Horas
se passaram sem que o receptor do colar transmitisse mais algum som. Enquanto
isso, Neal deu uma desculpa esfarrapada a Peter, dizendo que ainda estava
balançado com o que houve e queria ficar em casa. Para garantir que ele não
iria desconfiar, perguntou se eles tinham alguma novidade do paradeiro de
Rachel.
- Nada, Neal. Quando eu souber te
falo. Não faça nenhuma bobagem.
- Eu não vou fazer nada, Peter. Só
vou ficar em casa mesmo.
Ao lado do receptor, ele e Mozzi
discutiam uma estratégia para afastar o FBI e ao mesmo tempo encontrar Rachel.
Não seria fácil. Dependeriam dela deixar escapar alguma informação. Já para
enrolar Peter seria mais simples. Só tinham uma certeza: Rachel não conseguiu
cruzar as fronteiras do país, nem tinha planos para isso. Então o mais seguro
era justamente guiar as investigações nessa direção.
- Eu ainda estou com essa maldita
tornozeleira, por isso vou precisar de você, Mozzi. Muito.
- Ok. – Ela bateu uma continência
exagerada. – Tudo pelo pequeno Baby-Neal que se aproxima.
- Sério Mozzi...a gente precisa
descobrir onde ficava a casa da mãe de Rachel antes dela ir para esse lugar.
Fazer uma varredura lá antes do FBI...e deixar uma pista falsa...uma revista de
viagem sobre o Canadá ou alguma praia paradisíaca na Europa.
-
Isso eu já estou buscando...em alguns minutos te digo. A mãe de Rachel se chama
Nicolle Turner, foi casada por 20 anos com John Turner, agente especial da
Agência Britânica contra a espionagem, a MI5. Ele morreu há 10 anos, em
serviço, quando a filha já também atuava na MI5. Não sabemos exatamente quando
ela tornou-se corrupta, mas ao que tudo indica, o pai era honesto. Durante toda
a vida elas se mudaram constantemente, devido aos casos em que John
atuava...isso explica o fato de Rachel falar várias línguas. E também nos
confirma que ela deve ter muitos contatos internacionais.
-
Descobriu algo que explique como ela sabe tanto sobre história e símbolos
antigos? – Essa dúvida permanecia para mim.
-
Ela se preparou para fazer você gostar dela Neal, isso pode fazer parte.
-
Não. O conhecimento que ela tem é de alguém que gosta do assunto, que convive
com ele. E ela me disse que ‘estudou esses símbolos a vida toda’.
-
Eu vou tentar descobrir, Neal. Talvez na casa da mãe encontre alguma coisa.
-
Você já encontrou o endereço?
-
Sim. Ela estava na lista telefônica. Foi fácil.
Enquanto
Mozzi foi para casa da mãe de Rachel, Neal permaneceu ao lado do receptor.
Nenhum som veio de lá por mais algum tempo. Até que um barulho seco lhe chamou
a atenção. Percebeu que eram batidas de porta.
-
Rachel...você dormiu por sete horas...não vai se levantar? Comer?
Silêncio...
-Eu...si..sim...vou
levantar e tomar banho. – Pode ouvir os barulho de roupas...ela estava mexendo
na mochila. Um estrondo mais forte saiu do receptor provavelmente quando ela
tirou o colar e largou-o sobre algum móvel. – Ai...nossa...
-
O que foi? Rachel! Senta! – Nicolle falou enquanto provavelmente se aproximava
da filha. – Está sentindo alguma dor?
-
Não...é...ficou tudo preto...só uma tontura. Já vai passar.
-
Você está há várias horas sem comer. É isso. Vem...eu te ajudo a tirar essa
roupa e entrar no banho. Tem comida feita.
O
silêncio durou pouco tempo.
-
Nossa...seu corpo está diferente...mais arredondado, menos musculoso. Você está
linda, filha. Eu achava aquela barriga trincada muito masculina, você tá mais
delicada agora...
-
É eu...parei com o muay thai e a ginástica aérea, e diminuí muito a musculação.
-
Por quê?
-
É...eu estava fazendo um trabalho onde eu tinha que fazer um cara se interessar
por mim...e ele...nós investigamos as mulheres que o cara curte e eram todas
delicadas, femininas, com aspecto frágil. Então eu reduzi os exercícios.
-
Mas ficou com seu cabelo natural?
-
Sim...ele gosta de ruivas. E eu gosto desse cabelo.
-
Se está fugindo, vai ter de se livrar dele logo. Esse cabelo não é muito
discreto.
-
É. Por enquanto eu vou ficar com ele. Só por enquanto.
-
Como ela chamava?
-
Rebecca.
-
Parece que você ainda não se livrou da Rebecca por completo. A Rachel que eu
conheço teria cortado e pintado os cabelos assim que teve chance.
Um
novo silêncio prolongado.
-
Acontece que a Rebecca tem muito da Rachel ou a Rachel tem muito da Rebecca.
