domingo, 13 de julho de 2014

Vidas Ocultas: Capítulo 2




               - Parabéns pra você! Nessa data querida! Parabéns!

            Em seu primeiro sábado de folga daquele mês, Elizabeth batia palmas para a sobrinha e afilhada que completava um aninho. O pai de Eva tinha passado pela festa, deixado um presente e ido embora antes do parabéns. Ninguém sentiu falta.

            - Vem com o seu padrinho agora, Eva. – Matt disse pegando a afilhada nos braços. Ela sorria sabendo que ganharia cócegas na barriguinha. – Vamos comer doce? Vamos Eva? Vamos lá na mesa pegar uma bala colorida para a princesa da festa.

            Observar a cena trazia lembranças sofridas para Elizabeth e Beatriz. Muitas vezes Matt tinha roubado uma sobremesa extra para dividir com ela, escondidos na casa da árvore do abrigo. A diretora não a deixava comer doces por conta da diabete e Matt, como ela, não entendia a razão. Lembrava-se do sabor daqueles doces até hoje. Ele tinha uma história tão dolorosa quanto a delas. Ou quase. Afinal ele sabia que os pais e a irmã haviam morrido num acidente de carro e que os avós não quiseram criá-lo. Só que ele ao menos sabia. Elas não faziam ideia.

            - Como vai a investigadora mais linda do país?
          - Observando o padrinho da Eva ser um boboca! – Beijou a sobrinha. – Você será um grande pai, Matt.
            - Ou um pai boboca, pelo menos. Mas me conte, como vai o trabalho? Ainda não me conformo com você ter sido a colega mais genial na faculdade de direito e não desejar advogar.
            - Um dia, talvez. Por agora prefiro usar o meu conhecimento das leis para mandar quem merece para trás das grades.
            - Adoro a minha amiga, quase irmã, idealista como sempre.
            - E você, já está rico como seus clientes cheios da grana?
           - Nem tanto. Mas você vai saber assim que eu fizer meu primeiro milhão! – Os dois riram longamente. – Ultimamente eu só cuido de divórcios conturbados e briga por pensão alimentícia. Mas deve ser melhor do que ficar defendendo criminosos por aí e impedi-los de cair nas garras de terríveis investigadoras cruéis!
            - Será que os advogados da família podem devolver minha filha? – Beatriz se aproximou brincando. – Matt venha comer bolo. E você, Liza, fique longe dele!
            Matt lhe piscou o olho, confirmando que não era apenas ela a ter lembranças doces da infância no abrigo. Não duvidada dele logo mais lhe contrabandear uma fatia da torta.

            Quando ela ainda estava perdida em pensamentos do passado, o telefone tocou. Era da central de polícia. Atendeu mesmo achando que não deveria. Era Carla, jovem e determinada integrante de sua equipe.

            - Elizabeth, desculpe ligar...
            - Desembucha Carla.- Delicadeza era algo que faltava a Elizabeth.
            - Surgiram algumas coisas sobre o caso das garotas de programa...será que você pó...
            - Estou a caminho!

            Miguel lia as informações sem acreditar muito. A sensata e autoritária investigadora Elizabeth Santos tinha uma vida, no mínimo, singular. Nacionalidade desconhecida. Encontrada junto da irmã em um aeroporto apenas com o primeiro nome gravado em uma pulseira. Foram registradas com o sobrenome Santos por uma escolha aleatória das assistentes sociais. Crianças abandonadas no mundo precisavam da proteção de todos os ‘Santos’. Desconfiado da história, Miguel ligou para o advogado a fim de confirmar o que ali dizia.

            - Loucura, né? Mas é verdade. – Louis confirmou. – A irmã mal passava de um bebê. Ela mesma era muito pequena. Tinham quatro e dois anos. Cresceram em abrigos para menores abandonados e nunca ninguém da família reclamou a guarda delas. Mas, devo acrescentar, Miguel, apesar de interessantíssimo, o passado da senhorita Santos não vai tirar você dessa enrascada. Ao menos o que eu já descobri.
Havia algo no tom de Louis e não passou despercebido.
            - Que seja. Ela parece ser competente. Não acho que vou conseguir desmoralizá-la. Terei de provar nossa inocência. Obrigado, Louis.
            - Está certo então. Mas Miguel, leia até o fim o relatório. Nossa investigadora é interessantíssima.

            E surpreendente, diria Miguel. Advogada formada com ótimas notas e prefere não exercer a profissão para ser investigadora. Já atuou na resolução de importantes crimes, sendo responsável pela prisão de muitos criminosos. Na vida particular era muito recatada. Não gostava de ganhar manchetes e poucas vezes assumiu papel de destaque frente a mídia. Teve dois namorados durante a faculdade...isso já tinha alguns anos e de lá para cá ninguém entrou em sua vida oficialmente. Mas é claro que ela tinha parceiros. Não ficaria só por tanto tempo.

            Elizabeth chegou apressada à delegacia.

