Petter estava com
pressa. Todas as evidências recolhidas no apartamento de Rebecca...ou Rachel,
como agora precisava aprender a chamá-la, precisavam ser catalogadas e enviadas
ao depósito antes dele sair de férias com Elizabeth. E depois iria ser
promovido. E eu? Ganharia uma outra babá...não...isso não podia ocorrer. Terei
de falar com ele. Preciso da minha liberdade, sem tornozeleira.
O toque no telefone
me impediu de falar.
-Alô! – Respondeu Petter um tanto
irritado. Ele realmente estava precisando de férias. – Como?
- O que foi, Petter? – Algo de
errado estava ocorrendo. Ele me fez um sinal pedindo silêncio. – Como assim em
dois dias? Eu estou para sair de férias...preciso fazer isso...ok, eu
compreendo. Me mantenha informado.
- E aí? Diz logo. – Apressei.
- O interrogatório da Rachel foi
adiado.
- Por quê?
- Parece que ela passou mal. Foi levada ao hospital.
Por tanto não está em condições de vir falar comosco. Desgraça! Isso vai
atrasar tudo. Ela fez de propósito, eu sei. Fingiu um mal estar e vai ganhar
dois dias de molho.
- Ei Petter...ela pode ter se sentido mal mesmo. – Mas
no fundo eu queria que não fosse nada disso. Que fosse tudo uma farsa. Rebecca
é esperta, tanto quanto eu, podia estar armando uma fuga. – Vamos lhe dar um
voto de confiança?
Eu não iria alertar Petter da possibilidade de uma
fuga. Existe ética entre os bandidos também, não nos traímos para ajudar um
engravatado. Rebecca pode até ser uma assassina, mas não me matou quando teve a
chance. Não vou traí-la mais uma vez.
- Voto de confiança?
- Sim, por que não? Rebecca é uma mulher frágil e...
- O que há com você Neal? Ainda perdido de amor pela
farsa que ela é? A Rebecca não existe! Ela se chama Rachel. RACHEL! E se trata
se uma assassina. Não vou dar voto algum de confiança pra ela!
- Ok, ok. Vou pra casa. Devia ir descansar também.
Vendo New York pela minha janela, com um cálice de vinho
na mão pensava nas surpresas que essa cidade me trouxe. Cada dia de trabalho no
FBI, Sara, Rebecca...Inferno...eu não desejava pensar nela. Mas estavam as
lembranças dela ali naquela sacada. O saber da boca carnuda, o brilho do cabelo
ruivo ao luar, a inteligência apurada, a entrega sexual...tudo uma mentira.
- Se trocou a vodka novamente pelo vinho é sinal que
a dor de cotovelo está melhorando. – Esse comentário só poderia ser de Mozzi,
que entrou sem bater.
- Não sei do que está falando.
- Ok, vou fingir que acredito para enaltecer o seu
ego. – Ele se serviu do vinho. – Como foi o interrogatório da Rachel?
- Não foi...ela passou mal e foi pro hospital.
Pela segunda vez Rebecca conseguiu algo raro: surpreender Mozzi.
- E essa ruga na sua testa é preocupação por ela
estar doente ou por ela estar armando uma fuga maluca?
- Não estou preocupado.
- Ora Neal...economize o meu tempo e o seu. Pegue
logo o telefone e ligue pro hospital. Está louco pra fazer isso.
Para Mozzi eu não precisava nem conseguia ter segredos. Estava louco para saber como Rebecca estava. Peguei o telefone e expliquei para a secretaria que era assistente de Petter Burk. Como precisávamos agendar o interrogatório, necessitamos saber o real estado da paciente.
- Bom, Sr Caffrey, ela chegou
aqui enfraquecida, tinha tido crises de vômito no dia e noite anteriores e, ao
perder os sentidos, foi trazida. Está recebendo soro na veia. Não acreditamos
que seja grave a ponto de deixá-la mais de algumas horas aqui.
- E o que ela tem? – Perguntei
torcendo para a mulher não perceber que aquilo era íntimo demais para o FBI
desejar saber.
- Não podemos afirmar.
Provavelmente uma virose. Coletamos sangue...apesar dela estranhamente ter
tentado se negar a fazer os exames. Tivemos que mantê-la algemada no leito.
