Mesmo com o termômetro indicando uma temperatura muito
agradável, Emily se abanava no banco do carona do carro. Ela não sabia o que a
irritava mais. Se era o fato de passar o dia todo com calor ou ser obrigada a
não dirigir. Jonas e Leonor tinham lhe obrigado a prometer ficar longe da
direção. E, não satisfeito, Jonas escondeu suas chaves. Ela reclamou, gritou e
ameaçou fazer o mesmo com as dele. Mas então seu marido lhe lembrou que se
tratava de uma gestante e, repetindo algo que leu em um dos vários livros de
maternidade que enchiam sua mesa de cabeceira, disse que dirigir era arriscado.
Emily não teve forças para argumentar em contrário. O que não
a impedia de lembrá-lo seguidamente que se tratava de uma ótima motorista,
principalmente quando ele cometia algum erro na direção.
- Eu estaciono muito mais rente a calçada. – Disse-lhe em
tom de piada quando ele parou na frente do restaurante.
- Me provoque mais um pouquinho e eu travo as portas e
lhe levo de volta para casa. Leonor pediu que você não mais trabalhasse.
Seu estado de saúde e o quanto de repouso seria
necessário tornou-se uma intensa discussão após ela entrar no sétimo mês de
gravidez. Desde o início, se fosse apenas o desejo de Jonas a tomar essa
decisão, ela teria abandonado o trabalho e dedicado-se apenas a Vida,
tratamentos de saúde e cuidados de beleza. Mas essa mulher sem
responsabilidades não se chamava Emily Fruett Vicentin. E por mais que Jonas
argumenta-se, Emily não abriu mão de sua profissão.
Porém, nada era mais importante do que sua família e seus
filhos. E quando a barriga tornou-se pesada, as tonturas frequentes e as dores
insuportáveis, Emily foi obrigada a ouvir os conselhos de Leonor e pisar
definitivamente no freio. Estava a cada dia mais difícil. E ela entrava apenas
no sétimo mês. Lá no início, durando os primeiros exames, Leonor lhes afirmou
que o objetivo seria alongar a gestação o máximo possível, mas que, devido aos
avanços da doença em seus órgãos reprodutores, seria muito improvável segurar o
bebê no ventre durante os nove meses. Até o oitavo já seria uma grande vitória.
À época, animada e sentindo-se bem, Emily duvidou da médica. Agora entendia o
que ela falava e, por conta própria, decidiu anunciar no restaurante que estava
se licenciando.
E aquela decisão confirmou a Jonas o quanto Emily estava
sofrendo. Agora ela vinha apenas ocasionalmente, fazia uma breve vistoria,
almoçava e ia embora. Nesses momentos Jonas a acompanhava, empurrando Vida,
contende em seu carrinho. Emily não sabia, mas o carrinho era estratégico de
Jonas. Ele temia que a esposa precisasse ser amparada e ele estivesse com as
mãos ocupadas. O medo por Emily era algo que não mais o deixava, nem por um
instante. E quanto mais Emily se abanava num dia de agradáveis 24 graus de
meados de abril, mais Jonas se via apavorado. Emily estava inchada e
esforçado-se demais para dar alguns passos em velocidade assustadoramente
lenta. Da sua boca não saía nenhum suspiro ou reclamação.
- Quer que te acompanhe até a cozinha? – Jonas perguntou.
- Não precisa. Eu consigo sozinha.
Com um olhar Jonas pediu a Márcio que ficasse atento em
Emily e não permitisse que algo lhe acontecesse. Agora não mais podia lhe
criticar por forçar o corpo além do permitido. Ao contrário. Jamais imaginou
Emily sentada no sofá da sala enquanto ele ia para a construtora. Mas isso
vinha ocorrendo. E não raras eram as noites nas quais ao chegar ela estava
adormecida e não havia nenhuma panela fumegante no fogão. Nessas ocasiões ela
costumava lhe dizer que não preparou nada por vontade de jantarem comida
japonesa ou pizza. Mas a realidade conhecida por ele é que a dor e o peso da
barriga a impediram de cozinhar. Mas isso era algo que Emily jamais
reconheceria e ele não desejava lhe confrontar. Apenas fazia o pedido do
jantar, dava banho e alimentava a filha para logo depois cuidar da esposa e do
pequeno Bernardo. Não foram poucas as noites em que após vê-la repousar, Jonas
passou a noite em claro, preocupado com Emily.
