Estava correndo na rua escura e
continuava ouvindo tiros. Ao fundo ainda ouviu os gritos de Neal. Tinha que
fugir. A transportadora tinha uma entrada lateral, mais segura. Pra isso
precisava seguir caminhando para três ruas abaixo. Mas continuavam correndo
atrás dela. De repente viu um carro se aproximar pelo outro lado da rua.
Ficaria encurralada. Segurou a arma com mais firmeza. Estava se esforçando para
não atirar em ninguém, mas, se fosse necessário, não iria ter piedade. O que
aqueles policiais dos infernos estão fazendo aqui?
- Parada! Ou eu atiro. – Ouviu
alguém gritar. O policial achava realmente que ela iria obedecer.
E ela parou, virou-se e viu quem
era. O cara que quase matou com a arma de choque. O porco que adorava abusar do
poder daquele uniforme. Encarou-o. Ele saía do carro. Ambos com a arma apontada
para o outro.
- Largue a arma e caminhe
lentamente até aqui. – Ele ordenou.
- E se eu não fizer?
- Vem caminhando, ou a ambulância
vai vir te juntar. Você tá na minha mira. – Ele ameaçou.
- Você também tá na minha. – Ela
respondeu. – E eu não jogo pra perder.
Primeiro disparou dois tiros no
para-brisa do carro, que se espatifou. O objetivo era apenas distrair o
guarda...conseguiu. Quando ele desviou o olhar para o carro, apertou novamente o
gatilho. A bala fez exatamente o percurso que desejava, acertando de raspão a
mão do homem e fazendo-o largar a arma. Ainda deu mais dois tiros rápidos nos
pneus do carro e correu.
Achou que ele não faria mais nada. Mas
o homem tinha tanta raiva dela que ainda pegou a arma e, com a mão que não
estava ferida, mas tremia, atirou sem muita mira.
Naquele
estado, Rachel não acreditava que ele chegasse perto de atingi-la, mas sentiu a
coxa esquerda arder quando a bala perfurou sua calça e cortou-lhe a pele. Não
podia parar. Mesmo com o sangue pingando, correu. Para não deixar rastro,
apenas apertou a ferida. Parecia ser só de raspão, mas lhe dificultava a
movimentação. Ao pular a grade do portão levou um tombo feio. Ergueu-se do chão
e seguiu. Finalmente entrou na transportadora e se escondeu junto a uma das
cargas. Acabou.
Neal foi obrigado a ficar para fazer
o chamado ‘rescaldo’ do crime. Mas queria na verdade era ir pra casa e ver se
conseguia descobrir o que houve com Rachel. Será que tinha conseguido escapar
ilesa?
- Neal...venha comigo! – Peter
gritou.
- O que foi?
- Venha.
-
O que houve agora, Peter? Prenderam ela? – Na verdade ele já desconfiava do que
se tratava.
- Porque eu fui informado pela
polícia de NY que o meu informante foi visto em um galpão junto com a fugitiva
enquanto era para ele estar na van, de tocaia, com os outros?
- Eu...eu te avisei que ia caminhar
e verificar o lugar. Daí eu a vi entrar lá. -
Nada daquilo era mentira.
- Era para ter me ligado na hora.
- Era...mas eu nem pensei nisso. Eu
achei que eu ia convencer ela a se entregar...eu podia ter conseguido. Mas
aqueles imbecis entraram e começaram a atirar nela. E ela escapou.
- Ela está fora de controle Neal.
- Ela está grávida! Não podiam ter
atirado nela! – Ele é que se sentia fora de controle. – Eu vi a barriga
dela...ela não tirou o bebê, Peter.
- Não pode ter certeza de que é seu.
- Eu não vou discutir isso com você,
Peter. – Já chegava de ouvir esse tipo de insinuação. – É assunto particular.
- Ok, Neal...mas eu vou ter que me
explicar com a corregedoria por isso tudo. Vai pra sua... – O telefone tocou. –
Espera. Alô. Onde? O policial está bem? Tem como fazer exame pra confirmar? Ok,
eu estou para aí.
A cara de Peter era
de mau sinal.
- O que houve agora? – Só faltava
prenderem Rachel depois de tudo.
