Quando retornou ao cativeiro Beatriz
se sentia confusa. Sair daquele hotel luxuoso e entrar novamente no buraco que
agora era seu lar mexia com a cabeça de qualquer um. Passou horas nos braços de
Arman e por muito pouco não foi direto para as mãos de Sebastian Gonzáles. Ele
a desejou. E ela deveria estar feliz em ver o segurança negar o programa.
Sebastian machucou Natacha e ela não fora sua primeira vítima. A curiosidade
sobre ele, porém, era muito superior ao medo.
Ela não soube como Gregory recebeu a
notícia do interesse de Sebastian, mas o mau humor que ele apresentou no
decorrer daquele dia foi uma bela pista. As garotas limparam o salão todas
juntas como era o costume e puderam vê-lo gritar ordens aos seguranças e
discutir com Samantha. Até mesmo ela foi vítima de seu estresse.
- Ele está com o diabo no corpo. –
Maya comentou com as outras, em uma de suas costumeiras reclamações e
comentários azedos.
- Diaba é ela. Gregory logo estará
de cabeça baixa pra Samantha. – Natacha respondeu. – Limpe isso direito antes
que sobre para você.
- Estou limpando! Mas faria qualquer
coisa para descobrir o que deixou Gregory assim.
Ninguém fazia ideia do quanto a
possibilidade de autorizar um programa de Beatriz com Sebastian irritava
Gregory. E a raiva que isso fez Samantha sentir. Para ela, uma explicação se
fez necessária. Restava saber se era sincera e se Samantha acreditaria.
- As ordens de Gabriela foram
claras. Beatriz não deve atender nenhum ricaço. Ela quer a garota com o pé de
chinelo. – Explicou.
- Esse não é o nosso perfil de
cliente. E Gabriela sabe.
- É. Mas a ordem é essa. E Gabriela
não gosta de ser contrariada.
- Ela não precisa saber. – Samantha
insistiu.
- Pode ser. Só que existe um motivo
pra essa ordem. Beatriz está longe de ser como as outras. É brasileira, mas
fala inglês fluente. E Sebastian é americano. Ela pode tentar pedir socorro.
- Pelas marcas que ele deixou em
Verônica, seu pedido não seria bem recebido. Deixe que ela peça e receba um
tratamento especial dele. – Samantha não gostou de Beatriz desde o início,
agora percebia a razão. – É bom que você comece a vê-la exatamente como as
outras. Ou teremos problemas.
- Deixe de bobagem, Samantha. Você é
a minha rainha, a única diferente das outras.
- Ótimo! É bom que permaneça assim.
Quando a noite caiu e todas as
garotas entraram no salão, Beatriz ficou apreensiva. Esperava vê-lo a qualquer
momento. As horas passaram e a noite logo transformou-se em madrugada. Beatriz
atendeu um cliente e voltou para o salão dividida entre o alívio e a decepção.
Por um momento imaginou que talvez Sebastian pudesse ser seu passaporte de
volta ao Brasil. Enganou-se. Sua vontade de tê-la já havia passado. Quando a
casa já apresentava um público bem reduzido e embriagado uma movimentação na porta
da frente alertou Bia para a chegada de alguém importante, porém, não bem vindo
aquele lugar.
Sebastian entrou um tanto trôpego. E
para surpresa de Beatriz, Gregory levantou-se de sua mesa para encaminhá-lo
pessoalmente ao escritório. O americano poderia ter passado a noite bebendo em
outras casas como aquela, mas veio ali resolver o que deixara pendente na noite
anterior. Bia não conseguiu saber o que ele conversaram. De longe, praticamente
do outro lado do salão, ficou observando a porta do escritório onde os dois se
trancaram. Faria qualquer coisa para ouvir a combinação. Provavelmente definiam
seu preço para aquele resto de madrugada, talvez ele pagasse pelo turno da
manhã também.
Quando a porta se abriu, para
surpresa de Beatriz, Sebastian foi embora, passando pela sua frente e sequer
lhe destinando um olhar. Tudo o que Beatriz conseguiu pensar foi que ele não
tinha vindo ali para comprá-la ou que se agradou de outra. Havia uma pitada de
tristeza naquele pensamento. E ela logo foi substituída por apreensão e
desconfiança quando Gregory lhe deu um recado.
