domingo, 3 de agosto de 2014

Vidas Ocultas - Capítulo 5






A noite não foi tranquila para nenhum deles. Elizabeth seguiu para casa com as mãos tremendo. Raiva e desejo misturavam-se em seu peito em tal ponto que sequer conseguia saber qual era predominante.

 

Não confiava em nenhuma palavra vinda de Miguel Benitez, mas algo nele a atraía. Ele estava certo quando sugeriu que sua ida a sede da BTez não tinha ligação com a investigação. Ela já sabia da revogação do mandado. Foi encontrá-lo para devolver as flores, para ameaçá-lo de prisão e... para vê-lo mais uma vez.

- Nuvens negras pairam sobre esses pensamentos. – Beatriz chegou em casa e encontrou a irmã no sofá da sala. – São 10h40min, Elizabeth! E você fugiu do hospital! Era para estar na cama!

 

- Não fugi. Apenas informei à equipe médica de que sou maior de idade e responsável por meus atos. E porque está chegando tão tarde?
- Houve um acidente grave de carro no centro. Tive de ficar para fazer matéria. O Matt trouxe a Eva?
- Sim. Trouxe, deu banho, lhe deu o jantar e colocou para dormir. Tive de expulsá-lo, ou ficaria aqui até você chegar. - Só de lembrar-se do amigo, Elizabeth já sorria. – A gente é mesmo complicada, Bia. Tivemos um espécime raro de homem com a gente pela vida toda e nenhuma de nós casou com ele! Devemos ter um defeito de fábrica.
- Que nada, Liza! Isso é amor fraternal. Ele é nosso irmão! – Lindo, gostoso e maravilho, porém, ainda assim, um irmão. – Mas porque você está tão pensativa?

Elizabeth não gostava de envolver a irmã em seus problemas profissionais. Muitas vezes esteve envolvida em ações perigosas e lhe falou após tudo estar resolvido. Porém, esse caso estava mexendo com ela em um nível muito pessoal e precisava desabafar.

- Eu não sei se estou agindo certo. Tenho medo de me deixar levar por ele. Por mais charmoso de que ele seja, não posso enfraquecer uma investigação porque Miguel me enviou flores. - Resumiu para a irmã após contar quase todos os últimos acontecimentos. Não disse nada sobre o beijo.  – Não posso me deixar levar pelo charme e beleza de Miguel. Eu não vou deixar que isso mude meu julgamento dos fatos. Enviar-me flores não o faz menos culpado.
- Ótimo. E também não o faz menos inocente. Todos são inocentes até que prove o contrário, não?
- Sim. – Beatriz não conhecia Miguel, mas já estava disposta a defendê-lo.  – Mas eu tinha um motivo para prendê-lo, Bia. Surgiu uma foto que o liga a uma das garotas de programa mortas. É coincidência demais.
- Ele ter dormido com ela não significa que a tenha assassinado, nem que seja o líder de um esquema de lavagem de dinheiro oriundo de trabalho sexual escravo. Precisa investigar? Investigue. Mas não o condene antes da hora. Até onde sei Miguel não pediu para você deixar de investigar nada Elizabeth. – Esse foi o único conselho dado por Beatriz.


Miguel também estava apreensivo. Por mais que disfarça-se, sabia estar muito perto de ser preso. Era uma situação limite, na qual jamais se imaginou. Isso dificultava muito sua relação com acionistas da BTez e causava grandes dificuldades. Estava a cada dia mais pressionado. Era o proprietário majoritário da montadora. Tinha 50% das ações, a mãe tinha outros 10%, aos quais ele administrava, Javier era detentor de outros 10% e o restante era pulverizado entre muitos outros pequenos acionistas. Dessa forma, ele tinha total liberdade de decisão, não precisava pedir permissão para nada. Porém, tinha de prestar contas. Se todos os demais acionistas perdessem a confiança na BTez e resolvessem vender suas ações, a empresa se desvalorizaria. Precisava convencê-los não apenas de que a empresa era lucrativa como também manter a imagem dela ilibada. Isso não era tarefa fácil quando uma investigadora resolve lhe acusar de crimes gravíssimos. Para relaxar, ao invés de ir para academia como planejava, foi para casa e resolveu nadar na própria piscina. Braçada por braçada, deixou na água cristalina um pouco da raiva acumulada durante o dia. Não só raiva. Também havia muito desejo frustrado.




