domingo, 31 de janeiro de 2016

Vida Roubada - Capítulo 13


    No momento em que colocou os pés no lugar que considerava seu lar, Sebastian disse a si mesmo que ali era necessário concentrar-se no que realmente era importante em sua vida. Seus negócios e sua família estavam nos EUA. Lá, não havia espaço para garotas de programa, bebedeiras ou nada que pudesse comprometer sua imagem pública. Então, pelas próximas semanas precisaria manter os pensamentos longe de Beatriz e de tudo que envolvia esse lado de sua vida, um lado obscuro e do qual ele não se orgulhava.



            Não que fosse fácil. Sempre que uma morena clara e altura mediana passava por ele, a imagem de Beatriz lhe vinha a mente. E era rapidamente deixada de lado, como o momento exigia. Quando pudesse retornar à Rússia, ela lá estaria, esperando por ele com toda a sua beleza e sensualidade. Ele freqüentava a boate Noxotb há muitos anos. Lá conheceu Gregory. Sempre soube que ele era apenas o administrador, não o dono, mas, ainda assim, mantinha contato com ele porque Gregory lhe obedecia sem pestanejar e lhe enviava as garotas que desejava. Estava a milhas de confiar nele, porém, tinha certeza que o cafetão não descumpriria sua ordem. Passasse o tempo que fosse, ele não ofereceria Beatriz a outro enquanto ele lhe ordenasse o contrário. Com essa tranquilidade, ele retornou a sua vida normal.

            - Estou de volta. Oficialmente. – Comunicou à secretária, pelo telefone, ainda no aeroporto.
            - Já não era sem tempo, Sr. Sebastian. – Comentou a funcionária, com a liberdade de quem há muito tempo convivia com o executivo. Hilary, conhecia Sebastian e seus segredos melhor do que muitos. – Não lhe faltam compromissos.
            - Como você me lembrou diariamente por mensagens nos mais diversos meios, Hilary. Por favor, priorize os compromissos que envolvem os negócios mais importantes à empresa.
            - É claro, senhor. Vem agora mesmo ao escritório?
            - Não. Só no período da tarde. Vou passar a manhã em casa com minha família. Só me ligue em caso de urgência.
            - É claro. – A funcionária confirmou pouco antes de desligar e voltar ao trabalho.

            Já Sebastian pegou um táxi e rumou em direção a grande casa que habitava junto da mãe e da filha. Não colocava os pés ali há semanas e mesmo sua última passagem havia sido muito rápida. Não tirava a razão de sua mãe ao criticá-lo por tantos períodos distantes. Eles se repetiam com uma frequência cada vez maior e, para Angelina, representavam um desprezo com a família. Principalmente com Luíza, sua filha de cinco anos.
            Isso não é verdade, por mais que Sebastian reconhecesse suas falhas como pai. Aliás, também reconhecia não ser o melhor dos filhos. Angelina deveria estar curtindo a terceira idade com tranquilidade enquanto ele arcava com todas as preocupações. Mas a realidade era que ela dava amor a Luíza enquanto ele estava fora na maior parte do tempo. Ainda assim, a mãe lhe recebeu com um imenso e sincero sorriso no rosto.



            - Meu filho! Aí está você. Enfim, em casa. – A mãe abraçou o filho, como sempre fazia mesmo que estivesse descontente com suas atitudes.
            - Mãe, como pode ver, não fugi de casa nem da minha família. Cheguei, como disse que faria, assim que os compromissos permitiram.

            Angelina não questionou-o, apesar de saber que negócios poderia ser uma das razões para Sebastian preferir qualquer lugar menos o seu lugar no mundo. E trabalhava, e muito, é claro. Mas procurava razões para ficar longe. E apesar de compreender suas razões, ela acreditava que já era hora dele aprender a lutar na vida particular tão firmemente quanto comumente faz no trabalho.

            - Entre e recupere as forças. – Se bem que ele não lhe pareceu muito abatido dessa vez. - Tem alguém que espera ansiosamente a sua chegada.
            - Luíza passou bem essas semanas? – Lá no fundo ele sentia a consciência pesando. – Eu sei que estou em falta com ela.
            - Está bem sim. Mas...Luíza é uma criança. E sem a mãe, a sua presença é ainda mais importante. Eu tento suprir a sua falta e de ...
            - Ela está melhor sem mãe! – Sebastian não desejava aquele tipo de conversa. - E eu tentarei lhe dar mais atenção. Onde ela está?
            - No quarto. Se arrumando, nós vamos sair. Ou melhor, íamos. Agora ela vai exigir sua atenção.