- Vá para o alojamento dormir. –
Disse secamente antes de explicar. – Sebastian quer você amanhã. Irá para um
quarto de hotel e deve estar com a pele de acordo. Cabelo também. Sebastian é
um homem refinado e está interessado em tê-la. Você ficará muda! Sebastian é muito
rigoroso e tem autorização para castigá-la caso faça algo de errado. Entendeu?
- Sim, entendi.
- Ótimo! Agora vá. Amanhã irá se
preparar para atendê-lo.
Gregory não queria aquilo. Apenas
não teve escapatória. Primeiro porque Samantha não gostou nada de sua propensão
a manter Beatriz afastada de Sebastian. Quando o americano ofereceu muito
dinheiro por ela e ele titubeou em aceitar, Samantha voltou a questionar o porquê
e ele não teve uma nova e perfeita explicação.
- Ele a quer, está disposto a pagar.
Qual o problema? – Ela o pressionou.
- Nenhum...claro que não.
- Ótimo. Porque não há razão.
Sebastian pagou por Beatriz, ele a terá.
Enquanto aquela madrugada cansativa
chegava ao final para Beatriz, em
São Paulo , com seis horas a menos no fuso horário, Elizabeth
iniciava uma missão noturna. Dessa vez ao lado de Rebeca. Ela precisava
confirmar se o Pedro a quem o garoto apelidado de ‘Ligeiro’ disse ser o novo
dono do ponto era o homem que Beatriz conheceu e que, provavelmente, matou
Willian e sequestrou sua irmã. E Rebeca a lembrou um detalhe importante após
revisar o inquérito. Poderia se tratar de coincidência por ser um nome muito
comum, mas já houve um Pedro envolvido naquela quadrilha de tráfico de pessoas.
Pedro Ferraz foi preso ao participar de um falso concurso que selecionava
garotas. Foi liberado logo depois por falta de provas, mas, já naquela época,
Elizabeth já desconfiou das inúmeras viagens dele entre Rússia e Brasil.
- Não acredito em coincidências,
Beca. É ele. Só pode ser. – Liza comemorava. Estava na trilha certa.
Esse plano, porém, tinha uma falha.
Se ela estivesse na pista correta e sua irmã tiver sido levada em represália a
sua investigação, Pedro certamente conhecia seu rosto. E isso inviabilizava
qualquer encontro entre eles. A menos que ela pretendesse morrer. Então naquela
noite foi Rebeca a encarar o ponto de prostituição. E isso deixou Elizabeth bem
mais nervosa. Arriscar-se por Bia era óbvio, natural e até mesmo uma obrigação.
Rebeca por sua vida em risco era bem diferente. Ela não deveria ter de se expor
passando-se por garota de programa.
- Relaxe Liza! – Ela lhe disse já
vestida de acordo com a missão. – Não é só as magrelas que investem nessa
profissão. Esses peitos aqui são capazes de atrair olhares ainda. Sossega. Vou
lá, disfarço, falo com Pedro e confirmo o que tiver de confirmar.
- Ótimo. Me ligue assim que sair de
lá, Rebecca. Estarei aqui no apartamento. Se for mesmo Pedro Ferraz, tenho
indícios o bastante para pedir a prisão provisória e vou esmagá-lo no
interrogatório.
Rebeca foi e Elizabeth ficou só. Em
segurança, porém, sozinha, sem nada poder fazer. E isso se tornava ainda pior
por não ter Eva com ela no apartamento. Após obter a guarda e alegando que a
filha corria riscos, Rafael vinha proibindo as visitas. Elizabeth já tinha se
aconselhado com Matt. Apesar de também ser advogada, Matt era especializado em
casos de família e entendia muito mais do assunto. Seu conselho foi o de
esperar, ter paciência e aguardar que Rafael reconsidere a decisão. Para Matt
uma briga em família só pioraria a situação para Eva.
- Ela é minha sobrinha e afilhada. É
a mim que Beatriz confiaria Eva. – Foi a resposta de Liz.
- Eu vou tentar um acordo com
Rafael. Tenho esperança que ele se solidarizar. Eva deve estar chamando por
você também – O amigo garantiu.
Enquanto o acordo não vinha, a noite
de Elizabeth seguiu no silêncio e na solidão. Não tinha a irmã, nem a sobrinha.
