Nas semanas que se
seguiram Lorenzo se manteve atento. As duas mulheres que ocupavam cada minuto
dos seus dias mereceram ainda mais atenção. Clara não hesitava em lhe dizer o
que queria no seu aniversário e ele era mais rápido ainda em comprar o que ela
queria. Era a primeira festa de aniversário que ele podia dar à sua filha e ela
teria tudo o que sonhou nesses cinco anos.
Já a mãe dela, além de lhe recomendar que evitasse
compras e mimos exagerados, lhe olhava feio em cada vez que percebia o quão
facilmente ele descartava cada uma das suas recomendações. Lorenzo percebia o
quanto Jéssica estava nervosa nos últimos tempos. Às vezes não parecia ela
mesma. E Lorenzo desconfiava do motivo. Seu estado de nervos começou quando foi
rejeitada por seus pais. Ela tinha esperança de ser aceita após o pai ver que
estava empregada e amparada por um companheiro. Não foi assim. E isso a deixou
muito infeliz. Lorenzo passava horas observando-a e percebia que lhe faltava um
sorriso sem motivo, aquele riso tranquilo de menina que ela comumente expressava.
Além disso, a cada dia mais ele desconfiava que Jéssica
pudesse estar grávida. Ficava atento, tentando perceber qualquer sintoma,
qualquer enjoo ou mal estar ou mudanças em seu corpo. Até já havia lhe
questionado delicadamente dessa possibilidade, mas a noiva negou a
possibilidade com tamanha certeza que ele não ousou insistir. A dúvida, porém,
seguia com ele. Algo lhe dizia que Jéssica esperava seu filho.
Depois de muito avaliar se devia ou não insistir numa
aproximação, Lorenzo resolveu agir escondido de Jéssica. Se desse errado, ela
jamais ficaria sabendo do que fez. Quinze dias antes do sábado marcado para
comemorarem o aniversário de Clara numa casa de festas, Laura e Henrique
receberam um convite em sua casa. Se quisessem, seriam bem vindos para cantar
parabéns à neta que nem conheciam.
Laura recebeu o convite na manhã de uma sexta-feira. A
festa ocorreria no sábado da semana seguinte. Sua primeira reação foi de
esconder ou jogar fora para Henrique não ver, não lhe causar mais aquele
sofrimento. Isso foi o que fez nos últimos cinco anos. Excluiu da casa e da
vida deles qualquer referência a Jéssica para que Henrique não tivesse que
lembrar-se da filha que lhes abandonou. Hoje, porém, perguntava-se quem
abandonou e quem fora abandonado naquela família. Jéssica os tinha deixado.
Como mãe jamais aceitou ou entendeu o fato da filha ter preferido abandonar os
pais que lhe davam uma vida de conforto e oportunidades para seguir um rapaz
que nada tinha a oferecer a não ser um futuro criminoso.
Quando Jéssica disse que esperava um filho daquele jovem
o sentimento que ela e o marido tiveram foi de decepção. Não lhe estenderam a
mão. Não pediram que ficasse. Não se ofereçam para apoiá-la com o bebê.
Henrique abriu a porta e deixou-a sair. Depois chorou como se tivesse acabado
de enterrar uma filha morta. Ela tinha feito sua escolha.
- Jogue fora tudo que era dela. Não quero ver nada dela
aqui quando voltar. – Foi a única referência à filha depois disso.
Hoje Laura se arrependia de ter seguido aquele pedido tão
à risca. O fez achando que minimizava o sofrimento. Errou. Deveria ter forçado
Henrique a aceitar a realidade. Jéssica estava viva, precisando deles. Tinham
uma neta que merecia ser amada. Quem perdeu por esses erros todos foram eles.
Mas isso ia mudar. E naquela noite, depois do jantar, além da sobremesa Laura
entregou ao Coronel Henrique o convite da festa de aniversário de Clara. As
informações de local e hora vinham impressas sobre a foto de uma menina muito
parecida com Jéssica naquela idade, com longos cabelos loiros e olhos
brilhantes. Henrique engoliu em seco quando entendeu do que se tratava. Parecia
ver a filha.
- Porque está me entregando isso? Jogue fora. É mais uma
provocação dela. – Ele fechou os olhos. Não queria ver.