- Lembra do policial Mark? Aquele
que a Rachel quase matou com a arma de choque?
- É claro.
- Parece que depois que fugiu do
galpão, eles tiveram um novo embate. – A expressão de Peter estava pesada.
- E? Quem ganhou esse? – Tinha algo
de errado.
- Parece que Rachel conseguiu
escapar e ele está sendo atendido pelos paramédicos. Então ela...venceu. Só
que...
- Só que? – Neal insistiu.
- Só que ele afirma que acertou um
tiro nela. E realmente há um rastro de sangue. Mandei o sangue para análise,
mas é provável que seja dela. Neal...a Rachel está ferida.
Verificaram o tal rastro e ele não
levava a lugar algum. Ela estancou o sangue de forma a não deixar pistas.
Sabendo que ele estava desesperado e não podia contribuir para nada, Peter
dispensou Neal.
Sem saber o que esperar, ele foi
passar mais uma noite olhando para o receptor, na companhia de Mozzie. A imagem
dela, grávida, lhe apontando uma arma não lhe saía da cabeça. E o gosto de seus
lábios também não.
- Quer dizer que você tem um
encontro com ela e não fala o que tem pra falar? Neal?! Não dava pra beijar ela
depois?
- Não, Mozzie...não dava. Eu
precisava daquele beijo. Agora não sei como ela está. Esse receptor não
transmite nada. Ela pode estar morta...pode estar mal em qualquer lugar. Eu não
aguento mais isso, Mozzie.
-
Não é nada disso. Nós teríamos ouvido ao menos ela gemendo de dor...ela não
levou o colar. Quando ela chegar em casa, vamos ter notícias. Tenha fé.
Muito
depois do que tinha planejado e com o sol já aparecendo, Rachel entrou em casa.
Mancava, mas já não sangrava. Tinha apenas muitas dores pelo corpo. Dessa vez
não conseguiu entrar pela janela. Mas ninguém estava na rua. Ela não parou para
falar com a mãe. Praticamente se arrastando, foi direto pro quarto e começou a
tirar a roupa.
-
Deus!!! Você está ferida! – O desespero de Nicolle foi a primeira frase que
Neal e Mozzie ouviram depois de horas de um silêncio desesperador. – O que foi
isso?
-
Me acertaram um tiro...mas calma. Não é nada. Eu já estanquei o sangue. Vou
sobreviver....o problema é que com essa perna assim eu caí de um portão e minhas
costas doem.
-
Espera! Que portão?! Quem atirou? Você disse que seria tranquilo. Só ia pegar
uma coisa e voltar.
-
Aiii me ajuda a tirar a bota...não consigo me curvar. – Ela parou de falar por
um minuto. – Eu peguei o que queria. Está aqui.
Neal
e Mozzie ficaram surpresos...realmente o FBI deixou algo passar quando fez a
busca.
- Mas a polícia e o Neal
apareceram...começaram a atirar e...
- Ele atirou em você?
- Não...ele não...mas eu o vi. A
gente se falou. Ele estava com os caras, queria me prender. – Um grande
estrondo foi ouvido quando ela atirou um abajur contra a parede. – Ele é um
traidor desgraçado. E eu não sei o que acontece comigo
quando fico perto dele, eu nem penso direito.
Eu fico burra perto dele! – Mais alguma coisa se espatifou contra a parede. –
Nunca! Nunca! Nunca mais eu vou confiar nele!
- Para! Para, Rachel! Quebrar a casa
não vai resolver os seus problemas. Se acalme. Pense no seu filho.
Ela pareceu ficar mais calma e
alguns minutos de silêncio se passaram. Até que Nicolle voltou a se manifestar.
- Agora não temos escolha, Rachel.
Eu vou ter de ligar par ao Richard.
- Eu já disse não. Só me ajuda a
chegar no banheiro...é só dor. Um dia na cama, no máximo, e eu to boa. Não sou
fraca. Eu sei aguentar a dor.
- O que dói? – A mãe continuava
preocupada.
- As costas...bem
embaixo..aiii...vamos me ajuda.
- Deixar eu chamar um médico. Por
favor.
