Ao contrário do que Peter afirmou, o
pesadelo parecia não terminar. Neal passou no hospital e recebeu a informação
de que Rachel e Molly estavam realmente bem. Molly foi operada para a retirada
da bala que acertou seu ombro direito. Passava bem e ficaria no hospital por
alguns dias antes de ir para casa se recuperar. Rachel precisava apenas se
recuperar da forte descarga elétrica e estava sendo medicada para dor no
quadril devido aos chutes. Ela passaria a noite no hospital e amanhã deveria
receber alta.
Tentou vê-la, mas foi informado de
que não poderia. Ela estava algemada à cama e com um guarda na porta. O FBI
ainda lembrava da facilidade com que fugiu da outra vez. Para ter notícias
dela, conversou discretamente com uma enfermeira.
- Ela...não disse uma palavra. Está
acordada, mas não faz absolutamente nada. Perguntei se estava com dor, se
queria que lhe desse outra dose de medicação e ela simplesmente negou com a
cabeça.
Estava preocupado.
- Que horas acha que ela receberá
alta? – Provavelmente no presídio iam lhe permitir vê-la.
- Estão pressionando a equipe
médica. Acho que ainda pela manhã.
Queria ficar ali, mas não podia.
George continuava inquieto e impaciente. Teria que ir para casa e tentar cuidar
do filho. Já fazia horas que ele não se alimentava. O choro poderia ser disso
também. Num impulso, anotou seu número de celular e entregou a mulher.
- Por favor, se algo fora do normal
ocorrer, me avise.
Na saída do hospital, encontrou
Henry. Ele estava angustiado pela esposa. Era possível notar que ele a amava. Preocupado
quando viu o bebê chorando, o amigo de Rachel lembrou que tinha um quarto cheio
de coisas de bebê em sua casa. Além disso, as poucas coisas que Rachel trouxe
estavam lá. Poderiam fazer falta a George que estava cercado agora por pessoas
e objetos novos.
- Acho que eu vou aceitar sim. – Neal
disse preocupado com o filho.
- Ótimo. – Apesar de chateado com
tudo o que aconteceu, Henry ainda tinha ânimo e forças para cumprir a promessa
que fez a Rachel. Fazer o melhor que pudesse por George. - Me dê seu endereço.
Eu passo em casa e levo tudo. O berço eu mando entregarem amanhã, mas no carrinho
ele já vai dormir seguro e confortável.
- Obrigado, Henry. – Cada vez mais
Neal reconhecia que ele era uma pessoa leal e a quem Rachel realmente tinha
razões para gostar.
E foi mesmo muito bom ter os objetos
que um bebê precisa porque George não facilitou as coisas. Descontente por
estar com pessoas que ele não conhecia e ainda agitado com tudo o que
presenciou com apenas 4 meses, George não aceitou a mamadeira. Chorava
altíssimo como se dissesse em alto e bom som que só se acalmaria quando
estivesse com a mãe. Neal e Mozzie já tinham feito mamadeiras com vários tipos
e marcas de leite, em pó, engarrafado e até um feito de soja que o pediatra de
Theo, filho de Diana, recomendou tentar. Nada.
- Ele não pode ficar sem comer! –
Neal já estava desesperado. Era noite e seu filho não se alimentava de forma
alguma. Era teimoso feito a mãe.
Mozzie, que era bobo por crianças,
até conseguiu entretê-lo por alguns minutos com um dos brinquedinhos que vieram
na mala que Rachel trouxe na fuga. Também deram banho e colocaram uma roupinha
que ele já tinha usado antes. Ajudou. Mas mamar e dormir nem pensar. Os dois
estavam exaustos.
Sem alternativa, Neal ligou para
Peter e pediu que ele conseguisse uma autorização para Rachel recebê-lo ainda
essa madrugada. Ele iria levar George e ela poderia amamentar. A resposta de
Peter foi negativa.
- Não. Não será possível, Neal. É
muito tarde, eu precisaria da autorização de um juiz pra ela receber visita. Se
ele estivesse com fome iria aceitar outro leite. Ele não quer.
- Ele é um bebê, Peter!
- Eu não posso! – Ele não cedeu.
Peter ficou tocado com o que houve.
