domingo, 5 de fevereiro de 2017

Alguém Para Perdoar - Capítulo 16


            Um instante se passou. Pareceu a eternidade. O tique taque do relógio, quase nunca ouvido, agigantou-se. O ar parecia mais denso. Emily fixou seu olhar em cada um presente na sala. Todos carregavam agonia. Mesmo que lutassem contra a ideia, Jonas e Lorenzo já haviam entendido o que ocorria. Apenas não estavam prontos para aceitar. Nathan parecia armado para a guerra, disposto a revidar o que viesse. E Milena estava espremida entre aqueles três homens por quem ela tinha sentimentos fortes. Já Jéssica, assim como Emily, parecia pronta para servir de escudo.
            Juntos, Lorenzo e Jonas deram dois passos em silêncio. Aproximaram-se de Nathan ainda lhe dando a chance de explicar-se. O italiano, porém, mantinha-se calado, com um sorriso contido que beirava a provocação. Ele sabia o que viria, previa a intensidade da reação dos irmãos de Milena. Então não estava preocupado.

            - Como assim você faz parte da família, Nathan? – Lorenzo perguntou, tentando, em vão, manter a calma. – Não estou gostando dessa conversa.
            - Nem eu. – Jonas, menos controlado, já se aproximara do visitante além do necessário.
           
            Nathan sempre se considerou um homem objetivo. Fazia o que era necessário, sem dramas ou reações desnecessárias. Era assim que ele pretendia resolver assunto. Afinal, ao seu modo de ver a vida, ninguém ali tinha razões para questionar as suas atitudes e de Milena, ou o direito e julgá-los. Bastou um olhar para a mãe de sua filha, porém, para questionar a atitude a tomar. Se por grande parte de sua vida as escolhas afetaram apenas os rumos da própria existência, agora precisava levar em consideração a forma como Milena agia e pensava.
            Essa troca de olhares foi captada por Lorenzo e por Jonas. Eles não se lembravam de ver Milena assim antes, tão nervosa e encabulada. Eles não precisavam de mais nenhuma confirmação. Estavam diante do segredo de Milena, do homem capaz de engravidá-la e ir embora e lhe dar as costas. Nathan tornou-se sócio de Emily, frequentou a casa deles, esteve com seus pais e avós. E foi capaz de traí-los da forma mais vil possível. E Milena aceitou acobertá-lo.


                                                                                             
            - Foi você quem engravidou Milena! – Jonas não mais se segurou.

            Em um mesmo instante, Milena viu o irmão lançar-se sobre Nathan acertando o punho contra o lado esquerdo de seu rosto. Nathan voou para a direita. Não chegou a cair, mas para se por em pé novamente, apoiou-se sobre a mesa de canto e levou ao chão um grande vaso cheio de flores.
            Milena gritou. Emily tentou interferir. Jéssica olhou para Lorenzo. Esperava que ele, dono de uma personalidade bem mais serena, colocasse ordem na situação. Mas todos viram o contrário ocorrer. Quando Nathan se recuperava de um golpe, sentiu o punho de Lorenzo acertar sua face direita. Dessa vez ele foi ao chão.

            Cacos de vidro, apreensão, alguns gritos histéricos e ordens para pararem surgiram. Nenhum deles planejava cumprir o pedido vindo de uma das mulheres presente. Jéssica passou os braços em torno de Lorenzo e pediu, em seu ouvido, para ele voltar a si e tornar a agir como o homem que ela conhecia.

            - Por favor, não faz isso. Você vai sofrer depois, quando perceber que feriu sua irmã. – Ela lhe afirmou.

            Emily foi menos delicada. Ela segurou o rosto do marido entre ambas as mãos e o obrigou a firmar seu olhar nela. Viu labaredas de ódio ali queimando. Ela só se lembrava de ter visto Jonas assim uma vez. Quando ele descobriu suas mentiras e terminou a relação aos gritos. Ele reagia assim ao perceber uma traição. Especialmente dos que amava. Ela também se lembrava, porém, do arrependimento que veio depois. E ela não deseja vê-lo destruído novamente.

