domingo, 7 de dezembro de 2014

Vidas Ocultas: Capítulo 13






            A noite tinha tudo para ser agradável. O restaurante tinha um ambiente fantástico, o chefe de cozinha preparou iguarias saborosas e a companhia era a mais perfeita do mundo. Beatriz até tentava não se empolgar. Lá no fundo sua consciência a alertava de que já tinha conhecido caras legais e jurado ser para sempre. Não foi assim. E ela sempre terminou sofrendo. Rafael, pai de Eva, não apenas a decepcionou como a obrigou a tomar a decisão mais sofrida de sua vida: pedir o divórcio grávida e desistir da família que sempre sonhou. Mas mesmo com todos aqueles avisos, ali, olhando para Willian, todo sorridente e carinhoso, ele realmente parecia o seu príncipe encantado.



            - Porque está me olhando assim? – Ele percebeu que seus pensamentos estavam longe.

            - Eu...tava...tava sonhando.

            - É? E não vai dividir comigo o sonho?

            - Você estava segurando a minha mão. – Beatriz não se surpreendeu quando Will pegou a palma da mão na sua e passou a acariciá-la. – Viu...você já realizou meu sonho.

            - Que bom. E o que mais eu fazia no sonho? - Ele vinha se aproximando cada vez mais, quase implorando por um beijo.

            - Você me beijava.

            - Acho que eu posso realizar esse sonho também. – Will respondeu sorrindo e inclinando-se na mesa que ainda estava com as taças da sobremesa.



            Beatriz chegou a fechar os olhos para receber o beijo. Mas teve uma surpresa bem menos agradável.



            - Linda cena. Quase meia noite e você com homem na rua enquanto a nossa filha está sei lá com quem! – A voz de Rafael foi ouvida por todos no salão.

            - Baixa o tom, companheiro. – Will alertou levantando-se da mesa. – Não vai gritar com ela assim.

            - Não se mete! – Rafael respondeu virando-se para Beatriz e tentando erguê-la da mesa pelo braço. – Na rua atrás de homem à essa hora? Beatriz!

            - Larga ela! – Will levantou-se e avançou contra Rafael deixando de lado toda aquela calma e gentileza a que Bia estava acostumada. – Não encosta nela!



            Will acertou um primeiro soco no queixo de Rafael e, mesmo esse, confuso, ter largado Beatriz, ainda desferiu outro golpe no centro do abdômen. Rafael revidou e acertou Willian no centro do rosto. Em segundos, quando dois garçons e outro cliente do restaurante vinham separá-los, ambos já estavam engalfinhados no chão.



            - Parem! Parem! Rafael! Willian! Parem os dois agora! – Bia tentava afastá-los.

            - Senhores, por favor, respeitem o ambiente. – O gerente veio resolver o problema quando eles já estavam separados pelos outros homens. – Caso não consigam, terei de pedir que se retirem!



            Havia raiva dos dois lados. E incredulidade por parte de Beatriz. Jamais tinha visto Rafael dar-se ao trabalho de brigar por ela. E Willian sempre lhe pareceu o homem mais refinado e educado possível. Jamais imaginou ser possível vê-lo rolar no chão em uma briga.



- Eu poderia tirar de você a Eva por isso! – Rafael falou já num tom mais ameno.

            - Pois tente! – Beatriz gritou mais alto que o ex. Era hora de Rafael entender que não precisava de ninguém para defendê-la. – Não vai conseguir. E sabe por quê? Porque a Eva mal conhece você. Porque nunca foi um pai pra ela. E porque minha filha é muito bem cuidada pela mãe e os padrinhos. Então vá se enxergar, Rafael e suma da minha vida! Vamos Will? Não quero mais ficar aqui.



            A explosão de raiva foi diminuindo no caro, a caminho da casa de Bia. Will estava calmo, porém, inconformado. Até onde sabia a relação de Beatriz e Rafael era calma, quase inexistente. Então aquela cena no restaurante não fazia sentido.



            - Me desculpe, Will. Eu não queria te fazer passar por aquilo. – Bia disse quando ele parou o carro na frente do apartamento. – Tem de por gelo no seu queixo. Vai arroxear.

            - Não precisa se preocupar. Aquilo acontece com frequência? Ele é possessivo?

            - Não! Nunca aconteceu! Nós nunca tínhamos nos encontrado assim e, até onde sei, ele já teve vários relacionamentos curtos desde o nosso divórcio. Nunca se preocupou com quem cuidava de Bia. Foi muito azar. Estragou nossa noite.

            - Não, não estragou. E...onde nós estávamos antes dele nos atrapalhar? – Ele sabia bem. – Eu tenho um sonho seu pra realizar, Bia.

            Com toda a calma Willian permitiu-se realizar o desejo dela e seu também. Deixou-se beijá-la por longos minutos no carro, explorando seus lábios como se quisesse conhecê-la de dentro para fora. Ao fim de alguns instantes, se separou apenas para perceber nela a mesma respiração sôfrega que sentia em si mesmo.



            - Will...você quer entrar e...e ficar comigo? Eu posso cuidar de você, colocar gelo nesse ferimento.  – Mesmo tímida Beatriz ofereceu a ele a chance de tê-la inteira, completa, só para si naquela noite.

            - Não...hoje não. A Eva precisa de você agora e nós teremos muitas outras noites juntos. Durma bem, Bia.

            - Você também, Will.



            Quando chegou ao apartamento e encontrou Elizabeth acordada e sozinha na cozinha Beatriz percebeu que nem só sua noite foi ruim. Uma nuvem de tempestade pairava sobre Liza. Ela estava com a expressão fechada e segurava uma caneca de chocolate quente nas mãos. Estavam em pleno verão e Elizabeth deveria ser a única pessoa no planeta a beber chocolate quente naquela temperatura.



            - Chocolate? Sua diabetes agradece.

         - Já me basta o Miguel de médico particular, Bia. – Ela estava realmente chateada. – Temos um problema.

            - É Eva? Matt não a trouxe? Fale logo, Liza!

            - Não! Matt e Patrícia estiveram aí e colocaram Eva na cama. Ela dorme feito um anjo há várias horas. Deve ter brincado muito e está exausta. Matt e Patrícia pareciam bem felizes.

