Neal
não foi longe. Caminhou apenas algumas quadras e apertou a campainha cujo o
dono é chato, implicante e cheio de manias,mas nunca lhe deixou na mão. A porta
dos Burke estava sempre aberta para ele desabafar, com direito a uma xícara do
café preparado por Elizabeth e alguns conselhos.
- Quer dizer que Rachel arriscou a
vida dela, dos seus filhos e dos meus filhos também. E você finalmente viu que
ela não é minimamente controlada. – Peter resumiu tudo o que ele lhe contou.
- Querido! – Ell chamou a atenção do
marido. – Eu tenho certeza que Rachel não quis nada de ruim. E as crianças
nunca estiveram em risco.
- Eu não sei, Ell. – Neal disse, um
pouco desanimado. - Às vezes penso que, por mais que a ame, e amo muito, não
basta.
- Você está pensando em se separar,
Neal? – A voz surpresa era de Peter. Muito ele já implicou com Rachel. E por
isso mesmo jamais imaginou Neal levando-o a sério.
Elizabeth e Peter trocaram um olhar
desconfiado. Neal estava diferente, desanimado. Seria muito estranho vê-lo
longe de Rachel agora. Eram complicados, ousados, inconsequentes, mas,
claramente, uma dupla. Rachel e Neal se amavam, seria muito ruim vê-los
divorciados.
- Eu não sei se vou me separar. Mas
eu me pergunto como teria sido a minha vida se Rachel Turner não tivesse
aparecido. Ela mudou tudo. Eu...eu não me reconheço mais. Penso naquele Neal de
anos atrás, sem regras e sem limites, e não vejo ele. Eu estou sempre
preocupado com ela. E se eu nunca tivesse conhecido Rachel?
- Como você estaria? – Peter
sentou-se à frente de Neal. A conversa tinha ficado séria demais. – Estaria
livre do FBI, em outro país, talvez cometendo mais roubos. Teria muitas
mulheres na sua cama. Mas não teria uma parceira na vida, nem seus filhos.
- Eu não me imagino sem eles. Nem
sem ela. Mas não quero essa vida, sempre com receio do que ela fará. Se vai
conseguir superar o passado ou ficará presa nele, de vingança em vingança até
destruir tudo o que temos. Eu também queria saber o que aconteceu com meus
pais. Mas não vou tornar isso uma obsessão.
- Acalme-se Neal. É a primeira crise
no casamento. Acontece, mas não acabam com o amor. Esfrie a cabeça Neal. Durma
um pouco. Amanhã a tempestade já não lhe parecerá tão grave.
Elizabeth preparou o quarto de
hospedes. Foi em vão. Para
a preocupação de Peter ficou um pouco mais séria quando Neal avisou que iria
embora, não para casa e sim para um hotel. Ele queria pensar.
- Vou pensar e decidir a minha vida.
Como está, com Rachel arriscando-se por John não podemos ficar.
Pela primeira vez Peter realmente
pensou que ele passava por uma crise. Neal Caffrey não sabia como resolver seu
problema conjugal e estava prestes a cometer um grande erro.
Quando o dia clareou Rachel ainda
estava em choque pela reação de Neal a tudo o que acontecia. Ele tinha lhe
deixado sozinha, sem nada lhe obrigar a isso, pela primeira vez desde que
decidiram ficar juntos. Não ligou para avisar que dormiria fora. Nem para
conferir se George e Helen estavam bem. Isso magoou, mas ela engoliu aquele
amargo sentimento. Se Neal queria assim, faria sua vontade e lhe daria todo o
espaço do qual necessitava.
- Só não espere que eu fique parada
esperando você. – Resolveu olhando-se no espelho e finalizando a maquiagem que
escondia as provas da noite mal dormida.
Logo cedo Rachel apertava a
campainha da embaixada inglesa em
NY. Seu objetivo era conversar com Melissa. Antes, porém,
cumpriu outra obrigação. Agradecer Nohan. Apesar de tudo, ele a tinha ajudado
quando precisou e, mesmo envolto nas mentiras de David Williams, lhe saltou a
vida e lhe possibilitou sair da cadeia logo após o nascimento de Helen. Nohan
merecia um agradecimento.