- Estou te entregando para você saber onde estarei no
sábado que vem. Eu vou à festa. – Ela foi tão objetiva quanto o coronel
costumava ser. Estava decidido.
- Do que você está falando? Ela...foi embora. Ela não faz
mais parte da nossa vida. Ela está morta.
- Não! Jéssica! Diga o nome da sua filha ao menos!
- Eu não tenho filha. Ela está morta!
- Não diga isso! É você quem a está matando nas nossas
vidas. Mas Jéssica está viva e nos deu uma neta. Eu quero conhecê-la! Vou a
essa festa e se você não quiser me acompanhar que fique aqui sozinho!
Foi o que Henrique fez. Ficou sozinho em Curituba
enquanto sua mulher seguiu para São Paulo. Não soube o que comprar de presente.
Então levou algo que agrada qualquer menina de cinco anos, uma boneca. Mas o
presente não lhe importava muito, queria conhecer a neta, dar-lhe um primeiro
abraço, sentir o perfume infantil de seus cabelos e receber um pouco de seu
carinho. Também precisava falar com Jéssica. Fazer um curativo na ferida aberta
há tantos anos. Nunca teriam de volta a relação de mãe e filha, mas podiam
deixar de ser estranhas.
Jéssica estava ao lado de Lorenzo quando Laura entrou no
salão já repleto de crianças eufóricas e pais sorridentes. Ela viu a mãe entrar
e não soube o que fazer ou em qual direção andar. Lorenzo percebeu um aperto
frio em sua mão e virou-se na direção dos olhos de Jéssica.
- Clara! – Ele chamou a filha que brincava junto de
alguns amigos da escola. – Vem com o papai e a mamãe. Precisamos receber aquela
senhora que chegou.
- Quem é ela, papai?
- A mamãe vai te contar. – Lorenzo olhou para Jéssica. Isso
era ela quem devia fazer. - Eu enviei um convite para os seus pais.
- E ela veio sozinha. – A tristeza pelo pai continuava
ali. - É a vovó Laura, Clara. Ela veio te conhecer.
- Mais uma vovó? Eu já tenho a vovó Giovanna e a bisa
Ângela. – Clara respondeu estranhando.
- Essa é a vovó Laura. Ela é mãe da mamãe. – Jéssica
esclareceu enquanto já caminhavam na direção de Laura.
Quando lá chegaram Jéssica não soube o que fazer nem o
que falar. Não havia uma relação como salvar. Tinham de começar do zero.
Lorenzo não quis se envolver. Eram mãe e filha. Precisavam encontrar os
próprios caminhos. Clara foi bem menos pacienciosa. Se aquela senhora era mamãe
da sua mãe, porque elas estavam tão afastadas? Era estranho. E porque a mamãe
não falava nada nem soltava a mão do papai? Porque ela não abraçava a vovó
Laura? Porque nenhuma das duas sorria? Clara não gostou nada de tudo aquilo.
- Oi! Eu sou a Clara. – Apresentou-se. A vovó não sorria
nem a abraçava como vovó Ângela, mas, se era sua avó e veio lhe ver, deveria
ser legal também. – Porque eu não conhecia você ainda?
- Oi Clara. Eu já deveria ter vindo te conhecer. Não sabe
como eu me arrependo de não ter vindo antes. Você se parece tanto com a sua mãe.
- Porque você tá chorando? Chora não vovó.
- É de felicidade em te conhecer. – Não era verdade. O
choro era o resultado do arrependimento. Mas Clara não entenderia. Então ela
entregou a boneca para a neta e quando perdeu sua atenção voltou-se à filha. –
Obrigada pelo convite.
- Foi Lorenzo quem enviou. Eu não sabia. Fico feliz em
saber que está aqui. E papai?
- Ele precisa de tempo, Jéssica. Henrique...sofreu muito.
Foi um período difícil.
- Não foi só para ele, mamãe. Não pense que esses anos
foram fáceis. – Jéssica começava a se emocionar. – Nunca pensaram que ela podia
estar precisando dos avós?
- Não sabíamos onde você estava.
- E nem procuraram.
