domingo, 27 de novembro de 2016

Capítulo 14 parte 2

            Enquanto na Serra Gaúcha Nathan era muito bem recebido pelos Vicentin, em São Paulo, ninguém sabia onde o chefe de cozinha estava nem estava preocupado com isso. Lorenzo acreditava que tudo estava muito bem na vinícola e só pretendia passar por lá no final do próximo mês, quando algumas vistorias de vigilância em saúde ocorreriam e ele desejava estar presente. Por enquanto, pretendia cuidar de sua esposa e filhos. E isso, apesar de ser a grande prioridade de sua vida desde que conheceu Jéssica, era tarefa bastante árdua.



Com nove anos, Clara é uma menina ativa, cheia de energia e ansiosa por chegar a adolescência. Muito parecida com a mãe, já não era raro lhe ver caminhando – ou tentando caminhar – com os sapatos altos de Jéssica ou lambuzando-se em suas maquiagens. O tempo estava passando rápido demais. Ainda bem que ao menos os gêmeos ainda não se importavam de agir feito crianças. Vicente e Cecília estavam com quatro anos e não podiam vê-lo sem que alguma brincadeira começasse logo depois. Como Jéssica costumava dizer, eles sabiam que o pai jamais se negava a brincar, por isso logo encontravam algo para fazer.



Não que ele estivesse reclamando. Ao contrário, aos 49 anos, se tivesse de abrir mão de qualquer atividade profissional para dar atenção à família, o faria sem nenhum sofrimento. Porém, com apenas um pouquinho de esforço ele e Jéssica conseguiam conciliar e, ainda assim, ter momentos a dois. Eles trabalhavam em horários alternados e que possibilitavam tempo livre quando as crianças estavam fora da escola. Jéssica tornara-se braço de confiança de Emily na administração dos restaurantes, já que a chefe de cozinha por muitos anos teve de administrar dois estabelecimentos sozinha. Agora, com a volta de Nathan ao Brasil as coisas se acalmaram e tanto Jéssica quando Emily agora tinham mais tempo. Além disso, tendo Emily e Jonas morando muito perto, eles conseguiam conviver bastante com Bernardo e Vida. Ótimo já que os primos tinham quase a mesma idade.



Para a vida ficar perfeita, Jonas e Lorenzo concordavam que só faltava não precisarem ter a família tão distante. Ambos sentiam muito a falta dos pais, avós e de Milena. E as crianças perguntavam muito pela prima Maria Fernanda. Quanto a isso, porém, nada podiam fazer. A vida de seus antepassados, muito mais do que apenas os negócios. Se sugerisse ao se pai vender a vinícola e vir para São Paulo ele o acusaria de estar enlouquecendo. E estaria certo. Porque ele mesmo não conseguia imaginar-se totalmente fora do campo. Era a Vicentin que oxigenava sua vida e os momentos em que levava toda a família para sul eram os seus dias mais felizes, junto de Jéssica, dos filhos e sua terra natal.

- Tudo bem? – Jéssica perguntou, vendo-o pensativo. – Você está muito quieto.



- Sim. Eu liguei a pouco para Jonas. Eles veem jantar aqui. Tudo bem, não é?
- Claro. Mas por que está tão quieto? Não é por um convite para jantar. Conheço você. – Ela insistiu.
- Sim, verdade. – Ele sorriu antes de puxar a esposa para um beijo. Às vezes até ele surpreendia-se com a relação que construíram. Mesmo tão jovem, Jéssica conseguia lê-lo e compreende-lo como ninguém mais. – Conhece mesmo. Estou preocupado com Milena. Sinto que minha irmã não é feliz. E queria fazer algo por ela. Mas Milena não se abre.

Jéssica tinha as próprias conclusões da vida da cunhada. Emily já tinha lhe confidenciado algumas coisas e, ao que tudo indicava, Milena estava mais próxima da felicidade do que já contara aos seus irmãos. Na véspera Emily lhe disse que passaria mais tempo no Calderone na próxima semana porque Nathan viajou sem prazo para voltar. Jéssica desconfiava que Milena tinha a ver com isso, mas não se intrometeria nas escolhas da cunhada.

- Milena sabe o que faz de sua vida. Dê-lhe espaço. É o que ela necessita. – Foi tudo o que Jéssica afirmou sobre o assunto. – Porque não convida Rafael e Melissa para também vierem hoje a noite e faz aquele churrasco que há dias me promete?
 - Ele não pode...parece que estão com uma convidada em casa. Mas, se minha mulher quer churrasco, eu providencio. – Lorenzo confirmou.