-
É bom vê-la, Rachel. Não lhe procurei porque entendi que você tinha suas razões
para estar chateada comigo. E também porque Neal não gostaria. Fico feliz em
encontrá-la.
-
Vamos deixar Neal fora dessa conversa, Nohan.
-
Vou ignorar esse seu tom amargo para falar de seu marido porque já vi muito de
perto do que você é capaz por ele.
-
É...melhor ignorar mesmo. Mas me diga uma coisa Nohan. Quando você me cobiçou,
me cortejou, era tudo mentira? Até hoje me pergunto por que jogou seu charme
para cima de mim, mas jamais me propôs algo concreto. Foi apenas uma cortina de
fumaça?
-
Rachel, Rachel...coloque-se no meu lugar. Um grande homem, meu mentor e
conselheiro, me coloca na missão de protegê-la. E eu me deparo com a mulher
mais linda que já vi na vida. E, além de linda ela é brilhante, corajosa e
surpreendente. Não era uma tarefa fácil.
-
Você não respondeu.
-
Verdade...digamos Rachel que se eu nunca te propus nada foi por saber que
jamais largaria de Neal Caffrey. Ele é o seu parceiro. E eu não gosto de jogar
para perder. Só tentaria algo se acha-se que você me daria uma chance.
-
É...bom...eu vim ver Melissa. Posso...
-
Claro, ela está na sala dela. Venha nos visitar quando quiser e saiba que
continuo à sua disposição sempre, Rachel.
O
clima no mesmo ambiente que aquele homem continuava pesado. Era estranho,
parecia, parecia que o ar era diferente. Talvez porque ele não fugisse do seu
olhar, respondia na mesma medida, no mesmo desafio.
Deixando
isso de lado, foi até a irmã, por mais que ainda não estivesse pronta para
chamá-la assim. Quando bateu na porta levemente e entrou sentia o coração galopar.
Podia sentir raiva do pai, podia ter uma relação distante com a mãe, mas não
conseguia sentir raiva por Melissa. Ela já tinha lhe salvado a vida, namorava
seu melhor amigo e olhando-a se via também. Melissa era um pedaço dela. Uma
parte que desconhecia, mas sempre sentiu a falta. E agora elas estavam ainda
mais parecidas.
-
Você não está mais morena! Está ruiva...fica bem assim. – Disse de forma
quase espantada.
-
Agora não tenho mais que esconder nossa semelhança. Entre Rachel. E sente-se. É
bom tê-la aqui.
-
É, eu também acho.
-
O Henry ontem me pediu para te ligar, mas eu achei que deveria esperar o seu
tempo.
-
Você tem sorte de ter encontrado Henry. Ele é o homem mais especial que já vi.
-
Sim, ele é. Mas não acho que você tenha vindo aqui para conversar sobre Henry.
-
Tem razão, vim porque quero te conhecer melhor. Quero ouvir sobre Chiara. E
também saber como você pode ser uma advogada e ainda assim atirar tão bem
quanto eu.
-
Bom...será uma longa conversa. Vou lhe servir um café primeiro.
A
conversa foi longa, mas fluída apenas como dois irmãos conseguiam. As vocês se
conheciam, se aceitavam e se ouviam
calmamente. Melissa contou da infância em Londres, do cuidado estremo de
Brígida e David com sua segurança, dos guarda costas que nunca a perdiam de
vista e das aulas de defesa pessoal. Ali começou o seu interesse por armas e
lutas.
-
Muito jovem, assim como eu. – Rachel comentou.
-
Sim, mas ao contrário do que houve com você, papai nunca gostou ou estimulou.
Ele preferia que eu seguisse uma profissão mais administrativa enquanto mamãe
queria que eu fosse bailarina. Aliás, ela foi ao delírio ao ver um vídeo seu
dançando.