- Jéssica, por favor...aqui não. – Lorenzo disse lhe
acariciando os cabelos. – Clara está feliz em ter outra avó. É o que conta.
- Sim...seja bem-vinda mamãe.
Lorenzo trocou algumas palavras com a sogra enquanto
Jéssica se recompunha e secava as lágrimas. Ele garantiu que no outro dia pela
manhã, antes de Laura voltar para Curitiba, elas teriam a oportunidade de
conversar.
- Enterrar de vez essa fase, eu espero. – Disse à sogra.
Ele deixou-a aos cuidados de Giovanna. Apesar da
diferença de idade dos filhos, Giovanna e Laura tinha quase a mesma idade e
várias coisas em comum. As
duas conversaram sem entrar em detalhes das razões de só agora terem se
conhecido. Atualmente Giovanna conhecia muito mais Jéssica do que Laura, mas
isso não as impediu de falar dos filhos e, principalmente, dos planos ao enlace
que se aproximava. O casamento seria em breve e elas concordavam em como seus
filhos formavam um belo casal. E se ainda não bastasse, Clara lhes forneceu
muitos assuntos para conversarem. A neta, porém, dava pouca atenção a elas.
Corria de todos os lados em seu vestido e penteado inspirado em Elsa. A festa organizada
por seu pai foi ainda mais linda do que ela esperava.
Seus brinquedos e bolo estavam lá, exatamente como ela
pediu. Também havia muitos personagens do filme, balões e docinhos. E, o
melhor, todos os amiguinhos da escolinha para correr junto dela, cantar
parabéns e participar das brincadeiras sugeridas pelos animadores. Os adultos
estavam tranquilos de que os filhos estavam bem cuidados e se cansariam tanto
que adormeceriam assim que chegassem em casa.
- Papai! Papai! Papaeeeee! – Clara atravessou o salão com
um amiguinho para chamar Lorenzo que conversava com Jonas. Os sapatos tinham
ficado para trás em algum lugar da festa.
- O que foi Clara?
- Esse é o Vinícius. Meu melhor amigo. – Ela queria
apresentar o amiguinho. – Vem Vinícius! Vamos na piscina de bolinhas!
Jonas e Emily observaram a cena como um aviso do futuro.
Vida daqui a poucos anos também estaria lhe apresentando amiguinhos. Por
enquanto Emily estava satisfeita em lhe trocar as fraldas e dar mamadeira.
-
Fique feliz enquanto ela apresenta amiguinhos, Lorenzo. Quero ver quando Clara
te chamar pro namorado dizer ‘oi tio, a gente volta depois da meia noite’. – Jonas provocou o irmão.
-
Sim, ela fará isso. Provavelmente junto de Vida, que também estará acompanhada
do namorado. – Lorenzo respondeu.
-
Não, não, não. Nada disso. Vou ensinar Bernardo a cuidar da irmã. – Tudo não
passava de uma brincadeira. Jonas sabia que não poderia esconder os filhos do
mundo. Mas desejava protegê-los.
O
que podia fazer naquele momento era zelar por Emily e auxiliá-la a ultrapassar
a fase mais difícil de suas vidas. Hoje eles viviam divididos entre a alegre
expectativa da chegada de Bernardo e o pânico de não conseguirem superar as complicações
da gravidez. Emily estava entrando no oitavo mês de mês de gestação e não era
segredo para ninguém que, caso obedecesse as recomendações médicas, a cesariana
já teria ocorrido. Na última consulta, realizada quatro dias antes, ela
concordou em marcar a data. Mais uma semana. Esse foi o tempo que Emily pediu
para manter Bernardo junto de si. E depois de alguma insistência, ela concordou
em já fazer a histerectomia logo depois de Bernardo nascer.
-
É melhor, Emily. Mais seguro. Se não teremos de abri-la depois, será uma nova
anestesia, outro pós-operatório. Assim é o indicado.
-
Mas eu não poderei cuidar de meu bebê estando operada. Nem aleitá-lo. Estou com
o peito cheio de leite. É minha única chance de amamentar.
-
Eu sinto, Emily. – Dessa vez a médica não lhe deu alternativa. – Mas tenho certeza
que assim como Vida, Bernardo se sentirá satisfeito em ganhar uma mamadeira
feita com todo o carinho. Ele está saudável, Emily. Você não.