- Não. O banho quente vai me fazer
bem.
O relógio marcava 8h20min.
Inquieto, Neal viu Mozzie ir até a cozinha pegar taças e vinho. O dia prometia ser
longo. Ainda bem que não precisava aparecer no escritório. Ela não estava
bem...e parecia teimosa o bastante para não procurar por ajuda médica. Depois
de uns 15 minutos ouviram passos no piso
de madeira intercalados com gemidos.
- Melhorou? – Era a
voz da mãe.
- Vou melhorar.
Deixei correr água quente nas costas. É como uma cólica menstrual.
- Querida, olha pra
mim: você não vai menstruar. Você está grávida. Pode ter algo de errado com o
bebê.
- NÃO TEM NADA DE
ERRADO! Já disse. Me deixa dormir um pouco
E
ela adormeceu. Por longas horas só ouviram um leve ranger de porta quando
Nicolle ia ver como a filha estava e um ou outro gemido. Neal e Mozzie não
almoçaram. Neal não atendeu a ligação de Peter. Só ficaram ali, ouvindo e
prevendo a tempestade que viria.
Passava
da 1h da tarde quando Rachel acordou. Não sentia fome, não sentia sede, não
sentia nada além da dor que lhe feria o ventre e as costas. Era como se uma
corda de aço estivesse amarrada ao seu corpo e lhe apertando o ventre.
-
HAAA AAAA Mãeeee. AI Mãeeee. MÃEEEEEEEEEEEE! Vem aqui. – Começou a se levantar
da cama, mas era ainda pior. – Mãeeee.
-
Rachel! Eu estou aqui.
-
Aiai...tá doendo, mãe.
Nicolle
não sabia mais o que fazer. Não era médica. Não podia fazer muito pela filha. E
ela, por mais que sofresse, sempre achava que podia suportar mais. Não queria
de forma alguma o médico, mas era obvio que não estava bem.
-
Filha...um médico...é isso que nós temos que conseguir.
-
Não! Não! Eu aaaiii...não posso. Mãe tá doendo. – Ela curvou o corpo pra frente
quando uma pontada mais forte veio e logo tudo foi ficando escuro. – AAAAaa
Nicolle
entrou em desespero quando sentiu a filha perder os sentidos em seus braços.
-
Rachel acorda! Filha...você está sangrando! Abre os olhos.
Ainda
pior era estar longe e não poder fazer absolutamente nada. Enquanto a mãe de
Rachel colocava a filha na cama repetindo seu nome e implorando para ela abrir
os olhos, Neal se desesperava.
-
Porque essa mulher obedece a Rachel quando é óbvio que ela está errada? É pra
levar a um hospital e pronto, oras!
Mas
Nicolle também se recriminava por ter deixado Rachel agir de sua maneira. Se
algo acontecesse com ela, jamais se perdoaria. Decidiu por ir contra a filha.
Pelo bem dela. Ligou para Richard. Era ele o único que podia ajudar.
-
Sou eu. A Nicolle. Preciso que venha aqui.
-
Calma. O que houve?
-
Ela tá sangrando... com dor.
-
Há quanto tempo?
-
Eu não sei ao certo, Richard...pouco eu acho. Vem logo.
-
Eu já estou a caminho.
-
Obrigada!
Meia
hora se passou até que algum movimento ocorresse a não ser os lamentos de
Nicolle. Com os cabelos bagunçados de tanto passar as mãos e a camisa
arregaçada, Neal ouviu o médico falar com Nicolle enquanto examinava Rachel.
Ela ainda estava desacordada.
-
Vamos medicá-la para evitar mais sangramento. Ela vai acordar logo. – Disse com
a frieza típica dos médicos.
-
O que eu posso fazer por ela? – Perguntou Nicolle.
-
Sinceramente? O melhor que você poderia
fazer pela sua filha, é contar toda a verdade pra ela, Nicolle. – Essa frase
dita pelo médico fez Neal ficar desconfiado.
-
Eu estou falando de presente, Richard. Não de passado. Por favor...não é hora
para isso. Olhe o estado dela.
-
Eu estou olhando. E repito. Conte a verdade. Essa moça está se destruindo aos
poucos.