            - Patrícia já está integrada assim, é? Nossa! Está fisgando o Matheus mesmo!

            - É, quem os olha acredita que são um casal....mas Matt jura que ela não passa de um amiga.

            - Pra quem ontem não era nada além de mais um cliente pra ele tirar da cadeia, agora já é amiga. Nesse ritmo logo ela laça ele de vez.

            - Pode ser, Bia, pode ser. Eu não sei. – Elizabeth respondeu com a cabeça em outros problemas.

            - Mas se não é Eva, o que é?



            Nem mesmo a xícara de chocolate quente conseguiu amenizar a tristeza que Liz levava na alma desde a ligação de Tom. Seu chefe há tantos anos trouxe uma notícia jamais imaginada e tão dolorida quanto a perda de alguém. Tinham lhe tomado algo essencial, algo que estava em seu DNA.






- Pegaram meu distintivo. Me deram um gancho da polícia. A secretária de segurança não engoliu bem as acusações de Gabriela, nem a  minha foto e de Miguel nos jornais e, muito menos, a morto de Javier.

- Mas não foi sua culpa!

- Mas eles me responsabilizam. Abriram um processo interno. Vão averiguar toda a minha investigação e enquanto isso eu estou afastada. – Depois de tantos anos de dedicação exclusiva isso doía muito.

- Muito tempo? Você terá problemas de grana?

- Não, não. Eu continuo recebendo. Só serei expulsa da corporação se encontrarem alguma prova de que protegi Miguel e isso não vai acontecer.

- Então aproveite pra descansar, Liza! Pense nisso como férias!

- É, talvez eu esteja mesmo precisando de férias...eu...eu vou dormir, Bia.



Estava na cara que a tristeza não a deixaria dormir. Elizabeth amava a polícia. Ser uma policial honesta e capaz eram seus maiores orgulhos. Enquanto muitas meninas no abrigo sonhavam em encontrar um príncipe, ela cresceu sonhando em ser policial e mesmo após se formar advogada, abriu mão de uma renda maior para servir à corporação. Perder o distintivo, mesmo temporariamente, era uma dor inacreditável.

Elizabeth não sabia quanto tempo se passou, mas ainda encontrava-se encarando a janela do quarto, com a cabeça longe e o sono mais distante ainda quando, a porta do quarto se abriu após uma leve batida. De alguma forma ela sabia ser Miguel mesmo antes de vê-lo na escuridão.



- Beatriz me contou...porque você não me ligou?

- Eu sou...sou uma policial, Miguel. É o que sou, apenas. Sem isso eu não sou nada.

- Não diz isso! Você é a minha namorada! A irmã da Bia, A amiga do Matt e a madrinha da Eva! Você é muito mais do que uma policial Liz!



Ela não se permitiu chorar. Nunca conseguiu deixar cair lágrimas na frente de ninguém. Mas seus olhos estavam marejados. Ela realmente não sabia como lidar com tudo aquilo.



- O que eu farei na segunda-feira? Meus casos como ficam? E...

- Vai cuidar de você um pouco. De nós. Vai ser minha em tempo integral. E será por pouco tempo. Logo a Polícia Federal vai sentir falta de sua melhor investigadora.

- É bom ter você aqui, Miguel. Muito bom. Dorme aqui comigo? E me abraça apertado a noite toda?

- Ninguém seria capaz de me expulsar hoje, minha Liz, nem mesmo você.





            Poderia ser uma coincidência amarga ou brincadeira do destino. O fato era que aqueles três amigos de infância tiveram noites ruins. Enquanto Bia se revirava na cama lembrando do escândalo de Rafael ao vê-la com Will, e Elizabeth tentava relaxar nos braços de Miguel, Matt tentava, se sucesso, esquecer da mulher dormindo no quarto ao lado.

            Junto de Eva, ele e Patrícia tinham organizado o quarto de hóspedes e deixado-o pronto para abrigar a nova moradora do apartamento. Conforme ele lhe disse, esperava tê-la ali por bastante tempo, enquanto precisasse e desejasse teria ali um teto onde seria respeitada.

            E era justamente essa a promessa a agora mantê-lo em uma insônia sem fim. O relógio marcava 00:26. Era início da madrugada. Paty deveria estar dormindo e ele deveria fazer o mesmo.



            - Somos colegas de apartamento. Só isso! Ela tem 10 anos a menos que você! – Dizia para si mesmo. – É uma menina e foi abusada a vida toda. Uma ex prostituta, Matt. É loucura!








            Quando olhou novamente para o relógio e o viu marcar 00:58 sem que o sono sequer se fizesse presente, levantou-se e vestiu a camisa. Não ia mesmo dormir. Era sábado, precisava de uma bebida e... de companhia. O melhor jeito de não fazer besteira nesse caso é sair com uma mulher.



            - Ao menos assim não invado o quarto ao lado.





            Acreditando que Patrícia ia dormir e sequer perceber sua saída, deixou o apartamento sem deixar nenhum aviso. Pegou seu carro e rumou para uma casa noturna que, no passado, frequentou muito. Belas mulheres logo o cercaram. Algumas realmente bonitas.

            Estava há nem bem uma hora por lá quando uma morena belíssima o abordou. A garota era o oposto de Paty. Era alta, com o corpo malhado digno de um atleta. Era, também, decidida. Não negou desejá-lo e estar disposta a apenas uma noite. É, o tempo em que o homem cortejava a mulher estava enterrado em um passado distante.



            - Me chamo Marcela. Fica comigo essa noite, gato? – Seus olhos muito negros brilhavam no escuro.

            - Você é linda, Marcela. Linda mesmo.

            - Qual seu nome?

            - Matheus. Vem pra pista dançar comigo.



            Ele não tinha certeza se a queria. E as doses generosas de caipirinha dificultavam uma decisão. Uma garota, bem mais jovem e delicada ainda estava em seus pensamentos. Por outro lado, Marcela poderia ser um belo e gostoso antídoto para o seu problema.



            - Topa vir pra minha casa? – Matt convidou esperando pelo sim.

            - O que ainda estamos fazendo por aqui?