-
Está bem. Se não há alternativa. – Emily enfim concordou. – Quanto tempo
ficarei hospitalizada?
-
Se tudo correr bem, cinco ou seis dias. Podemos organizar de forma que Bernardo
fique também, mas, o ambiente hospitalar não é o ideal a um recém nascido.
-
É muito tempo. – Emily já tinha lido sobre o assunto e estava preparada. Ainda
assim doía em seu peito e fazia sentir medo. – Mas eu prefiro que ele fique
seguro em casa com Vida e Jonas.
Jonas
quase riu da sugestão absurda. Ele também passaria cinco ou seis dias no
hospital. A única diferença é que ela estaria recebendo medicações que a fariam
adormecer enquanto ele passaria todos aqueles dias em claro. Jonas não
respondeu e nos dias que seguiram a consulta médica, pesquisou em sites e
trocou mensagens com Leonor a respeito da histerectomia. Agora que ela se
tornou algo do qual não poderiam fugir, ele foi obrigado a encarar as
consequências. A médica lhe explicou que Emily passaria pela chamada
histerectomia completa, já que além do útero seriam retiradas trompas e
ovários. Isso porque todos esses órgãos também foram afetados pela
endometriose. A retirada dos órgãos também alteraria a produção de hormônios e,
sem eles, Emily não mais menstruaria e não sofreria com as dores às quais
estava habituada.
Essa
era a parte positiva. Havia, porém, muitos riscos e fatores negativos na
mudança hormonal. Emily sabia de tudo isso e Leonor preferiu conversar com
Jonas em particular e esclarecer o tema. Seriam seis semanas de recuperação em
casa, com o complicador de no caso deles haver dois bebês para cuidar. Emily
precisava estar pronta fisicamente para a cirurgia. De Jonas o preparo exigido
era psicológico.
-
Eu li que é uma cirurgia muito arriscada. Pode afetar a bexiga. – Ele estava
muito preocupado.
-
Sim, é alto o risco. Mas é necessário. – Leonor tinha feito a cirurgia muitas
vezes e estava segura. – Fique tranquilo. Farei o melhor por Emily.
-
Foi para isso que me chamou aqui? Para me tranquilizar?
-
Não, Jonas. Chamei porque sei que você deve ter lido na internet diversas
coisas sobre efeitos colaterais da histerectomia. E deve estar cheio de
receios. Quero tirar as suas dúvidas. Você deve estar se perguntando se Emily
sofrerá distúrbios no desejo sexual, na memória, dores nas articulações ou de
cabeça, elevações de pressão ou ganho de peso. Estou certa?
-
Bem...sim,não posso negar. Não o peso ou o sexo, eu posso lidar com isso. Mas
não entendo porque faremos algo tão sério e arriscado se corremos o risco dela
sofrer como antes. Li sobre casos de depressão. Não quero que ela sinta essas
dores ou fique com nenhuma sequela.
-
Calma Jonas, vamos por partes. A cirurgia é arriscada sim. Porque estamos
tirando um órgão. Ele não é vital e está doente, mas ainda assim ele faz parte do
corpo. Tem suas funções e a falta dele interfere na produção dos hormônios.
Isso pode gerar em algumas mulheres efeitos colaterais diferentes. Algumas
sentem dor de cabeça, outras ganham peso, há quem apresente elevação na
pressão. Cada caso é um caso e para tudo isso há tratamento. Nenhuma dessas
dores ou complicações chega perto do sofrimento que Emily sente no período
menstrual. Acredite no que digo.
-
Eu confio em você Leonor. Ou
não estaria entregando nas suas mãos minha mulher e meu filho. – Mas a
preocupação ali permanecia. – E o risco de depressão?
-
A depressão acomete muitas mulheres que passam por esse procedimento. Elas relatam
um sentimento de vazio profundo, de que lhes falta algo. Emily terá os bebês e
terá você para superar isso. O seu cuidado e carinho serão muito importantes.
Eu não acredito que Emily vá desenvolver um quadro de depressão.
-
Ótimo. Eu vou fazer tudo o que eu puder. Estarei com ela o tempo todo.
