Neal
foi chamado no FBI ainda naquela noite, enquanto Mozzie ficou encarregado de ouvir
o receptor. Mozzie nem teve tempo de conseguir mostrar ao amigo as coisas que
trouxe da casa de Rachel.
A casa na verdade era de Nicolle,
mas guardava muitas coisas de uma jovem Rachel. Fotos de uma menina de sorriso
doce, estudiosa e obcecada pela perfeição.
Ela era a melhor aluna em todas as
disciplinas da escola. Fazia aula de música, dança, natação e lutas desde muito
jovem. Seja quem fosse Rachel Turner, ela não fora criada para ser uma mulher,
mas sim um soldado.
A
casa ainda guardava o quarto que ela devia usar quando viveu ali. Era quase o
quarto de uma adolescente, mas nele não havia nenhum cartaz de filme ou banda.
Não tinha nenhum diário cheio de corações. Era tudo muito sóbrio, como se ela
não tivesse vivido nada do que seria normal. Medalhas de primeiro lugar que iam
desde olimpíada de matemática até vários esportes. Fotos de formaturas, imagens
dela com os pais. Vídeos de apresentações de dança. E muitos, muitos livros.
História, mística, meditação e outros temas dominavam uma enorme estante.
O
que tornou Rachel assim e, principalmente, por quê?
No
FBI, Neal tentava se concentrar. Não parava de pensar no caso de Rachel, mas
sentia que Peter estava tentando afastá-lo. Sabia que eles já estavam
procurando por endereços de pessoas ligadas a Rachel. Mas se surpreendeu quando
outro nome apareceu. Um tal de Henry Cass. Amigo da família...e bem próximo de
Rachel.
Não
queriam lhe dar mais informação. Teve que ir espiando. Descobriu que já
estiveram na casa de Nicolle, o que gerou pânico. Com a correria não teve tempo
de conferir se Mozzie conseguiu deixar uma pista falsa que fosse realmente
enganar Peter. Não poderia ficar no escuro assim!
-
Peter! Quero falar com você. Na sua sala. Agora.
-
Baixa bola, eu sou seu supervisor. – Peter falou quando chegaram. – O que quer?
-
Por que sinto que estão me escondendo uma coisa. Todos ficam quietos quando eu
me aproximo. Eu faço parte dessa equipe. – Era tudo uma farsa...ao contrário do
que Rachel acha, não sou o cachorrinho do FBI, pensava.
-
Neal...você era o namorado da Rachel! Não dá pra, do nada, pensar que você
possa participar do caso.
-
Eu sou o maior interessado em que ela apareça. – Neal viu nos olhos dele que
tinha acreditado.
-
França. – Foi o que Peter disse. – Eu só não entendo como. Ela estava sem
documentos. Passou por aeroportos tendo o FBI na cola dela aqui e a MI5 caçando
ela na Europa. Mas parece que Rachel foi louca o suficiente pra tentar.
-
Como você sabe... – Neal instigou Peter a falar.
-
Chegamos à casa da mãe dela. Que foi abandonada. Os vizinhos não fazem ideia de
onde ela está. Poucos conheceram Rachel. Um a chama de ‘garota fantasma’,
porque às vezes aparece e some sem dar pistas.
-
Porque França? Tem certeza?
-
Tinham revistas que indicavam isso. Além disso, Rachel morou lá. E eles não
fazem acordos de extradição. Mas Neal...a casa é tipo um santuário. A mãe e o
pai da Rachel parecem que criaram uma máquina de perfeição.
-
Nossa! – Precisava ir pra casa e ouvir a versão do Mozzie. Saber o que era
plantado por ele e o que era real daquilo que Peter falava.
-
Então nós vamos pra França...não está no meu perímetro permitido. – Se Peter
fosse e eu ficasse, ganharia tempo pra procurá-la.
-
Você fica, eu só irei depois que confirmar que ela está lá...não sei...algo me
diz que ela não tá longe. Acho que ela vai tentar sair do país, mas ainda está
perto. Muito perto. Eu sinto isso, Neal.
-
Ela é inteligente, muito. Não ia ficar por perto. – Neal teve a certeza de que
precisava tirar isso da cabeça de Peter – E tem contatos na Europa. Deve ter
conseguido a proteção de alguém. Numa dessas, está se bronzeando numa praia
francesa e rindo da nossa cara.
-
Pode ser. Já pedi autorização para colocar agentes nisso. Enquanto isso, vamos
tocar os outros casos. Pronto pra trabalhar?
-
Claro. – Não tinha como negar.
Algumas
horas depois...