            Patrícia realmente não percebeu a saída de Matt. E também não o viu chegar com Marcela. Nem mesmo ouviu os ruídos que vinham do quarto ao lado. Ela dormiu a noite toda e pela manhã, como já era um costume, levantou-se para fazer café e deixá-lo pronto para quando Matheus saísse do quarto. Mas naquela manhã quem apareceu na cozinha foi Marcela. E ambas as mulheres ficaram chocadas. Não sabiam da existência uma da outra.



            - Quem é você?!?! – Patrícia gritou derrubando uma leiteira no chão.

            - Eu vim com o Matheus ontem para passar a noite com ele e....quem é você!?!?!?!



            “Sou a garota imbecil pra quem o Matt ofereceu um teto e quem pensou nisso como uma oportunidade para conquistá-lo. Idiota! Como se ele fosse sair com uma prostituta”, Patrícia disse para si mesma enquanto limpava o chão.



            - E você? Quem é? – Marcela questionou mais uma vez. – Diga garota!

            - Eu sou...sou...a empregada dele. Estava preparando o café.

            - Empregada? E anda pela casa vestida assim?



            Patrícia não tinha pensado no shorts curto e blusinha que cobria seu corpo. Era decente, mas nada profissional. Estava na cara que não era quem dizia ser.



            - Essa é Patrícia, Marcela. Ela é uma amiga e minha convidada, não a empregada. – Matt esclareceu. Ele acordou com a louça caindo no chão e previu uma briga entre as garotas. O que não ocorreu. – Por isso ela pode vestir qualquer coisa.

            - Legal...amizade colorida...entendi. – Marcela era uma garota bem moderna. Não tinha desejo ou sentimento algum por Matt, a não ser o sexual, plenamente satisfeito durante a madrugada. – Eu vou indo então Matt. Obrigada pela noite. Você foi maravilhoso.



            Assim, Marcela saiu da vida de Matt exatamente como entrou. Sem deixar marcas ou lembranças. Ela apenas pegou a bolsa, ajeitou as roupas, passou a mão pelos lindos cabelos, deu-lhe um beijo despudorado e saiu.

            Atrás da porta deixou Matt e Paty surpresos e constrangidos com uma atitude tão despreocupada de Marcela. Paty não olhava nos olhos de Matheus e continuava a preparar a mesa do café. Ele percebia o clima ruim e não queria vê-la tímida.

            - Nunca mais diga a ninguém que é minha empregada. Não é. É minha convidada.

            - Ela podia ficar chateada.

            - Ela não importa. – Paty não entendeu porque ele lhe dizia isso. Matt tinha o direito a sair com quem bem entendesse. Não eram namorados nem comprometidos. – Por que me olha assim?

            - É que eu acho que quando um homem traz uma garota pra casa dele, ela devia ‘importar’ pelo menos um pouco. – A frase era verdadeira tanto para Marcela quanto aos dois.

            - Você tem razão. Me desculpa? Não tenho o hábito de trazer mulheres pra cá. Ontem...sei lá o que me deu.

            - Tudo bem, Matt...está na sua casa. – Ela colocou um sorriso no rosto. – O café está pronto.





                Elizabeth despertou nos braços de Miguel. Ele estava já acordado e observando-a há vários minutos. Parecia quase sorrir com o que via.

            - Bom dia. - Ele disse um instante antes de beijá-la.






            - Eu nem escovei os dentes, Miguel. - Mas o beijo estava tão bom que ela puxou-o novamente.

            - E quem se preocupa com isso? Quando a gente for casados e dividir a mesma cama todos os dias eu pretendo te beijar em cada novo amanhecer.

            Por aquela Liza não esperava. Miguel tinha acordado romântico e delirante. Só podia ser isso. Eles? Casados? Como, em tão poucos meses de relacionamento, na maior parte envolvidos em problemas policiais, ele conseguia fazer planos audaciosos assim? Nunca pensou em se casar. Nem mesmo quando teve relacionamentos sérios. 'Mas nenhum foi tão sério quanto agora', sua consciência parecia insistir em lembrar. Mesmo assim, casamento nunca foi um sonho.

            - Como assim...casados, Miguel?

            - Algo bem tradicional Liz: dividir o banheiro do quarto, o espaço no closet, a cama, dividir a vida. E, o principal...ter o privilégio de dormir ao seu lado e ser o único a poder te observar acordar. Você desperta tão linda.

            Uauuu...ele estava realmente inspirado naquela manhã.

            - Eu não sei se eu sirvo pra isso, Miguel. - Abraçada nele, deitada sobre seu peito, ela foi sincera. - Não sei ter família, não assim. Não sei como cuidar de um marido, zelar por um casamento. Não sou a típica esposa, Miguel.

            - Então eu terei de me acostumar com uma esposa 'não típica'. - Ele riu de seu olhar apavorado. Estava decidido a não lhe dar escapatória. - Calma. Sei que estamos juntos há pouco tempo. Não vou forçar nada. Vá se acostumando com a ideia de se tornar a senhora De La Vega Benitez e ter uma sogra amável como Dona Rúbia.

            - Você acha que daria certo? Eu não sei... - Não era Rúbia a preocupá-la. Era ela mesma. - Miguel eu não tenho família e...

            - Você sempre amou e se preocupou com Bia e Eva. Isso é ter família, Elizabeth. O fato de não ter tido seus pais não pode impedi-la de formar o seu próprio lar, ter seus filhos.

            - Eu nunca vou ter filhos, Miguel. Nunca. Isso está decidido. - Isso foi um choque para Miguel e seus olhos demonstraram o espanto. - Viu! A gente nem falou de coisas assim. É impossível e...

            - Calma. Eu ainda não te pedi em casamento, nem marquei a data. Temos tempo pra conversar sobre essas coisas. Mas me conta, por que não deseja ter filhos?

            Ela realmente não deseja entrar naquele assunto nem dividir com ninguém nada de sua vida particular. Todo mundo tinha o direito de guardar seus pequenos segredos. Era íntimo demais. E desagradável. Ninguém entenderia como se sentia por não saber nada de si mesma. Sequer seu país de origem.