Quando deixou a piscina localizada nos fundos da imensa casa, hoje dividida apenas com a mãe, foi direto para seu quarto para tentar adiantar algumas coisas da rotina de trabalho. No pouco tempo em que atuou como médico, muitos lhe diziam para se preparar para a vida difícil, sem horários fixos e muito trabalho. A de empresário era ainda pior. Agora se tudo desse errado, não era apenas o emprego dele a desaparecer. Como proprietário da BTez, empregava muita gente. Era responsabilidade demais nas costas. Ouviu as batidas na porta e sequer respondeu sabendo que sua mãe a abriria em breve.



- Filho, não vai comer nada? Eu posso pedir para Juliana lhe fazer um sanduíche. – Mesmo tendo um filho com mais de 30 anos, já divorciado e líder de uma multinacional, Rúbia Benitez continuava tratando-o como um menino. E Juliana, cozinheira na casa há décadas, também.
- Não, mãe. Vá dormir. E mande Juliana descansar também.
- Miguel...você está bem, meu filho?
- Muy bien.Respondeu na língua de origem de Rúbia. Não havia motivos para alarmá-la. - Buenas noches, madre.

Rúbia sabia que estava sendo dispensada. Miguel sempre tendeu a se isolar quando tinha problemas. Mas ela não sairia sem lhe falar o que a trouxe ali de verdade.

- Alejandra telefonou. Ele quer conversar com você, mas disse Clarisse não passou as ligações! Ela é da família! Tem que ter acesso a você!
- Clarisse é minha secretária, mãe. Não amiga ou assistente de Alejandra. Não passou a ligação porque a hora era imprópria. Por ordem minha. E também por isso eu não atendi ao celular.
- Mas... – Rúbia ia insistir.
- E Alejandra é minha ex mulher, não faz parte da família e eu já lhe paguei tudo o que devia.
- Trate-a bem, Miguel! Isso um pedido de mãe! Gosto de Alejandra!
- Eu trato madre, eu trato. – Era verdade. Apenas o significado de ‘tratar bem’ parecia ser diferente para cada um deles.

Quando o novo dia começou, todos foram resolver seus problemas mais urgentes. Os de Elizabeth estavam na chefia de polícia. O primeiro era simples: investigar o próprio atentado.

- Não foi o Benitez! – Disse para Rebecca em meio a reunião junto com toda equipe.
- E o que te garante isso?
- Não tenho garantia, mas tenho três indícios bem fortes. Ele não é burro para fazer um atentado na própria empresa. Seria o primeiro suspeito. E sabe disso. Além do que, se desejasse minha morte Miguel Benitez não teria ajudado no meu resgate.
- E qual o terceiro indício? – Carla, que observava calada a reunião, perguntou.
- Meu instinto. Nunca falhou. Não foi algo armado por Miguel.

Todos na sala, até mesmo Fred, trocaram olhares. Elizabeth não estava agindo da forma fria de sempre.

- Investiguem meticulosamente todos os meus casos mais recentes. Alguém pode ter saído da prisão e querer vingança. Ou os outros casos em que estou envolvida agora. – Isso sem falar do problema mais chato. – Eu vou manter o colete no corpo e a arma ao alcance da mão. Não vão me pegar.
- Talvez tenha a ver com isso. – Fred disse ao mexer nos documentos oficiais acumulados sobre a mesa de Elizabeth. - Você foi chamada para depor no julgamento de Cristian Lima. Aquele contrabandista que prendeu há algum tempo. É em três dias. Sem o seu depoimento ele teria mais chances de se safar.

Era um bom suspeito na opinião de Liza.

- Ótimo Fred! Comece a investigar por aí. – Afirmou antes de ir resolver seu próximo compromisso do dia.

Ele chamava-se Tomaz, ou Tom, como era tratado por todos no departamento de polícia. Tom era seu comandante há anos e havia firmada entre eles uma relação de muita confiança. Mesmo quando Elizabeth cometeu erros, sempre contou com o apoio do chefe. Protegeu-a em público e criticou em particular, como sempre disse ser o certo. Assim que chegou a sala onde Tom a aguardava, viu sua expressão séria e desconfiada.

