A
entrada de Jonas na sala de parto foi permitida. Um pedido de Emily feito pouco
antes da anestesia ser aplicada e respeitado por Leonor. Já um pouco zonza pelo
medicamento, ela ainda pôde ver o marido entrar na sala vestido como os médicos.
Ela o reconheceu pelos olhos azuis que naquele momento transbordaram emoção.
-
Eu estou aqui para amparar Bernardo e apresentá-lo a você. – Jonas disse. – Não
poderia estar em qualquer outro lugar.
Emily
já não conseguiu responder. O torpor começava a tomar conta de seu corpo. Lutar
contra a anestesia não adiantava. Se tivesse conseguido falar, teria dito ao
marido que ele precisava se acalmar. Percebia no suor que brilhava em sua pele
e nas mãos que tremiam ao lhe tocar o rosto o quanto aquele homem estava sem
chão. Queria poder acalmá-lo. Não conseguiu. Ela se obrigou a fechar os olhos e
confiar na equipe médica. Tinha fé de que quando voltasse a abri-los estaria
saudável e com Bernardo ao lado.
O
nervosismo de Jonas só piorou ao ver Emily fechar os olhos. Não importava que
tivesse de ser assim, era assustador para ele. Os médicos pareciam satisfeitos,
tudo corria bem, lhe garantiu Leonor. Jonas acompanhou passo a passo do
nascimento de Bernardo, do líquido encorpado espalhado na parte baixa do ventre
de Emily até os cortes que abriam camada por camada da pele até chegar ao
útero. Quanto mais via, mais apavorado ficava.
Até
que outro membro da equipe se aproximou e Jonas já imaginou que era o momento
decisivo e aquele homem era um pediatra. Bernardo estava nascendo pouco tempo
antes de fechar os nove meses, mas, por ser fruto de uma gestação tão
complicada, Jonas sentia em todos os profissionais alguma apreensão. Quando
Leonor pegou novamente o bisturi e fez a incisão mais profunda, não levou mais
que alguns segundos para Bernardo ser retirado do corpo de Emily e ser amparado
pelo outro médico. Uma palmadinha e o choro forte anunciou a chegada de seu
filho.
Jonas
teve a chance de pegar o filho apenas por poucos minutos. O viu por entre as próprias
lágrimas e não soube muito o que lhe dizer. Desejou muito que Emily pudesse
vê-lo naquele primeiro instante. Era mais perfeito do que qualquer um deles
tinha imaginado. E chorava forte em suas mãos.
-
Calma, meu filho. Tudo vai ficar bem. Você queria ficar juntinho da mamãe, eu
sei. Logo logo ela vai poder pegá-lo. Você é muito amado. Eu, a mamãe e sua
irmãzinha te amamos demais. – Disse-lhe
pouco antes de entregá-lo ao pediatra.
E
assim que Jonas viu o filho ser levado por uma equipe e outra seguir em volta
de Emily, o clima dentro da sala mudou, ficou mais apreensivo. Jonas sabia que
a etapa mais difícil ainda começava. E ver Emily ali, sedada e com a aparência
muito frágil só o fazia se sentir mais ansioso. Ela seguia sangrando e mesmo
que Leonor aparenta-se uma tranquilidade muito grande, aqui o agoniava.
-
Agora você precisa sair, Jonas. Vá ficar com Bernardo. Apresente-o à família. –
Falou a médica sem abrir possibilidade de argumentação.
Sem
alternativa, Jonas foi ao berçário onde Bernardo ficaria por algumas horas na
incubadora. Os médicos queriam ter certeza de que pulmão e coração funcionavam
plenamente. Mas, pelo que via, seu filho era perfeito e muito forte. Não
parecia um prematuro. Ao lado dele e observando cada parte de seu minúsculo
corpo, Jonas sorria e chorava ao mesmo tempo. Era muita emoção para extravasar
de uma só forma.
Quando
o pediatra garantiu que tudo estava bem, Jonas pode pegá-lo. E, na falta da
mãe, foi o pai a lhe dar a primeira mamadeira. Sob orientações do médico e com
as mãos tremendo. Mas Bernardo pareceu não se importar muito. Queria mesmo era
o alimento pelo qual já choramingava. Gotinha por gotinha da minúscula
mamadeira foi absorvida por ele antes que a família pudesse vir conhecer
Bernardo.
Quando
enfim Giovanna, Leonel, Lorenzo e Jéssica puderam vir ver Bernardo através do
vidro, ele já estava calminho e no colo do pai. Não faltaram comentários sobre
com quem parecia nem elogios. Bernardo nasceu com bom peso e tamanho, apesar de
não completos os nove meses. Era um bebê saudável.