            Nisso, a avó estava completamente certa. Assim que ouviu a voz do pai, Luíza desceu as escadas da casa e veio ao encontro dele. Ela abraçou-o apertado e sorriu. Apesar do tempo afastados, Luíza reconhecia o amor do pai. Só não entendia porque ele tinha mudado tanto nos últimos tempos e ficava tanto tempo longe dela e da vovó. E se isso a deixava triste, também fazia ficar ainda mais alegre quando conseguia vê-lo. Ela tratou de garantir um pouco de seu tempo, antes que o telefone tocasse, ou ele se trancasse no escritório.

            - Papai! Você voltou!
            - Sim, pequena. Eu disse que logo estaria aqui. Lembra.
            - Sim...mas demorou muito.
            - Tanto assim? – Sebastian riu ao ser recriminado pela filha.
            - Sim! Muito mesmo! E eu não gostei!



            - Desculpe o papai então. Vamos brincar? Papai trouxe presentes! – E assim ele dispersou qualquer sinal de tristeza na criança e seguiu com ela para a área aberta da casa.

            Enquanto isso, no Brasil, Paty também tentava manter os pensamentos distantes da Noxotb  e de tudo que envolvia aquele campo de sua vida. E não conseguia. Desde o jantar com Elizabeth os pensamentos não saem de sua cabeça. E quando enfim ficou novamente sozinha com Matt, Patrícia não conseguiu mais relaxar. Apesar de todo o cuidado e atenção do namorado, ela seguiu acordada até muito tarde, revirando-se na cama e revivendo seus dias de escrava. Ela sentia que devia fazer algo por Bia, coisas que somente ela seria capaz. Ainda assim, o medo gelava seu coração.
            Ainda recordava-se dos dias trancada em quartos similares a celas, de noites trabalhando com um ou com vários clientes. A dor daqueles tempos de solidão, quando não podia confiar em ninguém. Lembrava-se da agonia de não mais ter vontade de viver, mas sentir medo até mesmo disso. De encontrar-se tão perdida que aceitava a tudo que vinha, sem força para lutar. Agora não. Agora tinha Matt, uma vida honesta, emprego e amigos. Lá no fundo uma parte de sua consciência ordenava que se mantivesse distante de tudo aquilo, daquele passado que parecia teimar em lhe puxar de volta. Por outro lado, isso significaria acovardar-se e esse tipo de comportamento nunca lhe agradou.

            - Por mais linda que a minha namorada seja, dormir um pouco lhe deixaria ainda mais bela ao amanhecer. São quase 3h da manhã, Paty.
            - Desculpe. Não estou deixando você dormir. – Essa era a terceira vez que ela acordava Matheus ao virar-se de um lado para o outro.
            - Não é isso. Só estou preocupado. Não deixe que a pressão feita por Liza te tire do eixo. Ela está nervosa. Todos nós estamos, Paty. Mas ninguém espera que você retorne aquele lugar. Não se preocupe.
            - Eu sei, Matt. – E disse e tentou concentrar-se na própria respiração e dormir.

            Porém, estava decidida a fazer algo. Tinha sim condições de ajudar Elizabeth. Precisava apenas encontrar uma forma de fazer isso sem ir tão fundo naquele pântano que jamais conseguisse sair. Quando enfim adormeceu, o sono de Paty foi confuso e entrecortado por imagens da prostituição. Nomes e rostos se misturavam, alguns que poderiam ser decisivos na investigação de Liz.

            E se, no Brasil, Elizabeth solicitava suas férias e, com isso, gerava muita desconfiança em seu chefe, lá na Rússia Samantha seguia com seus planos. A cada momento sentia-se mais convicta de que um leilão seria um ótimo negócio para eles. E livrar-se de Beatriz uma jogada perfeita.
            Ela só não contava em receber uma ligação de Gabriela. A chefe de todo o esquema em raras oportunidades lhe dirigiu a palavra. Sempre tratava-a como se não existisse. Nas raras vezes em que esteve na Rússia, marcou encontros com Gregory deixando claro que deveria ir sozinho e, nos poucos momentos em que estiveram cara a cara, Gabriela não hesitou em destratá-la. Ainda assim, era com ela que Gabriela agora desejava falar.




            - Gregory está no escritório, Gabriela. Quer que o chame?
            - Não. Em primeiro lugar, esqueça meu nome. Ele jamais deve ser dito ao telefone. Depois, se quisesse falar com Gregory, teria lhe telefonado diretamente. Tenho um assunto a tratar com você. As respostas de Gregory sobre esse assunto não estão me convencendo.
            - Qual assunto?



