Eu estou devasta. Acho até que minha pressão está tão alta que passarei mal.

            Rúbia sentiu-se tocada pela notícia de que Elizabeth estaria grávida. Se fosse verdade, a espanhola estava certa em ficar preocupada. Miguel, que já não manifestava nenhuma vontade em se separar, teria uma desculpa para segurar a união com a segunda esposa. Outro neto...mesmo para ela seria difícil seguir ignorando Elizabeth, agora sabendo que ela carregava dentro de si o sangue dos Benitez. Se isso fosse confirmado.
            Depois de acalmar a nora favorita, ela se arrumou e chamou um táxi para ir até a BTez. As explicações de que necessitava não poderiam esperar até a noite. Seu filho bem que tentou, mas não conseguiu despistá-la com a desculpa de estar ocupado. Ficaram frente a frente.



            - Diga, Madre. O que é tão urgente discutirmos que não pode esperar até em chegar em casa? – Lá no fundo Miguel já sabia o assunto.
            - Me diga se é verdade que Elizabeth espera um filho!
            - Alejandra não perdeu tempo. Sim, é verdade. A senhora será avó de um filho meu e de Elizabeth.
            - E como você pode ter certeza absoluta disso? Afinal Elizabeth jamais manifestou nenhum apresso pela maternidade, nem pelo cuidado para com a família. Nunca se dedicou ao lar e a você como marido.
            - Chega Madre. Isso é algo particular. – Miguel tentou freá-la.
            - Não mesmo! É o nome Benitez que está em jogo. Ela jamais quis me dar um neto. E quando Alejandra o faz, de repente, Elizabeth lhe diz estar grávida. Não seria isso um artifício barato para mantê-lo agarrado emocionalmente nela?

            A expressão estupefata de Miguel pegou de surpresa Rúbia quase tanto quanto a gravidez. E ele não entendeu a razão. Afinal, fora Liz a pedir o divórcio então não faria sentido algum ela inventar uma razão para aproximá-los. Mesmo com sua imensa falta de paciência, ele explicou isso à mãe.

            - Mama, eu teria voltado para Elizabeth em qualquer um dos minutos em que ficamos afastados. Não precisava de gravidez para isso. Então não faça insinuações. Além disso, Elizabeth tem quatro meses de gestação, mais do que Alejandra. Não se trata de uma retaliação.
            - Quatro meses?!?! E você me escondeu isso?
            - Eu não sabia! Elizabeth sempre imaginou que eu iria me envolver com a gravidez e tentou me afastar. Mas agora que sei, vou lhe dar todos os cuidados e tenho certeza que ela reconsiderará o nosso divórcio. Fim da história, pode me deixar trabalhar.
            - Ela o engana! Ela o faz de palhaço e você ainda a quer?
            - Saia, madre! Agora! Não quero brigar. – E estava há poucos passos de explodir.
            - Ainda não! Mesmo que isso tudo seja verdade, você não tem o direito de humilhar Alejandra exigindo um exame de paternidade ou exibindo sua atenção com Elizabeth enquanto lhe nega o cuidado que merece. E, ainda mais, não pode permitir que Elizabeth ofenda Alejandra.
            - A senhora não estava lá!
            - Nem preciso! Conheço ambas e sei qual delas tem elegância e decência. Você deve respeito a Alejandra. Ela poderia ter se aproveitado do divórcio, mas manteve-se íntegra. E agora você lhe exige um DNA? É inaceitável.
            - Exijo porque não tenho certeza que é meu. Nós não tínhamos um relacionamento.
            - Então terá de exigir também de Elizabeth porque eu não tenho certeza e não reconheço esse neto!
            - Problema seu! Eu também não a reconheço mais como mãe mesmo. Não essa mulher amarga e que vem se deixando ludibriar por Alejandra. Se a minha felicidade não é o mais importante para minha mãe, sinto muito!
            - Meu filho...sua felicidade é tudo pra mim...eu...
            - Não! Se fosse, não faria de tudo para me ver longe da mulher que amo. Pois lhe digo, madre, que a partir agora não mais fecharei os olhos para as suas atitudes. Eu vou me mudar para o apartamento de Liza e vou fazer de tudo para retomar meu casamento e minha felicidade. E não mais admitirei que se intrometa em minha vida.