-
Então você se tornou advogada para agradar David? – Rachel fugiu do assunto.
-
Sim, em parte. Sempre
gostei de leis. Mas...elas me levaram a conhecer o crime. E eu percebi que
desejava mais. Então passei a atuar no serviço de inteligência Britânica. Por
pouco nós não atuamos juntas na MI5.
-
E por menos ainda você não esteve na equipe que me procurou.
-
Também é verdade, Rachel. Mas então eu me afastei e assumi na embaixada com
tarefas que iam além das jurídicas. Sempre foi muito cômodo ter alguém tão
capacitado junto do embaixador. Ele não precisa de guarda costas.
A
conversa continuou para temas mais pessoais e Melissa contou sobre Carl, o pai
de Chiara. Um homem que saiu de sua vida tão rápido quanto entrou. Haviam se
conhecido durante um processo jurídico. À época Melissa ainda tinha atuação a
agência, mas já se afastava do serviço mais pesado e perigoso, principalmente
por insistência da família. Carl era um agente dos mais eficientes e duros em serviço. Ela se
encantou por sua força e logo estavam juntos. Quando veio Chiara nenhum deles
estava preparado e ele mostrou que não tinha tanta força sem orgulho assim.
-
Disse que não estava pronto e que iria para uma missão do outro lado do país.
Eu sabia que ele estava fugindo.
-
E você permitiu?
-
O que eu poderia fazer? Forçá-lo? Não. Disse-lhe que fosse em paz, porque não
nos faria falta.
-
E ele? – A história de Mel fez o orgulho de Rachel por Neal crescesse um pouco.
-
Ele foi. E nunca voltou. Morreu durante a missão. Talvez tivesse se aproximado
da filha caso tivéssemos mais tempo. Não foi possível. Eu deixei
definitivamente a agência e fiquei na atividade diplomática, sobretudo por
pensar em Chiara. Ela
já não tinha o pai ao nascer, precisava e ainda precisa muito de mim.
-
Eu sinto muito.
-
Agora sou eu que lhe digo, Rachel. Você tem sorte de ter um homem como Neal ao
seu lado. Ele pode não ser perfeito, mas
ele é um grande homem e ama sua família.
-
Sim, eu sei. Mas nem tudo é bonito no meu casamento. Eu...eu...não sou
exatamente como Neal gostaria. Minha impulsividade o incomoda.
-
Ninguém perfeito. Tenho certeza que Neal sabe disso. E ele te ama tanto que é
impensável imaginá-los separados.
Só
que não foi necessário imaginar. Rachel e Neal estavam separados. Desde a noite
anterior seus pensamentos seguiam rumos diferentes. Agora também seria assim
fisicamente. Neal pensou muito durante aquela noite. E tomou uma atitude
difícil. A única possível para conseguir acabar com aquele problema. Iria
deixar a casa onde vivia com a esposa. Não tinha plano, ao menos por enquanto,
de oficializar o divórcio, mas não mais viveria junto dela. Rachel podia não
reconhecer agora sua atitude dolorosa, mesmo assim ele seguiu com o plano.
Seu
objetivo era conversar com ela calmamente. Dizer que não conseguia conviver com
toda aquela incerteza e que, pelas crianças, deveriam se separar ao menos por
um tempo. Tudo saiu errado. Rachel não apareceu no FBI a manhã toda, por tanto
ela, que deveria ser a primeira a saber, acabou sendo a última. E todos os
outros se colocaram contra ele. Até mesmo Mozz.
-
Não! Ela...é a sua...Diaba Ruiva, são perfeitos, no casamento e no crime...e as
crianças...não! – Disse o amigo, pra lá de surpreso.
-
Chega, Mozz. Não está em discussão.
Peter,
que sempre implicou com Rachel e que muito torceu por um divórcio entre eles
também não aceitou bem a notícia.
-
O que? Mas...Neal...você está drogado?
-
Não! É...melhor assim. Não consigo mais. Ela é imprevisível demais.
-
E foi isso que te atraiu. Neal...ela é a parceira que você sempre desejou e se
rendeu logo ao encontrá-la.