            - Recomponha-se agora, Jonas. Não foi esse o homem quem eu escolhi para ser o pai de meus filhos.

            Mas quem pôs fim a briga, com uma única palavra e algumas lágrimas, foi Milena. Essa responsabilidade era dela e não pretendia se abster de colocar o ponto final naquele drama.



            - Chega! Vocês dois já deram show o bastante! – Milena gritou, ajoelhando-se e ajudando Nathan a se erguer.

            E naquele simples ato ela mostrou aos irmãos o quanto estava magoada com os que sempre a apoiaram e ao lado daquele que um dia muito a fez sofrer. Jonas e Lorenzo puderam ver essa mudança nos olhos da irmã. E eles assistiram sem entender porque, mesmo bravos, ver a irmã magoada lhes consumia o coração. Ambos estavam divididos. Precisavam extravasar a própria raiva, mas ferir Milena lhes doía. Fisicamente eles conseguiram se controlar. Mas as acusações foram gritadas, sem muitos pudores.

            - Uma filha! Você abandonou uma filha aqui e voltou para a Europa, para cozinhar a granfinos, lançar livros e aparecer na televisão. – Lorenzo acusou. – Como consegue se olhar no espelho?

            Nathan fora pego de surpresa. Esperava uma explosão. Mas não algo tão violento. Sempre julgara os Vicentin como pessoas de paz, que pregavam a boa convivência e uma relação fraterna. Ele ainda esfregava o dolorido queixo ao ouvir as críticas de Lorenzo. A resposta foi organizada em sua mente, mas não pronunciada. Foi Milena a falar.

            - Eu sou a principal responsável por toda essa situação. – Começou ela. – Por isso serei eu a falar. Nathan nunca me prometeu nada. Nós...tivemos um envolvimento e eu, como toda jovem apaixonada, criei uma fantasia. Caí na real quando...quando ele me disse adeus, no dia da inauguração do Calderone.
            - E você fica do lado dele agora, aqui à nossa frente? – Jonas não aceitava aquela postura da irmã. Ela não precisava de um homem capaz de abandoná-la. Tinha uma família capaz de lhe oferecer apoio.
            - Não se trata de escolher um lado, Jonas. Estou fazendo o que é certo. Nathan não pode passar a vida pagando por um erro que nós dois cometemos no passado.
            - Foi ele quem fugiu, não você. – Lorenzo disse, sem levar em consideração os argumentos da irmã.
            - Errei ao ir embora daquela forma. Mas não foi como vocês imaginam. Eu achei estar fazendo o melhor por Milena. Afinal, o que vivemos não poderia passar de um caso passageiro. Foi assim que começou e assim deveria terminar! – Nathan tentou começar a explicar, mas fez a pior escolha de palavras.



            - Como pode falar assim de Milena? Ela não é uma qualquer! – Lorenzo seguiu, sem conseguir se conter.
            - É claro que não! E eu nunca a tratei como tal. Mas também não era uma adolescente ingênua. Nós tivemos uma relação adulta. Vivemos uma paixão e, pra mim, sempre esteve claro que não seria para sempre. Minha vida estava na Itália.
            - Sua esposa, quer dizer.
            - Sim, Jonas. A minha esposa, Valentina, estava na Itália, em estado vegetativo, quando vim cuidar do Calderone. Eu nunca planejei me mudar para cá...iria apenas estruturar os negócios com Emily e retornar para a Itália. Valentina passou muitos anos presa a uma cama e eu...amarrado a ela, como seu responsável legal, mesmo que “marido” não fosse mais a palavra certa. Não me orgulho do que fiz, mas nunca quis magoar ninguém.
            - Deixou uma criança aqui! – Lorenzo acusou. Isso é o que mais lhe gera incômodo. Afinal, as escolhas de Nathan e de Milena comprometeram o direito básico de Maria a conviver com o pai.