            Miguel não se arrependeu de nenhuma palavra dita, mas sofreu ao ver a tristeza estampada nos olhos de sua mãe. Muito relevou de suas atitudes por saber de seu imenso sofrimento e solidão após a perda do marido. Porém, isso não mais bastava como desculpa para suas atitudes. Agora ela teria de repensar suas atitudes e escolher se preferiria a solidão ou a família.



            Foi com esse ânimo que Elizabeth o encontrou na portaria do prédio quanto faltavam apenas cinco minutos para as 22hs. Ele fez questão de que não lhe avisassem que ele aguardava. Queria que Liza se lembrasse do combinado e, também, precisava saber se ela continuava trabalhando até tão tarde. Concluir que não para as duas perguntas, tornou seu humor um pouco mais azedo.
            Quando a viu, percebeu na expressão da esposa muita surpresa e exaustão. Essa combinação lhe disse que Elizabeth, como de costume, havia trabalhado tanto que esqueceu-se do resto. E isso fez com que sua raiva suaviza-se e o espaço fosse tomado pela preocupação. Tudo o que Miguel conseguiu sentir foi o desejo de cuidar dela.

            - Você veio... – Foi tudo o que Liz disse.
            - Eu disse que viria. E pedi que você chegasse mais cedo.
            - Não vou me desculpar pela hora que cheguei na minha casa após trabalhar o dia todo. Por isso, nem pense em me criticar se quer alguma chance de entrar.
            - Não vou criticar, apesar de esperar que você repense seus hábitos pelo bem do nosso filho. Mas vamos entrar e conversar com calma, Liz. Estou cansado também.

            Foi constrangedor tê-lo ali. Não havia forma de não ser depois de toda a história que já tinham. Ainda assim, aos olhos de Liz, ele parecia natural na sua cozinha. Elizabeth jamais lhe diria, mas vê-lo ali lhe passava uma alegria muito grande, uma pitada de esperança na resolução de todos os seus problemas. Era como se o destino lhe dissesse que havia uma última chance de encontrar com a felicidade. E por mais cabeça dura que fosse, estava muito tentada a permitir-se tentar.

            - Vai me contar o que aconteceu para haver essa ruga em sua testa?
            - Primeiro eu preciso de um banho. – Pela primeira vez em tantas semanas Miguel viu Elizabeth lhe sorrir sinceramente. – Se realmente vai querer dormir aqui, aconselho a aproveitar o tempo livre pra abrir o sofá cama e pegar os travesseiros no quarto, porque a sala será o seu lar.
            - Eu topo. Já é um pouquinho mais perto de você.

            Ainda com um sorriso bobo no rosto, Elizabeth ficou algum tempo sob a água do chuveiro. Não foi um dia fácil. E não apenas pelo encontro com Alejandra. Considerava sua relação com aquela mulher finalizada. E no seu ponto de vista, agora finalmente se encaravam como iguais, sem falsidades. E depois de dizer o estava engasgado em sua garganta, pôde respirar aliviada. Mas resolver uma parte, pequena, dos seus problemas pessoais, não a impediu de vivenciar os profissionais. E foi isso a impedi-la de estar em casa para receber Miguel.
            Às 19h30min, quando pegava suas chaves para ir embora, foi chamada na carceragem porque Pedro Ferraz queria lhe dizer algo. Era tentador mandá-lo esperar que ela quisesse lhe ouvir, mas a esperança de que ele tivesse algo de importante a lhe dizer a fez ir. E acertou. Pedro havia pensado melhor e percebido que seus antigos parceiros não estavam interessados em lhe ajudar.

            - É bom fazer valer a pena eu estar aqui, Ferraz. – Disse ao visitá-lo na cela pouco confortável que lhe servia de lar. Liza percebeu que fez bem ao vir quando soube que o advogado não fora convidado aquela reunião. – Tem algo para me dizer?
            - Eu estive sim com a sua irmã. Posso ajudá-la a reencontrá-la. – Ele foi direto.
            - Essa investigação não está na minha jurisdição, Ferraz. Eu investigo uma quadrilha que trafica pessoas, na qual você é um pau mandado de nível médio. Grande o bastante para matar um ser rastejante como Caleb, mas pequeno demais para eles se arriscarem para salvar sua pele. A questão é o quanto você está disposto a me dizer para aliviar o seu lado.
            - O que lhe interessa mesmo é a jornalista. Eu sei. E estive com ela.
           
