domingo, 18 de setembro de 2016

Alguém Para Perdoar - Capítulo 12


   Em seu silencioso mundo, Maria Fernanda aproveitou o primeiro abraço de seu pai sabendo que não seria o último. Ela não entendia algumas coisas que ele insistia em falar pela boca, ao invés de usar as mãos. E agora, emocionado e chorando, ela não conseguia entender o movimento de seus lábios. Não teve importância alguma. Milena observou-os apenas de longe, sem interferir. Achava que, independente dele não saber libras, iriam se entender porque falavam a língua do amor.
            Um amor que não bastou para manter ela e Nathan juntos, mas que seria forte o suficiente para que ele jamais deixasse a filha novamente. De longe, viu Nathan afagar Maria Fernanda e a menina, sorridente, passar os braços pelo pescoço do pai e passar as mãos pelos seus cabelos, tão mais escuros que os da mãe.

            - Eu nunca, jamais, ficarei longe de você novamente. Eu juro. Você vai para sempre contar com seu papai. Eu vou estar velhinho e você já ser um mulher, linda e forte feito sua mãe, e, ainda assim, sempre que me quiser por perto, eu estarei aqui. – Entre lágrimas Nathan repetia, sabendo que a menina não o compreendia.

            E não apenas por sua surdez. Maria é muito jovem para entender os problemas dos adultos. Caso fosse um pouquinho mais velha, talvez nem mesmo conseguisse aceitá-lo tão facilmente. Provavelmente guardaria as mágoas e tristezas de sua mãe e exigiria explicações. Mas sendo aquele anjo inocente, deixava o passado para trás, sem questionamentos nem recriminações e o recebe disposta a ter amor.

            - Eu te amo tanto filha. – Nathan disse, muito lentamente e à frente de Maria, torcendo para que ela, ao olhar o movimento de seus lábios conseguisse captar a mensagem.



            Maria entendeu o que Nathan, o seu papai tentava falar entre algumas teimosas lágrimas. Soube entender e, também, responder, mas ao seu modo. Primeiro acariciou a face de Nathan, secou as lágrimas e o fez abrir um sorriso, para então juntar as pequeninas mãos a frente do peito e também sorrir. Era a sua forma de dizer que ele já habitava aquele coração infantil.
            Depois ela correu para o balanço novamente, era hora de brincar. E claramente disse ao pai que queria sua companhia na brincadeira. Quando Nathan percebeu, já não mais chorava. Apenas empurrava o balanço de Maria Fernanda, que se divertia sentindo o vento em seus cabelos. Passando um tempo, Nathan a pega no colo, fazendo-a entender que é hora de ir para casa. Já brincaram demais. É hora de reencontrar Milena e, a partir de agora, seguirem como uma família.



            Se ganhar a confiança da filha fora fácil, não seria bem assim com Milena. Já dentro de casa, Nathan percebeu que tinha de resolver questões práticas. Umas das mais urgentes era conseguir levar a sua vida, sem criar dificuldades para Milena e, ainda assim, conseguir conviver com Maria. O problema era como quando viviam em estados distantes. Milena era necessária em Bento Gonçalves já que seu trabalho tanto na administração da vinícola quanto no turismo rural em hipótese alguma poderia ser feito à distância. Já ele precisava estar no Calderone. Depois de tanto tempo tocando dois restaurantes sozinha, agora Emily enfim contava com o sócio. Não podia simplesmente sumir.
            Logo que chegaram a casa, Nathan disse para Milena que precisavam acertar algumas coisas. Ele tinha responsabilidades em São Paulo, ela no Rio Grande do Sul, mas manter-se distante de Maria não era mais alternativa possível. Ela se esquivou do assunto. Disse que precisava pensar e pretendia fazê-lo com calma.
            - Está bem. Por esse final de semana consigo ficar aqui. – Nathan concordou, sabendo que precisava ser paciente. – Eu vou para um hotel e amanhã nós conversamos.

            Os Vicentin, porém, não concordaram. Vovó Ângela não admitiu que eles, tendo uma casa tão grande, não recebessem o pai de sua bisneta. Já Milena, porém, não gostou muito da ideia. A presença de Nathan a abalava demais e tê-lo ali por muito tempo a deixava desconfortável. Pena que não teve alternativa.