            - Eu pesquisei a sua vida, Liz. Sei que você e Bia foram encontradas no estacionamento do aeroporto, apenas com os primeiros nomes gravados em pulseiras.

            - EI! Você fez o que?!?!? - Ela afastou-se dele. - Com que direito você me investigou?!?!

            - Volta para cá agora mesmo. - Ele puxou-a novamente para seus braços. - E não reclame! Você me investigou também.

            - Eu sou policial e você estava envolvido em um crime! Eu podia te investigar!

            - E eu apenas igualei nossas informações, detetive! - Ele beijou-a. - Meu advogado pesquisou sua vida para sabermos se poderíamos usar alguma informação ao nosso favor. Não descobrimos nada. Você é uma policial honesta e digna da farda. Mas eu acabei tendo acesso a algumas informações particulares.

            - Eu era policial...agora nem isso sou mais.

            - Isso é temporário, Liz. Você sabe. - Aquela tristeza dela lhe machucava também. - Mas gostaria de ouvir a história da sua boca agora.

            - É isso mesmo o que o intrometido do seu advogado falou. Eu e Bia fomos encontradas no estacionamento do aeroporto internacional. Naquele tempo não havia tantas câmeras como hoje. Não descobriram quem nos abandonou lá. E era alta temporada. Muitos voos chegaram naquela noite. Ninguém encontrou uma explicação. Podemos ter vindo em um daqueles voos de qualquer continente ou simplesmente alguém daqui mesmo nos largou lá.

            - Mas o aeroporto internacional tem muita segurança. Alguém que vai abandonar duas crianças não iria escolher justamente lá. - Era muita crueldade.

            - Sim. E por isso o inquérito aberto na época sugeria que tínhamos vindo em um daqueles voos. Mas não provaram nada. E porque alguém traria crianças para abandonar em outro país. Também não faz sentido. Depois que eu entrei para a polícia, eu tentei investigar um pouco mais, por minha conta. Nos encontraram às 5hs da madrugada, quando o vigia da manhã começou a ronda. O da noite disse não ter visto nada. Como nós não estávamos com desidratação, eles estimam que ficamos ali no máximo 5 horas. Nesse tempo chegaram ao aeroporto voos  da Argentina, Uruguai, Austrália, China, Itália, França, Alemanha e Canadá.

            - Você decorou isso. - Miguel não se surpreendia. Havia sofrimento na voz dela.

            - Eu li esse arquivo dezenas de vezes na esperança deles terem deixado algo passar. Mas não. Nada. Nunca encontrei nenhuma pista, Miguel. Eu e Bia podemos vir de cada um desses países...menos da China, esse eu descartei. - Ela tentou brincar.

            - E aí vocês cresceram num abrigo.

            - Sim. Fomos criadas numa casa para menores abandonados mantida por freiras, com ajuda do governo. São de lá as minhas primeiras lembranças da infância. Eu não recordo de nada de antes, nem da pessoa que nos largou naquele estacionamento. Eu queria lembrar. E não consigo.

            - Talvez seja melhor assim, Liz. Você construiu a sua vida, ao lado da sua irmã e deixou isso no passado.

            - Não deixei não. Essa dúvida vai estar sempre comigo, Miguel. Eu vou carregar isso até o fim da vida. Porque nos trouxeram para outro país e nos abandonaram?

            - Você e Beatriz ficaram no abrigo até completar 18 anos?

            - Sim. Até eu completar o que eles estimavam ser a minha maior idade, na verdade. Nós não temos uma data de aniversário. Eu e Matt, que também cresceu lá, já estávamos na faculdade de Direito. Nós fizemos vestibular juntos. Nós saímos e alugamos um apartamento até nos ajeitarmos melhor e depois nos responsabilizamos legalmente pela Bia, que só tinha 15 anos na época. Aí ela entrou na faculdade de jornalismo, Matt e eu nos formamos, ele abriu o próprio escritório, eu fiz concurso público. E aqui estamos, até hoje.

            - Então não tem nenhum dia para eu te dar 'feliz aniversário'?

            - No abrigo costumavam 'comemorar' no dia 16 de março, data em que fomos encontradas. Mas não sabemos exatamente.

            - Terei de te presentear todos os dias então...nem que seja com um beijo. - Ele tentou fazê-la sorrir. - Isso tudo é muito triste, Liz. Mas não explica porque você não quer filhos? Bia se casou, teve Eva. Por que você não poderia?

            - É diferente. Bia era um bebê...não sentiu o abandono como eu. Você não entende. Eu posso não me lembrar deles...mas eles deveriam se lembrar de mim. Eu tinha perto de 4 anos. Como conseguiram me deixar lá? Criança precisa de atenção, precisa ser amada, ser cuidada.

            - O nosso filho seria muito amado.

            - Você trabalha quantas horas por dia, Miguel? E eu? Minha vida é ser uma policial. Não vou colocar uma criança no mundo para ser criada por estranhos, como eu fui.



            Miguel compreendia suas razões. Era mesmo difícil aceitar ter sido desprezada daquela maneira. Porém, olhando-a ali e sabendo a mulher justa, amorosa e leal que é, Miguel imaginava o quão feliz e segura uma criança gerada por eles seria. Não ia desistir dela. Muito menos desistiria de gerarem uma família. Ambos estavam na casa dos 30. Ainda tinham alguns anos para poder esperar. Seria paciencioso. Um dia seu relógio biológico iria gritar pela maternidade.



            - Vamos combinar uma coisa então: não diga que nunca será mãe. Hoje você não quer filhos, mas um dia pode desejá-los. Vamos deixar para falar disso no futuro. Está bem assim?



            Elizabeth observou-o. Parecia tão jovem sorrindo assim. Era um menino fazendo planos. Ela entendia suas razões. Ao contrário dela, Miguel tinha família. Teve um bom pai para se espelhar. Um modelo de homem à seguir. E Rúbia podia ser uma sogra insuportável, mas fora uma mãe zelosa e, certamente, seria uma grande avó. Miguel vinha de uma família estruturada e tradicional. Era natural desejar filhos. Ainda mais quando já passara dos trinta anos e era divorciado. Mesmo entendendo-o, no entanto, não mudava seus pensamentos. Não iria enganá-lo nem ludibriá-lo.