            Os olhos de Elizabeth brilharam. Mas ela sabia que não seria fácil. Pedro não era um ignorante. Não o bastante para entregar-lhe o outro. Teria que arrancar algo dele, o quanto pudesse, e tentar um acordo.

            - A quadrilha, Ferraz...quero saber da quadrilha. Deixemos minha irmã de lado. – Repetiu.
            - Impossível. Ela está com eles. – Ele enfim disse o que Elizabeth já sabia. – E está viva...até onde sei. Fui eu a entregá-la para os chefes.
            - Quem são os chefes? E para onde ela foi levada?
            - Calma, investigadora Elizabeth Benitez. Primeiro vamos ao nosso acordo. Sabe como é, podemos virar parceiros.
            - Não sou parceira de bandido, Ferraz. Se me der uma boa razão para acreditar que você pode me ser útil, sugiro ao juiz um acordo e você limpa um pouco a sua barra.
            - Um pouco? – Ele parecia desconfiado.
            - Um pouco, conforme o que você falar. Vamos lá...me prove que não é tão rastejante quanto Caleb e me dê alguma informação que preste.
            - Não até ter a sua oferta de acordo. – Ele respondeu.
            - Se é assim, não haverá acordo.

            Elizabeth não estava interessada em entrar em joguetes com um criminoso. E não o faria. Estava sim desesperada para encontrar Beatriz, mas se ele visse seu desespero se colocaria nas mãos dele. Então não mostrou interesse. Pedro tinha de perceber que assim como na quadrilha, ali ele não estava no topo e não tomava as decisões. Ela levantou-se e seguiu para a porta.

            - As ruas de Moscou são lindas, Elizabeth. Você não acha? – Pedro enfim lhe oferecia algo concreto. E lhe confirmava que as respostas estavam na Rússia.
            - Acho, sem dúvida. Qual a sua favorita?
            - Várias. Depois do nosso acordo, com mais tempo, podemos estender esse assinto.
            - É, podemos. – Ela sorria ao sair da carceragem.

            Quando deixou a cadeia a abrigar Pedro, Elizabeth estava cansada e esperançosa. E só fez melhorar. Quando deixou o chuveiro e foi procurar Miguel na sala do apartamento, ela estava mais leve e confiante. Vê-lo cozinhando no apertado ambiente a fez se sentir ainda melhor.

            - Não vou mentir, Miguel. Estou gostando de tê-lo aqui. Não resolve os nossos problemas, não apaga minha mágoa, mas faz com que me sinta melhor. E o cheiro dessa comida está me deixando com fome.
            - Ótimo. Dois dos meus objetivos foram alcançados então. Vamos comer? É só uma omelete, mas acho que você gostará. Senta aqui.
            - E quais são os outros objetivos? – Liz perguntou ao se sentar e provar da comida.
            - Cuidar de você e recuperar sua confiança, pra começar. Quero ser merecedor da minha mulher.



            Miguel foi se aproximando, disposto a roubar-lhe um beijo. No meio do caminho parou. Não queria esticar demais a corda quando ela ainda não tinha força o bastante para suportar. Sua Liz não era uma mulher fácil e, naquele momento, ainda não tinha certeza se ela iria aceitá-lo de volta. Não era uma noite o que desejava ao lado dela. Nada menos que a eternidade o satisfaria. E, para esse tipo de relacionamento, o alicerce ainda era frágil.
           
            - Miguel...eu não quero brigar, eu cansei de discutir. Preciso de paz para sair desse mundo de problemas em que me encontro. – Ela lhe disse numa confissão muito dura de se fazer.
            - Não precisa me oferecer nada. Só aceitar que eu te apoie. Por favor, Liz. Não precisamos dividir a cama, se é o que você deseja, mas eu preciso que aceite a minha presença e os meus cuidados. Por favor.
            - Eu aceito. – As duas palavras bastaram para Miguel voltar a se sentir humano e a cama improvisada no sofá pareceu bem mais confortável.