Ao fundo ouvia o choro do bebê. Ocorre que simplesmente ia contra as regras.
Porém, mesmo que não tivesse ficado tocado, seria obrigado a fazer algo.
Elizabeth também havia sido acordada pela ligação de Neal e quando Peter
desligou, já estava de pé, vestindo-se.
- Levante e se vista rápido. –
Ordenou ao marido com a cara fechada.
- Pra que?
- Nós vamos pra casa de Neal. Ele é
nosso amigo e não vamos deixá-lo passar por isso sozinho.
Assim a casa de Neal estava cheia.
Além de Juny, amiga e dona do apartamento onde vivia, Mozzie, Henry, Elizabeth,
Peter e Diana, Nicolle também apareceu.
- Posso pegar meu neto? – Ela
perguntou quando chegou.
- Claro. – Ele aceitaria qualquer um
que conseguisse acalmar o menino.
Neal realmente achava que passaria
os próximos dias e noites assim.
No hospital, Rachel também não
dormia. Desde que acordou e se viu ali, presa à cama, soube que seu inferno
começara. Uma enfermeira tentou falar com ela. Dizer o que? Que precisa ver seu
filho? Saber se estava bem? Não iriam dizer. A mulher veio lhe perguntar se
queria remédio pra dor, como se alguns hematomas no corpo chegassem perto do
que sentia por dentro.
Não lembrava porque estava
machucada. Também não tinha importância. Era apenas dor. E dor se suportava.
Difícil era pensar. Era fechar os olhos e ouvir o choro de George. Sentia o
peito inchado, duro de leite que seu filho devia ter mamado. Ele estava com
fome. Sabia. Sentia isso.
Um choro angustiado veio em sua
garganta. Gritou o mais alto que pode, forçou a algema, tentou sair da cama. A
mesma enfermeira apareceu.
- Acalme-se ou terei que sedar você.
– Ela disse com voz mansa.
- Eu tenho que amamentar meu filho.
– Disse desesperada.
- Não há bebê algum aqui. – Foi
quando ela viu a marca do leite que vazou e molhou a roupa hospitalar que ela
usava. – Vamos colocar compressas. Vai ajudar a não doer conforme o leite secar
no seu peito.
- Eu não quero secar meu leite. Meu
filho só tem quatro meses! Ele mama no peito! Eu quero meu filho agora! – Ela
gritava feito uma louca na esperança de tocar a enfermeira.
- Acalme-se eu vou ver o que posso
fazer. Não grite mais. Vou ver se existe a possibilidade de tirar o leite e
levar até seu filho.
- Porque não o trazem?
- Não há autorização para isso. –
Era uma verdade dura.
Quando o celular de Neal tocou e ele
conversou com a enfermeira, sentiu um misto de alívio e dor. Alívio em descobrir
que havia uma alternativa para acabar com o sofrimento de George, dor em saber
que do hospital Rachel também sofria com aquilo. Então era verdade que as mães
sabiam quando seus bebês sentiam fome.
- Impressionante. – Elizabeth
comoveu-se quando Neal contou que a enfermeira estava espantada com o desespero
da paciente. Ela gritava que o filho precisava mamar.
Eles tirariam o leite e ele seria
trazido até o apartamento. A enfermeira alertou, no entanto, que deveriam
tentar intercalar com o leite em pó. Nessa situação era comum o leite da mãe
secar no peito.
Depois que foi informada que seu
leite seria dado a George, Rachel se acalmou e permitiu que a enfermeira
fizesse a coleta. Ela só não voltou a chorar porque não queria que ninguém
presencia-se seu sofrimento.
Quando o leite chegou, Neal logo
percebeu que seus problemas eram muito maiores do que pensava. Tudo era muito
difícil. George se assustava com os estranhos na casa, estranhava o ambiente,
para pegar o bico da mamadeira foi uma dificuldade imensa.
- Ele não vai aguentar isso muito
tempo. – Peter disse à Ell puxando-a para a varanda.
- Peter! É filho dele. Está
assustado. Ele é muito novinho para tudo o que passou. Pobre criança. Neal tem
que ter paciência...e tem...olhe pra ele. Está totalmente dedicado ao filho.