            Jonas também pensava dessa forma. Sempre fora ciumento com a irmã, sempre tentou protegê-la de aproveitadores, sempre a tratou feito uma criança. Mas agora olhava para Milena e via uma mulher forte, cheia de vida e segura das suas decisões. Milena é dona de sua vida, não uma vítima. E se não havia vítima, ele não podia tratar Nathan feito um criminoso.
            Estava na cara que sua irmã e o italiano viveram um amor de verão. Tiveram uma paixão, como todos tem o direito de experimentar uma ou algumas vezes na vida. Eram apenas dois adultos se satisfazendo. Nathan sem planos ao futuro. Ela cheia de esperanças. Ele mesmo não vivera muitas aventuras dessa mesma forma? Sua relação com Emily resultara num feliz casamento, mas quando começaram, eles não buscavam mais do que algumas transas satisfatórias. Sua irmã tinha todo o direito de, assim como ele, buscar esse tipo de satisfação. O problema estava na forma como eles lidaram com o surgimento de Maria Fernanda em suas vidas.

            - Quando Valentina faleceu eu, enfim, me libertei daquela extenuante missão que era cuidar dela. E a primeira coisa que fiz foi rumar para o Brasil. Eu devia ter vindo antes, sei disso. Na verdade, desde o minuto que fui embora desejei voltar. Mas a vida não permitiu...até que Valentina se foi e eu rumei ao sul do Brasil. E me deparei com a festa de aniversário de Maria Fernanda, a menina que até então eu não fazia ideia existir, muito menos ser minha.

            Todos olharam para Milena. Alguns precisavam de uma explicação. Outros oferecendo seu silencioso apoio.

            - Eu não havia contado para Nathan da existência de Maria. Podem chamar de despeito, de vingança ou de imaturidade. Mas, a verdade é que quando Nathan disse que estava embarcando para a Itália sem nenhuma intenção de retornar ao Brasil, eu decidi, conscientemente, manter em segredo o nome do pai do meu bebê. Eu não estava disposta a usar a gravidez numa tentativa de manter Nathan no Brasil ou amarrado a mim. E não me arrependo. Maria Fernanda teve a melhor infância que pude lhe dar.
            - Nada do que você fez, Milena, ou que nós fizemos enquanto família, apaga a falta de um pai. – Lorenzo reafirmou.
            - Eu sei...e estava ciente disso quando decidi me calar. Entendo a sua preocupação, meu irmão. Mas essa decisão é minha, não sua.
            - E o que mudou agora para vocês nos reunirem aqui, bancando a família feliz?
            - Jonas! – Emily repreendeu o marido. Aquele tom debochado servia apenas para extravasar sua mágoa. Ainda assim, podia ferir Milena.
            - Deixe Emily. Eu sei que Jonas nos ama, por isso está desconcertado com tantas novidades. O que mudou? Simples. Eu me neguei a trazer Nathan de volta à força. Agora ele veio pelo próprio desejo. E quer ficar junto da filha. Além disso, não somos um casal, é bom que isso fique claro. O que existiu entre nós já morreu há bastante tempo. – Era um recado, talvez mentiroso, oferecido principalmente a Nathan.

            Ninguém naquela sala acreditava na última frase pronunciada por Milena. De todos os absurdos ditos, aquele era o mais facilmente ignorado. A forma como eles se olhavam e tocavam, o modo como completavam a fala do outro e a preocupação com que escolhiam as palavras. Tudo demonstrava cuidado. O tipo de delicadeza que apenas quem ama tem pelo outro. Naquele instante Nathan considerou melhor por fim a conversa. Tudo que precisava ser iminentemente revelado, fora aberto à família. O restante podia esperar. Agora era hora de deixar todos assimilarem as informações. Por tudo o que conhecia dos Vicentin, tinha certeza de que, passada a surpresa inicial, tudo seria aceito e um dia eles fechariam aquelas feridas. Um dia nem tão distante assim. Se amavam muito e respeitavam a família demais para ficarem brigados.
            Foi Maria Fernanda a quebrar o clima ruim que passou a imperar pela sala do confortável apartamento. Enquanto os adultos discutiam na sala, as crianças brincaram bastante no quarto. Mas se os mais velhos esqueceram-se da hora e do jantar, as crianças estavam com fome. Num grupo tão jovem, Clara, como a mais velha, veio espiar e chamar pela mãe. Ela viu que algo ruim ocorria e preferiu não interferir. Mas Maria Fernanda não quis esperar eles se resolverem. Ela entrou na sala a passos firmes em direção a Milena. Mas, pelo meio do caminho, viu seu pai e mudou o rumo dos passos. Todos viram a devoção da menina ao pai recém descoberto. E isso mudava tudo.