            Depois de comer Liz contou para Miguel o que a reteve na delegacia até tão tarde. Moscou. Agora ela não tinha uma suspeita de país. O suspeito lhe confirmou estar naquela cidade o coração da quadrilha. Em algum lugar de Moscou estava Bia. Levando em consideração o tamanho da capital da Rússia, não era uma grande evolução. Ela disse isso para Miguel. E ele respondeu num tom ameno, mas sincero.

            - Ainda assim, melhor um passou pequeno à frente que a estagnação. – Isso valia também ao relacionamento deles.

            Em Moscou, Beatriz passou a semana sem ver Sebastian. E a cada noite, sentia a esperança se esvair. Não era uma desistência. Apenas a aceitação de que seria necessário encontrar outra vítima. Sim, era assim que via Sebastian. E se ele não caísse no golpe, teria de encontrar outro. Foi com esse sentimento que pisou no salão no início da noite de sexta.
            Quando viu-o chegar, um instante de esperança se criou. Foi rápido. Viu-o circular e seus olhares se cruzaram. Mas Sebastian não veio até ela. Quando o viu se aproximar da mesa onde Gregory ficava, pensou que ele fosse pagar por ela. Mas não. Ele pagou por uma negra recém chegada e subiu com ela para o quarto no minuto seguinte.

            - Se aguardava por ele, espero que tenha perdido as esperanças. – Natacha lhe sussurrou.
            - Não aguardava por ninguém. – Respondeu, tentando convencer a si mesma.

            Num vestido vermelho que parecia gritar p-u-t-a em cada centímetro ela se ofereceu para alguns homens. Muitos desejaram, poucos estavam dispostos a pagar. Uns porque preferiam ninfetas. Outros porque foram ali com um alvo certo. Alguns queriam apenas beber. Outros não tinham dinheiro para pagar seu preço. Até que um homem, de cerca de 30 anos, levou-a para o quarto.



            Falava uma língua estranha que Beatriz nem sabia dizer se era um dialeto árabe ou indígena. Fosse qual a nacionalidade, estava descartado como porta de saída. Restou a Beatriz apenas lhe dar o que buscava e sair à procura do próximo. Levou 2h20min com ele no quarto. O suficiente para fazê-lo beber, gozar e cair adormecido. Então se arrumou para descer. Ao caminhar pelo corredor onde muitos quartos estavam disponíveis, viu um tumulto.
            Alexia, a negra que subiu com Sebastian, deixou um dos quartos sendo ajudada por outras meninas. Estava com o corpo e o rosto machucados. Beatriz parou para observar o que acontecia. E então viu Gregory e Samantha dentro do quarto, junto de Sebastian. Ele se vestia com mãos trêmulas e pernas bambas. Estava caindo de tão bêbado. Essa era uma lição que precisava aprender. Tesão e álcool eram uma combinação perigosa em Sebastian.

            - Você! – Gritou em português ao vê-la no corredor. – Eu quero você!
            - Beatriz suma daqui! – Gregory respondeu enxotando-a.
           
            Mas Sebastian não estava tão bêbado assim. Ele afastou-se de Gregory e Samantha e caminhou até Beatriz. Não se importou em ter uma plateia assistindo-os e passou as mãos subindo da parte de trás de seus joelhos até poder apertar as curvas do quadril farto dela. Os dentes foram direto ao pescoço, mas logo ele tirou o rosto de seus cabelos.
            - Quero você! Mas antes vai tomar um banho. Não gosto de sentir o cheiro de outro na sua carne. Vamos. – Disse pegando-a pelo braço.

            Um segurança tentou bloquear a saída, mas, com um olhar para Gregory, conseguiu o que desejava.


            - Deixe o Senhor Gonzáles sair. Ele enviará a garota de volta no domingo à noite. – Sem alternativa, Gregory concedeu. No fundo, aquilo estava irritando-o mais do que podia demonstrar com Samantha ao seu lado. 

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