Não podia atuar na ação policial. Tão pouco poderia estar com Miguel. Sua vida
estava de cabeça para baixo. Seu telefone tocou e ela viu no visor a foto de
Miguel aparecer. O fato dele não desistir a irritava tanto quanto fazia sorrir.
Queria tanto poder esquecer tudo o que aconteceu. Elizabeth ignorou a ligação
feita às 23h15min. Miguel sabia que ela estava acordada, nunca dormia tão cedo.
E por isso mesmo deixou um recado. Ela não resistiu e ouviu.
[Eu
sei que você está acordada e não quis me atender. Pare com isso Elizabeth. Estou
preocupado. Preciso saber que está bem. Preciso ouvir a sua voz. Eu já pedi
perdão. Já estou sofrendo o bastante com o que está acontecendo...eu te amo.
Precisamos conversar. Eu não vou desistir. Se você não me atender eu vou à
delegacia.]
Aquilo tudo só a fez voltar a
chorar. E acordar destruída e ainda mais enjoada na manhã seguinte. Para
piorar, ela sabia que não se tratava de uma ameaça vazia. Miguel iria continuar
cercando-a. E com sua gravidez cada vez mais aparente, isso seria uma
complicação a mais. Segundo suas próprias estimativas, a gravidez já deveria
estar batendo no terceiro mês. Não teve tempo de ir ao médico, talvez estivesse
fugindo dessa confirmação oficial. E sua consciência a estava cobrando por essa
falha. A barriga ainda estava longe de aparentar ter um bebê, mas seu corpo
vinha mudando. E até mesmo Miguel já havia presenciado um de seus mal estares.
Ele não desconfiou. Acreditou tratar-se apenas de um problema alimentar. Talvez
tenha creditado o desmaio ao fato de ser diabética. Mas não ia enganá-lo por
muito tempo.
- Tenho que contar pra ele. Ou sumir
da sua vista. – Eram essas as alternativas. Mas as duas hipóteses lhe
incomodavam.
Porém, mais uma vez
os problemas pessoais a levaram a deixar as decisões de sua vida de lado.
Rebeca voltou da missão com boas notícias, ou, ao menos favoráveis aos planos
da investigação. A assistente havia passado em casa para tomar banho e se
trocar e ao chegar na delegacia surpreendeu-se ao encontrar Liz numa aparência
muito pior que a dela. Parecia ter sido Liz a passar a noite em ação policial.
E mesmo quando as duas fizeram isso juntas, nunca a tinha vista naquele estado.
- Porque você não me
ligou quando saiu da missão? – O mau humor de Liz também não foi uma boa
recepção.
- Porque era tarde.
Achei que estaria dormindo. O que pelo visto não aconteceu. O que deu em você,
Elizabeth? Parece saída de um bombardeio.
- Não consegui
dormir, rejeitei uma ligação de Miguel, chorei, enjoei e vim pra cá antes que
eu começasse a chorar novamente. – Liz ofereceu à amiga um resumo de sua noite.
- Você tem que ir ao
médico. Está mais magra. Parece doente! Você está sendo irresponsável com seu
filho!
- Eu vou ir! Assim
que tiver tempo. Não tenho tempo para os meus problemas enquanto Bia está
desaparecida. – Ela se obrigou a mudar de assunto. – Vamos trabalhar. É isso
que eu preciso. Encontrou Pedro?
- Sim. – Rebeca
desistiu, por enquanto, de trazer a amiga à realidade. Sabia que os assuntos
profissionais lhe eram mais confortáveis. – Estávamos certas. É o mesmo homem
que você prendeu. Fiz imagens dele e depois me aproximei. Ele é muito seguro,
mas desconfiado. Não entregou mais ninguém.
- Mas contra ele nós
temos provas. É o suficiente. – Liz já planejava suas próximas ações. Ela
invejava não ter aquela mesma clareza de raciocínio na vida particular. –
Solicite o mandado de prisão Rebeca. Peça a ajuda de Carla e Fred para efetuar
a prisão. Não quero participar. Ele terá uma surpresa quando eu entrar na sala
de interrogatório.
Surpresa tiveram as
duas, minutos depois quando estavam juntando as provas contra Pedro Ferraz para
apresentá-las ao juiz e mais um buquê de flores chegou. Elizabeth não havia
conseguido comer nada naquela manhã a não ser uma barrinha de cereal. E essa se
revirou no estômago dela assim que o perfume das rosas tomou a sala.