            - Até podemos deixar para o futuro, Miguel. Mas, caso um dia realmente nós oficializemos essa relação, não espere filhos de mim. Se casar comigo, lembre que nunca te prometi filhos. Nossa família seremos apenas nós dois.



            Miguel não tornou a tocar no assunto. Mesmo sem querer, aquela afirmação o fez repensar a decisão de casar. Não podia desistir da ideia de um dia ser pai. Não precisava ser agora, talvez não precisasse sequer ser um filho de sangue. Sua única certeza é de que envelhecer solitário não estava em seus planos. Queria chegar ao fim da vida assim como seu pai, cercado pelo amor da família.

            Ambos tomaram café com Eva e Beatriz. Depois saiu para ir em casa trocar de roupa em casa e dar atenção à mãe. Prometeu voltar após o meio dia. Iriam passar a tarde juntos. Era manhã de domingo e todos estavam livres. Envergonhada pelo que ocorreu com Will e Rafael, Bia não quis ligar para o namorado. Queria conversar com seus amigos de infância.

            - Podíamos chamar o Matt. O 'club dos rejeitados' não se reúne faz tempo. - Bia chamou-os pelo apelido que na adolescência, um tanto revoltada por morar num abrigo, usa para qualificá-los.

            - Não fala assim. Sabe que eu não gosto. - Dos três, Bia sempre foi a que mais recebeu atenção. Ela e Matt zelaram por ela em cada um dos dias vividos no abrigo e, depois, quando saíram também. - Liga pra ele e diz pra vir almoçar conosco. Vamos ver se irá poder. Ou não vai querer deixar Patrícia.

            - Vai poder sim...ou eu busco ele!



            Apesar de protetora como toda mãe, Rúbia não passou a noite preocupada. Sabia exatamente onde seu filho estava e com quem. O 'quem' lhe desagradava. Preferia Miguel passasse a noite com qualquer desconhecida do que com uma policial sem educação ou repeito pela família de seu namorado. Antes de se envolver com Miguel deveria ter vindo lhe conhecer. Mas não. Ela ignorava esses mandamentos da etiqueta e boa educação.

            Pela janela de seu quarto ela observou Miguel chegar e estacionar o carro. Deixou-o passar pelo corredor e foi até a cozinha preparar uma bandeja com o café da manhã dele. Tudo o que ele sempre gostou de comer.

            - A senhora quer ajuda? - A empregada ainda perguntou.

            - Não. Eu levo para meu menino.

            Quando entrou ainda pode ouvir o barulho do chuveiro ligado. Então largou a comida e ficou sentada na cama, olhando o móvel ao lado, com mais uma dezena de fotos expostas. Já havia uma de Elizabeth. Ele realmente tinha se apegado muito àquela moça e rapidamente. Pegando a foto com as duas mãos ela a analisou.

            - Só pode ser carência. Nem mesmo bonita ela é.



            Miguel entrou no quarto já vestia com bermuda e camiseta. Sinal que pretendia ficar em casa um pouco. Isso animou Rúbia. Um tempo longe de Elizabeth poderia colocar a cabeça de seu filho nos trilhos novamente. Ele era um empresário importante. Precisava de uma companheira de classe para acompanhá-lo a eventos e receber elogios por sua postura e elegância. Quais eram as qualidades de Elizabeth? Saber atirar e lutar feito um homem? Não era esse o tipo de mãe que seus netos mereciam.

            - Mãe, quantas vezes já pedi para respeitar a minha privacidade? É muito feio mexer nas minhas coisas quando eu não estou presente.

            - Não sou uma estranha, sou a sua mãe. - Rúbia largou o porta retrato no lugar. - Ela ganhou espaço rápido hem!?!?

            - Si, madre. No meu quarto e no meu coração. Liz não sairá de minha vida, por isso, faça um esforço e conviva bem com ela. É capaz de fazer isso por mim?

            - Por você sou capaz de qualquer coisa, meu filho. O que não significa que eu concorde com tudo. Essa moça não combina com você, não está à sua altura.

            - Essa moça tem nome, mãe. Elizabeth. Chame-a pelo nome, por favor. E ela me faz feliz. É simples assim. Ou você a aceita e vivemos bem. Ou viveremos em guerra. Não vou deixá-la para agradar à senhora.

            - Está bem. Eu farei o possível já que você parece não ver o obvio. - Ela entrou em outro assunto, também difícil. - Alejandra remarcou seu voo para amanhã cedo.

            - Já não era sem tempo.

            - Não fale assim! Fui eu a pedir para ela me fazer companhia. Alejandra me fez uma boa ação ficando comigo aqui. - No fundo ainda tinha esperança de que os dois reatassem o casamento, mas agora, com Elizabeth, teve de desistir e deixar Alejandra partir. - Como é sua última noite, pensei em fazermos um jantarzinho íntimo. Só nós da família.

            - Ótimo! Fazemos sim. Eu ficarei no escritório adiantando umas coisas, mas tarde Liz e outros dois policiais virão aqui. Eu pretendia levá-la para jantar depois...então ficaremos.

            - Não...eu pensei em...- Elizabeth não estava em seus planos de jantar.

            - Só família, mamãe. Eu, você, Liz e a única pessoa que não pertence à família: Alejandra. Marque para as 9hs, sim? Já devemos ter finalizado nossa reunião no escritório.

            - Está bem então. Se você quer assim.

            - Quero. E avise para Juliana que irei ficar no escritório trabalhando. Não me interrompam. Quando eu quiser comer, eu vou até a cozinha.



            Não era só pelo trabalho que Miguel desejava ficar sozinho. Também precisava pensar em tudo o que conversou com Liz, com sua mãe, pensar no que sentia e no que faria de seu futuro. Muitos poderiam achá-lo irresponsável por pensar em casar após conhecer uma mulher há apenas dois meses. Mas ela o completava. Não estava apenas apaixonado. Era mais do que paixão. Reconhecia nela a companheira que desejava na vida e, caso realmente ela jamais lhe desse um filho, ainda assim, preferia a vida com ela do que com qualquer outra que lhe prometesse vários herdeiros.