Por orientação de Leonor, Emily fazia exercícios na água quase
diariamente e esses a ajudavam a reduzir a retenção de líquido, além de alongar
e fazê-la sofrer menos com as dores na coluna. Bernardo não tinha peso além do
normal, ao contrário, poderia ser maior se o útero de Emily não fosse um órgão
doente e lhe fornecesse espaço para crescer mais. Porém, Emily apresentava
excesso de peso, o que era grave em seu estado. E isso forçou Leonor a
colocá-la em dieta restritiva nesses últimos meses de gravidez. Tudo bem aceito
por Emily como um obstáculo, apenas um sacrifício a mais, superável para ter
seu filho. O que ela não aceitava era ser obrigada a dar a luz antes da hora.
Quando Leonor tentou marcar a cesariana para o oitavo mês, seguida pelo procedimento
de histerectomia, a resposta foi um não categórico, marcado por um aviso da
médica.
- Melhor fazer as coisas com calma, planejadas, com
Bernardo nascendo numa cesariana marcada e indo para a incubadora nos primeiros
momentos e você ser operada do que dependermos de uma emergência.
- Não, Leonor...
- Emily... – Jonas tentou argumentar.
- Não! – Mas a esposa foi categórica. – Eu aceito a
cesariana. Aceitei até que tirem meu útero! Mas não vão tirar meu bebê de mim
antes da hora e também não quero ser operada assim que meu filho nasça. Ele
precisará de mim, quero amamentá-lo, quero curtir meu Bernardo enquanto posso.
Deixem que curta meu filho enquanto posso. Quando ele quiser nascer, faremos a
cesárea.
Aquele foi um tema tabu entre eles conforme as semanas
passaram. Jonas entendia e, como pai, concordava que Bernardo deveria permanecer
no útero da mãe quanto mais fosse possível. Porém, como marido, temia o quão
caro Emily pagaria por aquele ato de coragem. Mesmo assim não a questionou.
Sabia que ela precisava de seu apoio, não de reprimendas. Ela precisava de
amor. Quando chegou em casa naquele dia Jonas foi até o quarto e viu sua fonte
de felicidade ali, reunida na cama do casal. Vida no bebê conforto observando
Emily com olhos atentos, enquanto a mãe alisava o ventre e conversava com
Bernardo.
- Não se preocupe Bê! A mamãe não vai deixar que nos
separem. Eu aguento o que tiver que aguentar, mas você ficará aqui quentinho,
seguro e feliz enquanto desejar. E quando nascer, talvez a mamãe precise ficar no
hospital um pouquinho, mas aí o papai estará aqui e a Vida também, sua
irmãzinha. A mamãe caprichou e escolheu o melhor papai do mundo. Vocês sempre o
terão por perto, sempre.
Aquela afirmação teve um gosto amargo para Jonas. Por
mais que se esforçasse e deixasse a construtora para acompanhar a esposa em
consultas e exames, ainda se sentia fazendo pouco pela família. Ele então tomou
uma decisão. E no dia seguinte colocou-a em prática, chamando Juliana e Rafael
em sua sala e anunciando uma licença imediata e sem prazo de retorno para a
construtora.
- Na verdade, quero que vocês saibam que eu cogito
fortemente vender minha parte na empresa. – Ele disse aos sócios e amigos de
faculdade. – Fiquem tranquilos e contem comigo caso precisem em uma emergência,
mas, a JRJ não é mais a minha prioridade. Emily e meus filhos precisam de mim.