Desliguei depois de agradece a
enfermeira e fiquei pensativo. Mozzi respeitou meu momento de preocupação...por
alguns segundos.
- Desembucha. – Disse.
- Ela está algemada ao leito...se
sentindo mal e...
- NEAL CAFFREY é você que está
aí? Neal quantas vezes nós já fingimos passar mal. Ela não tem nada...seria uma
hora muito cômoda para ficar doente.
- É mas...parece que é verdade.
Ela chegou fraca. As enfermeiras saberiam identificar uma farsa.
- Ela enganou a nós, Neal. Pode
enganar uma enfermeira. – Ele me observou longamente. – Pelo que entendi...ela
volta para o presídio amanhã e o interrogatório é só daqui dois dias...vá vê-la
amanhã. É o que deseja. Então vá.
Minha mente desejava distância.
Ela não me fazia bem. Ela era eu...antes do FBI. Mas eu a desejo, quero estar
com ela. Eu vou. É claro que vou.
Trabalhei tranquilamente pela
manhã e comentei com Petter sobre o que aconteceria quando ele deixasse a
sessão. Não soube me responder. Resolvi aguardar mais para lhe comunicar minha
decisão. Primeiro precisava resolver a questão de Rebecca. Pedi uma folga no
turno da tarde. Ocupado com muitas papeladas de antigos casos, ele me liberou.
Fui ao presídio. Esperava encontrar uma mulher pálida, adoentada, mas não. Com
a pele brilhando e os cabelos encaracolados presos, Rebecca estava a mesma. Só
seu pulso trazia a marca do soro.
- Olá, Neal Cafrey. A que devo a
visita?
- Você disse que ainda nos
veríamos, lembra? – Não toquei no assunto real de início. – Queria entender por
quê?
- Porque você é apaixonado por
mim, porque eu sou apaixonada por você, porque nós somos iguais e porque nós
queremos a mesma coisa: o diamante.
- O que te faz pensar que eu já
não estou com ele?
- Eu sei que não está.
- Seu depoimento foi adiado.
Mais uma farsa sua? Agora você desmaia pelos corredores do presídio? – Ela
ficou mais pálida.
- Não é da sua conta se eu
desmaio ou não. Não pedi para vir aqui.
Por alguns minutos apenas nos
olhamos...éramos realmente muito parecidos, mas não iguais. Eu não sou um
assassino. Jamais. Ela matou friamente. Siegel, um agente de FBI e Hagen, um
desgraçado, mas ainda assim um ser humano.
- Por que, Rebecca? Por que
matar pessoas? Você era uma agente, você não precisava disso.
- Rachel. Me chame de Rachel.
Tive minhas razões para ser o que sou e não vou dividir isso com você. Amanhã
estará com o FBI já que agora você é mais fiel a eles do que aos iguais a você.
Eu estou aqui por sua culpa.
- Está aqui porque matou dois homens.
– Mas no fundo eu me sentia culpado.
- E você deveria me
agradecer...um deles estava prestes a te encarcerar para o resto da vida. O
outro ia te matar. Eu salvei você e como pagamento, Neal Caffrey, fui
apunhalada.
Com essa eu ri alto. Eu tinha de
agradecer o fato dela matar pessoas e mentir pra mim descaradamente? Essa
mulher só podia ser louca mesmo. Petter estava certo. Rachel é uma maníaca,
obcecada por mim.
- Você me enganou desde o
primeiro dia! Você não é a mulher que eu penso que é porque é uma imitação
barata das minhas ex namoradas. A inocência de Kate, inteligência de Sara,
fascínio de Alex. Tudo uma mentira.
- E você, Neal? O que estava
fazendo naquele dia? Lembra? Estava armando um golpe pra mim! E se eu realmente
fosse a garota que trabalhava no museu? Você teria me roubado, me encrencado
com a polícia e me feito perder o emprego...sem um pingo de remorso. E depois
dormiu comigo como se isso apagasse tudo.
- Você esteve no comando o tempo
todo!
- Mas você não sabia e brincou
comigo da mesma forma. Todo aquele charme não existe? Era tudo uma mentira pra
me seduzir? Não Neal...nós sabemos que não é assim. A inocência, a inteligência
e o fascínio não privilégios de suas ex namoradas. Eu estive lá o tempo todo.
Quando pesquisávamos aqueles símbolos que eu estudei a vida toda e também
quando estávamos na cama.