Nesse momento Neal tentava fazê-lo
dormir, mas estava sendo difícil. Perguntava-se como Rachel o ninava. Será que
tinha alguma canção em especial? Alguma coisa? Qualquer coisa! Ele só queria
saber.
- Você não tem nenhuma roupa de
Rachel? – Nicolle perguntou.
Neal não entendeu o motivo e nem
chegou a respondeu por que Henry se adiantou.
- Na mala tem coisas dos dois. -
Disse ele. – De Rachel e do George.
- Então pegue uma peça de roupa dela
e enrole em George. – A avó do menino disse. – Os bebês lembram do cheiro da
mãe. Ele vai se sentir mais seguro, protegido, vai relaxar.
Por mais incrível que parecesse, ela
estava certa. Ele foi enrolado numa blusa branca da mãe e acalmou-se. Neal
levou-o para o quarto e ficou pertinho do filho. Sabia que logo ele adormeceria.
Depois que George estava adormecido
e, devido ao seu cansaço, prometia dormir por muitas horas, Neal voltou para a
sala. Juny, Henry e Diana já havia ido. Nicolle também estava se despedindo
para dar privacidade a Neal naquela primeira noite com o filho. Mozzie iria
ficar, provavelmente, para o caso de George precisar de algo.
Peter e Elizabeth ainda estavam por
lá, mas Neal não queria conversar com Peter. Sua intransigência o estava
magoando. Sempre achou que Peter exagerava no cumprimento de regras. Certas ou
não, às vezes era necessário deixá-las de lado, abrir uma exceção. Muitas vezes
discutiram isso. E ele sempre aceitava que Peter era um homem da lei. Nunca
iria mudar. Mas dessa vez essa intransigência fez George sofrer ainda mais.
Isso Neal não conseguia aceitar.
- Ele dormiu. – Era para servir de
convite para eles irem embora.
- Você precisa de mais alguma coisa?
– Peter perguntou. Elizabeth estava de pé, pegando a bolsa.
- Não. O que eu pedi você nem pensou
em levar em consideração. Agora só quero dormir, Peter.
- Neal...eu...- Ele não sabia o que
dizer. Quando chegou ali e viu o bebê em prantos, pensou em tentar fazer algo,
mas seria realmente muito difícil.
- Eu não quero falar agora, Peter.
Não! Eu só quero dormir. Amanhã cedo a Rachel vai receber alta, vai para o
presídio e as coisas vão seguir o curso normal. O bebê vai se acostumar comigo.
Eu vou levar ele para ver a mãe. Nós vamos sobreviver a isso.
Peter ficou em choque.
- Você vai levar seu filho na
prisão? – Era uma loucura.
- Peter, vamos! – Ell se manifestou.
– Isso não é da nossa conta.
Neal caminhou até a porta e a abriu.
A mensagem era clara. Peter e Ell iam saindo quando ele voltou a falar.
- Quando eu estava preso, Peter, a
visita da Kate era o que eu esperava. Era o que me mantinha vivo. – Ele disse.
– Não vou tirar isso dela.
A namorada que teve nos tempos de
criminoso, um grande amor, que marcou sua vida e lhe deu forças pra continuar,
agora estava morta e era apenas passado. Mas um passado importante na sua
história. Seu amigo não disse nada. Apenas Elizabeth despediu-se.
- Até! – Disse. – Ligue, a qualquer
hora, se precisar de qualquer coisa.
- Obrigado.
Mozzie ficou na sala e parecia
resolvido a fingir que não estava lá. Era bom. Precisava daquele momento de
solidão...não...solidão não. Havia um lindo menino ressonando tranquilamente na
sua cama, cercado por uma pilha de travesseiros protegendo-o. Era tão lindo,
tão perfeito e tão inocente que não merecia estar passando por nada disso.
Sorrindo, pegou uma sacola de loja
de bebê guardada há meses e pegou o móbile que havia comprado. Sabia que um dia
George ia usar. Era o primeiro presente que ele ganhou do pai. Esse dia chegou.
Querendo se aproximar do filho, Neal
pegou a mala que Rachel trouxe de Atenas. Ela fez apenas uma bagagem para ela e
o filho. Muito mais peças eram de George, mas havia roupas dela, o computador,
os cartões de crédito, dinheiro, até um documento falso. Na loucura que foi
esse dia, Henry não percebeu que lhe trouxe coisas importantes. Sem pensar,
pegou tudo que podia prejudicá-la e escondeu. O FBI não sabia o que ela trouxe.