Rafael havia ouvido na véspera um longo relato de Melissa
sobre a saúde de Emily e não apenas já esperava que Jonas se licenciasse como
iria lhe propor um afastamento. Pegou-o de surpresa apenas a proposta de saída
definitiva da sociedade. Ele então ofereceu-se para cumprir a agenda de Jonas
com clientes e sugeriu que ele não tomasse nenhuma atitude definitiva por
enquanto.
- Cuide de sua família por agora. Depois decidiremos o
que fazer no futuro. – Disse Rafael. – Eu tenho que deixá-los. Estou atrasado.
Nos falamos depois.
Quando Rafael saiu da sala, Jonas ficou observando a
sócia e esperando que Juliana lhe dissesse algo. Ela apenas devolvia o olhar.
Parecia lutar internamente. Queria dizer algo e segurava as palavras na boca.
Há tempos os dois já não se tratavam como antigos amigos porque, de alguma
forma, sua relação foi afetada por Emily. Chegara a hora de resolver aquilo.
- Fale, Juliana. Diga o que te perturba tanto no fato de
eu estar apaixonado e formando a minha família. Esse papel de ex namoradinha
enciumada não combina com a profissional séria e segura que eu vi amadurecer
durante anos.
- Isso não é da minha conta, Jonas. Nós não temos nada
e...eu não devo me envolver nos seus problemas de família. – Ela respondeu.
- Tem razão. Você é apenas minha amiga e sócia, não deve
se envolver. Mas eu estou cansado de ver esse olhar de repreensão a cada vez
que preciso cancelar um compromisso para ir em casa ver minha família. Chega!
Fale o que está engasgado na sua garganta!
- Está bem. Eu lhe digo! Penso que você está se colocando
nas mãos de Emily. Ela está dominando a sua vida. Por um telefonema dela, você
sai correndo e larga a construtora! Está abandonando a JRJ, um sonho meu, seu e
de Rafael desde a faculdade. E agora ameaça nos deixar. Tudo por uma mulher que
de uma hora para outra resolve mudar a sua vida!
- Essa mulher é a minha esposa e a mãe dos meus filhos.
- Sim. Porque ela tratou de te amarrar com duas crianças
o mais rápido que pôde!
- Isso não é verdade. Eu quis Vida e Bernardo junto com
ela, em cada segundo. E se você não consegue perceber o quanto de amor há
envolvido no ato de formar uma família, Juliana, é porque em algum momento da
sua vida, você se tornou tão fria quanto o concreto que usamos aqui nessa
construtora. E eu sinto muito por você.
- É isso então? – Ela não deixou a magoa por aquela
acusação transparecer. – A JRJ não significa mais nada para você?
- Significa, é claro que significa. Mas é infinitamente
menos que Emily, Vida e Bernardo.
Juliana deixou a sala do sócio, ex namorado e agora,
talvez, ex amigo. Jonas ficou organizando suas coisas e logo discutia com
Valquíria como iria ajustar a agenda para não prejudicar nenhum cliente.
Sentia-se mais leve. De agora em diante não mais pensaria na construtora até,
no mínimo, Bernardo ter nascido e Emily estar recuperada. E se fosse sincero,
reconheceria que talvez já não quisesse aquela vida de reuniões, ternos e
gravatas. Jonas sorria ao sair da JRJ naquela tarde sem data para voltar.
O estado de saúde de Emily também
havia assustado Jéssica. A assistente de cozinha do restaurante havia visitado
Emily na companhia de Clara naquela tarde. E ficado preocupada com a amiga e
chefe. A última vez que tinha passado longo período com Emily longe do trabalho
fora no batizado de Vida, ocorrido há mais de 30 dias. E se lá no interior do
RS Emily já havia assustado a família por sua fragilidade, agora, em sua casa e
ainda mais debilitada, seu estado surpreendeu Jéssica. Em especial por ela
acabar sempre comparando com a própria gravidez. Só que agora ela percebia o
quanto de sorte teve.
