Era
tempo de se recuperar. Dias se passaram. E em cada um deles Emily viveu a
alegria de sentir-se um pouco melhor e a tristeza de perder algum instante do desenvolvimento
de Bernardo por estar presa à cama. Além de ter o coração a cada momento mais
apertado pela distância de Vida. Sua amada filha estava há quase um ano em seus
braços e lhe era cada dia mais importante. Por eles e por Jonas ela lutava e
mantinha a fé de que aquela tempestade estava perto de acabar.
Ainda
no hospital, recebeu muitas visitas. Seus sogros, Giovanna e Leonel, e os pais
deles, Francesco e Ângela foram os primeiros. Bernardo ganhou afagos de todos.
Giovanna e Leonel lhe garantiram que ele era uma cópia de Jonas quando recém
nascido. Isso fazia Jonas corar e, orgulhoso, garantir que seu filho seria
criado como um Vicentin, com valores e muito amor. Mas ninguém ficou mais emocionada
que vovó Ângela. Ela embalou o bebê com braços fortes e acariciou-o com mãos
suaves. Estava emocionada. Amava Vida e Clara, mas em Bernardo via seu sangue
ter continuidade.
- Bel ragazzo. Un Vicentin. Benvenuto. –
Salvou a idosa dando boas vindas a Bernardo.
Quem
também apareceu foi Marta. A senhora chorou ao ver Emily no leito do hospital e
fez a filha também derramar lágrimas. Elas se conheciam há tantos anos, desde
que Emily lhe foi entregue por uma assistente social, um bebê lindo e cheio de
amor para dar. Quase quarenta anos se passaram e a filha se tornara mãe,
abrindo caminho para Marta ter a experiência se ser avó. Ela que jamais deu à
luz a um filho, mas criou tantos, recebia Vida e Bernardo como seus netos. E
como avó orgulhosa, sorria e afagava o neto que suspirava em resposta e se
aconchegava.
-
Abençoado seja. Que Nossa Senhora te cubra com seu manto e proteja de todo o
mal, meu neto. – Ela então acariciou Emily. – E você, minha filha, como se
sente? O que Leonor disse?
-
Estou bem, mãe. Na medida do possível. O mais difícil é ver Bernardo ser levado
ao berçário porque eu não estou forte o bastante para lhe dar o que precisa.
Ficar nessa cama me mata. Mas eu sei que é necessário.
-
Você é forte, vai superar isso. Eu sei que vai. – Marta nunca duvidava da força
de vontade de Emily. Conhecia a filha bem demais para isso. Emily tem fibra
para conquistar tudo o que deseja.
A
próxima visita foi feita por Melissa e Rafael. O casal preferiu esperar um
pouco mais, afinal os familiares deviam estar mais ansiosos. Como certos
assuntos só amigas podiam ter, Rafael e Jonas deixaram as mulheres sozinhas e,
no corredor, aproveitaram para conversar. Rafael não perguntou, desejava manter
o amigo sem pressões. Mas estava curioso para saber se Jonas realmente
abandonaria JRJ Construtora.
-
Eu estou de “Licença Paternidade”, por pelo menos mais quatro meses. Depois
verei quais atitudes tomarei. – Jonas puxou o assunto. – Mas sei que tenho
responsabilidades na construtora. Se você e Juliana ficarem sobrecarregados...
-
Não se preocupe com isso agora. Nós vamos nos virar. Não sei é como vou ficar
de Juliana resolver viajar. Mas acho que isso ficará para o próximo semestre.
-
Ela quer viajar?
-
Me falou a esse respeito ontem. Está pensando em cursar um mestrado
profissional na Alemanha.
-
E você não está chateado por isso?
-
Não posso frear as decisões de vocês. Se Juliana está precisando de um tempo
fora e isso lhe fará bem, ótimo. Espero que volte bem e feliz. Assim como espero
tê-lo novamente na construtora após a licença. A JRJ precisa dos três, mas dos
três bem.
Faltava
uma visita. Jonas e Emily estranharam a demora de Lorenzo e Jéssica aparecerem.
Quando eles vieram, estavam diferentes, mais unidos e atenciosos um com o outro.