            Por gestos que Nathan ainda não dominava, mas tentava ensaiar, Maria lhe contou estar com fome. Ela já tinha aprendido que dele sempre vinham refeições bem gostosas. Maria não queria comer nada do que seria servido naquele jantar. Também não deseja ficar ali. Não ouviu nenhuma palavra dita pelos adultos, mas só de sentir o clima, soube que havia muitas coisas erradas por ali.

            - Nós já vamos jantar, filha. – Milena afirmou à filha.

            Mas Maria já tinha resolvido a mudança de planos com seu pai. E eles não incluíam comer junto de um monte de adultos mal humorados.

            - Nós vamos embora e vamos passar numa lanchonete antes de eu instalar vocês num hotel. – Nathan avisou.
            - Vocês podem ficar, Milena. Sabe disso. – Emily tratou de esclarecer.

            Poder, sim, podiam. Mas não era o que ela desejava naquela noite. Também podiam ficar no apartamento de Nathan, como fora combinado. Mas até mesmo ele já havia entendido que naquela noite ela preferiria a privacidade de um quarto de hotel.

            - Eu agradeço, Emily. Mas é melhor eu e Maria ficarmos num hotel. – E assim ela deixava bem claro a Nathan que o apartamento dele não era opção. Não para essa noite, pelo menos.

            Eles foram, sem muitos abraços nem despedidas. Relações não foram cortadas, mas os laços estavam estremecidos como nunca antes. Após um breve aceno pouco carinhoso à irmã, Lorenzo viu-a dar às costas e quis chama-la para lhe beijar as faces como sempre fez. Mas se calou e ficou ouvindo o elevador descer sem nada mais poder fazer. Logo depois pediu que Jéssica buscasse as crianças e logo eles estavam rumando à própria casa.
            Quando ficaram sozinhos no lar, Jonas e Emily não souberam o que fazer. Os convidados se foram, mas não a energia ruim que ali pairava. Eles alimentaram Vida e Bernardo para então, logo depois, abrirem uma garrafa de vinho e beliscarem o jantar desperdiçado. Concluíram que tudo havia passado do ponto e esfriado. A comida, o vinho e as emoções deles estavam estragadas naquela noite. E uma briga não tardou a se iniciar.

            - Você sabia não é? Sabia que esse canalha é o pai da Maria Fernanda. Foi ele quem deixou minha irmã sofrendo. Você sempre soube e não falou nada?



            Emily não responde de imediato. Ela entende a dor que Jonas sente. Ambos, Jonas e Lorenzo, sempre se sentiram um pouco responsáveis por Milena, a protegiam de tudo, a blindavam contra qualquer dor. E agora sentiam-se traídos. Porém, estavam errados. E ela não pretendia passar a mão por cima os erros do marido. Era hora dele aceitar que Milena crescera e tomara as rédeas da própria vida.

            - Eu fiz deduções bastante acertadas Jonas. Muito pouco do que foi dito aqui foi novidade pra mim. – Ela reconheceu. – E tire essa cara de velório do rosto. Ninguém morreu aqui.
            - Como pode me trair assim?!?!?! Eu sou seu marido!
            - Sim, ainda bem que você se lembrou de usar o título adequado. Marido, não dono, muito menos alguém que possa tomar decisões por mim. Eu não te traí. Apenas fui leal também à Milena. Essa história diz muito mais respeito a ela que a você. Milena não fez nada de errado.
            - Pois eu me sinto traído! – Ele insistiu.

            E Emily resolveu ser prática.

            - Pois então durma no sofá até a sensação passar! E não atrapalhe meu sono com bobagens! – Ela foi ao quarto e voltou com um travesseiro e roupa de cama. – Ajeite-se por aqui mesmo. Até conseguir lidar com a ideia de que sua irmã é uma mulher que dorme com quem bem entender.


...