- Emily tem tudo menos saúde. – Ela
comentou com Lorenzo enquanto preparava o jantar.
- Jonas está apoiando-a. Ela está
muito bem amparada. – Lorenzo respondeu.
- Sim, eu sei. Mas é um pouco
assustador porque eu, aos sete meses de gravidez trabalhava normalmente. Na
verdade bem mais do que já havia trabalhado antes.
Emily havia lhe contado já ter
aceito a ideia de sofrer uma histerectomia total logo após dar a luz e encarar
isso tranquilamente caso fosse o preço necessário para viver bem ao lado de
Jonas e seus filhos. Mesmo assim, ela temia pelo procedimento arriscado e pelo sofrido
processo de pós-operatório. Ela estava preparando-se para os meses de reclusão
em recuperação, nos quais seu marido seria muito importante. E quando ela lhe
contou isso, Jéssica agradeceu ao destino o fato de ter tido força e saúde para
deixar o hospital com Clara nos braços e, mesmo na mais intensa pobreza, criá-la
com dignidade.
- Não fique pensando em coisas
tristes. – Lorenzo sabia exatamente no que ela pensava. – Você conversou com
Emily sobre o nosso casamento?
- Sim. Apesar de ver claramente que
ela não tem condição alguma de se envolver na organização. Se for na fazenda,
teremos de esperar o Bernardo nascer e ela se recuperar.
- Sim. Jonas não viajaria nessas
circunstâncias também. E não há clima para casamento na família até termos
Emily e Bernardo em
segurança. Acho que a senhorita vai conseguir me enrolar por
mais alguns meses, mas, que fique claro, isso significará que teremos mais
tempo para organizar a festa. Apenas isso.
- Eu não estou te enrolando, já sou
sua. Totalmente sua.
Lorenzo abraçou e beijou Jéssica
calmamente antes de ir ajudá-la a preparar o jantar. Silenciosamente ele
agradecia ela ter saúde. Não se imaginava no lugar de Jonas, precisando
agarrar-se a esperanças sem nenhuma certeza científica, para sonhar com um
futuro em
família. Lembrava-se bem daquela dor, daquela apreensão, da
agonia que nunca cessava e que no fim se provou interminável quando, enfim,
veio a notícia definitiva da morte de Alice. Precisava da certeza da saúde de
Jéssica e de Clara para se sentir em
paz. Só isso o mantinha bem. O momento de tranquilidade foi
interrompido ou talvez complementado pela entrada de Clara na cozinha, feito um
furação, dizendo que queria um presente.
- A boneca que canta. Ela tem
vestido de princesa. Eu quero! Me dá mamãe. – Ela falou e Lorenzo e Jéssica
ainda puderam ver o final da propagando que passava na televisão. – Me dá. Por
favor. Eu quero!
- No seu aniversário, Clara. Antes
não. Você já tem várias bonecas. – Jéssica respondeu. E viu a filha
instantaneamente voltar o olhar para o pai. – Não, mocinha. Nem pense em
insistir com o seu pai. No mês que vem, no seu aniversário, você ganhará a
boneca.
Clara conhecia bem o tom de voz de
sua mãe e aquele não deixava margem à insistência. Não haveria boneca, por
enquanto. Ela ficou um pouco triste, mas não discutiu e abriu mão temporariamente
da boneca para jantar junto do pai e da mamãe. Ao ser colocada na cama por
Lorenzo ela ficou bem mais feliz ao ouvir do papai uma promessa.
- Papai vai falar com a mamãe pra
você ganhar a boneca. Não fique triste. Você é a nossa única filhinha e tem se
comportado tão bem que merece o presente.
- Vou ganhar mesmo, papai? – Seus
olhinhos brilhavam de felicidade.
- Vai sim, não se preocupe.