- Primeiro o mais importante. – Ele disse recepcionando-a. – É bom vê-la bem, mesmo após levar um tiro. Nossa equipe precisa de você, investigadora.
- Obrigada, Comandante.
- E agora, já recuperada, vai me dizer, porque essa investigação parece estar saindo dos eixos. – Sua voz já era mais dura. – Você solicitou um mandado de prisão contra alguém importante. Conseguiu, só Deus sabe como, convencer o juiz. Sofreu um atentado quando ia efetuar a prisão. Recebeu a ajuda do acusado! O advogado se aproveitou disso e usou o tempo ganho para caçar a validade do documento. Estou correto, Elizabeth?
- Sim, totalmente, Comandante.
- Você sai do hospital e vai para casa. Tem uma manhã de trabalho e, como fiquei sabendo, não solicitou outro mandado de prisão. Há algo de muito errado. Ou você se precipitou ao solicitar a prisão antes ou, agora, está aliviando a situação dele.
- Não é isso, Tom...Comandante.
- Pare com esses títulos e diga o que se passa, Elizabeth. Ou eu irei tirá-la dessa investigação.
- Não, Tom! Eu comecei e eu irei terminar o caso!
- Então é bom me contar o porquê de algumas atitudes suas e torcer para eu acreditar.

Elizabeth contou tudo. Evitou apenas as partes poucos profissionais. Mas desculpou a si mesmo garantindo à própria consciência que não aliviaria a situação de Miguel. Não havia problema em beijá-lo se o prendesse, certo?
- Então você mudou de ideia...tem certeza Elizabeth? Você tem uma foto dele com a morta. O nome dele aparece nos registros das boates.
- O nome da empresa, não o dele. Não Tom. Eu não tenho certeza. E vi que não posso prendê-lo sem ter. Quero investigá-lo melhor. Antes de prender. Se estiver errada, causarei problemas desnecessários.
- Como fará isso? – Tom pressionou.
- Ainda não sei.
- A foto é um indício forte demais para ignorar, Elizabeth. – Ele pensou por um momento. – Você tem 24 horas. Investigue-o melhor. Se não surgir nenhum álibi ou outro suspeito, eu pedirei um novo mandado. Com uma noite atrás das grades, Miguel de La Vega Benitez vai entender que não estamos brincando e vai falar no interrogatório. O advogado dele anda xeretando. Mas não sabe que temos essa foto. Faça com que continue assim. Quero pegar o Benitez desprevenido.

Elizabeth seguiu dando andamento nas investigações. Tinha vindo para sua alçada, um novo caso de contrabando de eletrônicos. Coisa simples e comum. Mas que lhe tomou tempo durante toda a tarde colhendo depoimentos. Enquanto isso, Fred investigava se havia indício de seu atendo realmente ser ligado ao julgamento de que participaria na próxima segunda, enquanto Rebecca tentava descobrir informações que ligassem uma das prostitutas mortas até outras pessoas da BTez. Por mais que estivesse começando a crer na inocência de Miguel, não podia negar que havia uma ligação entre o negócio de abuso sexual e a empresa. Precisavam descobrir.

Miguel voltou para casa naquela noite após um dia extenso de trabalho. Estava preocupado. Durante todo o dia não conseguiu contato com tio. Javier deveria ter participado de reuniões em Boston, mas as cancelou. E ainda não havia retornado. Além disso, não havia retornado suas ligações durante toda a tarde. Para completar a série de imprevistos, Alejandra voltou a lhe telefonar. Dessa vez foi obrigado a atender. Não tinha nenhuma razão para se esquivar. Sua ex era uma mulher agradável e educada. Só não via razão para manterem uma amizade mais próxima. Era constrangedor.

- Querido! Achei que me ignorava.
- Claro que não, Ale! Apenas estou muito ocupado. Precisa de algo?
- NO! Assim parece que só telefono para pedir algo! – Ela aparentava estar ofendida. – Liguei para avisar que estarei aí com vocês em três semanas. Vou passar uma semana. Queria vê-lo. E nas vezes anteriores você sempre disse estar com a agenda lotada de compromissos. Então...aviso para já marcar. Acho que como sua ex mulher mereço ao menos um jantar.


- Sí, por supuesto. – Disse calmamente. – Mamãe vai adorar vê-la. E eu também.
- Você está bem Miguel? Sabe que apesar de termos nos divorciado, você é muito importante pra mim. Conte comigo, se precisar.
- Eu agradeço, Alejandra. Mas está tudo sob controle. – E assim Miguel encerrou a ligação.