-
E agora vi que não devo me render dessa forma. E chega desse assunto. É pessoal,
é a minha vida.
Aquilo
estava muito estranho. Peter não conseguiu juntar os fios, mas havia algo
pronto a surgir. Neal sempre foi muito bom em mentir, fazia isso usando sempre
a mesma técnica. Ele mentia usando fatos reais, misturava verdades e invenções
para criar um delírio do seu interesse. Logo que teve uma oportunidade Peter
chamou Diana e lhe pediu para ficar de olho em Neal.
-
Como assim se separar? O Neal? – Diana também achou muito estranho.
-
Exatamente. Não é isso...tem algo errado. Observe, tente descobrir o que Neal
está aprontando. Eu aposto que é algo sério e tão grave que nem mesmo Rachel
foi convidada a participar.
Peter
e Diana poderiam até acreditar que havia uma razão escusa para aquela atitude,
mas, para Rachel, ela era clara. Chamava-se falta de amor. Se Neal era capaz de
abandoná-la daquela forma ele não a amava tanto quando um dia pensaram. Talvez
devesse manter a elegância e fingir que não fazia diferença. Talvez fosse
melhor apenas sorrir e lhe desejar felicidade ao lado de outro alguém. Nenhum
daqueles ‘talvez’ combinava com ela. Se a razão oferecida por Neal era sua
personalidade difícil, ele estava prestes a confirmar o quão impetuosa podia
ser.
-
Então é isso? Você quer o divórcio?
-
Eu estou saindo de casa, Rachel. Não quero mais continuar com você, não consigo
mais conviver com você.
-
Engraçado, até dois dias atrás, na cama, você estava bem satisfeito.
-
Não é de sexo que eu estou falando...é de algo muito maior. Vou em casa pegar
minhas coisas.
-
Vá! Mas vá agora e leve tudo. Porque se eu chegar em casa e encontrar algo seu,
sou capaz de destruir tudo. – Ela estava sangrando por dentro.
-
Faria isso? Por pura vingança infantil?
-
O que? Retalhar as suas gravatas italianas? Por fogo nos sapatos? Pode apostar
que sim. Mesmo sabendo que isso não reduziria a raiva que eu estou sentindo.
-
Não fique assim...um dia você...
-
Saia da minha frente Neal Caffrey! Eu te odeio mais que tudo no mundo!
Neal
e Rachel seguiram na difícil tarefa de trabalhar juntos, mesmo estando
separados. Para desespero de Peter, isso não era tão simples. Rachel lhe pediu
autorização para mudar de casa, ir para um hotel ou algo similar. O FBI
precisava autorizar já que ela ainda usava uma tornozeleira de rastreamento.
-
Eu vou pensar nisso, Rachel. Não estamos falando só de você mas, também de duas
crianças. – O chefe respondeu.
Se
os passos de Rachel continuavam monitorados pelo FBI. E Neal também, apesar
dele ter algumas regalias por não responder mais por nenhum crime grave. Desde
que voltou da França com Rachel e se entregou ao FBI já prevendo um acordo, sua
situação com a justiça é tranquila. Ele poderia seguir os caminhos que
desejasse, sabendo que muito raramente alguém se preocupava em revisar seus
registros. Isso o fazia até esquecer que era monitorado. E também enganava
quem, por ventura, resolvesse seguir seus passos.
John
Turner contava ao observar Neal caminhar pela noite sem que o FBI pudesse saber
onde estavam. Cada passo de Neal era um passo de John. Neal não sabia que ele
aparecia ali naquele momento, mas o esperava. Aquele encontro estava marcado há
tempo demais.
-
Vai parar de me seguir e dizer logo a que veio, John? – Gritou quando teve
certeza que apenas ele ouvia.
-
Neal...é bom vê-lo. Já não era sem tempo.
Ė sério? Nossa até eu estou com raiva de Neal não imagino eles separados
ResponderExcluirSim, é sério. No próximo vc entenderá. bjokas
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