Ao voltar para a sala Lorenzo pensou
em trazer de volta o assunto da boneca e também o do aniversário de Clara. Mas
uma coisa levou a outra e logo depois estavam fazendo a amor e o presente de
Clara foi esquecido. No dia seguinte pela manhã também perdeu a oportunidade de
conversarem porque Jéssica saiu em disparada para o restaurante que, sem Emily,
exigia mais atenção. Assim, coube a Lorenzo levar e buscar Clara na escola. E
ele não resistiu aqueles olhinhos pidões e desejosos de uma boneca. No horário
de almoço ele foi ao shopping e comprou a boneca. Sabia que aquilo deixaria
Jéssica irritada, sabia que poderia estar causando uma briga. Mas nada o
desmotivou. O sorriso de Clara valia o sacrifício.
No fim da tarde, quando foram buscar
Jéssica no restaurante, levou poucos minutos até ela perceber a nova integrante
no carro. Ela viu a boneca, mas não disse nada. Apenas trocou um olhar com
Lorenzo. E se tivesse gritado com ele, talvez Lorenzo tivesse se incomodado
menos Lorenzo. Com uma mulher irritada era mais fácil lidar. Quando chegaram em
casa o silêncio dela permaneceu. Brincou com a filha, colocou-a no banho e veio
fazer o jantar como em tantos dias. Lorenzo relevou, foi para o próprio banho
na esperança que Jéssica mudasse de ideia e viesse lhe fazer companhia debaixo
do chuveiro. Mas não aconteceu. Eles jantaram com um clima ruim e antes dele se
oferecer para fazer Clara dormir, Jéssica assumiu mais essa tarefa.
Lorenzo estava deitado na cama
quando ela chegou ao quarto e pegou uma camisola indo ao banheiro e trancando a
porta num firme aviso de que não queria a companhia do noivo no banho. Jéssica
estava realmente irritada. Debaixo do chuveiro ela repensou o que tinha
acontecido e disse a si mesma que teria dado a boneca para Clara, era algo
simples e barato. E a filha merecia. Mas Lorenzo não tinha o direito de tomar
essas decisões sem ela saber. Era mãe de Clara. Tinha que ser respeitada, ou a
filha sempre recorreria ao pai quando ela lhe negava algo.
- Você vai ficar fazendo birra até
quando, Jéssica? – Lorenzo lhe disse quando ela saiu do banheiro. – Já está
chata essa greve de silêncio. Não é muito maduro da sua parte.
- Já passar por cima do eu disse à
minha filha é muito maduro.
- Ela também é minha filha, Jéssica!
Achei que nós já tínhamos definido isso. É uma boneca! Só isso!
- Eu disse não! E você não podia ter
me desautorizado! Será que não entende isso? Lorenzo! Clara não pedia presentes
antes, faz isso agora porque sabe que os ganha de você. – Jéssica insistiu.
- Ela não pedia porque é uma menina
maravilhosa e entendia que você não tinha condições para dar, mas vê que hoje
vocês vivem melhor e pede o que tem vontade.
- Mas eu não quero dar a ela coisas
que precisam ser bancadas por você. Não quero que nos sustente.
- Pois eu acho isso uma discussão
desnecessária. Logo serei seu marido, Clara é minha filha e eu tenho o direito
de lhe dar um presente. – Lorenzo considerava aquilo muito óbvio para causar
uma briga.
- Não quando eu neguei o presente.
- Está bem! Eu errei em comprar sem
você saber. Mas me dê uma razão para privar Clara da alegria de ganhar essa
boneca. Não é caro, não é nenhum luxo. É uma boneca. Apenas uma boneca.
- Ela não tem que ganhar tudo na
hora em que deseja.
- Você mesma conta que teve de tudo
na infância. Porque quer negar isso para sua filha?
- Por isso mesmo! Quando se tem tudo
a gente sofre mais ao perder. Você não sabe o que é isso! E eu não quero ver
Clara sofrer!
Aquilo era muito mais profundo do
que uma briga boba causada por uma boneca. Jéssica apresentava uma estranha
dificuldade em entender que ela e Clara não o perderiam jamais. E se nem um
pedido de casamento lhe dava aquela certeza, precisava lhe dizer com todas as
palavras que nada tinha a ver com o Coronel Henrique.