Chateado, Miguel resolveu que não iria passar a noite em casa. Precisava de uma mulher. Queria relaxar e elas conseguiam isso. Foi se arrumar e fez questão de ficar longe de ternos e gravatas. Colocou calça jeans justa, camiseta e jaqueta de couro. Tudo em tons escuros. Também evitou arrumar o cabelo e deixou-o caindo em desalinho.



Não encontrou com sua mãe, mas avisou Juliana de que não precisava deixar nada preparado para ele jantar. A noite seria de mulheres e bebida.

- Quem sabe a investigadora não está se fingindo de prostituta hoje e nos reencontramos? – Brincou, sozinho, enquanto dava partida no carro. Logo entrou no fluxo agitado do trânsito e seguiu para a região com noite mais agitada da cidade.

Elizabeth não iria beber nem procurar por companhia naquela noite. Mas estava muito perto. Tendo o cuidado de manter três carros entre eles, seguia Miguel calmamente. Tom havia lhe dado apenas mais 24hs para investigá-lo. Preferiu arriscar sua noite de sono e foi fazer uma tocaia sozinha enfrente a casa dele. Seu instinto estava certo. Ele saiu. E foi direto para uma região onde um acusado de envolvimento com prostituição devia passar longe.

- Seu advogado não lhe disse para ficar de molho em casa, ‘Doutor-carros-e-motos’?

            De uma distância segura, Elizabeth o observou entrar em um dos muitos bares e beber. Passou meia hora sozinho. Depois começou a atrair olhares femininos. Primeiro uma mulher morena o abordou. Ele chegou a passar as mãos por seu corpo, analisá-la, mas a mandou embora. Mais alguns minutos depois outra, loura e de cabelos curtos, aproximou-se. Dessa Elizabeth desconfiou e ressentiu-se de não conseguir ouvir a conversa. A loura não se aproximou como a anterior. Falava de forma agressiva e pareceu irritá-lo. Elizabeth tentou se aproximar para ouvir, mas o tumulto de pessoas bêbadas e drogadas não permitia, mesmo já estando mais próximo do que deveria.
           
            Miguel estava na terceira bebida quando a bela loura aproximou-se. Era pequena, com a silhueta delicada. Cabelos curtos e opacos. O rosto estava fortemente maquiado, mas não escondia as olheiras profundas, nem o cansaço aparente. Quando ela começou a falar, Miguel entendeu que não se tratava de uma garota de programa nem de uma mulher apenas lhe paquerando. Ela veio ali para encontrá-lo, talvez estivesse perseguindo-o há mais tempo. E parecia muito confusa.

            - Eu sei quem você é...precisa fazer algo...precisa fazer parar. – Ela emendava as palavras. Não parecia nada bem. E tentava lhe segurar o braço.
            - Saia de perto garota! Está drogada!
            - Não! Só estou nervosa! Preciso falar com você!
            - Tem dois minutos. Então fale! Qual seu nome?
            - Não interessa! É só que precisa fazer parar...eu não fui a única...eu fugi, outras não conseguem. Ele some com elas...
            - Do que está falando? – Miguel pensava que só podia estar louca. Mas de alguma forma havia um nível de sanidade no que ela falava.
            - Eu vi no jornal que é você quem manda na naquela montadora. Eu vi. Mas ele também manda e..e...ele é perigoso. Precisa fazer parar. Precisa.
            - Acalme-se! Me diga seu nome.
            - Não...eu fugi dele e ele pode me pegar. – Ela estava realmente confusa.
            - Calma...de quem está falando? – Se havia algo de verdadeiro naquelas confusas palavras, a garota dó podia falar de Javier.

            Confiar em uma estranha era loucura. Mas algo fez Miguel acreditar ao menos o suficiente para ouvi-la com atenção e lhe dar uma chance de fazê-lo entender. Ao olhar ao redor displicentemente viu que era observado. E percebeu por quem. Tudo o que não precisava naquele momento era uma investigadora desconfiada observando aquela louca fazer acusações sem sentido. Mas e se fosse verdade? Sem pensar muito, tirou um cartão pessoal da carteira e entregou para a jovem misteriosa.

            – Você bebeu e está confusa hoje. Procure-me amanhã. Aqui tem meu celular. Prometo que irei ouvi-la.