-
Sim, mas precisará de ajuda. Feminina, principalmente. Certos cuidados íntimos
Emily vai preferir ter pelas mãos de outra pessoa. Marta vai ajudar,
certamente. Talvez sua mãe ou irmã também. E não se esqueça que você terá Vida
e um recém nascido com quem lidar. Talvez você deva pensar em contratar uma
enfermeira, se Emily concordar.
-
Difícil. Emily gosta de fazer tudo sozinha.
-
Mas não poderá, em hipótese alguma. Emily irá para casa, mas ficará na cama pelas
primeiras três semanas. Só depois caminhará pela casa.
-Está
bem. Eu vou providenciar ajuda. Da família ou profissional.
-
Ótimo. – Ele estava tímido para tratar de outros assuntos. Então ela puxou a
conversa. – Você não deseja me perguntar mais nada? Sobre sexo?
-
É a última das minhas preocupações, Leonor.
-
Sim. Mas vocês são muito jovens ainda e é natural que você se preocupe em ter
uma vida sexual normal e ativa com sua esposa. Não há vergonha nisso. Fique
tranquilo. Durante essas seis semanas é natural que ela não tenha desejo. E bom
porque relações sexuais não são aconselháveis. Depois, caso ela ainda apresente
alguma mudança na libido, há atualmente medicações para regularizarem.
Naquela
tarde Jonas voltou para casa em paz e cheio de planos. Com sua voz calma e
suave Leonor conseguiu lhe transmitir tranquilidade. Conversou com Emily e,
como ele já imaginava, ela não queria enfermeira ou babá. Mas aceitou que Marta
e Giovanna lhe ajudassem. Ela sabia que não teria condições de cuidar de si mesma
e dos filhos. E teve de reconhecer isso e aceitar ajuda.
-
Não quero sobrecarregar você, Jonas. – Ela lhe disse.
-
Cuidar de vocês não me sobrecarrega, Emily. Só se preocupe em ficar bem, só
isso.
Tê-la
bem e saudável era a única peça que faltava para Jonas se considerar totalmente
feliz. Mas era uma peça fundamental. Sem Emily todo o resto era falho e
incompleto. E apenas a ideia de perdê-la, mesmo que lhe deixa-se Bernardo, era
insuportável.
-
Tio Jonas, tio Jonas! – Foi Clara a tirar Jonas dos pensamentos preocupados que
tomavam sua atenção nos últimos dias. – Tio Jonas!
-
Fale Clara. O que essa linda princesa que completa cinco anos hoje quer me
dizer?
-
Quero que você vá pegar bolo pra tia Emily.
-
Mas a tia Emily já comeu seu bolo, pequena.
-
Não. Aquela fatia era do Bê. Agora é para a tia Emily. Pega tio Jonas! Ela está
com vontade!
Todos
riram e seguiram na festa por mais algum tempo. Depois chegou a hora de irem
para casa. Alguns familiares ficaram no apartamento de Jonas e Emily. Outros
foram para um hotel já que o lar de Jéssica e Lorenzo tinha um quarto de
hóspedes, atualmente ocupado por Clara. No dia seguinte fariam um almoço em
família no parque, um churrasco típico gaúcho, porém, assado em São Paulo. Lorenzo
organizou para que Laura ficasse no mesmo hotel que seus pais e fosse ao
almoço. Assim Clara e a mãe poderiam conversar mais. Lorenzo esperava que isso
acalmasse Jéssica. Ela estava uma pilha de nervos.
Quando
chegaram ao apartamento Clara ainda estava muito agitada e falando sem parar.
Contava as lembranças que acabara de formar e já sonhava com outras
brincadeiras e presentes. Obrigou Lorenzo a encher o porta malas do carro e
fazer várias viagens da garagem ao apartamento para poder abrir cada um de seus
presentes. E todo aquele exagero fez sua mãe se irritar.
-
Chega Clara! Você abusou da boa vontade do seu pai. Eu mandei você não ficar
lhe enchendo de pedidos e você desobedeceu.
-
Mas é o meu aniversário, mamãe!
-
Não importa. Foi demais! – Ela gritou e logo depois se arrependeu. – Vá tomar
seu banho Clara.