- Jéssica, eu sinto muito se o seu
pai não soube acolhe-la quando você mais precisou de proteção. Mas eu não sou
como ele. E não vou ficar parado sem fazer nada caso você resolva ir embora.
Você é minha mulher, Clara é minha filha. Logo oficializaremos isso. Mas
enquanto isso, aceite que não vai ter volta...a menos que você resolva que não
me ama. E, mesmo nesse caso, eu faria de tudo para continuar dando carinho para
Clara. Eu amo a minha filha.
Como sempre, aquela simplicidade com
que Lorenzo conseguia declarar seu amor desarmava Jéssica. E num minuto ela já
nem lembrava o que causou aquela briga.
- Me desculpe....eu...exagerei. Você
é pai dela. Pode comprar o que quiser. – Ela disse-lhe. – Só não a mime demais.
- Está bem. Mas... – Já que
começaram, ele tinha resolvido ir até o final. – Maio está chegando. E eu quero
fazer a festa de aniversário de Clara. Ela nunca teve. E eu também não tinha
uma filha por quem fazer uma festa então...
- Então você quer fazer a festa. –
Jéssica concluiu. Já vinha se preparando para tudo aquilo. Ela já tinha um
casamento para se preocupar. Agora uma festa de aniversário de cinco anos. –
Algo simples, Lorenzo. Por favor.
- Não! Se você quiser casar numa
capela, só com um par de testemunhas, ok, eu aceito. Porque é o seu sonho. Mas
no aniversário de Clara terá tudo o que ela desejar. E isso, ela já me disse,
inclui um bolo bem grande cor de rosa e brinquedos infláveis. E ela terá tudo
isso, Jéssica.
Jéssica sorriu olhando para o noivo.
Depois da briga, agora, olhando-o ali, de camiseta e calça jeans despojada
defendendo seus direitos de mimar a filha, Jéssica tinha vontade de beijá-lo e
agradecer por ser tão maravilhoso.
- Está bem. Faça a festa, com
direito a bolo cor de rosa e brinquedos. Mas tem que ser em São Paulo e não no sul.
E sem exageros, Lorenzo.
- Sim, sim. – Lorenzo respondeu com
o humor já muito melhor após a discussão. – Você está nervosa demais nos últimos
dias. Tudo bem com você? Se isso for TPM me avise. Lhe trago alguns chocolates.
Jéssica fez inicialmente uma
expressão falsa de ofensa. Estava brincando com ele, até porque nunca sentiu
grandes distúrbios no período que antecedia sua menstruação. Porém, algo fez
seu sorriso diminuir. Com rápidas contas ela constatou que já deveria ter
menstruado naquele mês.
- Jéssica? O que foi? – Lorenzo
percebeu sua mais nova mudança de humor.
- Nada eu só... – Jéssica se sentou
na cama e depois deitou. – Eu percebi que estou atrasada. Minha menstruação não
desceu ainda.
Lorenzo apagou a luz do quarto e
também se deitou puxando-a para seus braços. Ela ficou com as costas apoiadas
em seu peito enquanto ele unia as próprias mãos por sobre o ventre dela. Não
foi medo que tomou o coração dele com aquela informação. Surpresa sim. Talvez
até um pouco de ansiedade.
- Você acha que está grávida?
- Não! Sem chance! Eu não esqueci
nenhum dia de tomar pílula. Impossível. Isso é estresse mesmo. Estou muito
nervosa com o planejamento do casamento. Só isso.
Lorenzo ficou cheirando seus cabelos
antes de dormir e pensando que talvez, só talvez, Clara fosse ganhar um irmão
ou uma irmã antes do esperado. Silenciosamente ele fez a anotação mental de ficar
de olho em Jéssica porque ela era teimosa o suficiente para ignorar o fato de
que a vida comumente prega peças em quem passa por ela. Lorenzo dormiu
sorrindo. O futuro lhe parecia cada vez mais promissor.
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