            Liza viu quando Miguel entregou o cartão de visita para a garota. Por um momento pensou que havia aberto a carteira para lhe dar dinheiro, mas não, era o cartão. Havia algo de muito estranho entre eles. Infelizmente não conseguiu ouvir a conversa. Certo era que a jovem estava com raiva. Muita raiva. Quando Miguel deixou a mesa do bar e saiu andando pela rua muito movimentada de jovens festeiros, foi atrás.
            Tentando manter distância, viu quando Miguel saiu do bar e seguiu em direção a uma região mais escura e mais vazia. Perguntava-se o que ele desejava ali. Miguel dobrou à esquerda, caminhou outras duas quadras em passo acelerado e entrou em um pequeno beco. ‘O que você deseja aqui, Miguel Benitez’, pensava Elizabeth. Ouvia o barulho de seus passou sobre o piso de concreto. Eram passos lentos e frequentes. Ele seguia enfrente em meio ao breu. Até que parou bem na sua frente.

            - Não gosto desse tipo de surpresa, Liz. – Ele a havia atraído até o beco. E agora estavam sozinhos, no escuro e muito próximos. – Se quer me ver, ao menos me dê o prazer de apreciar a sua beleza também. Podia ter me ligado e nós teríamos dividido um delicioso jantar.
            - Você se dá um valor muito maior que o real, Sr. Benitez. E já pedi para não chamar-me de Liz.
            - E eu acho que já lhe falei que Liz combina com a Senhorita. Chamarei você assim ‘para sempre’.
            - Sempre? – Ela perguntou surpresa. – Espero encerrar esse caso logo e não te ver mais.
            - Para siempre. – Miguel respondeu em espanhol com uma provocação.
            - Basta dessa bobagem, Sr. Benitez! Vamos...
            - Meu nome é Miguel! Miguel! Fale! Miguel!
            - Sim! Miguel de La Vega Benitez! O homem a quem eu investigo! Agora se cale e me ouça! Precisamos conversar. Resolvi...resolvi lhe dar uma chance para me contar o que se passa de ilegal na sua empresa e qual a sua ligação com uma quadrilha de tráfico de pessoas para se prostituir no exterior.
            - Nenhuma ligação comigo nem com a BTez! Eu já disse!
            - Mentira!
            - É a verdade. Não tenho medo das suas acusações porque você jamais terá uma prova que me ligue à essa suposta quadrilha. O mesmo vale para a minha empresa.

            Miguel realmente parecia seguro. Mas toda essa segurança não combinava com a foto guardada por Elizabeth no bolso esquerdo da calça. A bela prostituta resgatada do cativeiro e depois assassinada após depor contra a quadrilha. Olívia era prova mais do que suficiente de que alguma ligação havia entre ele e o crime. Precisa descobrir o quanto estava envolvido. Talvez não devesse lhe mostrar. Talvez estivesse tendo um comportamento muito antiético, mas achou que era o melhor.

            - Eu tenho prova sim! Tanto é que o juiz me concedeu um mandado de prisão. – Ela colocou a capa da revista de fofoca à frente de Miguel. - Essa é Olívia! Lembra-se dela? Nessa foto vocês parecem muito íntimos, mesmo que nessa época você ainda fosse casado. - Na imagem percebia-se a larga aliança brilhando em seu dedo.
            - E daí? Isso não lhe interessa! Você não tem nada a ver com meus problemas pessoais. Pelo que eu sei você esta investigando a minha empresa e não a vida particular. Ou estou enganado, Liz?



            - Interessa, Sr. Benitez. E muito. Porque Olívia testemunhou contra a BTez após ser resgatada de um boate ilegal onde era obrigada a se prostituir! E logo depois ela foi assassinada! E não foi a única! Portanto há sim indícios bem contundentes.
            - Eu ter saído com a garota não me faz assassino, Elizabeth. Eu nem a conhecia! Meu tio nos apresentou naquela noite. – Não bastasse o problema trazido por aquela garota, o divórcio e todo o constrangimento, agora até morta ela gerava encrenca. – Eu nem sabia o nome dela! Só saímos nessa noite e transamos durante toda a madrugada. É íntimo o bastante para você?
           
            Elizabeth o observou muito antes de responder. Estava nervoso. Pela primeira vez observava Miguel realmente sair dos eixos, sentir medo de ser preso. A brincadeira tinha acabado.

            - E Olívia é o seu ‘tipo’ de mulher? Sem estudo, origem simples, infância difícil, uma vida de abusos...e a prostituição desde muito jovem. Esse é o seu tipo de mulher, Miguel?