-
Mamãe e papai vão querer vir vê-lo. Não vão esperar ele e Emily receberem alta.
– Leonel lembrou.
-
Sim, vovó Ângela não ficará longe do bisneto muito tempo. – Giovanna concordou
com o marido. – Acho que Bernardo escolheu uma boa hora de vir ao mundo. Todos em São Paulo para mimá-lo.
Já
foi muito difícil para Giovanna convencer seus sogros a ficarem no hotel e não
os acompanharem até a maternidade durante a noite. Quando fosse dia, certamente
eles iriam vir ao hospital. Mas isso não incomodou Giovanna. Os idosos e Vida
estavam no hotel, bem cuidados por Milena. Clara também foi levada para dormir
lá. No mesmo hotel também estava instalada Laura. A mãe de Jéssica esperava uma
visita da filha para conversarem antes dela retornar para Curitiba.
Jéssica,
no entanto, pouco pensava na mãe naquele momento. Desde que chegaram ao
hospital, umas 2hs antes, um forte enjôo tomava conta de seu corpo. Ela
disfarçou, bebeu água e recusou todas as vezes que Lorenzo perguntou se ela
queria tomar um café. Ao retornarem para a sala de espera, Jéssica se sentou e
apoiou o corpo contra o peito de Lorenzo. Ele não estranhou aquele
comportamento afinal era madrugada e eles não haviam dormido após um dia muito
cansativo.
-
Tudo bem? – Perguntou enquanto lhe acariciava o cabelo. – Quer comer alguma
coisa?
-
Não. Eu...eu vou ao banheiro. – Foi a única resposta que ela lhe deu.
Jéssica
conseguiu disfarçar seu mal estar de todos, menos Lorenzo. Desde que entraram
no hospital ele sentiu a coluna de Jéssica enrijecer. O cheiro do hospital a
incomodou. Lorenzo não a impediu de ir até o banheiro sozinha, mas ficou
observando os ponteiros do relógio correrem. Foram 5 minutos, depois 7 e quando
passou dos 10 minutos sem que Jéssica retorna-se, ele pediu ajuda para
Giovanna.
-
Mãe, por favor, vai até o banheiro feminino e descobre se Jéssica está bem. –
Pediu.
-
Eu vou, meu filho. Mas porque ela não estaria?
-
Nada...é só que ela não estava se sentindo bem.
Giovanna
não entendeu o que se passava, mas achou o filho tão nervoso que não deveria
questionar. Lá no fundo do peito ela achava graça e pensava que Lorenzo
exagerava nos cuidados com Jéssica. Ele mimava a noiva como se ela fosse de
açúcar. Não era assim. Aquela moça, apesar da idade, lhe parecia ter muita
fibra. Quando entrou no banheiro Giovanna viu a futura nora saindo do reservado
muito pálida. Ela se segurava como se tivesse as pernas fracas.
-
Jéssica! O que você tem, minha querida? Lorenzo está preocupado lá fora. – Giovanna
se aproximou enquanto via Jéssica lavar o rosto.
-
Eu me senti mal. – Sua voz era muito fraca. – Eu...já vou...vou ficar bem.
-
Em certeza? Quer que chame alguém?
-
Não! Não...precisa eu só...só preciso...preciso sentar. – Mas enquanto ia
falando Jéssica foi sentindo as pernas pesarem e o banheiro escurecer.
Giovanna
viu Jéssica perder os sentidos bem à sua frente e impediu o choque contra o
chão. Não quis deixá-la ali sozinha nem por um instante. Então gritou com todas
as forças pedindo por auxílio. Não demorou para Lorenzo e Leonel invadirem o
banheiro feminino com olhos preocupados.
Lorenzo
pegou Jéssica no colo no exato momento em que ela começou a recuperar a
consciência. Sua cor ainda não era normal e a fraqueza dela era intensa.
Jéssica bem que tentou repetir as palavras que mais disse nos últimos dias e
garantir estar bem, mas o noivo não lhe deu chance. Lorenzo colocou-a sentada
novamente em um dos sofás da recepção e pediu que a mãe chamasse um médico ali.
-
Eu... – Jéssica tentou falar algo.
-
Não. – Foi eminentemente interrompida. – Estamos em um hospital. Dessa vez você
não tem desculpa para não ser examinada.
O
médico não demorou a vir examiná-la e após uma conversa com Lorenzo, pediu
alguns exames. Antes mesmo de tê-los e dizer com certeza o que causava os
enjôos e tonturas de Jéssica, o médico indicou que ela precisava de soro.