            - Oi Louis. - Ele ligou para o advogado. - Desculpa, eu sei que é domingo. Mas...me diz uma coisa, quais seriam os trâmites necessários e quanto tempo levaria caso eu resolvesse me casar novamente?



            Sem saber de nada do que passava pela cabeça de seu namorado, Elizabeth estava tranquila. Miguel lhe avisou que a buscaria no fim da tarde, mas não disse onde a levaria nem se haveria mais alguém. Enquanto isso, passava o horário de almoço com Matt e Bia.

            - Como nos velhos tempos! - Matt brincou puxando um brinde.

            - Nem tão velhos assim. Não sei vocês, mas eu sou muito jovem ainda. - Bia reclamou também brincando.

            - Você é o bebê do grupo, Bia! - Matt respondeu. - A bebê, que já tem um bebê também, aliás.

            - A Eva pertence ao grupo já. E não é minha culpa se vocês dois são muito lerdos pra achar namorados. Mas, se Deus ouvir minhas preces, é agora que Eva ganha mais um tio e mais uma tia! Quem sabe até uns priminhos!

            Bia e sua imaginação fértil e rápida já estavam imaginando Miguel e Liz, e Matt e Patrícia juntos para sempre. Ela sempre viveu um mundo mais cor de rosa que o original.

            - Muita calma nessa hora, Bia. A Liza e o Miguel podem até estar firme, mas eu e Paty somos apenas amigos, colegas de trabalho e...e de apartamento também.

            - AAAA conta outra, Matheus! A garota te deixou tão...agitado, digamos assim, que foi atrás de mulher na rua! Logo você todo certinho, fresco. Nunca te vi assim. - Liz disse ainda surpresa com o que ele contou às amigas.

            - Eu saí sim com muitas garotas.

            - Sim, mas com todas você tinha ou queria ter um relacionamento. Garotas de uma noite ou prostitutas nunca fizeram a sua cabeça. - Por um momento Liza se perguntou o que Matt pensaria caso soubesse que ela já tinha se passado por prostituta e saído com caras por uma noite só.

            - Claro que não! Porque eu arriscaria sair com essas vadias? Eu acho que sexo com quem a gente gosta é muito mais gostoso. Ainda mais que nem lembro do que fiz com Marcela. Estava bêbado.

            - É o fato de Patrícia ter se prostituído que te incomoda? Te envergonha?

            - Não Bia...tá, um pouco. É constrangedor. Um dia eu pensei em beijá-la, mas lembrei de que tantos outros homens fizeram isso, nem ela sabe quantos, daí eu me afastei. E também...ela é...eu tenho receio dela me aceitar por gratidão. Ela parece querer me agradar em tudo. E se ficar comigo para agradecer por tê-la ajudado? Não é o que eu quero. Ainda mais de uma menina.

            - Ela é uma mulher, Matt! - Liza falou. - E bem vivida.

            - Uma mulher com 10 anos a menos que eu. Eu estaria me aproveitando dela.

            - Vai ter de superar isso se quiser namorá-la Matt, ou colocá-la pra fora do seu apartamento. Não dá pra ficar fugindo de alguém que vive com você. - Bia sugeriu.

            - Eu sei...mas vou resolver isso sem mandá-la embora. Jamais deixarei que Patrícia volte pras ruas.

            - Isso nenhum de nós sugeriria, Matt. Não nós, que já dependemos da ajuda de estranhos. Mas pode ajudá-la sem que esteja na sua casa.

            - Eu sei...só que eu a quero por perto. - Ele não sabia o que fazer. - Mas eu vou resolver. Agora, sobre você, não gostei nada do que nos contou. Rafael não pode te ameaçar de tomar Eva. Se quiser, eu peço uma medida cautelar para impedi-lo de se aproximar de você. Podemos conseguir testemunhas de que ele apresentou descontrole.

            - Não, não precisa. Ele não é assim. Sei lá o que deu em Rafael. Duvido que se repetirá.

            - Nos diga, se acontecer mais uma vez. Eu me sinto meio responsável por você e por Eva, Bia. Não vou aceitar que te façam algum mal.



            Beatriz não era apenas a mais jovem. Ela também era mais delicada que Elizabeth, mais sonhadora e mais frágil, apesar de saber mostrar as garras quando desejava. Ter Eva a tornou mais forte e auto suficiente. Mesmo assim, para Matt e Liz, ela seguia sendo a menina que merecia ser protegida.

            Enquanto Matt e Bia falavam abertamente dos problemas nos próprios relacionamentos, Liza ficava calada. Não queria dividir com ninguém a conversa que teve com Miguel. Seus amigos não precisavam saber que ela tinha pânico em pensar em formar uma família, mas sentiu-se animada com a vaga possibilidade de talvez, um dia, tornar-se a esposa de Miguel.

            - Enquanto nós sofremos, Matt, agora a Liza vive o paraíso com Miguel. Veja, ela nem reclama mais

            - Está longe de ser o paraíso, Bia. Mas nós estamos melhores sim. Meu maior problema agora é esse gancho na polícia. Pode levar semanas até receber meu distintivo e eu tinha investigações importantes! Tom e Rebecca devem estar suando para dar conta de tudo.

            - Ótimo! Assim eles darão valor para você quando voltar. - Matt tratou de sossegar a amiga. - Miguel não vai aparecer?

            - Vai. Às 6hs. Vai me levar pra sei lá onde para jantar. E 6hs ainda é dia!

            - Vai te levar pra casa dele, Liza! Claro! - Bia gritou. - Vai jantar com a sogrinha cascavel!

            - Nem brinca! Não...não pode ser! Será?

            - Só pode. Vai te apresentar a casa e você fica pra jantar. Maninha...preparasse. É bom escolher uma roupa discreta para agradar a matriarca.



            Elizabeth realmente não tinha pensado nisso. Miguel não podia fazer algo assim sem avisá-la! Mas Bia estava certa! Só podia ser isso. Logo que Matt foi embora ela então foi para seu quarto escolher a roupa e se arrumar. Não que pretendesse ou precisasse agradar à sogra. mas mal não iria fazer. Acabou optando por uma maquiagem leve e um vestido simples na altura dos joelhos, acompanhado por um par de sandálias de alto baixo.