            - Eu vou para o hotel, vovó, sem nenhum problema. – Nathan reafirmou, percebendo o constrangimento de Milena.
            - Você não incomoda nada, meu filho. E vai ficar na casa de Maria, perto dela, que é o seu lugar. – Ela olhou para a neta. – Acomode-o no quarto de hóspedes. E veja se está tudo bem para que ele consiga ficar confortável.

            Olhando o constrangimento em todos os presentes, Milena tentou argumentar. Nem mesmo Giovanna ou Leonel conseguiram fazer com que a vovó interferisse um pouco menos na vida dos netos e bisnetos, permitindo que eles escolhessem o que fariam. Mas nada adiantou.

            - Vamos! Não vou falar novamente. Maria acabou de conhecer o pai. É seu direito ter ele por perto. Você fica.

            Vencida, coube a Milena aceitar. Maria Fernanda e Nathan têm que se conhecer melhor.

            - Você está certa, vovó. Eu te acompanho até o hotel para pegar as malas. E esse final de semana você passa conosco. O futuro, na segunda-feira nós decidimos. Maria vai adorar tê-lo aqui.

            No sábado, muito antes de seu horário habitual de deixar a cama, Rafael se levantou silenciosamente. A casa ainda adormecida não o viu sair. Mas, quando a cama ficou fria e, quase que por um hábito formado no decorrer dos anos, Melissa, ainda em sono, esticou o braço para tocar o marido, ela então percebeu que havia fica sozinha logo cedo. E ficou magoada. Seu marido a tinha deixado num sábado, coisa que jamais fazia. E antes de sair nem mesmo um beijo de despedida lhe deu.
            Triste, olhou-se no espelho pensando que talvez a crise conjugal que por anos pensou que jamais teria, enfim, alcançou seu casamento. Talvez Rafael já não a amasse como no passado. Talvez hoje eles sonhassem coisas distintas. Talvez agora a felicidade dela já não mais lhe interessasse. E talvez ele tenha preferido ir passar aquele sábado num futebol entre amigos. Ou, ainda pior. Talvez ele já tivesse encontrado outra parceira na vida.
            Triste, porém, sem se entregar para a derrota, arrumou-se com o mesmo cuidado de sempre. Escondeu as marcas das lágrimas sob uma maquiagem perfeita e acordou Táles para o café da manhã.

            - Cadê o papai? – O menino perguntou quando viu só a mãe à mesa.
            - Não sei.
            - Como assim, mãe?
            - Eu não sei Táles. Seu pai saiu sem avisar nada para mim e eu não pretendo ligar. Caso faça questão, ligue você para ele. Fim do assunto. – Irritada, foi a resposta de Melissa.
            - O sábado começou bem hem. Vou jogar vídeo-game no meu quarto.

            Antes dele subir as escadas, porém, Táles viu a porta da frente se abrir. E por lá, além de Rafael, passar uma pessoa tão esperada quando inesperada por todos. Mel viu Isabely e não acreditou. Carregando sua mochila e indo alguns passos à frente de Rafael, ela parecia constrangida em estar ali, mas segura ao lado dela. Como Rafael conseguiu isso? Entre lágrimas e sorrisos Melissa recebeu a menina.



            - Oi tia. – Foi tudo o que Isabely ofereceu de cumprimento.
            - Oi Isabely. – Melissa lembrou-se das palavras de Marta e tentou agir de forma natural, sem pressionar a menina. – Seja bem vinda em nossa casa.



            - Valeu... -  Tímida, Isabely não sabia o que dizer ou como se comportar.
            - Ei! Que mochila é essa? – A pergunta foi feita por Táles e despertou a curiosidade e a felicidade de sua mãe. – Você veio passa o final de semana?
            - Vim sim...seu pai me convidou.
            - Que legal Isa! Então vem conhecer o meu quarto! Eu ia jogar videogame!

            Os dois foram com a única recomendação de que Táles passasse na cozinha e levasse um lanche, já que Isa deixou o orfanato muito cedo, sem tomar café. Quando ficaram sozinhos na sala, Melissa e Rafael se olharam, reencontrando a simplicidade que esteve junto deles nos últimos anos. Com um olhar provocador, ele a desafiava a criticá-lo, mas sabia que a esposa jamais assumiria ter ficado chateada ao acordar sozinha.