Aquela fraqueza não era normal mesmo para quem estava cansada e não pode
dormir.
-
Quando os exames saírem nós conversamos. Por enquanto vamos evitar uma
desidratação. – Disse o médico antes de deixá-los a sós.
Jéssica
ainda preferiu o silêncio por algum tempo. Ela não disse nenhuma palavra
enquanto Lorenzo lhe acariciava o rosto e os cabelos e uma enfermeira fazia a
coleta de sangue. Logo depois ela conectou a bolsa de soro à agulha, orientou a
paciente a manter o braço naquela posição até o fim do soro e disse para
chamarem caso Jéssica sentisse alguma reação inesperada.
Lorenzo
ficou observando a noiva melhorar aos poucos. O medicamento lhe fez bem. A cor
da pele melhorou e brilho natural de seus olhos voltou a torná-la ainda mais
bela. Faltava apenas Jéssica sorrir para Lorenzo ficar tranquilo. Não temia o
resultado daquele exame, sabia exatamente qual seria e lhe agradava bastante.
Só se preocupava em garantir a saúde de Jéssica.
-
Agora que Bernardo nasceu, já podemos nos dedicar ao nosso casamento. – Ele lhe
disse tentando animá-la. – Logo. Não quero mais esperar.
-
Está muito ansioso, Lorenzo. Acabou de apressar o médico para os resultados dos
meus exames. Agora não quer esperar pelo casamento.
-
Quero saber se minha noiva está bem. E quero me casar com ela o quanto antes. É
pecado?
-
Não, claro que não. Também quero casar logo, meu amor. – E enfim Lorenzo viu Jéssica
voltar a sorrir. – Só não tenho pressa pelo resultado do exame. Já sei qual
será.
Ela
esperava um filho. Vinha negando apenas por orgulho, vontade de lutar contra a
realidade. Não queria que Lorenzo se sentisse pressionado nem ficasse
preocupado com seu estado de saúde. Não havia nada de errado com ela. Lembrava
bem daquela sensação de fraqueza, dos enjôos e tonturas de quando esperava
Clara. Eram idênticos. Seu único alento era a certeza de que no fim do terceiro
mês passavam todos os desconfortos.
-
Eu quero o resultado. – Lorenzo respondeu. – Mesmo conhecendo a informação
principal. Ele nos dirá se o seu corpo está forte o bastante para gerar nosso
filho. E aí eu poderei cuidar de vocês como precisam. Fique tranquila.
A
urgência pedida por Lorenzo ao médico foi atendida. E menos de duas horas
depois o médico retornou a emergência do hospital para conversar com o casal.
Perguntou para Jéssica se ela se sentia melhor e há quanto tempo vinha se
sentindo mal.
-
Já faz alguns dias. – Ela respondeu de forma geral. Não ofereceu uma data precisa.
-
Bom, o exame de sangue confirmou o que vocês já desconfiavam. Você está
grávida. Parabéns ao casal.
-
Obrigado, Dr. – Lorenzo respondeu com um sorriso imenso no rosto. – E o
restante dos exames? Ela está bem? Eu acho que esses mal estares estão exagerados.
Ela precisa de algum complemento alimentar?
-
Nem todos os exames estão prontos ainda. A princípio está tudo bem com ela.
Enjôos e desmaios são normais no primeiro trimestre desde que não comprometam a
nutrição do feto nem a saúde da gestante. É a primeira gravidez?
-
Não. Nós já temos uma filha. – Lorenzo respondeu e Jéssica sorriu pelo ‘nós’.
Explicar ao médico que ela foi mãe solteira aos 18 anos seria constrangedor.
-
E os enjôos foram intensos na primeira gestação?
-
Sim, eu perdi muito peso por isso nos primeiros meses. – Jéssica disse.
-
O que eu quero evitar nessa gestação. – Lorenzo completou enquanto apertava a
mão da noiva com mais firmeza. – Certamente, avançada como está a medicina, há
meios de evitar que isso ocorra.
-
Minimizar, certamente. – O médico confirmou. – Mas eu sugiro que vocês marquem
uma consulta de pré-natal com um obstetra. Esse médico poderá sanar todas as
dúvidas. Mas não se preocupem tanto. Curtam o momento.
Por
enquanto eles curtiram solitários, na privacidade do consultório. Não era o
momento certo para dar a notícia à família. Não quando Emily ainda era operada
e Jonas se dividia entre cuidar de Bernardo e buscar por notícias da esposa.