Ia continuar assim.
Depois continuou mexendo na mala. Separou
o que era de George e deixou as coisas dela ali dentro. Não sabia o que ia
fazer com aquilo. Ela ia cumprir pena perpétua...dali ia usar no máximo a
lingerie. Bom...depois veria isso com ela. Será que Rachel ainda planejava
fugir?
Ficou mexendo nas coisas do bebê.
Tudo tão delicado, macio. Olhou as camisetinhas minúsculas. As meias eram
mínimas. Havia algumas fraldas, lenços, pomada, talco, xampu e sabonete
infantil. Os brinquedos eram molinhos para não machucar. Tudo tão lindo. No
fundo da mala viu um papel dobrado. Era a certidão de nascimento de George.
Doeu ver aquilo. Doeu ler a palavra
DESCONHECIDO onde deveria haver o seu nome. Iria consertar isso. Registraria
seu menino. Ele não ia crescer sem o seu nome nem a sua presença.
Dormiram...muito bem. Até que, às
8hs da manhã, em ponto, George acordou e chamou para o dia os outros ocupantes
da casa. Ele chorou, não com o mesmo desespero que na noite anterior, mas
deixou claro que preferia ter visto a mãe ao seu lado ao abrir os olhos.
Acalmou-se nos braços do pai.
Chegou a hora de trocar a fralda. A
primeira vez que Neal trocaria uma criança. Ontem Diana fez isso. Ia conseguir!
Já tinha pesquisado na internet e sabia exatamente o que fazer! A sequência era
simples: tirar a fralda suja, limpar, passar pomada, colocar um talquinho e
colocar a fralda nova. Fácil.
Teria sido fácil...teria...caso
George não tivesse esperado para fazer xixi assim que o pai lhe tirou a fralda,
molhando Neal e a cama.
- É...deve ser por isso que usam um
trocador. – Disse Neal rindo da situação. – Vamos continuar filho. Não tem
problema, depois o pai limpa tudo. O importante é você ficar sequinho e sem
assaduras.
A próxima lição que aprendeu foi:
nunca deixar nada perto de um bebê. Para eles tudo era brinquedo. George foi
limpo e trocado, mas enquanto isso, a pomada quase foi parar em sua boca e
várias fraldas do pacote ficaram espalhadas na cama. O chão também recebeu
bastante talco.
Neal olhava para a bagunça
sentindo-se um tanto perdido. Como apenas um bebê conseguia fazer tudo aquilo?
Quando olhou para o filho, viu que ele sorria. Pela primeira vez o viu sorrir!
- Você gostou de fazer bagunça, né?
Gostou de sujar o papai? – Fez cócegas em sua barriguinha. George riu ainda
mais. – Pode fazer bagunça! Pode!
Desde que sorrisse assim, não se
importava.
- Exemplo de pai educando o filho. –
Mozzie brincou. Na verdade estava achando linda aquela cumplicidade que nascia
entre pai e filho. Eles tinham passado tempo demais afastados.
Peter tinha avisado Neal que ele não
precisava ir até o escritório naquele dia. Ele entendeu que seria complicado
depois da noite de ontem. Talvez fosse consciência pesada.
O fato é que pai e filho passaram a
manhã juntos e, felizmente, George aceitou tomar meia mamadeira de leite em pó.
Já era alguma coisa. Ainda no hospital, no fim da manhã Rachel tinha tirado
mais leite e, a tarde, ele poderia mamar o do peito. Assim iriam intercalando.
Teriam de ver como ela faria na prisão.
Às 14 horas, foi informado por Diana
que Rachel estava sendo transferida para o presídio. Poderia receber visitas no
fim da tarde. Até desconfiou que Peter não sabia daquela ligação e agradeceu a
agora colega de FBI.
Desde aquele encontro, num depósito,
no início da gravidez, não ficava cara a cara com Rachel. Tinham tantas coisas
para falar. Pra conversar, discutir, brigar talvez. As 17h30min estava sentado
na sala de visitas da carceragem esperando alguém trazê-la.
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