            A noite também prometia ser longa e desagradável outra executiva da JRJ Construtora. Depois de um jantar de negócios chato e pouco produtivo, Márcia voltou para casa a tempo apenas de dispensar a babá e beijar o rosto adormecido do filho. Era meia noite, ela não tinha sono, mas também não tinha o que fazer. Tomou banho e foi para a cama. Tentou assistir um filme, mas nenhuma história lhe atraiu. Folheou uma revista que lhe pareceu fútil demais. Tentou ler um livro de enredo policial que vinha lhe interessando bastante, mas então nem ele pôde distraí-la. Estava com a cabeça longe.

            - Em alguém que está longe. – Reconheceu.

            Seus pensamentos estavam em Raul e na forma como ele conseguiu se fazer indispensável, mesmo em tão pouco tempo em sua vida. Ainda estava muito brava com ele. Logo ele, um galinha convicto, um canalha que usava e trocava as mulheres com agilidade surpreendente. Logo ela, que estava fugindo daquele perfil de homem. As horas sem nada para fazer ao menos estavam lhe dando tempo para pensar em como escapar daquela situação.
            Raul foi importante para que ela visse alguns erros que vinha cometendo e conseguisse resolver seus problemas. Graças ao que ele lhe forçou a ver, hoje Joaquim tem uma mãe muito melhor e vive em harmonia, mesmo convivendo com pais divorciados que pouco se falam. Ela ainda guarda muitas mágoas de Alex. Talvez nunca consiga perdoar ou esquecer o que ele lhe fez. Mas aprendeu a não transformar essa mágoa em sofrimento ao seu filho.
            Mas sua relação com Raul tinha de terminar ali. Sem mais nenhum passo de intimidade. Porque se Alex a traiu num momento de enfraquecimento no casamento e passou a se envolver com uma amante, Raul é do tipo de homem que não nasceu para apenas uma mulher. Ele não sabe o que é firmar uma relação e esforçar-se para mantê-la. Talvez ela tivesse de abrir mão do advogado antes que se viciasse demais naquele homem. Ele é tentador, mas alguém que obviamente só lhe fará sofrer. Tinha tomado uma decisão. Estava convicta. Não precisava de mais problemas em sua vida. Porém, toda essa disposição desmoronou com o seu celular vibrando. Era 3h45 da madrugada e Raul telefonava. A surpresa foi ainda maior quando atendeu.

            - Libere minha entrada. Estou na portaria do seu prédio. – Ele disse apenas isso, o suficiente para fazê-la pular da cama onde estava, e desligou. Sem lhe dar tempo de inventar nenhuma desculpa.

            Era madrugada, e ele veio lhe ver. Provavelmente direto do aeroporto. Ela não poderia simplesmente deixá-lo na rua. Enrolando-se rapidamente num roupão que combinava com a camisola curta e a cobria até os pés, liberou a entrada dele no prédio e foi abrir a porta, tentando ensaiar um discurso de ponto final num relacionamento que não havia começado, mas existia na cabeça dos dois, ela sabia.



            Raul, porém, não lhe deu tempo de falar. Ele saiu do elevador a passos largos, e passou pela porta dela sem lhe dizer uma palavra. Fechou o apartamento delicadamente, sem esquecer-se que uma criança ali dormia, e a prensou contra a parede mais próxima. O beijo dele era exatamente como Márcia já esperava. Como uma tempestade, que em poucos segundos destrói tudo o que encontra pela frente e deixa uma sensação de frescor tão intensa quanto a calamidade que traz.

            - Raul...nós precisamos falar... – Márcia disse, assim que pode, quando ele lhe permitiu tomar fôlego.
            - Não precisamos não. Eu posso descobrir sem você dizer uma palavra.
            - Descobrir o que? – Aquele homem a estava deixando zonza.
            - Em qual daquelas portas fica o seu quarto. É pra lá que vamos. Não adianta tentar ignorar o que nós dois queremos...

            Apesar de todas as resoluções feitas, Márcia não estava nenhum pouco interessada em ignorar os próprios desejos. Que lidassem com todo o mais na manhã seguinte. Por aquela noite, ela estava disposta a se arriscar.




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