Lorenzo
estava voltando com a última remessa de presentes e ouviu a discussão entre mãe
e filha. Aquilo já estava passando do limite. Clara não tinha culpa do estresse
vivido por Jéssica e, ele desconfiava, a festa e os exageros, não eram a real
causa da explosão de Jéssica.
-
Não faz isso. – Ele lhe disse. – Não descarrega na sua filha o problema que tem
com seus pais. Ela não merece. E você se arrependerá depois.
-
Eu sei...me descontrolei. Desculpe. Eu vou falar com ela.
-
Não. Vá para o seu banho e relaxe. Eu vou cuidar da Clara.
Lorenzo
foi dar banho em Clara e viu que ela estava sim chateada. Não pelo grito da
mãe, mas por tê-la visto triste, chorando, pouco antes.
-
Não fique triste, Clara. A mamãe está nervosa. Só isso. – Ele disse enquanto
lhe esfregava os cabelos.
-
Eu não vou pedir mais nenhum presente pra mamãe não ficar triste. Nenhum. Eu
prometo, papai. Nenhum presente.
-
Não é por isso que a mamãe está brava, meu amor. É outra coisa, um problema de
adulto. Você pode pedir todos os presentes que quiser, se o papai e a mamãe
puderem, eles lhe darão.
-
E isso não vai fazer a mamãe chorar nem gritar?
-
Não, não vai. Fique tranquila. – Lorenzo lhe garantiu.
-
Então tá bom. – Logo a pequena esqueceu o que aconteceu e voltou para o seu
mundo se sonhos e muitos presentes. Lorenzo deixou-lhe escolher um presente
para ficar com ela na cama. E abraçada a ele Clara dormiu.
Aquela
foi uma noite difícil para Jéssica. Ficou feliz em ver a mãe, em tê-la junto de
Clara, finalmente. Porém, aqui intensificou o desprezo de seu pai. Laura nunca
ia sozinha a lugar nenhum. E veio a São Paulo porque Henrique não quis vê-las.
Não se interessava por elas. Cansado, Lorenzo dormiu. Jéssica teve um sono
leve, entrecortado por pensamentos ruins. Por mais linda e feliz tenha sido o
aniversário, a falta do pai lhe doía muito.
Ela
acordou indisposta e correu para o banheiro. Era muito cedo e não fosse o enjôo
teria dormido muito mais. Porém, foi impossível segurar algo no estômago. E a
situação não melhorou quando percebeu que Lorenzo estava às suas costas. Ela
agradeceu o fato dele não lhe dizer nada, apenas a ajudar a se erguer quando
sua respiração se normalizou. Jéssica lavou o rosto e voltou para a cama. Só
então Lorenzo disse o que ela precisava ouvir.
-
Está na hora de procurarmos um médico. – Ele lhe sussurrou. – Ele pode nos
confirmar o que está acontecendo com você.
-
Eu não estou grávida. Sei que não estou. Só comi algo que não me fez bem. – Ela
respondeu.
-Está
bem. O médico nos dirá isso então. - Ele duvidava, mas não quis contrariá-la.
Lorenzo viu uma lágrima escorrer por seus olhos. – Não chore. Se, por acaso,
você estiver grávida, apenas adiantaremos um pouco os nossos planos.
-
Não é tão grave, meu amor. – Ele continuou.
-
É sim. – Ela respondeu mesmo ainda sem acreditar nessa possibilidade.
-
Por quê? Não será como quando você esperava Clara. Eu estarei aqui o tempo
todo. Não vai te faltar nada. Nem financeiramente ou emocionalmente. Nada. Eu
juro!
-
Eu sei Lorenzo. Não é isso.
-
Então o que é? - Ele só queria entender
qual o problema para pode resolver.
-
Vão dizer que você só está se casando comigo porque eu estou grávida. – Ela lhe
disse. – Mas eu não estou. Tenho certeza que não estou, Lorenzo!
-
E que diferença faz o que alguém dirá ou não do nosso casamento, meu amor?
Estou casando porque te amo. E se, por acaso, você estiver grávida no momento
em que subirmos ao altar eu considerarei uma dádiva de Deus. Um presente de
casamento seu pra mim. A opinião dos outros não me importa.