Neal
chegou no apartamento e pressionou Mozzie. França era armação dele...justamente
porque seria fácil comprarem a ideia sabendo que Rachel morou lá. Com as
dificuldades impostas pelo governo francês no auxílio a investigações
internacionais, seria difícil decretarem que Rachel não estava lá. O resto era
tudo verdade.
-
Eu não chamaria de santuário...é mais um lugar de treinamento. Ela foi treinada
para ser o que é, Neal. Eu trouxe umas coisas pra você olhar.
-
Não estou interessado! Acredito em você. Eu to enojado de tudo isso. Ela
sumida, a gente dependendo desse colar e enganando o FBI pra proteger ela. Essa
mulher é uma completa decepção, uma assassina! E agora eu estou amarrado a ela
e ao FBI. Porque eu não posso pedir para ser liberado da pena ou ficarei no
escuro, sem saber o que descobrem. A Rachel conseguiu virar a minha vida ao
avesso.
-
Você pode esquecer tudo, desligar esse receptor e seguir com a vida. Pode dar
adeus à Rachel, Neal.
-
E nunca saber se meu filho nasceu. Não!
Como
Neal estava irritado demais, Mozzie não insistiu nem tentou conversar. Tinha
que dar alguns minutos de paz para seu amigo.
Horas
depois...
Não era possível ficar o dia todo
ali esperando o receptor emitir algum som. Então Mozzie e Neal programaram o
sistema para gravar tudo que ocorresse. Não podiam perder nada. Ela tinha
passado a maior parte do dia em silêncio, seja no quarto ou caminhando pela
casa. A falta de liberdade estava deixando Rachel nervosa.
- Vamos jantar? – Nicolle lhe
perguntou. – Quer que eu faça alguma coisa em especial?
- Não...deixa que eu preparo. – Ela
riu. – Porque me olha assim, mãe? Eu sei cozinhar muito bem.
- Sim, mas raramente se oferece pra
cozinhar.
- Ao menos terei alguma coisa pra
fazer. O que tem pra preparar?
- Tudo que você possa imaginar. Eu
enchi os armários. Tenho que alimentar meu neto.
- Não vou nem te responder. – Depois
se ouviu uma porta abrir quando Rachel foi pra cozinha.
Ela cozinhou algo rápido por que
logo estavam comendo. O clima estava mais leve entre mãe e filha. Elas estavam
tentando conviver.
- Amanhã preciso que você saia e
compre um computador...preciso descobrir como estão as coisas.
- Ok...Rachel você não pode
realmente querer ficar presa nessa casa por meses. Você precisa pegar sol,
respirar. Vai enlouquecer aqui, filha.
- Não posso, é muito arriscado. O
agente Peter Burke está me investigando. Sei que está. Ele é daqueles que não
desiste e vai me caçar até no inferno. Ele prendeu o Neal duas vezes. Isso diz
muito dele.
- Saia do país então. Vá para longe.
Você já se reinventou outras vezes. Deixe de uma vez por todas a Rebecca no
passado.
- Não posso. O Neal ferrou com isso
quando descobriu minhas identidades falsas. Isso que eu dei um tiro nele...
- Você atirou no pai de seu filho?
- De raspão. Mas eu devia ter
machucado um pouquinho mais. Só pra ele aprender a não mexer no que é dos
outros!
O olhar com que Mozzie encarou Neal
era um aviso...a mulher era um perigo. Voltaram a encarar o receptor.
- Primeiro eu tenho que resolver a
questão do bebê. – Neal respirou fundo. Como assim resolver? – Sair por aí
grávida está fora de cogitação. Minhas alternativas são ou aborto ou ficar por
aqui até o parto e, depois de...dar um destino a criança, aí sim, fugir por alguma
fronteira ou tentar uma nova identidade falsa. Mas eu tenho medo. O Neal é do
ramo...conhece falsificadores. Poderia facilmente descobrir meu novo nome e me
entregar mais uma vez.
Elas
saíram da mesa antes de voltar a falar.
- Filha...você já pensou em...digamos...já
que vai entregar o bebê para alguém...entregar ao pai do bebê. Você disse que
ele está com o FBI. Talvez ele esteja se tornando uma pessoa melhor e possa
criar o filho.
- Não, nem pensar. – Ela sequer
cogitou.
- Mas por quê?
- Se for para ser criado por
criminosos, então eu mesma crio. O Neal acha que mudou de time, engana a si
mesmo, mas no fundo ele sempre será o mesmo falsário em que ninguém deve
confiar. Eu confiei...e acabei num macacão laranja numa prisão.
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