Emily olhou bem para Jéssica. Havia algo de errado. Ou de muito certo. Quando
Lorenzo abraçou Jéssica pelas costas e pousou ambas as mãos em sua barriga,
Emily desconfiou. Não disse nada, apenas trocou um olhar com Jonas. Ele também
havia percebido.
A
notícia oficial só veio após Jonas passar para os braços de Jéssica um
sonolento Bernardo. Os olhos da jovem ficaram cheios de lágrimas. Jéssica
estava muito emotiva e ter um recém nascido nos braços não só a lembravam que
muito em breve ela e Lorenzo também teriam um bebê, como também trazia
recordações de um período triste e solitário, ocorrido nos primeiros dias de
Clara. Quando percebeu, Jéssica chorava esquecendo-se de quem a olhava.
-
Jéssica? – Lorenzo firmou-a em seus braços enquanto pedia que Jonas pegasse
Bernardo de volta. – Se sente bem? Calma.
-
Sim...eu...só fiquei emocionada, apenas isso. – Jéssica respondeu.
-
Está tudo bem mesmo? – Emily estava dividida entre falar ou não.
Emily
perguntava-se se seria possível Jéssica estar grávida e não saber. Mas então
lembrou-se que a amiga já tinha Clara e devia conhecer bem os sintomas. Se
estava realmente esperando um filho, ela tinha consciência disso e deveria
preferir o silêncio por enquanto. E, por mais que a curiosidade fosse grande,
Emily decidiu se calar. Então prestou a atenção em Lorenzo. Além
daquela postura sempre pronta a amparar Jéssica, ele parecia mais sorridente
que de costume. Estava...Lorenzo estava feliz. Aquele tipo de felicidade que
aparecia na postura, no brilho dos olhos, em cada pedacinho da pele. Lorenzo
estava tão intimamente mudado que não conseguia esconder e nem parecia se
preocupar com isso.
-
Vocês dois têm algo a nos contar? – Jonas, como de costume, foi bem menos
discreto que Emily.
Numa
troca de olhares típica dos apaixonados, Jéssica e Lorenzo concordaram que não
havia o que esconder, nem razão para guardar segredo porque o restante da
família já sabia a novidade. Lorenzo primeiro fez Jéssica se sentar, por traz
da maquiagem que ela usava para disfarçar a palidez que por vezes tomava sua
pele, ele via que ela precisava de cuidados. Com a garantia que a amada estava
bem, achou que deveria avisar Emily e Jonas que Bernardo teria mais um primo ou
prima para brincar em alguns meses.
-
Eu serei pai! Jéssica me deu esse presente. – Disse simplesmente.
Jéssica
sorriu como sempre fazia ao ver aquela satisfação no noivo. Lorenzo estava
realizado com aquela gravidez, talvez por não mais imaginar que a paternidade
seria parte de sua vida. Ele recebeu as felicitações de Emily e o abraço firme
de Jonas.
-
Parabéns, meu irmão. Parabéns, Jéssica. Meu sobrinho nascerá de grandes pais. –
Jonas afirmou. – E quando será o casamento?
-
Jonas! Deixe de ser intrometido! – Emily interferiu.
-
O que eu disse? Conheço o meu irmão! Nem em sonho ele deixará Jéssica fugir do
altar! – Jonas se explicou para a esposa enquanto via Lorenzo e Jéssica rirem.
O
tom era de brincadeira, mas Jonas falava sério. Era verdade que Jéssica mudou
muito Lorenzo. Ele parecia mais jovem agora que no passado. Mais disposto a
viver e aproveitar o que a vida lhe oferecia sem perder muito tempo preocupado
com o que os outros iriam achar de suas ações. Ainda assim, conhecia bem o
senso de responsabilidade de Lorenzo, o homem tradicional que sempre fora.
Lorenzo era o tipo de homem para o qual registrar o filho não basta. Ele faria
de tudo para lhe oferecer uma família tradicional. Aquele bebê nasceria sob a
benção de um casamento.
-
Logo. O quanto antes. – Lorenzo confirmou. – Por enquanto Jéssica está se
sentindo um pouco enjoada. Por isso vamos esperar algumas semanas. Mas mamãe já
está organizando tudo. Por mim, subiria ao altar agora mesmo.
-
Se sente mal Jéssica? Passa logo. – Emily opinou.