-
Mas a dos meus pais importa a mim. – Jéssica disse e enfim Lorenzo entendeu. –
Eu quero que eles me perdoem. Eu quero. E por mais que você diga que não fiz
nada de errado para ser perdoada, sei que eles não me aceitam.
Mais
uma vez a juventude e a inocência de Jéssica surpreendiam Lorenzo. Ela não
queria atropelar as fazes. Eles namoraram, estavam noivos, iriam casar e só
então ela pretenderia engravidar. Esse era o seu sonho, o seu plano. Mas os
anos o ensinaram que planos eram ótimos, porém, não podiam amordaçar as pessoas
ou os seus sentimentos. Se o bebê viesse antes do casamento, que mal haveria?
Nenhum. E Jéssica precisava entender que seus pais tinham muitas dívidas com
ela para poder exigir qualquer coisa.
-
Você vai ver a sua mãe hoje, não vai? – Lorenzo continuou em tom baixo.
-
Vou. Marquei no hotel às 10hs.
-
Ótimo. Então não pense nessa possível gravidez por enquanto. Converse com sua
mãe. Conte a ela que estamos apenas esperando a situação da gravidez de Emily
se resolver para nos casarmos e lhe diga que Henrique será sempre bem-vindo em
nossa casa. Nós vamos casar Jéssica, vamos ter nosso filho quando ele quiser
vir ao mundo e se alguém não for capaz de aceitar isso o problema não será
nosso.
-
Eu te amo muito. Ainda mais quando você atura meu choro. – Ela disse sorrindo.
O
celular de Lorenzo começou a tocar e ele foi obrigado a se afastar um pouquinho
de Jéssica. Ouviu atentamente quem estava do outro lado da linha e Jéssica viu
quando a expressão do noivo ficou mais séria. Antes de desligar ele garantiu
que estavam a caminho.
-
O que aconteceu? – Várias coisas passaram pela cabeça de Jéssica.
-
O destino pregando suas peças, amor. Emily quis tanto alongar a gravidez que
esqueceu de verificar se esse também era o desejo de Bernardo. Ele quer vir ao
mundo. Jonas está desesperado.
Desesperado
era pouco. Assim que Emily sentiu contrações Jonas entrou em pânico. Ele agradeceu
o fato de seus pais estarem no apartamento e chamou a mãe para ficar junto de
Emily enquanto ele ligava para a médica, se trocava e arrumava Vida.
-
Ela está com dores. Estou levando-a para a clínica. – Disse à Leonor.
-
Está bem. Fique tranquilo. As dores fazem parte do parto.
-
Impossível Leonor. Vá rápido, por favor.
Foi
o pai de Jonas a dirigir em direção a maternidade, Jonas não tinha condições.
Vida nem reclamou de ser acordada de seu sono infantil e foi quietinha em sua
cadeirinha. Giovanna acompanhou o marido no banco do carona e Jonas, no banco
de trás, fazia carinho na face de Emily que suportava as contrações. As mãos
dele tremiam ao acariciar a esposa.
-
Vai ficar tudo bem. É só o Bernardo ansioso para nos conhecer, só isso. – Foi
Emily a dizer.
-
Vai sim. Eu sei que vai. – Mas lá no fundo ele não tinha essa certeza ou
tranquilidade. A sensação de ter sua vida decidida pelos outros, de nada poder
fazer, era dolorosa demais.
Logo
Emily estava sendo atendida pela equipe médica chefiada por Leonor e quando
Jonas foi expulso da sala de exame, a família toda reunida na sala de espera
soube que aquele parto nada tinha de comum. Mesmo com os vários sofás de couro
branco espalhados pelo lugar, Jonas escorregou pela parede até encontrar o
chão. Com as mãos cobriu o rosto numa tentativa falha de impedir que suas
lágrimas fossem vistas por todos. Seus ombros tremiam.
-
Meu filho! – Giovanna não aguentou vê-lo assim.
-
Não pode dar errado mãe. Não pode.
-
Tudo correrá bem. Vamos rezar. Nossa Senhora do Bom Parto há de dar uma boa
hora para Emily e Bernardo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário