domingo, 20 de novembro de 2016

Ariella: capítulo 23


            Com uma recuperação lenta, porém, surpreendentemente tranquila, Diego acalmou os corações mais aflitos. Enquanto ele passou a ficar a cada dia mais acordado, disposto e com o pensamento rápido que lhe era comum, sua família, amigos e contatos profissionais foram se tranquilizando. O namorado, neto, sócio e chefe havia definitivamente voltado do mundo dos mortos.
            Felizes todos ficaram. Mas ninguém, nem mesmo Ariella, experimentou uma sensação tão doce quando Anita. Apesar de ter sido muito dura com ele nos últimos anos, ela se apiedava do sofrimento do neto. E a possibilidade dele, mais uma vez, não conseguir rever de forma plena aquele amor a corroía por dentro. Mais do que o risco de vida ou de ficar com sequelas, lhe preocupava a temeridade de viver sem afeto, algo que Diego já experimentara por anos o bastante.



            - Meu menino. Enfim posso vê-lo de olhos abertos. – Ela disse quando puderam conversar.
            - Vovó...fico feliz em vê-la. Ariella me disse que se mudou para o Brasil por minha causa. Não precisava.
            - É claro que precisava. – Ela lhe afagava o rosto ao falar. – E pretendo ficar até que você esteja completamente recuperado. Não que viver nesse paraíso seja algo difícil.

            Diego observou a idosa que trazia sentimentos contraditórios ao seu coração. Era bom vê-la. Assim como era delicioso receber um afago daquelas mãos enrugadas pelo tempo. Mas também era muito sofrido. O fazia lembrar de dias amargos, quando a mãe havia desaparecido e o pai, quase que como ela, pouco era visto. Anita era tudo o que ele tinha e, mesmo nela, percebia apreensão. Depois entendeu que ela tentava distrair a única criança da família de todos aqueles absurdos impostos pelos adultos. Enquanto ela brincava com o neto na pracinha, seu filho abria mais algumas garrafas de bebida no escritório, tentando esquecer-se da esposa infiel que havia enterrado. As memórias do passado trouxeram medos do presente à conversa.

            - No tempo em que fiquei dormindo, vovó, como Ariella esteve. Ela teima em me proteger de tudo quando penso que hora dela ser protegida.

            Em grande parte, a idosa concordava com Ariella. Alguém que leva tiros e passa semanas adormecido não deve ser bombardeado de problemas assim que abre os olhos. Porém, naquela circunstância, Anita pensou se fazer necessária uma atitude drástica. Seu neto, agora, enfim poderia assumir as responsabilidades familiares pelas quais ansiava há tantos anos. Não podia lhe privar informações que poderiam por Ariella e aquele frágil bebê em risco.

            - Foram dias difíceis, meu menino. – A idosa afirmou.
            - Conte-me, por favor.



            Anita puxou uma cadeira e começou do início, com calma, como toda a conversa de neto e avó deveria ser. Falou do que a polícia investigava e do que fora divulgado na mídia brasileira e espanhola a respeito do caso. Depois chegaram ao assunto que mais interessava a Diego. As informações oficiais e as fofocas para ele pouco importavam, queria mesmo era saber da mulher amada e dos riscos que ela vinha correndo. Anita afirmou que segurar Ariella não era tarefa fácil e que, diante de tantas responsabilidades e coisas com as quais se preocupar, seria impossível não correr alguns riscos.

            - Você viu como está linda, novamente ruiva?
            - Sim, linda. – Diego concordou. – Mas cansada. Ela tenta disfarçar, mas noto o cansaço marcando seus olhos. O rosto está mais fino. E ela está mancando mais do que de costume.
            - Não foram semanas fáceis para ela. O início de uma gestação sempre desgasta a mamãe. Imagina quando o pai do bebê está em coma e, ainda por cima, ela tem de viajar a trabalho. É natural que esteja cansada.
            - É...eu entendo. Só não me conformo. – O fato de Ariella ter enfrentado problemas enquanto ele dormia o incomodava muito. – Mas é bom que ela tenha ficado fora do Brasil a maior parte do tempo e cercada por pessoas da sua confiança.

            Ele não tinha dúvidas de que aquela invasão tratou-se de algo muito além de um assalto frustrado. E não precisava da polícia para lhe afirmar que o plano era na verdade uma tentativa de sequestro. Isso sua equipe já havia descoberto antes dele vir para o Brasil. Agora, porém, ele duvidava de uma das próprias deduções. Logo no início, quando seu coração foi acelerado pela notícia de que uma funcionária de Ariella tinha envolvimento com o crime, pressupôs tratar-se apenas de um crime movido pela ganância.
            Ao abrir os olhos, no hospital. E deparar-se com Afonso ameaçando e destratando a própria filha, seu pensamento mudou. Mesmo com o pensamento nebuloso devido ao tempo adormecido, assim que saiu do sono entendeu que, apesar da ganância estar presente naquela equação, ela parecia infimamente menor que o desejo de vingança. Essa motivação, tão conhecida por ele e que o levou até Ariella 11 anos atrás, estava nos olhos de Afonso. Depois dela o ter excluído de sua vida ele quis lhe tomar o dinheiro que ela não oferecia de bom grado. E ao saber que Ariella fora capaz de perdoar o ex-marido e ter mais uma vez sido enxotado sem receber da filha o mesmo tratamento, resolveu tomar à força o dinheiro.