-
Nem tão logo, desconfio. Quando esperei Clara foram longos quatro meses sem
conseguir comer. – Jéssica respondeu.
-
Mas dessa vez não será assim. Por isso, já marcamos uma consulta com Leonor.
Você sempre elogiou-a Emily, vou confiar que ela cuidará bem de Jéssica. –
Lorenzo disse já se despedindo do irmão e de Emily e seguindo para a porta. –
Vamos Jéssica? Não vamos nos atrasar para a consulta.
Na
verdade eles estavam até adiantados. Era a ansiedade típica dos pais. Nada que
Leonor já não estivesse habituada. Ela recebeu o casal com seu tom de voz calmo
e objetivo, além deu uma capacidade impar de ouvir. Já tinha ouvido sintomas e
reações de inúmeras gestantes em início de gravidez. Nenhum deles, porém, era
igual. Toda grávida tinha suas apreensões, todo pai ansiava poder pegar o filho
nos braços. Todos, sem exceção, desejavam o melhor para aqueles pequenos seres.
Seu papel era tornar realidade cada um daqueles sonhos.
-
Então a família Vicentin ganhará mais um herdeiro. Fico feliz em saber e em
merecer a honra de ser a obstetra de vocês. – Leonor lhes disse.
Depois
a médica ouviu um relato do estado de saúde de Jéssica e de sua gravidez
anterior. Muito jovem e em condições físicas e emocionais inadequadas. Leonor
não gostou de nada do que ouviu. Apesar de tudo e, muito provavelmente, com
ajuda divina, Clara nasceu em um parto sem complicações.
-
Devo lhe dizer, Jéssica, que você teve mais sorte do que juízo. Mas são
dificuldades que em nada devem interferir nessa gravidez. Eu vou te pedir
alguns exames e nós vamos evitar ao máximo que você perca peso além do
aceitável. Cada gravidez é diferente. Você ter sofrido muito com enjôos até o
quarto mês, não significa que será assim novamente agora. – Explicou a médica.
-
Mas ela já sente. – Lorenzo queria um remédio que resolvesse isso imediatamente.
Descobriria que não era bem assim. - Essa manhã praticamente não se alimentou.
-
E almoçou depois? – A médica perguntou.
-
Sim, o período mais crítico é pela manhã. – Jéssica respondeu. – O problema é a
fraqueza. Não consigo andar, as pernas ficam bambas.
-
Os exames vão apontar se há falta de algum nutriente na sua alimentação. E já
vamos inserir alguns complementos. Eu não creio que tenha algum problema sério.
Simplesmente algumas mulheres sofrem mais e outras menos com enjôos.
-
Não há nada que pode ser feito então? – Lorenzo não conseguia acreditar.
-
Existem remédios, Lorenzo. Mas eu só os indico em caso de necessidade extrema.
Não há porque fazer uso de drogas como essa sem antes tentar alternativas.
Então vamos às orientações: sem alimentação gordurosa nem apimentada. E evite
comer tarde da noite ou em grandes porções. Seu coro precisa ter tempo para
digerir o alimento. Algumas mulheres sentem que beber água logo cedo ou comer
biscoito salgado ajuda. Você encontrará o que lhe faz bem. Sei que trabalha num
restaurante, mas se o cheiro de comida a enjoar, saia da cozinha, respire fundo
e espere a sensação passar. Se realmente achar que é algo realmente
insuportável, me procure novamente.
-
Farei isso, Leonor.
-
Ótimo. E, enquanto essas tonturas persistirem, fique longe de escadas ou
qualquer ambiente que ofereça risco.
-
Ela ficará. Eu garanto. – Essa foi Lorenzo a responder.
Em
três semanas eles voltariam ao consultório. Então já teriam os exames
laboratoriais e poderiam fazer a primeira ultrassonografia. Saíram tranquilos
do hospital. Jéssica se sentia bem e após ouvir a médica, Lorenzo se acalmou.
Estava disposto a cuidá-la sem medir esforços. E contou com o apoio de Emily
para isso. No primeiro telefone após saber das recomendações médica, Emily
garantiu que a cunhada devia pensar em seu bem estar em primeiro lugar.
-
Não fique na cozinha se isso a incomoda. – Orientou com a segurança de quem é a
patroa. – Eu avisarei Márcio para ficar de olho em você! Meu sobrinho vem em
primeiro lugar!
Jéssica
não questionou. Mas não tinha planos de ser menos dedicada ao trabalho por
estar grávida. Ela estava saudável, podia trabalhar. Também planejava evitar ao
máximo atrapalhar a rotina de Lorenzo, seja com a consultoria o a vinícola. Ele
é um homem muito ocupado para ficar correndo a todo o momento com uma mulher
fresca que não consegue lidar com algo tão comum quanto enjôos de grávida.
Emily trabalhou até o final da gravidez mesmo tendo sérias complicações. Ela
podia fazer o mesmo.
-
A mamãe está bem papai? – Clara nunca tinha visto a mãe tomar tantas xícaras de
chá como agora. Papai vivia lhe oferecendo uma.
-
Está sim, filhinha. É só a Ceci que está crescendo na barriga dela e às vezes a
mamãe fica enjoada. Por isso papai precisa cuidar da mamãe.
Daquele
dia em diante, Jéssica disfarçou todos os mal estares. Se enjoava pela manhã,
saía do banheiro garantindo que estava bem e prometendo a Lorenzo que iria se
alimentar bem durante o dia de trabalho. E em cada uma de suas inúmeras
ligações, garantiu passar o dia bem, mesmo que alguns pratos de comida
preparados no restaurante a fizessem correr para o banheiro.
-
Acho que devia seguir o conselho de Emily e ficar no salão comigo até os enjôos
passarem. – Márcio lembrou-a. – Emily ficará furiosa se souber que não cuidei
bem de você.
-
Emily não abandonou o trabalho. Porque eu seria fresca?
-
Ela não sentiu enjôos fortes, my dear.
-
Eu consigo aguentar. Faltam só uns dois meses. – Jéssica, teimosa, insistiu.
Mesmo
que quisesse, Emily não teria como interferir naquele momento. Ela voltou para
casa cinco dias após a cirurgia. E com isso, toda a família também retornou ao
Rio Grande do Sul. Menos Milena. Emily aceitou que a cunhada ficasse para
ajudá-la com Vida e Bernardo. Ao menos essa foi a desculpa utilizada por Jonas.
Na verdade, Milena ficaria para ajudar Emily em tudo o que ela precisasse e se
sentisse encabulada de pedir ao marido.
-
Ela não deveria sentir vergonha de nada comigo. – Jonas ainda reclamava.
-
Mas vai sentir. – A irmã lembrou-o. – E vai enxotá-lo do quarto sempre que
quiser privacidade. Até parece que não conhece a sua mulher!
-
Eu sei, eu sei. – Mesmo reclamando, Jonas gostava do fato de ter Milena ali com
ele. Ela jamais gostou de São Paulo, mas, para ajudá-lo, veio. Talvez servisse
para eles terem um tempo juntos.
A
volta para casa foi tranquila. Emily respondeu muito bem a operação e não tinha
nenhum sinal de complicações, sejam físicas ou psicológicas. Ela teve uma
consulta padrão com um psicólogo do hospital, mas Jonas não precisava que
ninguém lhe afirma-se o que ele via: depressão era algo que passava longe de
sua mulher. Já de ansiedade não poderia dizer o mesmo. Ela queria sair andando,
correndo maratona, se lhe deixassem. Queria cuidar dos filhos e retomar a vida
profissional como se nada de errado tivesse ocorrido. Emily vivia a vida num
ritmo acelerado, tinha muitas atividades a cada hora. Por isso, a ideia de não
ter hora para levantar nem responsabilidades a cumprir lhe era muito estranha,
irritante até.
-
Eu realmente acho que Leonor está exagerando. Trocar as fraldas de meus filhos
não vai fazer abrir meus pontos. – Ela argumentava.
-
Experimente sair dessa cama, Emily, e eu juro que te amarro.
-
Você não ousaria!
-
Experimenta desobedecer às ordens médicas para ver se não.
Ela
até respeitava, mas ao seu modo. Não podia mais, temporariamente, ir ao salão
de beleza fazer escova nos fios de cabelo então os assumiu ondulados. Mas fazia
questão de se trocar todas as manhãs e maquiava-se como se fosse trabalhar.