            Não passou despercebido a Miguel o fato de Elizabeth não tê-lo chamado pelo sobrenome. Ela podia não desejar transparecer, mas estava sim em dúvida. Se achasse que ele era, além de tudo, o assassino de Olívia, ele já estaria encarcerado.

            - Não tenho um ‘tipo’, Liz. Gosto de mulher, gosto de fêmea. Daquelas que têm o desejo queimando feito fogo nos olhos, como labaredas. Daquelas que te fazem perder a cabeça num olhar. – Ele foi se aproximando no beco escuro. Encurralando-a. – Como você. Poderia te comer aqui mesmo. Eu faria isso se esse lugar não fosse tão feio e indigno da sua beleza.

            Não demorou para Miguel encostar Elizabeth contra o concreto frio do beco. Ela estava quente e macia, exatamente como ele se lembrava. Só que dessa vez não usava maquiagem forte nem roupa ousada. De calça jeans e blusa discreta, Liz estava perfeita. Uma mistura de delicadeza e sensualidade disfarçada. A blusa azul clara tinha três botões de pressão, fáceis de abrir. Os beijos dele desceram da boca pela garganta, acariciando o colo exposto pelos botões abertos com os dentes.

            - Pare, Miguel! Agora!
            - Você não quer que eu pare, Liz. Sabe que não! Ao contrário. Quer que eu te leve para um quarto agora mesmo...ou para dentro do meu carro e te mostre que você é o meu ‘tipo’ de mulher.

            Elizabeth não soube o que a irritou mais, se a arrogância ou a vulgaridade da fala de Miguel. Seja por qual motivo for, deu-lhe uma forte cotovelada no abdômen. Era bom ele entender logo que lidava com uma investigadora federal, a quem devia respeito. Era bom parar com aqueles beijos.

            - Ai! Ficou louca? – Ela era forte e sabia se defender.
            - Agradeça eu não puxar minha arma. E vamos voltar a falar de Olívia. Quer me convencer de que você tem interesse em prostitutas como ela? Ela veio até sua mesa nesse bar, ofereceu seus serviços e você a ‘comeu por toda a madrugada’, não foi isso? Pode começar a falar!

            Os olhos de Miguel a fuzilavam. Estava explodindo de ódio. Ela era prepotente o bastante para beijá-lo, se oferecer e acusá-lo no instante seguinte. Era uma mulherzinha insuportável. A quem ele já estava cansado de lidar calmamente. Era linda e maravilhosa, mas estava dando trabalho demais. Merecia ao menos uma lição. Se queria denunciá-lo por assassinado, ótimo. Que o fizesse! Também poderia criar sérios problemas na vida dela.

            - Sim, Elizabeth! Eu tenho interesse em prostitutas. Algumas, pelo menos. Em especial uma investigadora de polícia que se passa por vagabunda, não diz o nome para os clientes que pega na esquina, tem uma cicatriz na lateral do seio esquerdo e gosta de ser chamada de vadia na cama!

            Elizabeth ficou em choque ao ouvir as acusações de Miguel. Ele sabia. Conhecia seu segredo. Sabia de tudo. E, o pior...agora começada a se lembrar dele, de seus braços, de seu gosto. Sentiu Miguel se aproximar. Achou que ia novamente beijá-la, mas ele apenas a sacudiu pelos braços.

            - E chega dessa conversa! Você não tinha o direito de me seguir. Se quiser esclarecer algo mais, Elizabeth, convoque-me oficialmente à delegacia. Eu terei prazer de responder se gosto ou não de prostitutas. E contar a história de como nos conhecemos. Será uma história fascinante para o escrivão transcrever na ata oficial.
            Miguel lhe deu as costas e saiu andando. Não olhou para trás nem falou mais nada. Estava raivoso com Elizabeth e também com a própria atitude. Não era assim que pretendia contar para Liz que eles já se conheciam antes dela investigá-lo. E não era num beco sujo onde planejava beijá-la novamente.

            - Mulherzinha dos infernos! – Nunca fazia o que pretendia perto dela.

           
            Elizabeth também não estava nada satisfeita. Não descobriu muita coisa. Foi vista por Miguel, beijada, mostrou-lhe a única prova que tinha e brigaram. E ele sabia de tudo. Conhecia-a intimamente. Sabia de seu segredo e o usaria para vencê-la.

            - O desgraçado está me ameaçando! – Ela sabia estar encurralada.

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