Jantar fora estava, por enquanto, fora dos planos da família Gomide. É que, a partir de agora, sempre que Isabely estivesse com eles, ela seria a prioridade. E nessa difícil adaptação, não era hora de levar a menina para festas familiares, cheias de crianças sorridentes por terem o carinho de pais e mães dedicados. Naquele momento, após uma noite de muita agitação, a família tomou café unida. Surpreendeu Melissa e Rafael o clima triste. Inicialmente, apenas Tális entendeu o que se passava com Isa.



- O que querem fazer hoje? – Rafael perguntou. – Podem aproveitar a sala de jogos do condomínio ou podemos sair.
- Se vocês quiserem, podemos almoçar fora e depois eu os deixo ir aonde desejarem. – Melissa complementou.

Mas Isabely, muito cabisbaixa, não se importava diante de qualquer resposta.

- Pode ser mãe. – Tális concordou. – A gente joga agora e depois vamos almoçar. Quero comer sushi. Posso?
- Só se Isa gostar ou quiser experimentar. – Rafael respondeu.
- Você gosta Isa? É bem gostoso. E tem doce também!
- Nunca comi...mas pode ser sim. – Ela não esboçou muita animação com a ideia.
- Faremos assim, Isa vai olhar e provar, se não gostar, ela pede outra coisa. Não se preocupe Isabely.
- Obrigada, dona Melissa.
- Só Mel, Isa. Agora vão brincar.

Melissa ficou preocupada com aquele comportamento. Porque fora um sábado lindo, de alegria e diversão. E assim deveria ser o domingo. Porém, Isabely parecia tomada por uma profunda tristeza. Enquanto os adolescentes se divertiam na parede de escalada da sala de jogos, Mel e Rafael conversavam. Estavam satisfeitos com aquela primeira aproximação, mas ansiosos por conhecer melhor a menina que, sonhavam, um dia seria sua filha.



- Temos que dar um tempo para ela. Não deve ser fácil. – Rafael lembrou à esposa.
- Eu sei.
- Então porque essa carinha triste? Quase tão tristonha quanto a de Isabely?
- Por que eu sou ansiosa. Sempre fui uma garota mimada que pensa poder ter tudo o que deseja do dia para a noite. Não é isso que todos pensam ao meu respeito?
- Só os que não a conhecem como eu. – Rafael não tardou a contradizer a esposa.

A vida de modelo trouxe a Melissa muitas coisas boas. E ruins na mesma proporção. Essa é uma carreira que não se escolhe, acontece. E depois que surge, dificilmente se consegue parar porque a ânsia por alcançar as passarelas internacionais e desfilar para as grandes grifes segura as jovens profissionais como se fossem as garras de um animal selvagem.
No caso de Mel, fazer carreira não importava pelo dinheiro. Era apenas o sonho de uma realização pessoal. Trouxe dinheiro, é claro. O que fez com que a menina rica pudesse dispensar o dinheiro de família. Mas, acima de tudo, fez com que a menina rica aprendesse a se virar sozinha entre um trabalho e outro. Porém, trouxe holofotes e críticas quando ela ainda era muito jovem. Chamada de fútil por ser uma consumidora assídua de grifes caras e comprar peças para logo depois desfazer-se. Dita como inconsequente depois de, aos 19 anos, bater o carro estando alcoolizada. Muitos ainda mantinham aquela Melissa na memória, mesmo mais de duas décadas tendo passado. E ela ainda mantinha o ressentimento do que leu sobre si nas revistas.

- Você é uma mulher decente, forte, digna e linda. A minha mulher e a mãe do meu filho. O resto é tudo inveja de quem não consegue ser como você.

Um sorriso surgiu em seus lábios. Ele sempre conseguia isso. Conheceu Rafael quando tinha 24 anos e estava desfilando para grandes marcas. Porém, há 10 anos rodando o mundo a trabalho, ela já se sentia um pouco cansada daquela vida andarilha. Ele soube conquistá-la. Mandou flores que ela guardou com carinho. Depois enviou chocolates. Esse seu agente a proibiu de comer. Afinal, os centímetros na cintura eram inimigos de quem modelava. Quando ele lhe telefonou, porém, afirmando que queria levá-la para jantar, não soube dizer não.

- Eu nem me importo se você escolher um lugar que só tenha saladas e grelhados. – Ele ainda brincou.