-
Não é porque estou na cama que meus filhos e meu marido irão me ver feia. Nem
pensar.
A
cada visita que chegava para vê-la, Emily sorria e se arrumava ainda mais. Gostava
também de recebê-las na sala, sentada em seu sofá, com Vida brincando em seu
tapete e Bernardo no colo. Emily gostava de fingir que as pessoas vinham ver
Bernardo e não ela, uma recém operada.
Naquela
manhã ela teve ainda mais uma surpresa. Nathan Johnson, seu antigo
colega de curso em Milão, que lhe devia uma visita há muitos anos, resolveu
aparecer. Nathan é filho de uma italiana com um americano e fez carreira em Milão. Hoje tinha por
lá um importante restaurante e assinava um dos mais importantes livros de
culinária italiana contemporânea.
Nathan
não veio ao Brasil exclusivamente para ver Emily. Ele tinha parcerias
importantes, veio para dar um curso de culinária e aproveitou para vê-la. Jonas
o cumprimentou e observou Milena fazer o mesmo. Logo após ele dedicou alguns
minutos a paparicar os bebês. Enquanto o italiano estava distraído, Jonas falou
com Emily.
-
Como eu nunca ouvi falar dele? Devo sentir ciúme?
-
Nenhum pouco. Nathan é casado há vários anos.
-
E porque a esposa não está aqui?
-
É uma longa história. Um dia eu te conto. Mas...não precisa sentir ciúme. Mesmo
quando ambos éramos solteiros, nunca tivemos nada. Ele estudou comigo em Milão.
É um amigo maravilhoso e de longa data, mas raramente vem ao Brasil e pouco nos
vemos.
Depois
disso os quatro adultos conversaram. Nathan não falava português perfeitamente,
mas todos ali conheciam o italiano. Numa mistura dos dois idiomas, a converso
fluiu naturalmente. Os assuntos foram da culinária ao vinho e disso para a uva
e à vinícola. Jonas gostou de Nathan. Lhe pareceu um homem apaixonado pela
profissão e dedicado a trabalhar cada dia melhor.
-
Nessa família bebemos muito vinho. E muito chimarrão. Mas esse não sei se você
conhece, Nathan. – Milena comentou.
-
Chi – mar –rão? – Ele pronunciou lentamente, comprovando desconhecer a bebida
típica dos gaúchos.
-
Vou preparar para você experimentar.
-
Faça isso, Milena. Depois abriremos uma garrafa da Vinícola Vicentin. – Jonas
ofereceu. – Duvido que você não apreciará.
Foi
exatamente assim, com o vinho. Nathan não simpatizou muito com o chimarrão.
Achou estranho beber algo quente e amargo, servido em apenas uma cuia, que
passava de mamão em mão. Logo
ele aprendeu que era tradição beber até o final, quando se ouvia o roncar no
fundo da cuia. Achou a tradição bonita, mas não apreciou o gosto. Já o vinho encantou-o.
Era de uma safra recente, de sabor suave e ainda assim muito marcante. Nathan
quis mais detalhes da vinícola e prometeu voltar ao Brasil nos próximos meses e
ir ao sul descobrir os segredos por trás daquela bebida.
-
Dessa vez faço questão de ver onde essa maravilha é feita. – Garantiu o
italiano.
Dividida
entre visitas, cuidados e consultas médicas, Emily foi melhorando aos poucos.
Duas semanas se passaram com ela em casa e sua recuperação era vista de longe.
Não houve o ganho de peso, nem as crises de choro. Ela estava feliz. Seu único
atrito com Jonas era a proibição, sem nenhuma margem para negociação, quanto a
ir ao restaurante. Assim que foi possível dar alguns passos, Emily tentou
convencê-lo a lhe permitir um passeio até lá. Jurou que não trabalharia, porém,
não foi o bastante.
-
Sua saúde em primeiro lugar, depois o restaurante. – Sempre dizia ele.
Se
tivesse ido, em qualquer horário do dia, era provável que encontrasse Jéssica
vomitando ou lutando contra a náusea. Isso tornou-se um hábito irritantemente
comum na vida da auxiliar de cozinha. Sempre que Lorenzo perguntava, ela dizia
que seu único mal estar era pela manhã e que no decorrer do dia, sentia-se
ótima. Era mentira. Ela passava boa parte do dia enjoada e pouco conseguia se alimentar.