        - Então? Fale de uma vez! – Falou Elizabeth atropeladamente ao entrar na sala e fingir que não percebia o clima entre seus dois policiais. Carla e Frederico gostavam de achar que o namoro era segredo.
            - Nossa, Liza, você chegou rápido hem...bom nós achamos uma coisa que pode te interessar. Olhe essa foto. – Disse a jovem profissional ao abrir uma página de internet.

            A imagem era clara apesar de ter sido feita de muito longe. Ilustrava uma matéria sensacionalista publicada em um site de fofocas anos antes. Falava do divórcio de Miguel e servia como ‘comprovação’ de que ele era infiel. Miguel estava em uma mesa com amigos e algumas mulheres. Ele parecia bêbado e tinha uma mulher, vestida minimamente, sentada em seu colo. Mas não era ela que chamava a atenção de Elizabeth, mas sim a loura sentada ao lado e acariciando a coxa dele. Aquela era Olívia. Uma das traficadas que foram assassinadas.

            - Se você queria uma ligação do Benitez com o caso...acabou de achar.

            Depois de tantos criminosos mentindo descaradamente em interrogatórios, Elizabeth não podia se dizer surpresa, mas, por um breve momento, chegou a acreditar que Miguel estivesse sendo sincero e não estivesse envolvido no tráfico de pessoas. Mas estava envolvido, pessoalmente envolvido.

           - Eu não o questionei quanto as testemunhas assassinadas. Não posso afirmar que ele tenha mentido.
            - Mas...
            - Mas é muita coincidência ele conhecer a garota. Claro. Eu vou solicitar uma ordem de prisão. E a análise dos dados da empresa?
            - Ainda não está pronta. – Frederico respondeu.
            - Ainda?!
            - Elizabeth...é uma multinacional. Não é pouca coisa.
            - Apresse, Fred. Por favor. Eu vou ter de me esfolar pra conseguir um mandato de prisão e não vou conseguir segurá-lo preso muito tempo. Os advogados dele vão colocá-lo na rua logo. Tenho que amarrar esse caso muito bem. Ou será perda de tempo para todos nós.

            No fundo, o sentimento era de completa frustração. Porque um homem rico, bonito e com estudo se envolveu com uma fraude desse porte? E, o pior, agora também pesaria sobre ele a acusação de assassinato. Naquela foto Olívia, provavelmente nem maior de idade era ainda. Agora, após ser libertada, foi morta, talvez por que estaria muito perto de entregar o chefe da quadrilha à polícia.

            Naquele momento Miguel, raivoso com as saídas pela tangente de Javier, estava na sala de estar do apartamento do tio. Tinha cansado de ligar e deixar recados, cansado de respostas que nada explicavam. Ele era o porta voz da BTez, era o principal acionista, ele era o herdeiro. E estava com um gosto amargo na boca. A sensação de ser enganado.

            - É sábado, Miguel! Não podia esperar até segunda-feira? – Disse o tio ao recepcioná-lo.
           - Estamos em crise! Então não! Eu não podia esperar! – Tinha bebido duas doses de uísque e estava sem paciência para enrolação. – Fale! Diga agora o que não quis falar por telefone!


            - Baixe a bola, garoto! Sou seu tio! Tenho o dobro da sua idade e da sua experiência de vida!
            - Não é você que dá a cara a tapa em entrevistas ou enfrenta uma investigadorazinha me enchendo de perguntas! Eu neguei repetidas vezes ter qualquer atividade ilegal na empresa e você me diz descaradamente que não é bem assim!
            - Nenhuma empresa chega aonde nós chegamos sem esqueletos no armário. Eu apenas quis te dizer para não agir como se nosso telhado fosse de aço. Ele não é, Miguel. Tem fragilidades! Liderar uma empresa não é medicina. Você estudou tempo demais sobre cadáveres! Enquanto isso, eu e seu pai erguíamos esse império! Escute o que vou te dizer então: ao invés de ordenar auditorias imbecis e ajudar aquela investigadora, trate de me ajudar a mantê-la longe da BTez! Entendeu?
            - Elizabeth acha que eu trafico gente! Que nós lavamos dinheiro da máfia dentro da Btez! Está me dizendo, tio, que enquanto eu estudava medicina e me orgulhava da minha família, meu pai cometia crimes? É isso?
            - Não, Miguel! Ramón foi um homem honesto e jamais traficou ninguém. Só que uma auditoria pode nos trazer problemas e eu não gostei de você sugerir isso. – O tio se calou. – Gaste seu tempo encontrando um meio de derrubar essa investigadora e não em querer exibir nossos números. Ouça os mais velhos, tenha essa grandeza.


            - Não me trate como se eu fosse um moleque. Não sou!
            - Então se comporte feito homem e lute pra manter a empresa do seu pai! E pare de chamá-la de Elizabeth! Ela não é sua amiga! Ela quer destruir você e ganhar uma manchete de jornal de presente. Ou você a destrói, ou ela destrói o nosso patrimônio. Escolha seu lado, Miguel!

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