Jonas nem ficou sabendo do desmaio de Jéssica nem do sumiço dela e de Lorenzo
para a emergência do hospital.
Já
Giovanna entrou em pânico com a demora do filho mais velho enquanto o mais novo
avisou que só sairia do berçário quando fosse avisado do término da cirurgia e
pudesse ver Emily.
-
Jéssica precisou receber soro, por isso demoramos. – Lorenzo explicou aos pais.
– Alguma novidade de Emily?
-
Não. – Leonel informou. – Só dizem que Leonor virá aqui.
E
isso demorou muito ainda. Ou assim pareceu aos que estavam ansiosos na sala de
espera. O sol nascia anunciando o novo dia quando Jonas foi avisado ainda lá no
berçário que a operação tinha sido finalizada. Não lhe deram detalhes, mas,
desconfiava, as notícias seriam boas. Seu coração dizia que Emily estava bem.
Ela não o deixaria. Não tendo enfim conquistado sua família. Não agora que Vida
e Bernardo chegaram para alegrar a vida deles.
-
Papai vai ali ver a mamãe, filhão. Aguenta firme aí. Logo você estará no
colinho dela.
Além
dos pais, Jonas encontrou na recepção Marta, Rafael e Melissa. Todos
preocupados e ansiosos por notícias. Junto dos amigos e da família, Jonas ouviu
de Leonor que a cirurgia, apesar de longa e difícil, foi bem realizada e Emily
tinha tudo para se recuperar bem. A histerectomia foi realizada e todos os
vestígios de endometriose foram limpos. Apesar de todos os riscos, não havia
nenhum indício de complicações da operação. Precisam apenas esperar que seu
corpo reaja como o esperado e que a cicatrização ocorre-se dentro do esperado.
-
Com a ajuda, é claro, do repouso que Emily terá de fazer. – Leonor os lembrou.
-
Ela repousará, eu garanto, Leonor. Obrigada por tudo. Eu não tenho...palavras
para te agradecer. – Jonas estava emocionado. – Podemos vê-la?
-
Por enquanto só você. Ela ainda está sedada. Aconselho a todos a irem para
casa, descansarem e no fim do dia, se tudo correr bem, ela poderá receber
algumas visitas rápidas. Emily terá vários dias aqui ainda.
Quando
viu Emily, Jonas esperava sentir um pesar, uma tristeza, por ela estar
hospitalizada e ter sido esterilizada. Mas não. Vê-la no leito hospitalar,
ainda em observação devido ao pós-operatório, lhe causou um profundo orgulho.
Emily lutou muito. Travou uma guerra com a endometriose por duas décadas de sua
vida. E agora vencia definitivamente aquela disputa. Estava curada e pronta para
passar algumas décadas sendo a mãe de seus filhos. Jonas pegou sua mão esquerda
e ficou acariciando enquanto conversava com a esposa. Ela lhe soava tão forte
quanto antes. Tão decidida quanto antes.
-
Oi amor. Você tem que acordar logo. Conhecer o Bê. Ele é lindo. Tem o seu
narizinho. É verdade. Os cabelos vão ser escuros como os meus. Ele é perfeito,
Emily. E nasceu com muita saúde. Agora é só você ficar boa para vê-lo.
- Então podem trazê-lo. – Disse Emily, bem baixinho, mas
com a convicção que lhe era habitual. A mão dela agarrou a do marido e Emily
enfim abriu os olhos provando a Jonas que ele não estava sonhando. – Vamos.
Quero ver meu filho.
- Emily! Era para a anestesia mantê-la dormindo por mais
algum tempo. Você está sentindo muitas dores?
- Não menospreze o amor de uma mãe por seus filhos,
Jonas. Não tenho tempo para dormir agora. Não seriam alguns remédios que me
impossibilitariam de ver meu filho. Diga para trazê-lo. Ele é meu, não podem me
negar. Se não trouxer eu juro que levanto dessa cama e vou ao berçário buscar o
meu Bernardo.
- Acalme-se sua teimosa que eu tanto amo!
Com autorização de Leonor, Bernardo foi trazido ao
encontro da mãe. Seus movimentos eram limitados e ainda havia um torpor em seu
corpo devido aos medicamentos. Nada importava além de saber se o menino estava
saudável. Emily discordava de Jonas quanto a aparência do filho. Para ela,
Bernardo era uma cópia em miniatura do pai.
- Olha Jonas! Terá a mesma curva do seu maxilar. E a
mesma cor nos cabelos. Lindo, perfeito. Mamãe te ama tanto bebê.
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