Jéssica
já tinha vivido aquilo com Clara. Conhecia o próprio corpo e sabia que ele
reagia daquela maneira nos primeiros meses, por isso, não via motivos para
alarmar Lorenzo. Chegava a passar maquiagem antes de voltar para casa no fim do
dia. Não queria que ele visse nenhum indício de cansaço ou de que tinha passado
mal. A perda de peso, porém, não conseguiu evitar.
-
Acho melhor irmos falar com Leonor. Seu rosto está mais fino. E, até onde eu
sei, grávidas engordam. Isso não é normal. – Ele se preocupava com a noiva. E
se sentia incomodado por precisar continuar adiando o casamento enquanto ela
não se sentia bem.
-
Eu vou ganhar peso, acredite. Estamos só no começo. – Jéssica lhe garantiu,
mais uma vez, naquela manhã. Mas lá no fundo ela reconhecia o que nunca
imaginou ser capaz: estava ainda mais enjoada que na primeira gravidez.
Naquele
dia, porém, Márcio não aguentou ver a amiga sofrer daquela forma. E quando ela
correu para o banheiro pela quarta vez por volta das 13hs, ligou para Lorenzo.
Sabia que Jéssica ficaria brava, mas aquilo estava passando dos limites. Se
Emily estivesse ali, não permitiria que Jéssica ficasse trabalhando assim.
-
My dear! Eu não quero incomodar, me desculpe, mas acho bom você dar uma
passadinha aqui no restaurante.
-
Jéssica passou mal? – Lorenzo se assustou.
-
Sim, mas...é melhor conversarmos aqui.
Quando
Jéssica ficou sabendo que Lorenzo estava a caminho, voltou correndo para o
banheiro. Não porque tornou a enjoar, mas para reforçar a maquiagem. Não queria
que Lorenzo visse as olheiras que escureciam seus olhos e revelavam o quanto
vinha se sentindo mal.
Enquanto
ela se arrumava, Lorenzo conversou com Márcio. O maitre do restaurante não
entrou em detalhes, nem contou o quanto Jéssica enjoava, mas lhe sugeriu
levá-la para casa porque ela era teimosa o bastante para não respeitar os
pedidos de seu organismo.
Lorenzo
evitou discutir com Jéssica. Quando ela veio para o salão, percebeu
instantaneamente o excesso de maquiagem em seu rosto. Produtos que antes ela
jamais usava e agora parecia não viver sem. Mesmo assim, não fez nada além de
beijá-la e pedir que entrasse no carro. Mesmo quando chegaram em casa, Lorenzo
evitou discutir. Pelo que tinha lido, era importante a gestante se manter
calma.
Logo
que entraram, aproveitando-se que Clara ainda estava na escolinha e não tinha
nada para fazer, Jéssica se deixou cair no sofá da sala e fechar os olhos.
Estava cansada. Quando ouviu passos pelo corredor, pensou se tratar de Lorenzo
indo tomar banho ou preparando um lanche. Surpreendeu-se quando ele a pegou do
colo e seguiu carregando-a pelo corredor. Ele só parou quando a sentou no
balcão da pia do banheiro. Quando abriu os olhos, Jéssica viu Lorenzo mexer nos
produtos de beleza e colocar algo em um chumaço de algodão. Muito delicadamente
e em silêncio ele tirou toda a maquiagem que cobria seu rosto.
-
Agora sim eu estou vendo a minha mulher. – Disse ele ao olhá-la atentamente. –
Não gosto quando você se esconde de mim. Porque nunca me contou que sentia
enjôos no restaurante?
-
Não quero te preocupar. Sei que não tenho nada grave.
-
Grave ou não, eu tinha o direito de saber. – Lorenzo não gritava, mas a voz
grave e pausada, dizia para Jéssica que o noivo estava sim muito irritado.
-
Eu sei, me desculpe. Mas eu não quero ser a grávida fresca que irrita o pai do
bebê com um monte de reclamações. Não quero!