Liz correu para o
banheiro e voltou com a expressão ainda mais cansada do que antes. Ao se sentar
em sua cadeira não gostou nada de ver que Rebeca ainda não havia se livrado das
flores. Elas ali estavam, lindas e provocantes. Ao menos não tinha mais nada no
estômago para vomitar. Fechou os olhos e tentou melhorar antes de voltar ao
trabalho. Rebeca logo colocou um copo de água na frente da amiga.
- Isso não pode ficar
assim. Não dá Liz. – Rebeca lhe disse.
- Cala a boca Beca!
Já sei de cor tudo o que irá me dizer. Eu vou procurar um médico, vou fazer
dieta, vou fazer exames. – O telefone que ocupava a mesa de Elizabeth começou a
tocar. As duas ignoraram.
- A questão é quando,
Liz! Chega! Será que não vê que está mal? A cada dia está pior!
- Isso não é verdade.
– O telefone seguiu tocando. Ninguém o tirou do gancho. - Enjôos são normais na
minha condição.
O telefone parou de
tocar. O recepcionista da Polícia Federal desistiu da ligação. Tentava avisar a
investigadora Elizabeth Benitez que seu marido a procurava na recepção. Ele
veio tantas vezes ali e na última semana enviou tantos boques de flores que
reconhecê-lo não foi difícil. Deixou-o passar. Não sabia que ao deixar Miguel caminhar
por aquele corredor, mudava o rumo da vida daquele casal.
Miguel caminhou
lentamente e com passos firmes até chegar à frente da porta desejada. Ia bater,
talvez abri-la de surpresa, mas os gritos vindos lá de dentro o fizeram esperar
e ouvir. Não se orgulhava daquilo, mas Liz não lhe deixava alternativa.
- Engraçado que
quando é para usar de argumento você lembra que está grávida. Mas para marcar
uma consulta de pré-natal você nunca encontra tempo. Tenho uma novidade para
você Elizabeth: ignorar essa criança não a fará desaparecer! Em poucos meses
você estará dando a luz e terá de ser mãe nas 24hs do dia! Abra os olhos.
As palavras
assustaram Elizabeth. Raras foram as oportunidades em que Rebeca perdeu a
cabeça. E isso era apenas mais um ingrediente que lhe garantia sua certeza no
que falava. Beca estava certa. Precisava agir e parar de se esconder. Era mãe.
- Eu sei. Não queria
ser mãe. E estou apavorada. Não sei o que farei quando ele nascer. Simplesmente
não sei, Beca. Tem um bebê crescendo dentro de mim. E eu nem sei o que sinto
sobre isso. – Disse na mais franca resposta que poderia dar. – Eu não sei o que
fazer com ele!
Quando Miguel abriu a
porta pegou Elizabeth e Rebeca completamente desprevenidas. Não foi uma entrada
raivosa. Ele mais parecia em
choque. Dessa vez era Miguel a se sentir traído. Não física,
mas moralmente. Ele desejou estar errado, ter ouvido errado, se enganado. Não
houve margem para erro. Liz não somente afirmou esperar um filho como expressou
seu desprazer por isso. Ao abrir a porta, a expressão de Miguel era uma mistura
de decepção com raiva. E no instante em que o olhar dos dois se cruzou
Elizabeth soube que algo havia se quebrado. Se antes ela já sabia que errava ao
manter o segredo, agora ela se recriminava e sentia raiva de si mesma. Porém,
não sabia o que fazer ou como resolver. Acabou afundando-se ainda mais em
mentiras.
- Miguel...por
favor...
- Cale a boca.
Rebeca, por favor, me deixe sozinho com minha mulher. – Ele precisava de
privacidade e só voltou a falar quando Elizabeth acenou para Rebeca e a
policial deixou-os a sós. Silenciosamente ele fazia contas. – Desde quando você
está escondendo isso?
- Eu não tenho nada
para te falar Miguel. Nós estamos separados. É a minha vida, o meu corpo...
- Não! É o meu filho!
– Lá no íntimo sua consciência o lembrava que pelo bebê de Alejandra não havia defendido
esse direito
- Nada garante que é
seu. – Foi uma mentira gaguejada. – Seu filho está na barriga de Alejandra!
Aquele sim é seu. Não esse aqui. Esse é só meu.