            - O lucro desse salão não está me agradando. Gregory me disse que havia uma possibilidade de melhorar os números. E que ela foi proposta sua. Eu confesso que fiquei com medo ao ouvir isso. Ainda mais porque ele não soube me dar detalhes. Espero não estar perdendo meu tempo. Fale.
            - Precisamos se mercadoria nova...eles querem menininhas, de preferência com carinha de anjo e dessas temos poucas. Pode ser da América do sul, mas nem todas com o perfil curvilíneo. Umas bem garotinhas iam deixá-los enlouquecidos. – Samantha sugeriu.
            - Estamos com problemas em conseguir garotas no Brasil, mas tentarei enviar algumas bem jovens do México e do Panamá. Mas não posso perder o investimento nas que aí estão. O que faremos?
            - Vendê-las. Alguns homens estão dispostos a pagar para tê-las só para si. Pelo menos para umas cinco eu tenho comprador encaminhado. Às outras, se não surgir ninguém interessado, trocamos de boate.
            - Pode ser. Envie-me por e-mail o nome, perfil e quem é o interessado de cada uma delas. Já fizemos leilões antes e rendeu muito. Prepare as garotas para estarem lindas no dia, feito rainhas a enlouquecê-los. O lucro garante o investimento. E todo comprador tem de estar ciente que é responsável pela segurança depois que tirá-la da casa e também que não aceitamos devolução. Então, quando ele enjoar da aquisição, terá de se desfazer ele mesmo.
            - É claro. E vir aqui encontrar outra. – Samantha concordou.
            - Obviamente. Agora outro assunto...como está a adaptação de Beatriz?

            Ouve um silêncio profundo antes de Samantha responder. Não gostava do fato de Beatriz sempre ser tratada como alguém especial. Obviamente, Gabriela não poderia saber que ela estava listada para o leilão ou não permitiria. Mas se o objetivo da chefe era apenas fazer a brasileira sofrer, nada impedia que ela sofresse nas mãos de Sebastian, em outra porte de mundo e bem longe de Gregory.

            - Como todas as outras. – Respondeu, simples e amarga.
            - Ela não é como todas as outras. Quero saber se ela está sendo controlada e se Gregory está lhe dando o tratamento que orientou. Ela tem de sentir na pele o pior de ser uma vadia, tem de terminar cada dia pior. Não me importa se os clientes pagam por ela. Só desejo que trabalhe, dia e noite. Quando eu entrar aí novamente, quero ter o prazer de encontrá-la destruída. E, não sei porque, Gregory me parece simpatizar com ela...ser complacente demais...talvez ela o lembre de você ou ele se interesse por Beatriz. – Esse comentário servia apenas para despertar o ciúme e a raiva da outra. – Por isso quero que você cuide para que Beatriz tenha o atendimento que eu determinei.
            - É claro! E quando você virá?
            - Não tenho nenhum plano de aparecer nos próximos meses. Não importa. No dia em que eu for, quero ter o prazer de vê-la destruída. E espero que você não me decepcione e me obrigue a fazê-la voltar do salão à cela por incompetência.
            - Não será necessário.

            Ao contrário. Garantiria que Beatriz tivesse o pior dos tratamentos e depois a entregaria para Sebastian. E Gregory não teria chance de proteger sua mais recente paixão.


            Sem saber de nada do que ocorria, Beatriz percebeu a mudança de comportamento de Samantha. Ela parecia estar sempre a espreita de algo muito importante ou, pelo menos, lhe interessasse demais. Ao menos, tê-la por perto era bom para afastar Gregory e seus avanços forçados. Ajudava, mas não resolvia. Após quatro noites se passarem sem que ela atendesse nenhum cliente, Gregory apareceu no alojamento no meio da madrugada, quando o salão estava cheio e Samantha trabalhava fiscalizando o serviço e o atendimento.

            - Não posso te colocar no balcão. Sebastian não quer. Mas se pensa que vai comer de graça, está enganada. – Lhe disse sem fazer mistério do que desejava. Ele trancou a porta por dentro e sentou-se em uma das camas, abrindo a braguilha da calça. – Vem aqui vem. Quero um serviço bem rápido e eficiente dessa boquinha.

            Bia não tinha muita alternativa. Podia dizer que Sebastian pagava sua ‘diária’ de trabalho e que chupá-lo não fazia parte do serviço, mas, se o fizesse, despertaria seu ódio. E mesmo Sebastian despertando o respeito de Gregory, talvez até o temor, mas com ele distante não poderia contar com sua proteção. Então passou a caminhar até ele para cumprir a repugnante tarefa.