            - Está linda, amor. E eu já senti saudades de você nessas horas longe. - Miguel disse quando veio buscá-la.

            - Nós vamos jantar com a sua mãe? - Ela não aguentou esperar para saber.

            - Também...não fique nervosa. Ela vai respeitá-la.



            Somente quando chegou na casa de Miguel é que Elizabeth entendeu a razão de le falar 'também'. Realmente, era muito cedo para jantarem e Miguel tinha outros planos. Ao chegar, ninguém veio recebê-la. Provavelmente, era o jeito de Rúbia dizer que apenas a suportava a pedido de Miguel, mas não faria nenhum esforço para ser simpática.

            Rapidamente Miguel lhe mostrou a casa e seu quarto, dizendo que era bom ela se acostumar com ele porque pretendia levá-la para passar muitas noites ali. Depois Levou-a rumo ao amplo escritório. E lá uma surpresa a aguardava. Tom, Carla, Fred e Rebecca lá estavam. Cada um conectado a um computador e prontos a trabalhar.

            - Eu não posso ficar sem a minha melhor investigadora e...seu namorado emprestou o escritório então nós viemos. Pode nos ajudar Elizabeth?

            Nada poderia fazê-la mais feliz. Aquilo era a sua vida. E Miguel soube compreender isso como ninguém. Ele acabara de provar o quanto a conhecia bem, apesar do pouco tempo de convivência.

            - Você os chamou. - Acusou-o para um instante depois pendurar-se em seu pescoço.

            - Sim, chamei e sugeri que seria útil à corporação contar com a sua consultoria enquanto não lhe devolvem o distintivo. É extra oficial, ninguém pode saber e você tem de passar longe da polícia federal. Mas ninguém proibiu seus colegas de virem aqui em casa. Então...bom trabalho investigadora!

            Na frente do chefe e dos colegas Elizabeth beijou-o com desespero. Aquele era sim o homem da sua vida. Não tinha como negar.

            - Você tem até às 21hs. Quando temos um jantar em família. Depois a casa está disponível no dia e na hora em que desejarem. Eu vou nadar enquanto isso. Fiquem à vontade e sirvam-se de café policiais.



            Pelas três horas seguintes, Liza e sua equipe trabalharam nos casos. A investigadora analisou os processos e indicou os passos que desejava e pediu que Tom conseguisse uma quebra de sigilo bancário para a investigação de corrupção que esteve sob sua responsabilidade até que o processo administrativo foi aberto contra ela. Também pediu para reanalisar o caso das prostitutas mortas e o esquema de tráfico de pessoas envolvendo a Benitez.

            - Esse eu acho bom você realmente se afastar, Liza. - Tom reafirmou. - Está pessoalmente envolvida. Mesmo quando voltar à PF, esse caso deixarei pessoalmente sob minha responsabilidade.

            - Oficialmente, sim, Tom. Mas eu pretendo trazer à luz toda essa podridão. É o melhor meio de limpar meu nome! Não se preocupe...quando estiverem presos, eu deixo todos os louros da fama pra você e fingimos que eu nem participei da operação.

            Quando a equipe da policia despediu-se da casa prometendo voltar nos próximos dias, Miguel veio ao encontro da namorada. Os cabelos úmidos mostravam que ele realmente gastou aquele tempo entre braçadas na piscina.

            - Obrigada mesmo por isso. Foi muito importante pra mim.




            - Eu sei Liz...por isso abri mão de três horas da sua companhia. Se bem que foi um investimento.

            - Investimento?

            - É! Emprestei você por três horas e a garanti aqui na minha casa por vários dias trabalhando pertinho de mim.

            - E a BTez?

            - A companhia apoia o Home Office para os diretores trabalharem com conforto, perto de suas famílias. - Ele ria e a enchia de beijos pelo colo e o pescoço.

            - Espertinho!

            - Vem! Vamos jantar. Madre e Alejandra estarão conosco. Ignore-a, ok? Ela embarca para Espanha amanhã pela manhã.

            - Será que vai mesmo dessa vez?

            - Eu mesmo garantirei que embarque dessa vez. Vamos jantar?



            Alejandra e Rúbia já estavam à mesa quando Miguel chegou e cumprimentou ás duas em espanhol, um costume antigo. Seu pai sempre sentava à mesa falando no idioma de sua origem. Ele pegou o mesmo costume.

            - É bom revê-la Elizabeth, dessa vez com um clima mais ameno. - Alejandra mostrava-se elegante e refinada como lhe era de costume.

            - Eu digo o mesmo, Alejandra.

            Rúbia também tentou ser elegante, mas notava-se em sua postura enrijecida todo o desgosto que sentia por fazer a refeição, em sua casa, com alguém de seu total desagrado. Inicialmente, não nada além de dizer 'boa noite, Elizabeth'. Não houve abraço nem 'seja bem vinda'. Aquilo irritou Miguel. Somente em respeito à sua mãe, não se levantou e levou Elizabeth embora. Acreditava que Rúbia convivendo com Liza nos dias em que ela trabalharia no escritório, passaria a entendê-la e respeitá-la melhor. Precisava, inclusive, informar sua mãe disso.

            - Madre...Elizabeth e seus colegas da Polícia Federal irão utilizar o escritório nos próximos dias, com a frequência de que necessitarem.

            Rúbia encarou-o e esperou Juliana colocar algumas travessas de salada no centro da mesa e se retirar antes de pronunciar. Estava claramente desgostosa do que ouviu.

            - E quem autorizou a transformar a minha casa em uma extensão da central de polícia?

            - Eu, madre. Eles virão sempre que necessitar. - Era sua palavra final e Rúbia percebeu no tom do filho que era melhor não questionar. Ele estava no limite da irritação. Um pouco mais e Miguel esbravejaria.

            - Pelo que li nos jornais sua...Elizabeth estava afastada da polícia enquanto investigam algumas acusações bem sérias a seu respeito.

            - Dona Rúbia, a senhora está sendo bem satisfatória em demonstrar seu desgosto em me ter por aqui e, se não quer... - Elizabeth começou a falar, mas foi cortada por Miguel.

            - Nem pense nisso! Vocês virão e pronto.