Agora deixa eu tomar banho. Depois a gente conversa.
A
conversa mostrou algumas coisas para Neal. Nem mesmo o corpo de Rebecca era
real. Até isso ela mudou para agradá-lo...e como agradou. A questão era que ele
não tinha um ‘tipo de mulher’, não era tão previsível assim. Gostava de mulher,
ponto. Rebecca chamaria a atenção de qualquer homem. E era ruiva
natural...tinha mantido os cabelos imitando Sara. Ele nem lembrava mais de
Sara. Ela foi embora para a Inglaterra sabendo que a tornozeleira o impediria
de ir vê-la. Deixou-o sem nenhum remorso. Não merecia ser lembrada, muito menos
servir de inspiração para outra mulher.
Não
conseguia ouvir vozes, mas tinham ruídos vindos do receptor. Só depois entendeu
que a mãe de Rachel estava mexendo nas coisas da filha.
-
Porque isso não me surpreende? – Perguntou Nicolle.
-
Porque sabe que dificilmente eu iria encarar uma fuga sem uma arma. – Ela
estava se vestindo. – Largue isso. Vou deixar em alguma gaveta. Para eventuais
necessidades. Agora vou comer.
Por
sorte ela vestiu o colar.
Rachel
resolveu ser sincera com a mãe como poucas vezes foi na vida. Sentada à mesa,
comendo macarrão com queijo, começou a história.
-
Lembra do Hagen?
-
Sim...ele esteve lá em casa te procurando. – Nicolle nunca confiou naquele
homem.
-
E me achou. Queria me cobrar alguns favores do passado e...me oferecer um
trabalho que, sabia, poderia me interessar. Ele tinha um problema antigo com um
cara que o colocou na cadeia...Neal Caffrey. Neal é um grande ladrão e
falsificador talentoso, mas se bandeou para o lado do FBI em troca de liberdade
vigiada...é tipo o animal de estimação do FBI. – Isso magoou Neal.
-
E o que você precisava fazer?
-
Ele me disse que ia chantageá-lo pra forçá-lo a cometer um crime e ter provas
disso...e esse crime seria roubar páginas de um livro de museu. Eu deveria
estar trabalhando por lá e encantá-lo, além de permitir que ele tivesse acesso,
com o meu cartão de segurança.
-
Com o seu conhecimento, não deve ter sido difícil começar a trabalhar no
museu...mas qual o seu interesse nisso?
-
Eram dois. Primeiro que irritar Hagen não era bom e eu tinha dívidas do passado
com ele. Segundo que...quando me chamou ele disse que pretendia usar Neal pra
conseguir o diamante. Eu poderia me aproveitar disso.
-
Não Rachel! Não! Esse maldito diamante não! Eu já perdi seu pai por essa pedra!
-
Eu o quero e não vou desistir! – Quanto mais ouvia, mais Neal ficava apavorado.
Foi completamente usado por Rachel e
por Hagen. Duplamente usado. E ela contava isso na maior cara de pau do mundo.
Porém, agora percebia que não era apenas ganância. Havia mais por traz dessa
história.
- E como isso terminou? Posso saber?
- Eu me envolvi demais com o cara...
- O tal Neal...
- É...e acabei matando dois caras.
Um deles é o Hagen, o outro é agente do FBI. Não estava nos planos, mas foi
necessário.
- Eu quero a história inteira,
Rachel! – Gritou Nicolle, que não parecia muito surpresa com a filha ter
confessado dois assassinatos.
- Como o Neal estava com o FBI eu
acabei tendo contato com eles...até com a mulher de um deles. Mas era tranquilo
porque ninguém desconfiou...eu era a namorada, passava uma noites na casa dele,
ficava sabendo o que ele poderia estar aprontando...
- Agora faz sexo em serviço feito
uma prostituta?
- Não...mas eu acabei indo longe
demais com o Neal. – Ela gaguejou um pouco. – Se você o conhecesse iria
entender.
- Continue. – Nicolle era tão
objetiva e fria que assustava.
- Aí apareceu um tal Agente Siegel.
Desgraçado! Começou a desconfiar de tudo...até que viu Neal e Hagen juntos. A
ordem do Hagen foi matar e eu sabia que se não fizesse isso, o agente iria
botar o Neal na cadeia novamente.
- E você ficaria sem o diamante.
- É... então matei e me desfiz da
arma de uma maneira que, achei, não iam descobrir. Tudo com o Neal continuou
normal e o FBI não desconfiava. Até que eu percebi que a vingança do Hagen não
acabaria só com o Neal na cadeia...ele queria sangue. Ele ia matá-lo. Então eu
tomei as rédeas do jogo. Continuei obedecendo-o, mas preparei uma armadilha.
Peguei uma falsificação, preparei uma cópia de sua assinatura e coloquei no
mercado negro.
- Ele seria preso...