Lorenzo
conhecia exatamente qual a fonte dessas preocupações. Há tempos Jéssica havia
lhe confidenciado que seu relacionamento com Bruno não terminou quando ela percebeu
seu envolvimento com o crime, mas sim quando passou a se sentir muito mal. Fora
Bruno a abandoná-la, acusando-a de ser fresca. Na época, ela já sofria com
muitos enjôos e reclamava da sensação de exaustão que isso deixava. Um dia
Bruno simplesmente disse adeus, foi embora sem pensar que deixava para trás a
namorada e uma filha. E com isso fez, muito provavelmente, a única boa ação de
toda a sua vida. Ao abandoná-las Bruno deu a Clara e Jéssica a chance de
recomeçar.
Mas
isso não apagava a dor do abandono, a mágoa por ter sido descartada. Aquele era
um grão nas causas da carência de Jéssica. O pai era outra forte razão. A
dificuldade de Henrique em esquecer o passado e retomar a relação com a filha a
deixa ainda mais temerosa em criar novos laços. Jéssica amava com uma dedicação
única, mas tinha dificuldade em aceitar ser amada.
Por
mais que Lorenzo lhe desse carinho, por mais que oferecesse segurança, ela
sempre imaginava-se na corda bamba. Parecia viver na crença de que ele iria
deixá-las, sumir num dia qualquer como Bruno. Aquilo era um absurdo tão grande
que por muito tempo Lorenzo ignorou. Agora já não era mais possível. Ela
precisava se sentir amada, segura, ou não teria a tranquilidade recomendada
para qualquer gestante. Antes de falar qualquer coisa Lorenzo levou-a de volta
ao quarto e colocou-a deitada na cama, acariciando a barriga que abrigava seu
filho.
-
Jéssica, nada vai diminuir ou acabar com o que nós construímos. É a nossa
história, o nosso relacionamento. Eu não vou sair correndo porque você não está
bem!
-
Eu sei disso.
-
Se soubesse não teria me escondido que se sente mal. Não me trate como se eu
fosse aquele garoto, Jéssica. Eu sou um homem. E eu sei cuidar da minha mulher.
-
Não estou te comparando! Eu sei que você me ama...mas...não quero atrapalhar a
sua vida. Quero te trazer alegrias, não preocupações.
-
E eu quero que você me traga tudo. O bebê também é meu, tenho direito de saber
o que ele te causa.
-
É normal uma grávida enjoar. Veja por tudo o que Emily passou e continuou
trabalhando.
-
Ela arriscou tanto que acabou tendo um parto de emergência. Eu não vou permitir
nada parecido com você.
-
E o que quer que eu faça? Abandone o trabalho e seja sustentada por você?
- Não acho essa possibilidade tão terrível assim. Qual o problema de eu prover minha família? – Lorenzo instigava-a a dar uma justificativa aceitável. – Entendo que preze pela sua independência, mas não se isso colocar em risco sua saúde. Quer trabalhar, ótimo. Emily e Márcio já me garantiram que há possibilidade de você trabalhar no salão.
- Não acho essa possibilidade tão terrível assim. Qual o problema de eu prover minha família? – Lorenzo instigava-a a dar uma justificativa aceitável. – Entendo que preze pela sua independência, mas não se isso colocar em risco sua saúde. Quer trabalhar, ótimo. Emily e Márcio já me garantiram que há possibilidade de você trabalhar no salão.
-
Não é no salão que uma auxiliar de cozinha atua. – Jéssica respondeu.
-
Pois então você não será mais uma auxiliar de cozinha. E não mais passará o dia
vomitando! Isso não está em discussão, Jéssica. E agora tente dormir. Mais
tarde nós vamos ao consultório de Leonor.
-
Mas a consulta é semana que vem.
-
Eu adiantei. Quero saber logo se você está anêmica ou algo do tipo. – Lorenzo
beijou-lhe a testa e avisou que iria tomar banho. – Tente dormir um pouco.
Jéssica
não mais discutiu. Fazer isso com Lorenzo, ainda mais quando se tratava de sua
saúde e qualidade de vida era como tentar segurar o ar entre as mãos. A força
dele sempre vencia, mesmo quando você não percebia. Ela então repousou e foi
junto dele, recebendo seus afagos, até a clínica onde Leonor atendia. A médica
revisou os resultados dos exames um a um e fez pontuações conforme os
resultados a agradavam ou preocupavam. Depois deu seu parecer.