- Não ouse me fazer
de idiota! É meu! Eu sei que é! Como sei que você não o quer.
- Não é assim...eu
estou confusa. – No tom de voz baixo de sua esposa Miguel percebia o quanto ela
não estava em seu estado normal. – Nunca me imaginei grávida. Jamais.
- Desde quando você
sabe?
- Na véspera da morte
de Bia. Nós passamos a noite juntos e eu ia falar. Mas li no seu telefone a
mensagem de Alejandra. Você já seria pai.
- Então resolveu
ficar calada. – Ele também já não mais gritava. – Não serve de desculpa.
Miguel não se
conformava. Além de mentir por mais de um mês, Elizabeth estava visivelmente
desgastada fisicamente. Agora algumas coisas passavam a fazer sentido. A perda
de peso, o desmaio, os enjôos, o desejo de evitar médicos. Quanto mais pensava,
mais revoltado ficava. Com um riso amargo ele percebeu a crueldade do destino
com eles. Seria pai de dois filhos ao mesmo tempo. Enquanto uma mãe lhe forçava
a participar, a outra o excluía.
- De quantos meses
está? – Ele perguntou tentando deixar a raiva de lado e ser prático.
- Não sei exatamente.
– Elizabeth respondeu.
- Como não? – Ele
passou a mão pelo rosto e pelos cabelos tentando clarear os pensamentos. –
Deixa para lá. Passe-me o número de telefone da sua obstetra. Eu mesmo
conversarei com ela. Já está tomando algum suplemento? Fez quais exames? É óbvio
que não está se alimentando bem.
- Nenhum.
Eu...não...não fui na médica. – Ela reconheceu prevendo uma tempestade e logo
vendo-a se formar nos olhos de Miguel. – Não me olhe assim! Eu tive de lidar
com a morte de Will, o sequestro de Bia, as investigações e um divórcio. Não
tive tempo!
- Não teve
tempo...ótimo...perfeito Elizabeth. – Ela teria preferido a raiva dele.
Conseguiu apenas ver decepção e mágoa. – Você realmente não entendeu ainda o
que é ser mãe.
Miguel foi embora tão
intempestivamente quanto chegou. Não se despediu, apenas afirmou que se ficasse
ali faria uma besteira e avisou que ela teria notícias dele. Lá no fundo Miguel
não se sentia no direito de cobrar cuidados de Liz para com o bebê porque ele
fez algo muito parecido com a criança esperada por Alejandra. Também a
desprezou. A diferença estava no fato que a saúde do bebê de Alejandra não
dependia dele. E a palidez de Elizabeth o avisava que ela não estava em seu
melhor estado de saúde. Um alerta se acendia em sua mente a cada vez que se
lembrava do histórico médico de Elizabeth.
Pouco depois de
entrar em seu carro Miguel já fazia ajustes mentais em sua agenda. Não seria
fácil cuidar de duas grávidas ao mesmo tempo. E se ele teria de encontrar tempo
para isso, certamente Elizabeth encontraria para ir ao médico. Antes de chegar
ao seu destino a primeira consulta de pré-natal de Liz estava marcada e ela
sendo informada por mensagem no celular. Era bom que Elizabeth não ousasse
reclamar ou faltar. Ou ele mesmo a buscaria na polícia federal.
Elizabeth sentiu o
sangue ferver ao receber a mensagem de Miguel. Ele ordenava que ela fosse a um
médico que ela não conhecia, em dia e hora escolhidos por ele. E, na mais difícil
das conclusões, ela teve de reconhecer que ele tinha razão em agir assim. Miguel
errou como marido com ela. Mas enquanto tentava ser uma boa irmã e policial
competente, ela havia falhado terrivelmente como mãe. Por isso respondeu a
mensagem dele confirmando sua ida à consulta. Lá no fundo se seu coração, Liz
sentia um alívio. Pensava que, talvez, aquele segredo estivesse lhe fazendo
mal.
- Elizabeth. – Rebeca
entrou retornou à sala envergonhada. – Me desculpe. Eu não tinha o direito de
lhe causar problemas assim nem gritar com você. É minha superior, lhe devo
respeito.
- Pare por aí com
esse papo, Rebeca! Somos amigas...e você tem razão. Eu estava errada. – Liz reconheceu.
– Agora Miguel sabe. Talvez tenha sido melhor assim.