Comeram massa com frutos do mar. E só por isso já seria uma noite inesquecível para ela. Há meses não comia massa, muito menos após às 20h. Mas qual a mulher que conta calorias quando está diante do homem de sua vida? Ela esteve radiante como nunca antes. Acabara de encontrar o homem capaz de virar-lhe a cabeça e fazê-la esquecer de tudo. Seu agente foi para ela se afastar porque ele tiraria sua concentração profissional. Estava certíssimo. As passarelas já não importavam. E quando ele a pediu em casamento, jogou a carreira para o alto e tornou-se a esposa de Rafael Gomide. Arrependimentos aconteceram no decorrer dos anos, momentos isolados e saudosos, mas que eram descanteados quando olhava para Rafael e via em seus olhos o mesmo sentimento daquele dia no restaurante.

- Eu te amo tanto. Não sei como me aguentou por todos esses anos...mas sei que tenho uma sorte danada! Vou tomar um banho.
- Vai lá. Estarei no escritório.


Nos momentos em que ficaram sozinhos, Isabely contou para Tális a razão e sua tristeza. Na verdade ele já imaginava. É que depois de ser muito reticente em aceitar a atenção dos Gomide, ela descobriu que era muito legal estar ali, tendo jogos, diversão e muita comida gostosa. Agora ela se sentia dividida e um tanto culpada. Queria estar com Marta no abrigo, tomando o café da manhã só com leite e pão, sem todas aquelas delícias, mas com aqueles que realmente se importavam com ela. Por outro lado, quando voltasse para lá, sentiria falta daquele lugar.

- Você vai voltar em vários finais de semana. Não precisa ficar chateada. – Tális arriscou.
- Eu sei. É que...sinto falta deles também. O lar não tem sala de jogos, mas é a minha casa.

Eles não mais conversaram. E Isa disse que voltaria para a casa enquanto Tális ainda guardava algumas das coisas que usaram. Ela entrou na casa e chamou pela mãe de seu amigo. Ela não estava na sala nem na cozinha. Então abriu a geladeira, pegou um copo de suco e subiu as escadas. Queria ir para o quarto no qual dormiu, mas, ao passar no corredor, viu que a porta do quarto de Melissa e Rafael estava aberta. Um tanto tímida, espiou e viu uma grande cama no centro do cômodo. De um lado duas portas fechadas. Do outro uma poltrona que aparentava ser bem macia e uma penteadeira, daquelas dignas de uma princesa cheia de coisas de beleza, bijuterias e joias. Não resistiu a entrar e olhar de perto.
A penteadeira branca é alta e com um grande espelho. Sobre ela, numa maleta, três andares de cosméticos. Do outro lado, vários porta joias com colares, brincos e anéis. Nunca tinha usado nada daquilo, nem tinha vontade. Eram coisas que só meninas bobocas usavam para tentar ser o que não eram de verdade. Mas ela pegou um batom apenas para olhar mais de perto. Depois a pera de uma pulseira lhe chamou a atenção e ela a colocou sobre o pulso. Mas era apenas curiosidade não vaidade.

- Deve ser cara...ela não usa nada barato. – Disse, um tanto encantada com o brilho da pedra esverdeada.
- Na verdade eu uso sim. – Mel afirmou, saindo do closet e indo ao encontro de Isabely. – Mas essa é sim um joia, presente de Rafael no nosso décimo aniversário de casamento. Ficou bem em você.
- Desculpe pegar. – Isa devolveu ao lugar. – Eu não ia roubar nada. Só estava olhando.



- Eu não disse que roubou. Jamais diria. Você está aqui porque confio em você, Isa. Não posso lhe dar essa pulseira, porque tenho muito carinho por ela. Mas podemos escolher uma que combine com você. O que acha?
- Não...eu não gosto dessas coisas...é de mulherzinha. Desculpa aí.
- Tudo bem...acho que você vai mudar de ideia no futuro. – Mesmo tão diferente dela na infância, Isa fez Mel lembrar de si. – E maquiagem? Também é só de mulherzinha ou você aceita que eu passe um batom cor de boca em você?
- Porque você gasta dinheiro com um batom cor de boca?
- Boa pergunta...vamos ver se você descobre depois de passarmos. Se não gostar, a gente tira, está bem?



Elas não tiraram, nem mais discutiram. E quando saíram para almoçar havia uma cumplicidade diferente entre as duas. Assim como nascera uma nova Melissa ao encarar as passarelas, agora nascia uma diferente Isabely ao encarar a vida real. A adolescente ainda não sabia, mas estava prestes a descobrir em Melissa o modelo de mulher que lhe faltava até então.

