Dormir foi algo difícil para todos.
Rachel mal fechou os olhos naquela noite. Apenas estar ao lado de Ruan,
instável, apesar de dormindo profundamente, tornava um sono tranquilo
impossível. Precisava descansar, mas ficar com os sentidos alertas para
qualquer coisa anormal. Além disso, a raiva fazia seu coração bater acelerado.
Quando tivesse a chance, ia acabar com Ruan Rodrigues! Nunca tinha se permitido
apanhar daquela forma. Até mesmo nos treinamentos da MI5, quando por vezes
apanhou muito, nunca haviam lhe esbofeteado daquela forma, repetidas vezes.
Só mesmo George para fazê-la
suportar isso. Mas teria volta. Ainda devolveria cada um daqueles tapas. A
saudade de seu menino estava tão grande...e isso a lembrava que precisava ser
forte. Suportar qualquer coisa. Se um dia longe dele a deixava assim, como
seria se voltasse ao presídio?
Não
ousou sair do quarto novamente para não gerar uma nova crise de ciúme em Ruan.
Neal encarou o tablet até que o sono
o derrubou, literalmente. Estava exausto, mas via que Rachel estava acordada
ainda e ficava com receio dela sair do quarto e tudo recomeçar. Aquela
provavelmente foi a madrugada mais longa de suas vidas.
Peter também ficou acordado muito
tempo. Ligou para Ell, conversaram, ele desabafou algumas preocupações...a mais
preocupante delas estava ali, ao lado, encarando um tablet sem parar depois de
lhe esmurrar a cara.
- Neal...quer falar com Ell pra
saber de George? – Perguntou com o celular na mão.
- Não. Eu já falei com o Mozzie.
Obrigado. – A resposta foi fria.
Não tinham como se evitar então
Peter tentou ao menos minimizar o estrago que Rachel estava causando na amizade
deles.
- Neal...você já tem idade pra não
ficar fazendo birra. Por favor...essa madrugada já esta péssima o bastante.
- Pra você está indo tudo bem. –
Neal acusou.
- Eu queria estar na minha casa,
Neal. Com a minha mulher e bebendo uma cerveja. Ver a Rachel apanhar do
Rodrigues não era algo que eu esperava também.
- Eu só queria, Peter, que você
conseguisse ver a Rachel como qualquer um dos seus agentes da divisão. Que você
exigisse dela o que exige dos outros e que se preocupasse com ela como se
preocupa com eles.
Isso era impossível. Jamais olharia
para ela e veria alguém como Diana. Rachel Turner era uma assassina fria que
deveria estar presa.
- Ela não é uma agente da minha
divisão. Ela matou um agente da divisão. – Ele repetiu mais uma vez.
- Então você não devia ter aceito a
ajuda dela. Deveria ter dito para Stone que o caso estava perdido. Você não tem
o direito de expor ela assim. A vida dela não pode valer menos que a dos seus
agentes!
- Ela não vai morrer, Neal. Você
está sendo trágico demais. – Ele não ia fazer esse tipo de questionamento
pessoal agora. Depois, com calma, poderia analisar se houve erro naquele caso.
– Amanhã, Neal, eu preciso de você focado em encontrar esses papéis. É isso que
vai garantir que consigamos sair daqui vivos e com o caso resolvido. Eu conto
com você, Neal?
Eles se entreolharam.
- É claro. Nós chegamos até aqui,
vamos até o final. Depois disso tudo, nós merecemos sair daqui com os títulos.
E você, Peter, vai ficar devendo um agradecimento especial à Rachel.
Amanheceu e todos estavam cansados,
inclusive Ruan que ainda ressonava tranquilamente quando Rachel acordou.
Discretamente, ela esticou o braço e pegou o celular, ligando para Neal.
- Oi. – Ele atendeu no primeiro
toque. – Falta pouco.
- Sim, pouco. E vai valer a pena. –
Ela sussurrou em resposta. – George?
- Falei com Mozzie. Ele está bem.
Não se preocupe. Essa noite você vai passar com ele. Eu prometo.
- Eu vou pensar nisso o dia todo. –
Rachel respondeu quando sentiu o ritmo da respiração de Ruan mudar. – Até
depois.
Desligou e sentiu Ruan beijar suas
costas e a acariciar como se nada de errado tivesse ocorrido na noite anterior.
- Como minha rainha acordou? – A voz
era de anjo.
- Com o rosto marcado e a nuca
doendo por que o homem que prometeu me tratar como rainha, resolveu agir como
se eu fosse um saco de treinar box. – Propositalmente, virou-se de frente.
Queria que ele visse as marcas que deixou em sua pele.
- Logo as marcas saem. – Ele disse
como se isso resolvesse algo. – O que tenho de fazer para você me perdoar?
- Nada...eu vou me vestir e começar
o dia. – No papel de ‘magoada e ferida’ teria uma desculpa para mantê-lo
distante. - Vai ficar comigo hoje? O dia
todo?
Na verdade ela já sabia que ele
teria compromissos, mas queria confirmar.
- Não poderei, meu bem. Virei no fim
da tarde, apenas.
Depois Rachel foi se maquiar para
evitar mais uma cena com Neal. Vê-la com
o rosto ferido só pioraria situação.
Tomaram o café da manhã de uma forma
constrangedora. Todos juntos, alguns comentários sobre as notícias do jornal,
poucos olhares trocados, um clima pesado que cada um ignorava.
- Cuide-se, Rebecca. – Ruan lhe
beijou os lábios antes de sair. – Não se esforce demais.
A primeira coisa que Neal fez após
ter certeza que Rodrigues tinha saído foi olhar bem para ela, tentando ver o
que a maquiagem disfarçava quase perfeitamente. Ela tinha se arrumado para
tornar imperceptível os machucados, mas eles estavam lá, como se servindo de
alerta e dizendo:parem.
- Como você está? – Ele perguntou
seriamente.
- Não foi nada do qual eu não me
recupere.
Ele pegou em seu rosto e, virando-a
de costas afastou o cabelo para olhar as costas.
- Disse que estava com dor na nuca.
É verdade?
- Um pouco. Bati as costas na
cabeceira da cama. Mas logo passa. Estou ansiosa para ter esses títulos em
minhas mãos. – Ela não pensava no meio, só no resultado final. Não importava
quanto doesse, no final ela ‘sobreviveria’, exatamente como seu pai dizia.
‘Passe por cima do que for necessário, Rachel. E sobreviva. Isso é ser forte’.
Levaria aquele ensinamento para o resto da vida. – Eu vou sobreviver. Não se
preocupe comigo.
- Impossível. Foi a noite mais longa
de toda minha vida. – Neal respondeu, beijando-a rapidamente nos lábios. –
Vamos de uma vez abrir aquele quarto. Não quero ficar muito mais aqui.
Fizeram exatamente o combinado.
Controlaram a escada, arrombaram a porta, entraram sem ativar o alarme e
tiveram acesso ao interior da segunda porta protegida da casa. E tiveram mais
uma frustração. Os papéis não estavam lá. O cômodo era uma espécie de quarto de
segurança, um cofre sem precisar de senha de acesso. Muitas coisas realmente
valiosas estavam ali. Obras de arte que deixaram Neal assustado por sua beleza
e valor. Pelo menos num primeiro olhar, não passavam a ideia de peças sem valor
ou falsificações.
Rachel mexeu em tudo, nervosa. Como
era possível que não estivesse ali? Não! Tinha que estar. Precisava estar! Não
podia ter sido tudo em vão!
- Não está aqui! Não está! – Neal
também não contava com isso. Ele olhou para o relógio. – Temos que procurar no
resto da casa. Tem que estar em algum lugar.
- Vamos procurar! – Rachel tinha
vontade de colocar as paredes abaixo.
Cerca de meia hora depois cada um
estava procurando em um cômodo diferente quando Peter tornou a reuni-los. E por
uma notícia ruim. Mais uma.
- Mudança de planos, Neal. Vamos ter
que ir ao FBI agora. – Ele também não estava satisfeito. – Não tenho como mudar
isso.
- Por que? – Rachel questionou. –
Achei que esse caso era a prioridade!
- É. Mas não a única prioridade. –
Peter explicou sem dar detalhes. Não queria Rachel envolvida nesse caso. –
Vamos. Agora!
- Não posso sair! – Ela disse. – Ele
surtou por eu deixar o quarto. Se eu sair da casa, vai enlouquecer de vez e ver
que há algo de errado.
- Não vou te deixar sozinha aqui. –
Neal avisou. – Vai ter que ir sozinho, Peter. Eu e Rachel fazemos a pela casa.
- Não! Você tem que vir comigo,
Neal. – Ele olhou-o e Neal entendeu que não tinha escolha. – Agora. Quando
quanto antes sairmos, mais cedo retornamos.
Não era ficar sozinha o problema.
Rachel não gostou foi do segredo que havia no ar. Peter estava escondendo algo
junto com Neal. Desse caso? Outro? A volta dela para a Inglaterra? Poderia ser
qualquer coisa.
- Vão de uma vez então! – Não ia se
preocupar com mais nada agora. – Ruan volta a tarde. Vou tentar encontrar os
papéis eu mesma.
- Vai conseguir arrombar a porta? –
Neal não sabia até que ponto ela era boa nisso.
- Tão bem quanto você, querido. –
Foi a resposta afiada que Rachel lhe deu. Era bom que ele soubesse que não
gostou do ‘segredinho’.
Cada um seguiu para a sua missão.
Neal e Peter correram para o FBI.
Peter explicou o que se passava. O plano que vinham armando há semanas para
atrair Lucy tinha finalmente surtido efeito. Porém, na hora mais imprópria.
- Então a história chegou nela? –
Estava surpreso.
- Sim, a história que plantamos deu
certo. Ela realmente acredita que agora que você está sem tornozeleira, está
interessado em roubar uma joia, que está no cofre de um banco. Ela tem
interesse em você...como ladrão. E também a incomoda o fato de que você não deu
muita bola pra ela como mulher.
- Ótimo. O caso andou. Mas não dava
para deixar isso para amanhã?
- Não. Eu tenho que agilizar o da
Lucy também...e ela mandou uma mensagem para aquele celular que usamos.
- E? – Não estava muito interessado.
- Marcando um encontro com você,
hoje.
- Hoje? – O ‘timming’ de Lucy era
sempre o pior. A mulher era irritante até nisso.
- Sim. Não reclame Neal. Se não
falar com ela hoje, podemos perdê-la novamente. É as 11hs em um parque.
Foram até a sede do FBI para se
preparar. Foi muito rápido. Não tinham tempo. Jones cuidava desse caso enquanto
Diana não tirava os olhos e ouvidos da casa de Rodrigues. A todo o momento Neal
a olhava e ela fazia sinal de positivo, indicando que tudo ia normal, Rachel
procurava pela casa, mas ainda não tinha encontrado os títulos.
O plano com Lucy era simples: enrolar
a ladra e pegá-la pela ganância. Não tinham como querer prendê-la naquele
momento. Não com a equipe envolvida em outro caso e Neal tendo o pensamento em
outro lugar. Além disso, prender Lucy não bastava. Era necessário rastrear o
dinheiro. Isso exigiria mais que um encontro com Neal em uma praça de NY.
As 11hs ele estava lá. Pronto para
jogar seu charme da forma mais agressiva possível e resolver a problema. Sua
proposta era apenas concordar com o que ela queria. Deixá-la satisfeita e
crente de que dariam um novo golpe. E deixar para resolver isso outro dia,
quando conseguisse pensar com clareza.
- Neal! Finalmente revejo você. -
Disse ela ao aparecer no parque. – Mas deixe-me conferir se não está mesmo de
tornozeleira. Sim?
Neal ergueu calmamente a barra de
cada uma das pernas de sua calça. Agora Lucy mostrava a verdadeira face. No
fundo, essa realmente nunca o enganou. Sempre teve o pé atrás. Só não percebeu
de início porque já estava muito envolvido com Rachel.
- Não mais amarrado ao FBI, Lucy.
Agora sou livre. – Disse. – E, melhor do que isso...estou lá dentro ainda. Sabe
que tipo de possibilidade isso me abre?
- Sim...a mesma que eu tinha dentro
dos bancos. Eu sabia de tudo. Agora perdi isso. Graças a vocês. – Ela fez um
biquinho que devia achar sensual. – Uma pena.
- E você quer continuar roubando?
- Você não quer? – Ela respondeu.
- Isso é algo que um ladrão sempre
quer voltar a fazer. É como um vício. – Tinha um grande toque de verdade nisso.
No FBI ou não, sempre seria um ladrão e sempre estaria preparado para cometer
outro crime, se precisasse. Ou simplesmente estivesse com vontade de roubar.
Era da sua natureza. – E aí? Vamos...juntar nossos talentos.
- Calma...primeiro vamos conversar.
– Ela estava testando-o.
- Eu tenho que voltar para o FBI,
Lucy. – Ele não queria se demorar ali. Tinha que ir logo ver Rachel. – Diga
logo o que quer. Não posso deixar o Peter desconfiado de mim. Seja rápida.
Ela começou a caminhar e Neal foi
obrigado a segui-la. Lucy não estava colaborando. E tudo que ele pensava era
como estaria tudo na casa de Rodrigues.
- Lucy...não vim aqui para caminhar.
Vim aqui para saber se terei uma parceira. Topa?
- Isso está...rápido demais,
Caffrey. – Droga!
- Eu não gosto de ser enrolado,
Lucy. – Tinha que vencê-la. – Tirou do bolso uma de suas cartas na manga. – É
isso o que eu quero.
- Uau! Maravilhoso! – Joias sempre
tinham impacto sobre uma mulher.
- Joias reais...escondidas num
cofre. – Ele lhe deu o sorriso mais incriminador. – Perdidas, para ninguém
nunca ver. Eu acho que elas merecem vir para a rua, brilhar a luz do sol no
corpo de uma bela mulher.
Lucy olhava para joias e para ele. A
vontade de roubar a estava convencendo a deixar o cuidado de lado. Estava quase
mordendo a isca. Faltava apenas um empurrãozinho.
- Por que essa vontade súbita de ter
uma parceira, Caffrey? – Ela questionou.
- Súbita? Quem disse que foi súbita?
Eu sempre quis.
- Eu me ofereci para você algumas
vezes...e você sempre longe, sempre me deixando de lado.
- Eu não queria uma investigadora de
seguros, Lucy. Sou um criminoso. Preciso de alguém que entenda o meu mundo para
ser a minha parceira. Uma criminosa...assim como eu.
A lógica daquela conversa toda
estava deixando Peter horrorizado. Será que Neal acreditava naquilo e por isso
se sentia t]ao ligado a Rachel? Porque ela também era uma criminosa? Não tinha
tempo para isso agora. O relógio já marcava 11h45min.
- E você acha que eu posso ser essa
criminosa? – Ela se aproximou.
- Sim...se bem que você se
interessou pelo Peter também. Será que não vai me trair? – Jogaria o jogo dela.
- Não, Neal. Peter...foi apenas uma
diversão passageira. É certinho demais para gente como eu e você. – Ela disse.
- Concordo.
- Como vai pegar a joia? – Ela ainda
estava muito desconfiada.
- Você já trabalhou nesse banco.
Conhece as instalações internas. E consigo abrir o cofre. Crime perfeito, Lucy.
– Ele foi se aproximando e beijou-lhe de leve os lábios. – Nós podemos ser
perfeitos juntos.
Ela encarou-o por um minuto antes de
responder.
- Venha comigo Neal. – E saiu
andando.
O que ela queria agora? Não iria a
lugar algum!
- Onde? Não posso demorar mais,
Lucy.
Lucy simplesmente o ignorou e saiu
andando até um carro. Entrou e abriu a porta do passageiro. Neal precisou
entrar. Rodaram por 15 minutos. Até que ela parou em frente a um prédio e
mandou-o entrar.
Era um lugar discreto e comum. Por
dentro bem decorado.
Passava do meio dia quando voltaram
a falar.
- Se vamos trabalhar juntos, Neal,
será do meu jeito. Não do seu. Afinal, o Peter te prendeu duas vezes.
- Andou me investigando? – Parecia
que as mulheres gostavam disso.
- Não...apenas ouvi por aí. – Ela
saiu da sala e voltou com um envelope. – Nele, plantas do banco onde ele disse que
estavam aquelas joias. Ela deveria ter aquilo de todos os bancos da cidade. –
Vamos começar a estreitar nosso plano?
- Agora? Não tenho tempo hoje. –
Porque a pressa dela? – Tenho que voltar.
- Eu não deixo coisas para depois,
Neal. Agora!
Por quase três horas, Neal foi
obrigado a planejar um roubo de uma joia que estava exposta em museu há muito
tempo, mas que Lucy, esperta, porém pouco ligada em arte e museus, achava que
estava num banco. Marcaram para dali a duas semanas.
- Por que tanto tempo? – Ela
questionou.
- Preciso arrumar equipamento. – Foi
a primeira desculpa que lhe veio a cabeça.
Quando ficou livre, olhou para o
relógio: 15h23min. Pegou o celular e ligou para Peter.
- Parabéns! Em duas semanas ela será
presa em flagrante! – Peter o cumprimentou.
- Como estão as coisas na casa do
Rodrigues? – Era só o que importava. – Rachel achou os papéis?
- Não! – Mas Peter tinha certeza de
que encontrariam. – E Ruan esteve em um encontro com um receptador
conhecido....achamos que vai fazer a venda hoje. Ou seja, vai em casa buscar.
Nós vamos estar lá, então temos chance dele mesmo nos levar ao esconderijo.
Estou chegando para buscar o...Nick. Já vamos para lá. Está tudo bem com ela,
não se preocupe.
BEM não era a palavra que Rachel
usaria. Ela estaria bem quando estivesse com os títulos em mãos e longe daquela
casa. Pegaria George nos braços e o abraçaria bem apertado. Aquele garotinho
era tudo o que importava. Ela, Neal...eles se viravam, eles podiam sobreviver a
qualquer coisa, eram vividos. George precisava deles. Era por George que ambos
estavam se esforçando naquele caso.
Já tinha revirado um andar da casa.
Tudo, minuciosamente. Não estava lá. Olhou para o relógio. 15h34min. Diana lhe
telefonou para avisar que Peter e Neal estava a caminho e chegariam em 30
minutos. Gostaria de já estar com os papéis e poder dizer q não fizeram falta.
- Pensa, Rachel! Pensa! Isso vale
ter o George todos os dias com você. Pensa! – Ela sabia que a resposta estava
ali. Só precisava vê-la. – Onde ele esconderia esses papeis? Onde?
O cofre já tinha sido revistado. Os
dois quartos com alarme também. Tinha que ser um lugar seguro onde nenhum
empregado mexesse ou encontrasse. Um lugar onde mais ninguém entrasse e, se
entrasse, não encontrasse.
Uma ideia, tão obvia quanto possível
passou por sua cabeça. Era possível, improvável, mas possível.
Rachel correu para o estúdio. Ruan
havia dito que há nove anos ninguém além dele utilizava aquele lugar. Era,
portanto, o lugar mais seguro da casa. Mas onde? O lugar era grande e tinha
vários ambientes.
Novamente Diana telefonou. A
experiente agente do FBI concordou que tinha lógica na ideia. E deu algumas
sugestões de onde procurar. Rachel olhou no vestiário, na academia, na sala dos
tecidos revisou até o forro, apesar de não acreditar que Ruan conseguisse sumir
até lá. Nada. Irritada, ela largou o telefone sobre uma mesa e parou de seguir
as orientações de Diana. Seguiria o próprio instinto.
A agente contatou o chefe e o colega
que estavam a caminho.
- Estamos há 15 minutos de lá,
Diana. – Disse Neal ao telefone.
- Tudo bem...a Rachel acha que os
papéis estavam o tempo tudo no estúdio de dança. Está procurando lá.
- Ele não faria isso. – Neal
disse...mas depois pensou que fazia sentido. - A gente vai chegar logo.
Sem muitas alternativas, Rachel
tirou da parede um dos painéis que traziam Gabriella pintada. Pareciam fixos,
mas não eram. Com algum esforço conseguiu retirá-los. Ao conferir a parte de
traz, encontrou um envelope escondido. Mesmo antes de abrir, soube que estava
com seu tesouro nas mãos.
- São eles, Diana. São os títulos! –
Ela nem lembrava onde tinha deixado o telefone, mas sabia que Diana a ouvia
pelo microfone que seguia usando, disfarçado no anel que nunca tirava da mão.
Enquanto isso, recolocava o painel
na parede para ganhar tempo e Ruan não perceber logo que o havia roubado.
- São os malditos papéis Diana! São
eles! Avise Neal e Peter que estou saindo. Não vou esperar... vou sumir desse
lugar antes que ele volte.
O que Rachel não percebeu, foi seu
celular vibrando sobre a mesa. Era Diana quem ligava tentando alertá-la para o
fato de Ruan ter chegado mais cedo na casa. Ele viu Rachel colocando o painel
de Gabriella na parede e, principalmente, ouviu-a falando.
Ruan agora sabia que ela havia
encontrado os papéis e imediatamente percebeu que a ‘rainha’ estava ali apenas
para roubá-lo. Ruan sentiu-se traído. Rebecca o traiu...como Gabriella. Eram
iguais até nisso. De fora do estúdio viu-a olhar seus papéis. Não passava de
uma ladrazinha.
- Uma pena...tão linda quanto
Gabriella. – Sussurrou. – Vai morrer igual a ela.
Afastando-se do estúdio de dança
para Rebecca não ouvir, ligou para a segurança externa e avisou que ninguém
mais entrava na casa. Se seus ‘convidados’ insistissem, era para atirar.
- Atira para matar! – Ordenou.
As câmeras não davam a Diana a
certeza do que Ruan tinha visto ou ouvido. Mas lhe pareceu muito estranha a
forma como ele se aproximou de Rachel.
- Rebecca...como aproveitou o dia?
Explorou muito a casa? – Perguntou quando ela ainda estava de costas,
escondendo o envelope entre suas coisas.
Rachel surpreendeu-se ao encontrá-lo
tão cedo. Dobrou o envelope e colocou dentro de sua bolsa de ensaio.
Internamente, rezava para que ele não tivesse desconfiado.
- Querido! – Virou-se e se
aproximou, beijando-o. – Que bom que já chegou.
Ruan tomou seus lábios com
força...Rachel sentiu os dentes a arranharem. As duas mãos dele circularam seu
pescoço. Por um instante ela achou que ele iria sufocá-la.
Ele olhava-a de uma forma estranha.
Não era o surto de ciúme. Rachel sentiu medo, seu coração bateu acelerado. Ruan
estava controlado, se segurava...e ela preferia que explodisse. Poderia se
defender melhor. Assim ficava sem saber como agir.
Ele tirou as mãos de seu pescoço.
- Senti tanto a sua falta, Rebecca.
– Ele acariciou-lhe o rosto. – Dance pra mim. Agora. Nos tecidos. Quero te ver
neles mais uma vez.
Precisava vê-la mais uma vez
dançando antes de matá-la. Se ao matar Gabriella, apenas largou o corpo ali,
Rebecca já morreria nos tecidos. Ambas, tão parecidas, mereciam finais
semelhantes.
Diana sentiu um arrepio. Tinha algo
de macabro na fala de Ruan. Chamou Peter e Neal pelo rádio. Achou melhor que
eles não entrassem na casa.
- Não entrem! – Gritou. – É uma
armadilha!
- O que? Como assim Diana? O que
aconteceu lá?!?! – Eles estavam a uma quadra de distância.
- Não entrem! Não se aproximem! –
Ela sentia isso enquanto ouvia uma música começar a tocar. Não via, mas sabia
que Rachel estava nos tecidos. Dessa vez ela não iria enrolar Ruan. – A Rachel
está com os títulos. Ela achou. Mas o Ruan chegou e está com ela. Ele está
estranho...eu acho que ele viu tudo. Os dois estão jogando um com o outro...ele
disse que precisava vê-la dançar mais uma vez...
- Já pediu reforço? – Peter assumia
o comando, dando meia volta e parando o carro a uma distância segura.
- Sim. Está a caminho...e nós
também. Eu já encontro vocês aí chefe. Estou ouvindo tudo.
- A gente tem que entrar! – Neal gritou.
- Sem precipitação, Neal. – Peter
tentava usar a cabeça. – Ela está dançando pra ele...melhor mantê-la assim até
chegar reforço. Diana...libere o sinal do microfone dela para nós. Se ficar
muito perigoso a gente vai...só nós.
- Em 4 minutos eu estou aí, chefe.
Em 10, as viaturas. Vai dar tempo. – Ela respondeu.
Rachel exercitava-se nos tecidos
tentando convencer a si mesma que estava tudo bem. Não estava. Era óbvio
demais. E quando observou Ruan trancar a porta do estúdio e guardar a chave no
próprio bolso, viu que o teatrinho estava próximo do fim. Do alto olhou as
paredes sem janelas e percebeu que não tinha escapatória. Por outro lado, sabia
que Diana estava ouvindo tudo. Sabia que o FBI queria aqueles papéis, ela não,
mas sim os papéis. E eles viriam. Só tinha que ganhar tempo.
- Está gostando, querido? –
Perguntou.
- Muito. Bela como sempre. – Ele se
aproximou do tecido. – Desça, Rebecca. Venha aqui.
Ela pensou bem. O mais fácil seria
não descer. Poderia manter-se segura nos tecidos durante horas, mas fugir e se
esconder como um animal covarde não era de sua natureza. Iria para o tudo ou
nada. Para sair, no entanto, precisava da porta aberta e a chave estava no
bolso dele.
No momento em que a van trazendo
Diana, Jones, os agentes de apoio e o equipamento chegaram ao ponto mais
próximo que podiam da casa, Rachel deu adeus a farsa.
- Por que trancou a porta, Ruan?
- Por que você acha, Rebecca? Pra te
ter só pra mim...assim seus amiguinhos não aparecem. O Peter e o...como é
mesmo...Neal. – Ele tinha ouvido tudo. Sabia dos papéis. – Desça daí! Já!
Ruan pegou o tecido e começou a
movimentá-lo. Se ela não desse-se, ele a faria cair.
- Abra a porta e eu desço. – Ela
respondeu agarrada com força ao tecido. Estava no topo do tecido, na parte mais
alta e deixou-se descer um pouco. Ruan passou a movimentar muito rápido o
tecido, fazendo-a perder o equilíbrio.
- Sem acordo, Rebecca! – Ele jogou o
pano contra a parede. Ela, como um pêndulo, foi junto e chocou-se contra a
estrutura. Mas não soltou. – Se não descer por bem, Rebecca, eu vou te fazer
cair daí e vai ser uma queda feia.
Jogou-a de um lado para o outro. Ela
nem sequer pensou em soltar, sabia que se machucaria, tentou então descer e
enfrentá-lo no chão. Mas ele estava fora de si e dificultava a tarefa.
- Desista Rebecca! Se acha que os
amigos virão te ajudar, está errada. Quem se aproximar da casa, vai levar tiro.
Desista! Saia daí!
Ele voltou a puxar o tecido, girá-lo
fortemente para todos os lados. Ela se protegia das pancadas contra as paredes
como podia. Até que perdeu o equilíbrio ao chocar o lado esquerdo do corpo com
a parede do estúdio e percebeu que estava caindo.
Rachel gritou vendo o chão se
aproximar e viu tudo ficar preto ao seu redor.
O barulho da queda e o silêncio de
Rachel chegaram junto com o reforço policial. Peter foi falar com os policiais
e não percebeu exatamente o que se passou. Neal sim. Ele encarou Diana
esperando que ela desce a ordem para invadirem imediatamente. Mas a ordem não
veio. Diana não passaria por cima de Peter e ele, estava combinando algo com os
outros agentes. Estavam procurando pela melhor estratégia. Eram bons no que
faziam, eram os melhores. Mas não entendiam que seria tarde demais se ficassem
ali parados mais tempo. Rachel estava calada. Machucada, talvez? Morta?
Peter falava aos agentes que tinham
três missões. Garantir a vida da ‘consultora’ que estava ajudando no caso e
estava sendo mantida a força no lugar, recuperar os títulos e prender Ruan
Rodrigues. Nessa ordem de importância. Apensar do que Neal o acusava, mesmo
sendo uma assassina, a vida de Rachel era tão importante quanto qualquer outra
integrante de sua equipe. Entre pegar os títulos e mantê-la viva, jamais
escolheria os papéis. Até porque sabia que aquela mulher, criminosa ou não,
tinha Neal e um bebê que a amavam e precisavam dela. Seu amigo, que já tinha
visto Kate morrer tragicamente, perderia o chão se Rachel não saísse daquela
casa com vida.
Seriam obrigados a invadir. As
perspectivas eram assustadoras. A casa estava cercada, a polícia ia obviamente
ser recebida a tiro. Neal decidiu que precisava fazer algo.
- Peter! – Chamou. – É agora!
- Não...assim não. Se entrar de
qualquer jeito todos morrem.
- Está tudo quieto...não ouvimos
mais ela. – O pânico tomava conta dele. – Eu tenho que entrar.
- Me dá um minuto...vão chegar mais
policiais e... - Pelo rádio ele foi chamado . – Sim...o que, como não tem
efetivo? É agora! Tem uma refém lá dentro e...
Sem pensar, Neal pegou uma arma e
saiu da Van. Sozinho, tinha mais chance de entrar pelos fundos, enquanto a
briga ocorresse na entrada.
- Neal não faça nenhuma bobagem! –
Gritou Peter ao vê-lo se afastar armado. Estava claro o que ele ia fazer. Peter
sentiu medo. Sob a pressão dos próprios sentimentos Neal costumava fazer muitas
bobagens. – Invadam agora. Vamos ter que entrar sem o efetivo completo.
Ao sair da Van, Neal deixou de ter
acesso ao som dentro do estúdio, Não ouvia mais nada de Rachel, mantendo
contato apenas com Diana. Sabia que homem tinha conseguido derrubá-la, mas
depois, nada, absolutamente nada. Aproximou-se pela lateral da casa e observou
os seguranças. A maior parte estava na frente, mas dois mantinham guarda ali. E
sobre o muro havia uma cerca elétrica. Olhou para a arma e pensou que, ao que
parecia, tinha chegado o dia em que ia matar alguém. Nunca tinha cometido um
assassinato, mas, se fosse necessário, puxaria o gatilho hoje.
Com passos leves e discretos
aproximou-se pelas costas de um segurança. Ele ouvia pelo rádio outro informar
que tinha policial na área e que aquilo não terminaria bem. Dizia que estavam
na frente da casa e que poderia ter de ir lá. Deu-lhe uma coronhada na nuca e
deixou-o ali desmaiado. Agora precisaria saltar o murro sem tocar na cerca
elétrica, nem ser visto.
Não foi simples, precisou cuidar
exatamente onde tocava para não receber a descarga elétrica, mas entrou. Quando
colocou os pés no terreno de Ruan, ouviu os primeiros tiros na entrada. Seguiu
para o estúdio e não se surpreendeu ao encontrar a porta ainda trancada o não
ouvir absolutamente nada. Começou a arrombar a maçaneta da porta.
Quando Ruan percebeu que Rebecca tinham
apagado ao se chocar com o chão, achou que a sorte não podia lhe sorrir mais.
Arrastou-a da sala de tecidos até a de dança, cheia de espelhos e barras de
alongamento.
- Quem mandou me enganar, querida
Rebecca? Agora terá o que merece! – Ele falou sem saber que Diana ouvia. Ela
queria estar invadindo o lugar também, mas alguém precisava coordenar a
operação. – Acorde logo, meu bem. Temos que nos divertir juntos antes de você
morrer.
- Neal? Peter? Estão me ouvindo? –
Ambos usavam seus fones.
- Sim. – responderam juntos. Mas um
não tinha contato com o outro.
- Ruan está falando com Rachel...ela
não responde. Mas ela está viva.
Ruan tinha arrancado as roupas de
Rachel e amarrado seus pulsos a barra de ferro que circulava toda a sala.
Quando ela estava firmemente presa, jogou água em seu rosto para acordá-la.
-AAAA!!! – Ela abriu os olhos bem
desperta. Sabia exatamente que estava diante de um louco. – Seu desgraçado! Se
pensa que tenho medo de você está enganado. Se pensa que me amarrar nessas
barras vai me impedir de me defender, é mesmo muito imbecil. – Com isso ela
avisava Diana sua localização exata.
E Diana avisou Neal e Peter. O chefe
do FBI estava no meio do tumulto na entrada, tentando passar pelos seguranças
armados. Neal, abrindo a porta do estúdio.
- Sua vadiazinha! Dessa vez você vai
apanhar calada! – Amarrando um pedaço de pano em sua boca ele a impedia de
gritar. – Pena que não vou poder ouvir você implorar para eu parar.
Ela não podia gritar e, mesmo se
pudesse, não imploraria nada para aquele homem. O que ele queria? Lhe espancar?
Torturar? Estuprar? Podia até conseguir o objetivo, mas ela ia garantir
bastante dificuldade. Colocou-se de pé e ficou aguardando ele tornar a se
aproximar. Ruan não sabia do que ela era capaz.
- Vadia! Achou que ia me roubar? –
Ele conseguiu esbofeteá-la mais uma vez. Porém, agora, Rachel não precisava
mais apanhar quieta. Com um chute rápido dado no meio das pernas de Ruan, o fez
se curvar para frente de dor. – AHAHA cachorra! Vagabunda! Você me paga por
isso.
Aproveitando-se que ele gemia de dor
e estava no seu alcance, Rachel deu-lhe mais um chute. Dessa vez bem no queixo.
Sabia, no entanto, que os chutes eram sua única arma já que suas mãos estavam
fortemente amarradas. Não ia segurar Ruan muito tempo.
- Eu acabo com você! – Disse ele se
levantando e vindo em sua direção. Rachel tentou dar mais um chute. Conseguiu,
mas já sem a mesma força. E dessa vez ele lhe segurou o pé. Estava imobilizada.
– Sabe que gosto de mulher assim? Brava, arredia, daquelas que domar dá
trabalho. Eu vou tirar a mordaça...mas se você tentar algo, quebro todos esses
belos dentes que você tem na boca, entendeu?
Ele tirou o pano da boca de Rachel e
ela realmente não gritou. Não por medo...sabia que ter dentes afiados para
morder eram uma boa arma. Se tivesse que arrancar pedaço de Ruan para mantê-lo
afastado, o faria.
- Implora! Pede pra eu não te matar,
vadia! – Ele gritou.
- Porco, nojento. Se soubesse o nojo
que eu sentia quando você me beijava! – Ela respondeu. Implorar? Jamais.
Só que ela estava nua, amarrava e
completamente exposta a Ruan. Irritá-lo não era a melhor estratégia.
- Nojo é? Vamos ver o que sente
agora? – Ele agarrou ambas as pernas dela e segurou-as enquanto abocanhava um
dos seios. Ela se mexia e tentava soltar as pernas para golpeá-lo novamente. –
Sente nojo agora? Sente?
- Sinto! – Ela o sentia passar as
mãos em seu corpo, com as mãos tocá-la intimamente e tentava se soltar. – Eu
vou acabar com você!
Ele riu.
- Não, não vai! Por mais raivosa que
esteja, Rebecca...você está vulnerável agora. – Ele não parava de tocá-la. –
Vai tentar me chutar? Se conseguir será pior porque só vai me fazer ter mais
ódio e te espancar ainda mais. Eu vou te comer antes de te matar, só pra te
mostrar, ruivinha, quem manda aqui. Você veio me roubar, agora aguente!
Ele tirou as mãos das pernas dela
por alguns décimos de segundos e se afastou para abrir o fecho da calça. Tempo
suficiente para Rachel puxar a perna e, num grande esforço devido ao cansaço,
lhe dar um chute alto, no peito. E quando ele titubeou, mais um, no rosto.
Quebrou o nariz dele. Mesmo amarrada, arrancou sangue da cara do infeliz!
- Desgraçada! – Ruan veio para cima
de Rachel como um animal. Puxou-lhe a cabeça para trás pelo cabelo e lhe deu um
soco no abdome. – Quer apanhar então? O que acha agora?
Ela perdeu o ar. Sentiu que a
batalha estava perdida. Sentia as pernas doendo pelo esforço de chutá-lo tantas
vezes e os pulsos ardendo de tão fortemente amarrados. O rosto estava ferido,
as costas doíam desde a queda dos tecidos. Permanecia de pé bravamente, apenas
para não reconhecer a derrota.
Ela ouviu passos e soube de quem
eram. Sabia quem conseguia abrir fechaduras tão fácil e silenciosamente. Sabia
que ele viria, com ou sem polícia, ele viria. Só se surpreendeu por vê-lo
segurando uma arma. Neal tinha horror de armas. Nunca havia matado em sua vida.
- Se afaste dela. Já! – Disse tão
transtornado quando Ruan. – Agora!
- Ou você vai fazer o que? – Ruan
continuava tocando-a, mas surpreendeu-se ao vê-lo ali.
- Eu acabo com você! Solta ela,
Ruan. A polícia está vindo.
- Não! Essa vadiazinha vai ficar bem
aqui comigo...deixemos que a polícia entre. – Ruan colou-se ao corpo de Rachel.
– Atire...Neal...atire....só cuidado para não acertar a bela Rebecca.
Mais para assustar do que para
qualquer outra coisa, Neal apertou o gatilho com a arma voltada a uma das
paredes envidraçadas. O estrondo foi grande e os estilhaços deixaram o lugar
cheio de vidro.
Ruan e Rachel assustaram-se com o
estrondo do vidro se partindo em milhares de pedaços. Antes claro e cheio de
reflexos deles em todas as paredes, agora o espelho era lixo e não mostrava
mais nada.
Mais um tiro soou no estúdio de
dança. Esse segundo não era apenas de aviso. Esse era para obrigar Ruan a
largar Rachel. O segundo tiro acertou o joelho de Ruan. E não foi dado por
Neal.
- Largue essa arma Neal. – Peter
estava na porta. – Agora!
Quando entrou no estúdio e ouviu o
tiro Peter pensou em duas possibilidades. Na primeira Rachel estava morta e na
segunda Neal tinha matado Ruan. Nas duas Neal estaria completamente ferrado.
Quando entrou e viu que era apenas o espelho, respirou aliviado. Percebeu
também que Ruan não estava armado e que baleá-lo era o melhor a fazer. Mesmo
que conseguisse dar mais algum golpe em Rachel, não seria nada grave. Mirou no
joelho e puxou o gatilho.
Ruan afastou-se imediatamente,
levando ambas as mãos ao joelho direito qe jorrava sangue não chão. Rendê-lo
trouxe muito prazer a Peter. Nada melhor do que um criminoso algemado.
- Você está preso, Ruan
Rodrigues...e a lista de crimes é grande demais para eu ler agora.
Jones estava concluindo a prisão
quando Diana se aproximou de Peter.
- Chame a equipe médica, sim?
Rodrigues levou uma bala e... Rachel está machucada também. – Pediu à colega.
- Eu chamei. – Ela respondeu com a
competência de sempre. Ela olhava para a ruiva deitada no chão. – Mas acho que
ela já está sendo bem cuidada.
Diana referia-se a Neal não ter
sequer percebido que ela chegou ou a Ruan já estar sendo retirado dali. Ele só
tinha olhos para Rachel. Ele havia lhe soltado as mãos e a coberto com o
paletó. Rachel estava consciente, apesar de machucada. Não falavam muito,
apenas se olhavam. Rachel não reclamava de dores, nem de absolutamente nada,
negava-se a deixar cair alguma lágrima.
- Vai ficar tudo bem agora. – Ela
disse calmamente. Realmente não parecia que tinha passado por tudo aquilo nos
últimos dias. Estava controlada. – Quero passar essa noite com o George. Você
prometeu.
- E vou cumprir. – Neal respondeu.
Sem nem pensar se Peter estava ou
não por perto, Neal a beijou. Estava tranquilo novamente. Ela estava ferida,
mas ia se recuperar e Rodrigues nunca mais chegaria perto. Foi um beijo
tranquilo. Beijo de quem não tem a mínima pressa. Ficaram ali, juntos, no chão,
até que chegou o atendimento médico.
Depois tudo ocorreu rapidamente. Ela
foi examinada e, contra a vontade, levada até o hospital. Estava bem. Só
precisaria tirar algumas radiografias para ter certeza de que a dor nas costas
não era nada mais grave. Afinal ela havia caído de uma altura considerável,
fora a todo o resto que viveu nas últimas horas. Como ela estava nervosa e não
queria facilitar a vida da equipe médica, eles a sedaram.
Aguardando-a acordar e já com a
resposta de que ela não tinha fraturado nada, Neal a levaria embora do hospital
logo. Era só Rachel abrir os olhos e poderiam ir. Estava liberada para ir
passar aquela noite em
casa. Quando Peter entrou no quarto do hospital, Neal soube
que não poderia ignorá-lo. Ele já tinha ido para casa ver Ell, trouxe notícias
de George e Mozzie e agora estava no ‘modo’ amigo. Não era mais o chefe do FBI.
Esse era o Peter de que ele mais gostava.
- Você continua com esse terno...não
foi em casa? – Peter perguntou.
- Não queria que ela acordasse
sozinha. – Era verdade.
- A dose de calmante deve ter sido
forte para derrubá-la assim. – Peter riu antes de voltar a falar. – Não entendo
Neal! Ela estava amarrada...e mesmo assim, você viu como deixou o cara? Ela
destruiu o rosto dele só com chutes.
Neal riu.
- Ela é ótima em se defender. E em
atacar.
- Você tem razão, Neal. Devo um
agradecimento a Rachel...os títulos já estão na nossa sede. Vou entregá-los aos
Stone amanhã cedo. Finalmente Ruan vai para a cadeia...e não só pelos títulos.
Ele acabou mais enrolado até do que a gente imaginava.
Neal o olhou-o.
- A Rachel vai adorar receber o seu
mais sincero ‘muito obrigado’.
- É, eu sei. – Não era todo dia que
agradecia um assassino.
Ambos ficaram ali esperando-a
acordar. Neal precisava vê-la bem novamente, vê-la sorrir. Peter queria levá-la
de volta ao FBI antes que aprontasse alguma.
Os três seguiram para o FIB no mesmo
carro, em um silêncio profundo. Peter desconfiava que Rachel ainda estava sob
efeito de algum calmante ou, no mínimo, não estaria tão calada. Subiram até o
andar da divisão de Colarinho Branco e, para Peter, era finalmente o fim
daquele dia infernal e daquele caso.
- Parabéns, Rachel. – Ele lhe disse
estendendo a mão. –Você trabalhou muito bem. Já tive agentes muito bons...você
está entre os melhores.
Neal observava a cena e via o quanto
era difícil para Peter ter de dizer essas palavras. Tecnicamente podiam ser verdadeiras,
mas ele não queria pronunciá-las.
- Obrigada pelo que fez. Foi
importante para a divisão. Eu não queria que tivesse se machucado durante o
caso. Espero que melhore logo. Fique pronta pra próxima. – Concluiu Peter ainda
com a mão estendida.
Rachel não ofereceu a sua. E explico
o por quê.
- Não vou apertar sua mão, Peter.
Você não quer que eu faça isso de verdade, não gosta de mim. E eu não gosto de
você. Nós apenas nos suportamos. – Ela olhou para Neal. – Você gosta do Neal e
por isso aceita olhar na minha cara. Tudo bem.
- Você vai ficar conosco e...- Ele
tentou selar a paz, mesmo contra vontade.
- E eu vou dar o melhor de mim em
cada caso que colocar em minhas mãos. Não por você nem pelo FBI. Mas para ficar
perto do meu filho. – Não falou em Neal porque aquele era um assunto muito
privado. – Eu estou bem. Não precisava ter ido ao hospital. Amanhã estarei
pronta para outra. Simples assim.
Ela
deu as costas para Peter e foi falar com Neal.
Peter imaginava que Neal iria apenas
lhe entregar algum remédio que ela devesse tomar para dor ou algo assim, se
despedissem e fossem sair. Pretendia trancar bem a porta e avisar ao guarda
para ficar de olho nela. E ir para casa dormir. Estava precisando. Não foi
assim.
- Onde está George? – Rachel
perguntou para Neal. – Você disse que eu iria passar essa noite com ele.
Imaginei que Mozzie estaria aqui nos esperando.
- George está no meu apartamento. –
Era muito tarde.
- Por que? Você disse... – Ela ia
cobrá-lo a promessa.
- Você vai para lá também. Vai
passar a noite lá, comigo. – Ele tinha decidido isso. Muita coisa aconteceu e,
por mais forte que ela fosse, passar por tudo isso era difícil. Não ia deixá-la
sozinha.
- Neal! – Peter chamou. – Não. Não
temos autorização para isso. Ela fica aqui.
Neal primeiro falou com ela.
- Vai pegar um pijama e uma roupa
para amanhã, e volta aqui. – Ele ignorou Peter. – Não demora, ta?
Quando ficou sozinho com Peter, Neal
lhe explicou.
- Ela vai comigo. Está decidido,
Peter. – Mas ele sabia que não tinha poder para decidir isso.
- Isso não está no acordo. Ela tem
uma pena perpétua, Neal. O acordo a coloca aqui no FBI, salvo saídas em casos que
estejamos investigando ou passeios com o filho, que ela arrancou de mim numa
chantagem! Dormir na sua casa não está no acordo! – Disse o chefe da divisão de
Colarinho Branco.
- O acordo também não previa ser
amarrada, amordaçada ou espancada! – As regras que fossem para o inferno. – Ela
vai comigo, Peter. Enquadre isso como um passeio com George. Afinal ele estará
lá também.
- Neal...você dificulta as coisas
assim. – No fundo Peter entendia a situação, mas não gostava de ceder.
- Eu prometi que ela ia passar essa
noite com George e, depois de tudo a que ela se sujeitou pelo SEU caso, acho
que é você quem está dificultando as coisas.
Rachel voltou carregando uma pequena
mochila e decidida a não interferir na briga dos dois.
- Vamos? – Neal perguntou.
- Sim. – Ela respondeu.
Peter os observou entrar no elevador
de mãos dadas. Aquele relacionamento ainda lhe traria muitos problemas.