            - Não. De joelhos, feito uma cadelinha. – Com algumas doses de vodka barata ele conseguia ficar ainda mais nojento. – Quero você com o bumbum bem arrebitado, me chupando gostoso. Igual faz pra ele.



            Ao contrário do que Gregory pensava, sua saída do salão não passou despercebida. Samantha, porém, não se apressou em vir lhe procurar. Sabia exatamente onde ele estava, com quem e o que faziam. Ela controlou a raiva e esperou alguns minutos. Se ele queria se satisfazer, que o fizesse. O importante é que entendesse quem mandava ali e percebesse que aquilo só acontecia porque ela permitiu.
            Então usando da sua cópia das chaves, entrou no dormitório e pode assistir o marido urrar ao se satisfazer na boca carnuda de outra mulher. De olhos fechados e rosto sujo ela concluía o serviço e esperava que ele se afastasse. Ele também não via nada enquanto curtia o momento. E ambos foram surpreendidos pela voz alta e fria da negra que soube esconder seu ódio.

            - Se acabou, estamos precisando de você lá fora, Gregory. Agora! – Disse simplesmente.

            Ela ficou esperando-o recuperar-se do choque, empurrar Beatriz para longe, arrumar as roupas e erguer-se. Quando o fez, saíram juntos e sem dizer nenhuma palavra. Beatriz ficou calada, no chão, sem saber o que fazer. Aquela mulher era incompreensível. No corredor, sozinhos, Samantha deu ao marido apenas um aviso.

            - Espero que tenha sido gostoso, porque foi a última vez que você veio atrás dela. Sem conversa nem negociação. Fui clara?
            - Porque a crise de ciúme. Não é a primeira garota nem a última que eu como. Você nunca se importou.
            - E você pode pegar a que bem entender, mas não ela, nunca mais. – Por alguma razão, o interesse do marido por Beatriz parecia ser maior. E isso a incomodava. – Será por pouco tempo que você precisará resistir a tentação. Vou leiloá-la. E se Sebastian não quiser, outro aceitará pagar alguns trocados.
            - Não pode! Gabriela a quer aqui. É uma questão pessoal.
            - Gabriela não pretende vir aqui. É só você dizer que ela está sendo castigada diariamente que Gabriela ficará satisfeito. E isso não deixa de ser verdade. Porque nós sabemos que Sebastian só tem a cara de bom moço. Eu já o vi destruir um quarto porque a garota o desagradou. Quantas ele já feriu?
            - Muitas. – Ainda assim, o plano era desagradável a Gregory.
            - Exato. Ou seja, todos estarão contentes. O modo dele tratá-la vai mudar assim que Beatriz desafiá-lo a primeira vez. Então ela vai sentir como ele sabe ser um monstro. Ela será castigada o bastante, para alegria de Gabriela. Nós arrancamos dinheiro de Sebastian. E, de brinde, eu me livro dela. Será isso, meu amor.
            - Se o que você deseja. – Gregory não pode negar.
           
            Logo que o marido retornou ao salão, Samantha voltou ao alojamento e encontrou Beatriz lavando o rosto. Viu surpresa nos olhos da garota de programa. Mas não se apiedou. Fez explodir em seu rosto uma bofetada em cada lado da face.

            - Nunca mais se ofereça ao meu marido! Ou eu mesma garanto que você não fica viva até que seu protetor volte. Retalho essa carinha inteira até ele não ser capaz de te reconhecer. – Avisou a garota mesmo sabendo que não era dela a iniciativa. – Conheço esse jogo e fiz uso dele para sair dessa vida. Mas não vai dar certo para você!
            - Não sei do que está falando. – Beatriz respondeu.
            - Ótimo. Que fique assim então. Mas trate de manter as mãos de Gregory longe dos seus peitos.
            - Porque você não faz isso?
            - Cala a boca! – Samantha vibrava em ódio. – Você achou uma inimiga. Mais uma, aliás. Pois saiba que farei de tudo para destruir a sua vida. Os poucos dias que você ainda tem por aqui serão um inferno. E eu darei um jeito de garantir que mesmo depois eles não sejam fáceis!

            Quando Samantha foi embora, Beatriz ficou pensativa. Não sentia medo. Aquela encenação não passava de ciúme. Mas não entendeu porque a mulher de Gregory afirmava com tanta certeza que ela não passaria mais muito tempo ali.

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