Aquela manhã familiar foi bem diferente da vivida por Raul. Depois de acordar diante de uma jovem com quem passou momentos agradáveis, mas que, na verdade não o conhecia de verdade. A noite foi agradável. Começou com uma sessão de cinema em que nenhum deles importou-se com a história, continuou num bar onde comeram rapidamente e culminou em sexo quase profissional. Não que tivesse algo contra o sexo pago, já fizera uso dele algumas vezes. Porém, naquele caso, apesar de satisfatório, o encontro casual pareceu ter deixado um sabor amargo. Não foi pleno. Não o atingiu completamente deixou-o com aquela estranha sensação de vazio. Não da cama vazia, mas, bem mais grave, de uma vida cheia de espaços não ocupados.

- Vou ver você qualquer dia desses? – A bela garota lhe questionou ao procurar pela calcinha pelo chão do quarto.
- Cíntia...eu...
- É Cibeli. – Ela corrigiu, já menos sorridente.
- Cibeli, claro. Ato falho. A resposta é não. A noite foi boa e tal...mas eu não vou te ligar e...vou ignorar qualquer mensagem de WhatsApp sua que chegar então...adeus.

A sinceridade exagerada já lhe tinha criado problemas em outros momentos da vida, mas ele não entendia qual o objetivo em fazer combinações que nenhum deles estava a fim de cumprir. Ele não iria ligar e ela não tinha nenhuma razão para acreditar no contrário. Afinal, ele esteve desconcentrado a noite toda...quase toda. Não conseguiu se concentrar desde o momento em que viu Márcia e Joaquim, no mesmo cinema, num horário muito tardio para sessões infantis.



Não gostou daquilo. Ficou constrangido por ela ter lhe visto com a garota. E agora, sozinho no apartamento, estava se perguntando por quê. Afinal, era um homem solteiro, que não devia explicações sobre com quem se relacionava. Mesmo assim, a ideia dela vê-lo com  Cíntia...ou Cibeli ou quem fosse o desagradava.

- Vou ligar para você ainda hoje. Deve estar pensando que sou um fanático pegador de menininhas. – Assumiu um compromisso para si mesmo.

O telefone de Márcia tocou quando já era perto do meio dia e ela estava organizando o guarda-roupa de Joaquin junto dele. Afinal, o menino vinha crescendo rápido e várias peças já não serviam ou agradavam o filho. A mente dela, porém, ainda estava na noite passada. Raul e aquela garota, tão mais jovem que ela, o desagradava muito. Quando viu o nome dele no celular sentiu raiva e não atendeu.

- Vá ligar para a sua garotinha! – Falou para si mesma.

            Só na terceira ligação é que ela atendeu. E, mesmo assim, o incômodo estava gravado em sua voz.

            - Achei que você teria algo melhor para fazer num domingo pela manhã ao invés de incomodar suas clientes. Aliás...a garotinha já voltou pra casa? Os pais devem estar nervosos. O que quer?
            - Está brava porque me viu no cinema com uma garota? Você é que não deveria estar lá naquele horário.
            - Por quê? Mães de família não podem ir ao cinema?
            - Na sessão da meia noite com o filho não deveriam ir. Desculpe se preocupar-me com você e seu menino é muito antiquado. – Ele respondeu assustado com aquela mulher que por vezes mais parecia uma tempestade furiosa.
            - Eu vi o quanto você é antiquado e conservador! – Acusou Márcia, mesmo sabendo que ele nada tinha a lhe explicar. – Desculpe! Eu não...não tenho o direito...
            - É, não tem. Mas eu entendo que você tenha estranhado o que viu ontem. Eu saí com a garota, mas não é nada sério.
            - Não tem o que me explicar Raul. Você é solteiro e faz o que bem entender então. Diga logo o que tem a dizer e vamos acabar com essa conversa ridícula. Porque me ligou?

Ele não sabia o que dizer, mas aproveitou para dar um aviso sério.

            - Eu só queria avisar que...que vou viajar uns dias. Visitar minha filha. Mas, quando voltar queria que almoçássemos para conversar. Afinal...sou seu advogado, não é verdade?
            - É verdade. Está bem. Nós marcamos daí...obrigada por avisar.

            Ela desligou e ficou olhando ao telefone. Deveria ter sido a conversa mais estranha que já teve com um homem. Comportou-se feito uma namorada ciumenta. E agora, também não gostava do sentimento que a viagem dele lhe trouxe. De repente, sentia-se como se ela fosse uma menininha agindo de forma desastrada por não se segurar frente ao primeiro amor.


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