-
Basta Richard. Eu te chamei aqui para me ajudar, não me recriminar. – Ela o viu
preparar uma seringa. – O que está fazendo? Ela não vai gostar de saber que
você injetou algo nela sem autorização.
-
Ela que vá a polícia e dê queixa depois, se desejar. – Richard era duro com
Nicolle para o bem das duas. – É para estancar o sangramento. Ela não perdeu
muito sangue, mas não podemos deixá-la assim, sem nenhum tratamento
simplesmente porque é teimosa. Temos que levá-la ao hospital. Fazer exames. Ela
teve uma ameaça de aborto!
-
Ela não quer!
-
Nem sempre ser bons pais é fazer o que os filhos desejam. Rachel vai ter de
aprender isso se quiser ser uma boa mãe para esse bebê. – Ele ficou em silêncio
novamente e pareceu pensar. Depois aplicou o remédio. – Ela vai acordar logo.
Conversarei com ela.
Assim
como todos esperavam, a conversa não foi fácil. Rachel estava debilitada, mas
temerosa de sair de casa. Achava que poderia suportar tudo sem ajuda.
-
Rachel...eu te conheço desde que era bebê. Seu pai dizia que você tinha a força
dele. Que era só olhar em seus olhos que se via a mulher de fibra que seria.
-
Ele te disse isso? – Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas.
-
Sim, disse. E ele estava certo. Você tem fibra, você tem coragem, você tem
garra. Mas você ainda é uma mulher de carne e osso. E você precisa de
atendimento médico. Se não, coragem passa a ser burrice.
-
Estou tendo atendimento médico. Você está aqui.
-
Precisa de exames. Não sei como esse bebê está aí dentro de você. – Ele não
queria assustá-la, mas era necessário. - Agora são quase 16hs, Rachel. A gente
espera anoitecer e vamos a uma clínica particular onde eu já trabalhei e fui
sócio, tenho acesso fácil. Ninguém precisa saber.
-
Não posso.
-
Confie em mim.
-
Sempre que eu confiei em alguém acabei me ferrando
e é por
isso que estou nesse estado! – Ela queria, mas não podia.
-
É necessário. – Estava sendo paciente.
-
Se eu colocar os pés em um hospital, posso sair de lá presa. Sei disso.
-
Se você não for, Rachel, e essa criança... pode estar morta dentro de você,
pode sair daqui morta por infecção. Você não tem alternativa.
Ao ouvir isso, Rachel
passa a mão pela barriga e deixa cair uma lágrima
de seus olhos. A realidade era que o bebê que chegou a
desprezar, pensando em abortar, já era importante pra ela. Parecia uma castigo
duro demais vê-lo morrer agora.
Do
outro lado Neal sente um forte aperto no peito sabendo que poderia ter dado
outro rumo a essa historia se não tivesse entregado Rachel.
-
Nicolle, vista uma camisola leve nela. Tire anel, colar ou qualquer coisa que
chame a atenção. Assim que anoitecer nós vamos. Eu vou colocar o carro na
garagem para você embarcar. Dará tudo certo, Rachel.
-
Deixe meu colar. Vou com ele. – Ela não dava abertura para discutir isso. E o
médico não questionou. Preferiu ir cuidar de tudo.
Antes,
porém, Rachel o chamou e pediu pra mãe lhe deixar a sós com o médico. E se
sentou na cama para conversar com sua teimosa paciente.
-
O senhor acha que meu bebê está morto dentro de mim? – Havia emoção na sua voz.
Ele
pensou ates de falar.
-
Eu não posso dar certeza, Rachel. Mas o batimento cardíaco que ouvi era fraco.
Precisamos de uma ultrassonografia. Aí saberemos ao certo. Se tudo estiver ok,
você poderá ouvir o coração do seu filho bater. Será uma grata emoção.
-
Eu não o quero...mas não desejo que morra. – Ela disse como se confessasse
algo.
-
Confie em mim...e reze. É sempre bom. – Foi o conselho do médico.
-
Eu não tenho muito crédito com Deus, Dr.
-
Reze mesmo assim. E descanse. O melhor é tentar se manter calma. Assim que
anoitecer nós vamos.
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