- Não tente me comover ou me
enganar novamente. Estou vacinado de você. Eu sinto nojo de você, Rachel! – Eu
vi, pela primeira vez, ela demonstrar um sentimento verdadeiro: magoa.
- Não se julgue melhor do que eu, Neal...você
não é. Você se alia ao bandido e ao mocinho...e os trai conforme a necessidade.
Agora suma daqui, Neal...e não se preocupe...durante o meu depoimento eu não
direi ao Petter que você veio me visitar.
Saí de lá pensando no que
Re...Rachel disse. Eu não concordava, não era como ela. Ela era uma assassina,
eu um ladrão. Mas se fosse completamente sincero, muitas vezes tive vontade de
matar o Holandês e sim, eu a traí.
Mais dois casos urgentes
surgiram e eu e Petter não paramos um minuto. Eu tentei sair quando chegou a
hora do interrogatório de Rachel. Ele não permitiu. Ela chegou algemada, uma
imagem triste. Por trás de um vidro eu a via, tinha dito para Petter que não
entraria. Ele concordou. Mas ela parecia me encarar pelo vidro. Sabia que eu
estava ali e sabia que me machucava vê-la assim.
No final das contas, o
interrogatório não serviu para muita coisa. Ela não contou porque cometeu os
assassinatos e afirmou não saber onde estava o diamante. Petter tentou
pressioná-la com informações do passado, mas nada, nenhuma reação. Aí, para meu
desgosto, ele se voltou para a nossa relação.
- Não é muito fácil enrolar Neal
Caffrey. Você conseguiu isso e ainda enganou o FBI.
- Enganar o FBI foi muito mais fácil! – Ela
respondeu e eu ri. Essa é a minha garota!
- Você brincou com ele e perdeu
seu aliado.
- Eu entendo que ele esteja
chateado comigo.
- Entende?
- Sim...não queria magoar o
Neal...foi exigência do ofício. – Ela se aproximou de Petter. – Eu não vou lhe
falar que lhe ajude a me trancafiar. Está perdendo seu tempo comigo.
- E a trancafiar o Neal? – Eu
não acreditei quando ouvi Petter falar isso. – Ele confiou em você o que anda
fazendo de ilegal?
Ela demorou para responder e eu
não respirei. Mesmo que a palavra dela não tivesse muito valor, eu e Rebecca
tínhamos roubado uma janela juntos e ela sabia de mais algumas coisinhas. Podia
me criar problemas.
- Não, Sr. Burk. Eu não sei de
nada ilegal quanto a Neal Cafrrey. Ele não confiava em mim tanto assim...ou
está realmente regenerado.
- É claro... - Também não gostei do tom de descrença de
Petter.
Três
dias depois...
Nenhuma notícia de Rachel. Nada
de novo no trabalho. Era o último dia de Petter, teria festinha e tudo. Os últimos
dias tinham sido mais calmos, isso me dava mais tempo para pensar. Tive que
aceitar que por mais difícil que fosse, sentia a falta dela. Além disso, Mozzi
e eu resolvemos que, após Petter deixar o escritório, iríamos atrás do
diamante, afinal, agora mais ninguém o procurava. Era só nosso. Eu só precisava
falar com ele sobre a tornozeleira.
- Como assim sem um novo
supervisor? Neal...sua pena ainda não está completa. – Ele respondeu assim que
toquei no assunto.
- Quero ser livre, Petter, sem
tornozeleira. Você pode solicitar que eu seja libertado afirmando que estou
pronto.
- E você está pronto, Neal? –
Como ele queria que eu respondesse? – Eu não tenho certeza disso.
Não nos falamos mais no resto do
dia. Nem participei da festinha. Fui para casa beber com Mozzi. Estávamos eu e
ele no final da garrafa e decididos a roubar o diamante com ou sem tornozeleira
quando a campainha tocou. Era Petter...com as mangas da camisa arregaçadas e a
gravata torta.
- Se veio se despedir...boa
viagem! Não estou muito interessado em te abraçar agora. – Disse logo de cara.
A cara dele não estava para
brincadeiras.
- Não...vim porque você não
atende o telefone mas eu recebi uma ligação importante.
- O que foi? Mais uma promoção?
- A Rachel escapou da
prisão!!!!!
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