            - Como? E por quê? – Ela perguntou, de forma direta.
            - Conversei com Marta e com Isabely e lhes propus que ela se torne nossa afilhada afetiva, nada mais do que isso. Isa concordou porque gosta de Táles e porque lhe garanti que não vamos forçá-la a ser nossa filha. E também prometi que não vamos mimá-la nem tratá-la como se fosse uma criança abandonada. Por isso, controle a sua fúria consumista. Temos que fazer com que ela se sinta em casa e não perceba que muda a nossa rotina em nada. Depois vemos os próximos passos.
            - Está bem. Vou me controlar. E arrumar o quarto de hóspedes para ela, sem mimos, apenas o básico. – Ela concordou, considerando que alguns mimos todo hóspede recebe. Isso é básico, pelo menos no seu modo de receber alguém. – E porque fez tudo isso em segredo. Podia ter me dito onde foi
            - Você estava em greve de silêncio comigo, me castigando simplesmente por eu não pensar como você. – Rafael começou a explicar. – Achei melhor agir sozinho. Agora eu vou tomar um banho. Não tomei antes para não te acordar.

            Ele sempre fora assim, Mel pensou ao vê dar-lhe às costas e subir as escadas. Ele sempre pensava nela e em seus desejos acima de qualquer coisa. Sentindo-se um pouco culpada, Melissa foi atrás do marido e encontrou-o separando as roupas para tomar banho. Sem camisa e lindo como ela nunca se cansava de observar, ela o abraça pelas costas antes de virá-lo para lhe dar o beijo que há dias não oferecia. Rafael retribuiu, acarinhando-a com mais paixão do que ternura, extravasando a paixão que, depois de tantos anos de casamento, às vezes ficava escondida atrás do companheirismo e amizade criados no passar do tempo. A verdade é que Melissa tornou-se sua companheira, melhor amiga, parceira, mãe de seu filho, organizadora da sua casa e sua maior fonte de segurança, mas, ela jamais deixou de ser a sua namorada e a amante perfeita. Mesmo que esquecessem disso de vez em quando.



            - Me perdoa? – Foi ela a dar o braço à torcer assim que a tempestade passou. – Eu não tenho o direito de forçá-lo a ser pai mais uma vez. Adotar uma criança é algo difícil, você tem todo o direito a não desejar isso nessa altura da nossa vida, em que Táles já está criado.
            - Você estava certa sobre Isa, Mel. Ela vale todo o esforço que fizermos. Fui eu quem errou e, por isso, fui conversar com ela.
            - O que te fez mudar de ideia?
            - Eu pensei muito e conversei com alguns amigos... Isa É uma menina que só precisa de amor e carinho. Nós podemos dar isso a ela. Hoje ela pode negar a querer vir viver aqui, mas, aos poucos, vamos conseguir. Eu enxerguei isso conversando com ela. Isabely já ama sinceramente Táles. Ela é uma menina doce, com sentimentos. Eu acho que ela só se nega a estar em uma família porque não deseja perder Marta e os irmãos que têm no orfanato. Ela tem medo de largar tudo por nós e, talvez, também nos perder um dia, caso não mais a quisermos e a devolvermos.
            - Não sei como alguém pode adotar uma criança e devolver...onde ficam os laços?
            - Isabely nunca se recuperou de ser abandonada pela família adotiva e não quer novos pais. Mas ela nos aceitou como padrinhos. Isso significa que ela pode passar finais de semana aqui, feriados e até viajar conosco nas férias. Isso tudo sem perder o seu lar lá no abrigo. Vamos dar o que ela está pronta para receber.
            - Sim...vamos. – Ela voltou a beijar o marido. – Obrigada, Rafa. Não sabe o quanto você me faz feliz. Eu...nunca me senti tão...tão completa.
            - Fiz porque te amo acima de tudo. E vê-la triste me machuca. Eu não sei viver de outra forma, além de fazendo-a feliz, Melissa. Sei o quanto você fez pelo nosso casamento, quando abandonou as passarelas para ser a minha mulher, a mãe de meu filho e a minha anfitriã. Dar-lhe tudo que a faz feliz é a minha obrigação.
            - Você me faz feliz, sempre fez. – E aquela é a mais completa verdade de todas.