-
Você emagreceu nessas duas semanas Jéssica, por isso acho que fizeram bem e vir
me ver. É normal não ganhar peso, até perder algumas gramas. Mas você está
abatida. Então realmente isso vai além do aceitável.
-
E o que nós faremos? – Lorenzo estava ansioso.
-
Existem vários níveis de enjôo. Do mais leve, que pouco é sentido. Ao mais
grave, que recentemente foi divulgado na mídia por afetar Duquesa de Cambridge.
-
Sim, eu ouvi a respeito. Mas ela foi internada no hospital! É muito grave.
-
Sim, mas acalme-se! Tenho praticamente certeza que nada disso será necessário
no caso de Jéssica. Ela só precisará se cuidar mais do que vem fazendo. Fique
tranquilo. Pelos exames Jéssica está muito bem de saúde.
-
A senhora tem certeza?
-
Absoluta, Lorenzo. Completamente. Tenho certeza que Jéssica já sabe o que
desperta as crises mais fortes de enjôo. Ela fugirá dessas coisas. E eu vou
receitar um remédio para servir de último artifício.
-
Obrigada, Dra. – O casal respondeu.
-
Agora me diga, Jéssica, você sente alguma diferença de sintoma da primeira
gestação para essa?
-
Sim. Mais sono e cansaço. De Clara em enjoava, mas não tinha essa exaustão. –
Disse-lhe.
-
Talvez quando os enjôos melhorarem, você se sentira melhor disposta. Agora
vamos ao ultrassom. Talvez ele também nos dê uma dica do que há de diferente
nessa gravidez.
Leonor
desconfiou. Na verdade a ideia surgiu na mente da médica ao rever o histórico
de Jonas e Emily na fixa de cadastro. Quando Jonas concordou com a inseminação
artificial, lhe deu informações genéticas, com exames; e genealógicas, por meio
de uma entrevista. Isso tudo foi utilizado num estudo para confirmar as
possibilidades que Emily tinha de engravidar. Com Jonas e Lorenzo sendo irmãos,
parte desse estudo era similar. E agora Leonor lembrava-se que três gerações
atrás, a Família Vicentin teve casos de gravidez múltipla na família.
Foi
então que Leonor desconfiou que os enjôos exagerados de Jéssica tinham sua
causa não em uma doença que exigisse internação médica, mas no fato de seu
corpo estar se adaptando a dois bebês ao mesmo tempo. Quando viu a imagem clara
no monitor confirmar a teoria, Leonor sorriu.
-
O que vocês vêem nessa imagem? – A médica perguntou.
-
Eu...não sei. – Jéssica achou a imagem estranha. Linda porque era o seu filho,
mas estranha.
-
São...duas manchas. – Lorenzo estava perto de entender. Mas não havia captado a
mensagem.
-
Quase isso, papai. – Disse Leonor sorrindo ainda mais. – São dois...bebês.
Leonor
adorava aquele momento. Nesse caso ainda mais especial porque esse era um casal
especial. E eles estavam se descobrindo pais de gêmeos. Emocionada, Jéssica só
fez chorar. E Lorenzo encarava-a com um misto de incredulidade e euforia nos
olhos.
-
Dois fetos, em placentas separadas. Gêmeos que não serão idênticos. E estão se
formando bem para o tempo gestacional. Isso explica o enjôo exagerado. Precisa
apenas dar um tempo para o seu corpo de acostumar a ter três corações batendo
aí dentro.
-
Meu Deus! Eu nem acredito. – Jéssica ainda estava em choque.
-
Parabéns! Eu vou deixar vocês a sós um pouco. – A médica saiu discretamente.
-
Você acredita, Lorenzo? Dois bebês! Gêmeos! Eu...o que você achou dessa
notícia?
-
O que eu achei da notícia? Acho que Deus foi generoso demais comigo, mas já que
ele agiu assim, não serei eu a negar. Obrigada, Jéssica. Você me fez o homem mais
feliz de todos, o mais realizado...e o mais preocupado também.
-
Sossega. Vai dar tudo certo. Eu sei que vai. Eu te amo tanto. – Pareceu um
momento apropriado para ela se declarar.
Lorenzo
não respondeu dessa vez. Preferiu aproveitar os minutos de privacidade beijando
a noiva.