- Como ele reagiu?
- Sendo o Miguel de
sempre e me dando ordens.
- E você será a
Elizabeth de sempre e irá ignorá-las?
- Não, Beca. Não
posso. Porque dessa vez ele está certo. O fato de eu não ter me preparado para
a maternidade, não me torna menos responsável por meu filho. Ele merece uma mãe
melhor do que eu estou sendo. Miguel marcou uma consulta e eu pretendo ir.
- Com ele ao lado,
provavelmente. Você sabe que isso acabou com qualquer chance de você se afastar
de Miguel, não é?
- Sim, terei de lidar
com isso. – E mantê-lo afastado parecia cada dia mais difícil.
Elizabeth deixou o
assunto de lado e voltou ao trabalho. Mas os problemas pessoais pareciam
atrapalhar todo o seu dia. Agora era Matt a lhe enviar uma mensagem dizendo que
ela deveria ir ao seu apartamento naquela noite porque precisavam conversar. Quando
ligou para adiantar o assunto, ele não atendeu. Elizabeth cumpriu suas funções
naquele dia, mas o coração seguia palpitando. Quando Rebecca a chamou para
almoçar, foi, obrigada pela consciência. Tinha um bebê que precisava de
alimento dentro de seu útero. Quando o relógio marcou 18h45min declarou o dia
por encerrado. Deixou o restante das atividades para a segunda-feira.
Quando chegou à casa
do amigo de infância, Elizabeth estava ansiosa. Não era só a conversa com ele.
Carregava nas costas toda a pressão daquele dia, de vários dias, de semanas de
muito estresse. Desde que Beatriz foi sequestrada não teve mais paz, sua vida
foi roubada junto da irmã e tudo que se seguiu após isso agora lhe cobrava um
preço. Estava arrasada e emocionalmente destruída. A notícia que Matt tinha
para lhe dar não melhorou seu estado.
- Falei com Rafael,
conforme te prometi. Ele está decidido a afastar a Eva de você, de mim, de tudo
que lembre Beatriz.
- Por quê? –
Elizabeth revoltou-se.
- Aparentemente
porque deseja dar uma nova e melhor vida à filha. Ele diz que tudo de ruim que
aconteceu foi culpa sua. E afirma que o estilo de vida de vocês duas, na polícia
e no jornalismo, colocou Eva em perigo.
- Isso é uma asneira
completa! Eu, Bia e você cuidamos de Eva enquanto Rafael não fazia mais do que
pagar pensão!
- Eu concordo. Mas
ele está irredutível.
Para surpresa de
Matt, Elizabeth reagiu com um desespero nunca visto. Pela primeira vez na vida ela
se entregava ao sofrimento e chorava copiosamente. Ela até tentou falar, mas o
choro compulsivo fazia com que as palavras saíssem trôpegas, aos pedaços e incompreensíveis.
Matheus se assustou. Liz, logo Liz, a mais forte de suas amigas, estava
devastada.
Pelo que conhecia
dela, Matt imaginou que o sequestro de Beatriz não era a causa, não a
principal, pelo menos. Porque encontrar Bia era uma missão profissional. Liz
tinha talento e recursos para isso, a busca policial estava em suas mãos. E a
solução do que fazia Elizabeth chorar daquela forma não estava em suas mãos. Matheus
então a deixou chorar, desabafar a agonia que tomava conta de seu coração. E
apenas quando ela realmente relaxou, ele voltou a falar.
- Não se envergonhe
de chorar, Liz. Chorar faz bem. É um direito seu. Ainda mais com tudo isso que
aconteceu. – Ele lhe disse, com toda a calma.
- Tudo está
desabando. Bia, Eva, Miguel, a delegacia. Eu não estou aguentando tudo isso!
- O que aconteceu?
- Miguel descobriu
que estou grávida. E agora ele vai querer ficar perto de nós, sei que vai. E
como posso lhe negar isso?!?! – Ela contou agora já sem chorar.
- Não pode. E não
quer, Liz. Talvez deva parar de lutar contra a aproximação de Miguel. Não vai
levar a nada. Esse bebê aí também é de Miguel.
- Não é tão simples,
Matt. Eu não estou tentando afastá-lo para me vingar pela traição. É porque é
impossível. Miguel não sabe ser fiel, ser casado, respeitar uma esposa. E ele
será pai do filho de Alejandra. Não quero passar minha vida dividindo meu
marido com ela. Nem quero imaginar o quanto ela usará essa criança para prendê-lo.
- Ele também está
preso à você.
- Mas não quero que
seja assim. Não vou disputá-lo!
- Talvez você não
tenha escolha, minha amiga. Ele quer participar, permita. Se permita viver
isso. Nem de nós tivemos os pais que merecemos. O seu filho tem a chance de ter
bons pais, mesmo que separados. Não lhe tire isso.
Mesmo que por um
instante Matt conseguiu arrancar um sorriso de Elizabeth. Ela acariciou o rosto
do amigo como costumava fazer durante a adolescência deles.
- Falou o homem que
nasceu para ser pai. – Disse Elizabeth, sem muito pensar se aquilo se adaptava
ou não na vida dele.
Quando ela fez menção
de se levantar e ir para casa, Matt negou. Ela passaria a noite ali. No quarto
de hóspedes que inicialmente fora ocupado por Paty. Mas agora que ela dividia o
quarto com ele, aquele estava disponível e Matt preferia que a amiga dormisse
ali.
Ele instalou-a,
conversaram um pouco mais e só depois de ter certeza que Liz dormiria bem, Matt
conseguiu voltar para a companhia de Patrícia. Ela preferiu deixá-los a sós
para conversarem e não saiu do quarto. Isso, porém, não a impediu de ouvir
parte da conversa. Justamente a parte que mais a entristeceria. Não que
discordasse de Elizabeth, ao contrário, via o quanto ela estava correta. E por
isso mesmo doía. Matt não demorou muito a ver a tristeza da namorada.
- O que foi? Está com
ciúme por Liz dormir aqui? – Ele estranhou vê-la amuada.
- Não, claro que não.
– Respondeu Paty. – Sei muito bem que Liz é sua amiga. Eu ouvi o que ela te
disse.
- Do que está
falando? – No fundo, ele já desconfiava.
- Ela está certa,
Matt. Você nasceu para ser pai. Vai ser um grande pai.
Aquele era um assunto
doloroso para Patrícia e Matt sabia. Após um aborto clandestino feito no tempo
em que era obrigada a se prostituir, Paty perdeu a possibilidade de gerar um
filho. Chegou muito perto de perder a própria vida. Por isso, qualquer
aproximação com crianças era difícil. E só a ideia de estar privando-o da
paternidade a machucava.
- Paty...eu não penso
hoje tanto quanto pensava há anos em ter filhos. Ou seja, não penso. Não é um
plano nem um objetivo na minha vida.
- Mas um dia pensará.
E na minha vida não será um plano jamais, porque não posso tê-los. Isso torna o
nosso relacionamento...temporário.
- Não. Não é temporário
não. Você é minha namorada, é muito sério e eu pretendo um dia me casar com você.
- E estaria disposto
a nunca ter filhos? – A pergunta foi
dita olhando em seus olhos.
- Se isso for necess....
- Não fale como se não
tivesse certeza, Matt. Não existe ‘se’. Eu não posso ter filhos. Isso é um fato
do qual nós não podemos fugir. Não fará parte da minha vida. Mas pode fazer
parte da sua. Nada te impede de ser pai, um grande pai. Nisso Elizabeth tem
toda a razão.
Antes de lhe dar
qualquer resposta Matt a beijou. Patrícia sempre lhe dava a sensação de
precisar de amor, de carinho. Ela era uma mulher carente de atenção. Parecia o
tempo todo tentar antever a razão pela qual seria abandonada. Para se preparar,
endurecer o coração e, talvez, fugir antes da hora.
- Se eu for ser pai
um dia, será com você. – Disse-lhe simplesmente.
- Mas...
- Existe muito mais
do que biologia e genética envolvido na maternidade e na paternidade, Patrícia.
Eu te amo demais pra desistir do meu presente pelo que nós achamos que vamos
querer no futuro.
- Eu te amo também.
Muito. Só que te fazer feliz, completamente feliz. – Paty respondeu.
- Você, faz.
A noite foi dedicada
a um amor muito doce no qual os dois tentavam demonstrar aquilo que sentiam. Não
era pouca coisa. Ele estava abrindo mão de algo muito importante. Ela disposta
a deixar seus temos de lado para fazê-lo feliz.
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