            - Aquele homem vai feri-la, vovó, vai tentar machucar Ariella. Por isso, assim que ela se estabelece novamente no Brasil após cumprir seus compromissos profissionais no exterior, ele veio atrás dela. Ele me odeia, agora carrega um grande rancor da própria filha. E isso só fará piorar quando Afonso souber que Ariella espera um bebê. Isso me assusta.
           
            Antes de responder, Anita observou seu neto. Ainda conseguia surpreender-se com a clareza de raciocínio que ele conseguia impor numa situação tão difícil.

            - Tem razão, meu neto. Mas cuidado ao fazer esse tipo de acusação, por mais razão que tenha. Lembre-se sempre de que Afonso é pai dela. E por mais dura que Ariella seja, lá no fundo, nutre sentimentos por ele. Tenha cuidado para não permitir que Afonso se coloque entre vocês novamente.
            - É tudo que não quero. – Ele tratou de afirmar.
            - E se fizer mal à ela mais uma vez, eu mesma lhe darei uma boa surra. – Brincou a idosa.
- Hoje sei que a amo e reconheço que sou o homem mais sortudo no mundo por ela ter perdoado.




Anita apenas se retirou porque seu neto tinha mais uma visita a receber. Murilo conseguiu esperar alguns dias, a pedido de Ariella, para integrar Diego às rotinas da empresa. Por seu gosto esperaria mais, porém os problemas se acumularam – e muito – na última semana e se continuasse postergando decisões importantes, causaria danos sérios e os quais Diego não aceitaria fácil.

O cumprimento dos velhos amigos, tão íntimo quanto irmãos, foi longo e cheio de sentimento. Já tinham se visto nos últimos dias, numa visita em grupo, numa espécie de boas vindas coletivas na qual tanto Ariella quanto Dulce mais pareciam escudeiras de seus homens. Agora era um momento diferente, menos afetivo e mais direto. E no qual era inevitável trazer assuntos sérios de volta.

- Fale, meu amigo. Parece que está engasgado em coisas para me dizer. – Diego brincou. Depois de ter voltado do mundo dos mortos, nada poderia ser tão grave. – Não me diga que em poucos meses meus hotéis faliram e eu estou completamente sem dinheiro e pronto para recomeçar do zero. Pela sua cara, soa como algo assim.
- Não. Nada tão grave...mas algumas coisas sérias ocorreram, Diego.

Minutos depois Diego já sabia da crise na empresa, alicerçada não numa administração ruim, mas nos boatos e na insegurança que seu estado causaram. Isso poderia ser ajustado em breve. Preocupou-o mais um dos empreendimentos, que decaiu bastante recentemente e merecia uma visita pessoal...caso ele conseguisse sair da cama.

- Ok, Murilo. Mas nada disso explica o seu olhar de preocupação. Fale. – Diego insistiu.

Havia entre os dois uma lealdada sem tamanho, que já tinha sido testada no passado e vencido barreiras intensas. Como quando Murilo assumiu o relacionamento com Dulce, apenas da guerra declarada entre eles. Nada fora capaz de minar a amizade nem a parceria nos negócios. Murilo valorizada o tino para negócios que Diego demonstrou desde muito jovem e por isso quis seguir seus passos. Já Diego aprendeu a valorizar o empenho daquele menino que, vindo da classe social mais baixa, mereceu cada degrau vencido. Agora, porém, Murilo o olhava como quem cometeu uma traição.

- Você estava...mal, muito mal. E eu estava com a corda no pescoço, com medo de deixar a crise se alastrar. Precisava liberar algumas coisas e...
- Vá direto ao ponto, Murilo. Nos conhecemos há tempo demais para enrolar.
- Eu contei para Ariella que ela tem parte da empresa. Precisava que ela se responsabilizasse por algumas coisas enquanto você estivesse fora e, por isso, traí sua confiança. Peço desculpas.

Diante de tudo aquilo, de tantos temores, Ariella saber que era sua parceira também nos negócios, mas em toda a vida, era pouco para gerar temor ou irritações. Talvez, diante da maturidade trazida pelas mudanças e problemas, ele tenha entendido que o importante é ser feliz, mesmo que nem sempre se conquiste tudo como deseja.

- Ela já sabe que é dona do meu coração, Murilo. Saber que é dona de parte da minha empresa não é nem de perto tão importante. Pode tranquilizar sua consciência. Agora, vamos analisar os números das unidades que, esses sim me preocupam.



Quando mal tinha acabado de verificar as duas unidades espanholas, Murilo e Diego foram interrompidos por uma sorridente Ariella. Logo, com todo o seu charme, mas, também, de forma incisiva colocou fim no assunto empresarial e deixou claro que precisava do marido para ela.

- Você já se esforçou demais. – Decretou.
- Você é quem manda. – Diego não ousou questionar, tamanha era a felicidade em seu coração. – Tem notícias sobre a minha alta.
- Logo. Foi o que o médico me garantiu. Não seja apressado.


3 semanas depois...

Nenhum comentário:

Postar um comentário