            - Deixe-me concluir. Rúbia, se não me quer por aqui, resolva isso com seu filho. Enquanto ele me quiser, terá de me aturar. Eu já superei problemas bem mais complicados do que uma com ciúme do filho de mais de 30 anos. Então não pense que sua cara de poucos amigos me assusta.

            Rúbia encarou Elizabeth desacreditando no que ouvia. Alejandra segurava o riso. Sim, Rúbia não era uma mulher fácil. Mas ninguém a recriminava assim, em frente ao filho. Elizabeth mostrou as garras. Já Miguel nem gostou nem desgostou do que ouviu. Apenas esperou pela briga que seguiria e tentou acalmar os ânimos.

            - Basta! Não há o que gostar ou decidir. Eu já informei ao Comandante Tom que a casa está disponível sempre que for necessário. Agora vamos comer em paz, por favor.



            Quando Juliana trouxe o prato principal e postou-o no centro da mesa, Elizabeth estranhou. Nunca tinha visto aquilo. A caçarola imensa borbulhava  com o que aparentavam ser vários tipos de carnes e legumes.







            - Já comeu Puchero, Elizabeth? – Rúbia perguntou.

            - Não, nunca.

            - É uma delícia. – Alejandra falou. – Típico da nossa terra. Mas é forte, como a maior parte da comida espanhola. Miguel adora.

            - Sí, é saboroso. Como a feijoada brasileira. – Miguel sorriu constrangido. – Mas num dia quente como hoje eu preferia algo mais leve, madre. Acho que Liz também apreciaria mais.

            - Ela tem de se acostumar com os sabores da Espanha. – Rúbia respondeu enquanto ela mesmo servia um prato generoso para Elizabeth. – Terei de ensinar a receita depois. Se quiser mesmo entrar para a família você terá de fazer para Miguel e meus netos.



            Miguel só faltou fuzilar a mãe com o olhar. Aquilo tudo não passava de uma encenação para irritar Liz. Nunca Alejandra cozinhou puchero enquanto eram casados e aquele nem era seu prato favorito. Paella era ainda mais saborosa e diversos restaurantes brasileiros serviam. Em de longe esperava ver Elizabeth cozinhando para si.



            - Eu não sou uma grande dona de casa, Rúbia. Como já sabe, eu trabalho fora, e trabalho muitas horas.

            - Mas um dia deixara a polícia para formar uma família, cuidar de seu marido, gerar filhos e educá-los. Não? Foi o que eu fiz. Também trabalhei fora antes de me casar. Porém depois, Raúl precisava de mim dentro do lar. Organizando nossas atividades e depois zelando por Miguel.

            - Eram outros tempos, madre.

            - Família é família em qualquer tempo, Miguel. E quem educará meus netos? Quantos filhos pretende ter, Elizabeth? EU infelizmente só pude dar a luz à Miguel mas...

            - Nenhum, Dona Rúbia. Eu não pretendo ser mãe.

            - Ora, mas...porque? Isso é a maior bênção que a mulher pode ter. Maior presente que se dá ao marido...você aceitará uma ofensa dessa, Miguel?!?!

            - Isso é assunto nosso, madre. Chega. Agora! Vamos comer!



            Enquanto os demais ainda se serviam, Elizabeth levou uma garfada à boca e sentiu-a pegar fogo. Como os espanhóis conseguiam comer aquilo? Era pimenta pura! Sem conseguir disfarçar, cuspiu tudo no prato da forma mais discreta que pode.



            - Eu não consigo! Desculpem, mas...é muita pimenta.

            - Isso é frescura! – Rúbia gritou. – Não despreze a comida de minha gente!

            - Espere madre. – Miguel desconfiou. Puchero costumava ser forte, mas não apimentado. Levou uma colherada a própria boca e também a sentiu arder em fogo. – Isso está insuportável! Juliana! Venha aqui!

            - Senhor, Miguel. Algum problema? – A antiga empregada nunca errava nas receitas.

            - Acho que dessa vez o puchero não saiu como de costume, está muito forte. Você preparou algo mais para o jantar?

            - Eu fiz algumas tapas. Me desculpem...eu não sei como pude...

            - Não se preocupe, Juliana. Apenas traga as tapas.

            - Nem está tão forte assim, Miguel. Você já comeu ainda mais temperados. – Rúbia afirmou enquanto Alejandra sequer provou.

            - Não com esse calor de 30 graus. Elizabeth podia ter passado mal.

            - Isso é exagero seu!

            - Então coma a senhora enquanto nós comemos as tapas.







            Enquanto todos comiam calados, Miguel tocava a coxa de Elizabeth de tempos em tempos. Ela não ficou nervosa com o ocorrido, apenas com o rosto afogueado.



            - Gostou das tapas, Elizabeth? – Alejandra questionou.

            - Sim, muito gostoso. E sem pimenta.

            - É um aperitivo bem consumido aqui no Brasil e na Espanha está em muitas refeições. Pode ter diversos recheios, uns mais fortes, outros suaves.

            - Quem não suporta comida forte não gosta da Espanha. Somos um povo quente, forte e guerreiro.

            - Assim como os brasileiros, madre. Logo Liz está acostumada...até por que ela muito em breve será da família. – Sem mais avisos Miguel levantou-se, tirou a caixa do anel e colocou sobre a mesa. – Quando eu era muito jovem, acreditei ter encontrado a mulher certa. Errei. Por mais maravilhosa que aquela mulher fosse, ela não me completava. Porque ela é igual a mim. Só agora eu encontrei a mulher da minha vida. Ela é diferente de mim. E por isso, ela me completa. Liz, eu sei que muitos vão me chamar de inconsequente por fazer o pedido tão cedo. Mas eu não ligo. Eu sei o que eu quero. E é você. Casa comigo? Eu te amo.


Nota das Autoras: Minhas mais sinceras desculpas pela demora. Era questão de saúde na família mesmo. Aqui está o cap, boa parte escrito hoje, na sala de espera de um hospital (sim, acreditem). Perdoem se algum errinho passou na revisão. Os olhos já estavam cansados. Bjs e até a proxima postagem, que será da Diaba Ruiva.


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