Mozzi chegou com algumas caixas e
Neal fez sinal para ele se aproximar em silêncio e vir ouvir a interessante
história.
- Sim, seria. Em meio a isso ele
resolveu que nós forjaríamos um sequestro meu. Foi horrível...mas eu encarei
sabendo que logo ele estaria preso. Só que o Neal e um amigo resolveram enganar
Hagen. Como ele tinha um vídeo que mandaria Neal direto pra cadeia...tive que
matá-lo. Foi um golpe muito arriscado e eles acabaram me descobrindo.
- Então você resolveu ajudar o tal
Neal e, com ele, encontrar o diamante?
- Sim...ele mexeu comigo. – Sua voz
ficou mais dura. – Só que ele me enganou e eu acabei presa. Por culpa dele. Mas
agora que fugi eu vou recomeçar tudo novamente! Eu encontrarei outro meio de
buscar o diamante...é questão de tempo. Eu sei!
- Basta Rachel! BASTA!
(Nicolle, mãe de Rachel)
Ouve um estrondo. Elas se levantaram
e Rachel jogou o prato na pia. Depois uma forte batida de porta. Mas Nicolle
foi atrás da filha.
- Não grite. – Rachel falou. –
Ninguém pode saber que você não mora sozinha.
- Aaaa sim, é claro. E você pretende
viver presa aqui...porque fugiu então? Deveria ter se deixado ir para a
penitenciária.
- Eu fui...mas fiquei pouco tempo.
- Eu não acredito! Um crime atrás do
outro por causa de uma pedra desgraçada! Quando isso vai acabar? Quantas vidas
mais você vai tirar? Como fugiu da prisão?
- Não foi bemmm do presídio. Eu fui
levada pra uma enfermaria e...eu até pretendia ficar de molho um tempo pela
cadeia, mas...eles me obrigaram a fazer uns exames e daí apressou as coisas.
Mãe, eu tenho que te dizer uma coisa.
- Não acabou ainda? Você cometeu
mais algum crime?
- Só agredi três policiais e fiz
alguns roubos até chegar aqui...mas não é isso...eu to grávida!
Dessa vez não houve silêncio...
- Você achou mais difícil me contar
que está grávida do que tudo o que falou antes? Ora Rachel...tenha paciência.
Eu consigo lidar melhor com o fato de ser avó!
- Você não vai ser avó porque eu não
vou ter essa criança! Não vou!
Mozzie e Neal se olharam assustados,
não com a frase, mas com o ódio com o qual ela foi dita. Rachel estava convicta
demais, vingativa demais. Surpreenderam-se também com a reação da mãe de
Rachel. Puderam ouvir o estalo da bofetada que ela deu no rosto da filha. Pela
reação de Rachel, ela também não esperava aquilo.
- Está louca? Me estapear assim?
Maluca?
- Escute bem o que eu vou te dizer
Rachel! Eu consigo aceitar que você tenha roubado, agredido e matado pessoas.
Eu aceito que você seja uma foragida da polícia. Mas matar o seu filho você não
vai! Eu não aceito isso! É seu filho! Seu sangue!
- Eu não vou poder ficar aqui muito
tempo esperando o FBI vir bater na porta e não vai demorar muito pra eles
descobrirem que eu estou grávida. Com uma barriga eu não vou passar
despercebida em aeroporto nenhum!
- Pensasse antes! Você foi muito
esperta para enganar pessoas, matar e fugir da prisão. Agora aguente as
consequências! E não faça o seu filho pagar pelo que você fez. Quem é o pai? O
tal Neal? Hagen? Outro?
- Eu não sou uma vadia! – O barulho
parecia de um vaso sendo atirado contra a parede. – E nunca tive nada com
Hagen. Era apenas trabalho. Sim, é do Neal. Mas eu não quero ter que passar a
vida olhando para uma lembrança dele.
- Olha Rachel...eu não vou te dar um
sermão sobre proteção anticoncepcional, seria ridículo devido as
circunstâncias. Você é uma mulher vivida. Devia saber o que está fazendo. Se
realmente não quiser essa criança, espere nascer e dê para alguém criar, deixe
comigo e...
- A lembrança do Neal continuaria na
minha vida.
- Cala a boca! Será que você se
tornou tão egoísta que não consegue pensar nele mais que em você? – Ela
respirou profundamente. – Deixe numa igreja então, na porta de um orfanato. E
nunca mais olhe pra trás. E torça para ser capaz de se perdoar, passando o
resto da vida pensando no que foi feito do seu filho. Mas matar não!
Ela caminhou lentamente até a porta,
abriu-a e, antes de sair, olhou bem para a filha que parecia em choque por suas
palavras.
- Sabe Rachel....a maternidade pode
ser uma grande lição de altruísmo para você. Uma lição que você estava
precisando. Pensa no que eu te disse e dorme mais um pouco.
Depois disso Neal e Mozzie só ouviram
Rachel chorar até voltar a adormecer.
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