            Foi um sábado de surpresas também para Joaquin. Acostumado a ficar com a babá enquanto a mãe se trancava no escritório para adiantar coisas do trabalho, naquela manhã ele a viu sentar-se ao seu lado para tomar café. O sorriso de sua mãe também o surpreendeu. Havia algo de muito diferente nela naquele sábado. Mas parecia bom, então resolveu aproveitar.

            - O que você quer fazer hoje, filho? – Ela perguntou.
            - Acho que eu e Nath vamos no parque. – Ele respondeu, repetindo o que a babá tinha lhe dito dois dias antes.
            - Nath está de folga, meu amor. Se quer o parque, vamos eu e você. Você quer dizer o parque da praça ou o de diversão?
            - O com a roda gigante, mãe. Mas...você não tem nada de trabalho pra fazer?
            - Não. Meu dia hoje é seu, filho. Só seu! Termine seu café para irmos.

            Feliz, porém um pouco desconfiado, Joaquin trocou de roupa e saiu com a mãe. Ela estava mesmo diferente. Brincou, sorriu, correu com ele pelos brinquedos, como doces e até sentou na terra com ele. As roupas ficaram sujas e ela nem se importou. Parecia a sua mãe de antes, quando eles moravam com o papai.



            Na hora do almoço, ela o deixou escolher o que comer e também a sobremesa. E então, quando já estava bem cansamos, resolveram que podiam ir para casa, assistir a um filme juntos. Lá no fundo, ele ainda não entendia o porque da estranha forma da mãe se comportar.

            - Mamãe, você está bem? – Joaquim não resistiu e teve de perguntar.
            - Sim, meu filho. Uma mãe não pode querer passar um tempo com seu filho?
            - Pode...mas você sempre trabalha tannntooooo. Hoje não tem trabalho
            - Não, Joaquim. Hoje não tem trabalho. E daqui para a frente será assim. A mamãe vai encontrar tempo para ficar com você. E tem mais. Eu quero te pedir desculpas, meu filho, por não ser a mãe que você merece, por deixar meus problemas com seu pai afastarem você.
            - Vocês brigaram de novo? – Talvez isso explicasse o estranho comportamento dela.
            - Não. Nem vamos mais brigar. – Ela riu entendendo o quanto Joaquim compreendia o que se passava entre ela e o ex-marido. – Acredite, você é a pessoa mais importante da minha vida.

            Joaquim sabia disso. Sempre soube, mesmo quando a mãe passava mais tempo trabalhando ou brigando com o papai. Ele entendia que ambos o amavam muito e, talvez por isso, discutissem cada vez que ele ia ou vinha da casa de um para a do outro. Chegou a pensar que talvez ele fosse o culpado de tantas discussões. Ele então se virou para a mãe e beijou seu rosto, como fazia todos os dias. Esse beijo, porém, pareceu mais especial.

            - Eu também te amo muito, mamãe. – Disse, sincero, em retribuição à mãe. – Também amo meu papai. Você não fica triste com isso, né?
            - Não filho, claro que não. Papai ama você também. Muito. Ele só não ama mais a mamãe. Só isso.
            - E você ama ele ainda? – Porque os adultos são tão complicados, Joaquim tentava entender.
            - Não. A mamãe só ama você agora. – Era melhor mudar de assunto. – Acho que precisamos ir embora e tomar banho antes de ver nosso filme. Pode ser?
            - Sim. Você deixa eu comer mais sorvete enquanto vejo o filme?
            - Deixo. – Márcia respondeu.

            Apostando corrida pelo estacionamento, Márcia sentia-se mais leve e mais feliz do que há muito tempo. Tinha sido sincera com o filho. Não mais amava Alex, talvez já não o amasse muito antes do divórcio. Estava se deixando guiar pela mágoa e pelo ódio, não pelo que havia sobrado do sentimento que a levou a se casar com o pai de Joaquim. Agora sentia-se livre de todos os sentimentos ruins e com espaço aberto no peito para encher de bons sentimentos. Enquanto o filho tomava banho, num impulso quase adolescente, pegou o celular e enviou uma mensagem para Raul. Apenas uma foto feita pelo celular no parque de diversão, em que ela e Joaquim apareciam sorridentes, sujos e cansados. No texto, apenas uma palavra: obrigado. Raul não sabia, mas sua atitude de abandonar o caso e forçou a ver a vida com outros olhos.


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