Três dias passam rápido. Ainda mais para quem está
apaixonado. Emily e Jonas não se juntaram a família. Ficaram reservados em seu
espaço, ilhados e enamorados. Maduros como eram e com responsabilidades que não
os largavam, ambos estavam satisfeitos em poder fingir não passar de
adolescentes, sem hora marcada nem compromissos. Estavam felizes como nunca,
apesar da distância de Vida.
- Nosso voo parte no fim da tarde, Emily. Tem mais algum
lugar da vinícola ou da cidade que você deseja conhecer? – Jonas perguntou
enquanto eles tomavam café da manhã num hotel de Bento Gonçalves.
- Acho que quero ir no centro comprar presentes. Muitas
roupinhas para Vida, principalmente. Estou sentindo tanto a falta dela.
- Eu também. Aquela pequenininha é danada. Já estamos
assim, impacientes, por apenas três dias longe dela.
- É. Quero trazê-la aqui, logo, assim que possível. Acho
que nunca fui tão feliz, Jonas. Obrigada por me amar e me aguentar, não
desistir de mim, mesmo quando eu não sou a mulher mais doce, mesmo quando trabalho
demais e mesmo quando não demonstro o quanto eu te amo.
Jonas encarou a esposa surpreso por aquela declaração
espontânea e feliz. Sua Emily, agora mais ‘sua’ do que nunca, dificilmente
declarava-se daquele modo. Ele via emoção em seus olhos. Não era típico dela. E,
mesmo assim, aquele sorriso doce complementava sua beleza da forma mais
perfeita possível.
Talvez fosse o ar puro, ou os passeios, as noites de
paixão ou o excesso de vinho. Na verdade, ele havia desistido de entender o
motivo. Preferiu concentrar-se em mantê-la sorridente e relaxada. Aproveitou
aqueles dias para mostrar-lhe mais belezas da região e levou-a às cascatas que
naquele momento do ano não tinham muita vazão d’água, mas eram lindas de ver.
Também voltaram a passear em Azaléia pelos campos. Agora
a égua de estimação de Jonas já estava mais habituada com Emily e aceitou sua
montaria tranquila e obediente. Jonas permaneceu sempre ao lado da esposa, por
segurança, mas confiava que nada de errado ocorreria.
Durante aqueles dias, ele também a levou ao laboratório
de vinhos, espaço onde as amostras eram testadas e aprovadas conforme a
qualidade de cada lote. Emily não fazia ideia de que aquele lugar existia.
- Nível alcoólico, acidez e algumas outras coisas são
avaliadas. – Jonas lhe explicou.
Mas passados os três dias, era hora de voltar para casa e
mesmo aquele tendo sido um período feliz, encaravam a viajem com felicidade por
dela depender seu reencontro com Vida. Naquele fim de tarde o casal encerrou as
compras, dividiu uma última refeição em solo gaúcho, despediram-se dos parentes
e embarcaram de volta para a rotina em São Paulo.
Na mala levavam muito mais do que presentes. Seguia junto
deles muita esperança de conseguirem formar uma família.
Nenhum convidado do casamento ficou no sul junto com
eles. Nem mesmo Jéssica e Lorenzo. Para desgosto de Giovanna, seu filho mais
velho resolveu não estender sua passagem pelo sul. Ela nunca saberia, mas houve
um motivo que levou o casal a ir embora. No dia seguinte ao casamento Jéssica
estava feliz e animada caminhando de mãos dadas com o namorado enquanto Clara
corria e brincava um pouco mais à frente deles quando um casal já idoso se
aproximou. Jéssica inicialmente achou que eles eram vizinhos simpáticos, depois
entendeu que não era bem assim.
- Annita, Fabrício...é bom revê-los. – Lorenzo
cumprimentou-os. Mas em sua voz já havia apreensão. Ele sabia que não seria um
encontro simples.
- Então é verdade. – Annita foi a primeira a se
manifestar. – Já tinham me dito e eu não acreditei. Eu não esperava isso de
você, Lorenzo.
- Não esperava o que, Annita? Que eu refizesse minha
vida? Que encontrasse uma companheira? Que fosse feliz?
- Alice merecia mais respeito, Lorenzo! – Fabrício disse
com a voz baixa, mas dura.
- Mais? Respeito? – Jéssica viu Lorenzo endurecer o tom
de voz e apertar sua mão. – Eu acho que duas décadas de luto foram o bastante,
Fabrício.
- Eu sei que você sofreu. – O pai de Alice disse. –
Sempre achei que um dia iria recomeçar. Mas não imaginava que fosse com
alguém...assim.
A última palavra do antigo sogro, com quem sempre manteve
uma relação amistosa e até mesmo carinhosa, incomodou muito. Eles estavam
rejeitando Jéssica, menosprezando-a. Isso ele não aceitava. Poderiam até mesmo
não aprovar, mas teriam de aceitar e aprender a respeitar.
- Essa é Jéssica. É bom que a tenham conhecido. Ela faz
parte da minha vida agora. Espero que quando a surpresa passar, vocês entendam
que nossa relação nada tem a ver com Alice.
- Não deveria colocar essa garotinha no lugar na minha
filha! – Anitta estava exaltada. – Olhe para você e olhe para ela! É uma
menina! Colocou uma menina no lugar de minha Alice.
- Por favor, Lorenzo, eu quero ir embora daqui. – Jéssica
sussurrou.
- Ainda não, meu amor. – Ele respondeu em alto e bom som
enquanto fazia sinal para Clara vir até eles. – Vocês têm razão. Entrou uma
menina na minha vida, mas não é Jéssica. Conheçam Clara, filha de Jéssica. No
que depender de mim, vocês a verão muito daqui por diante.
Anitta e Fabrício foram embora tão brevemente quanto se
aproximaram, deixando Jéssica triste e Clara desconfiada. A expressão dos
velhinhos não era bonita e feliz como a de vovó Ângela e vovô Francesco.
- Eles tavam tristes tio Lorenzo? Tavam com cara feia!
Aquela vovó tava com cara de dor de barriga!
- Não sei Clara, não sei. – Lorenzo e Jéssica riram. -
Mas não ligue pra isso. Logo a dor de barriga passa.
Eles voltaram para São Paulo e às dificuldades de sempre.
Inclusive as ocasionadas por Jéssica viver numa casa distante e sem um quarto
separado para Clara. Assim, momentos de intimidade do casal ficavam proibidos.
Lorenzo bem que tentou uma alternativa. Mas Jéssica não entendeu.
- Venham passar a noite lá em casa. Clara fica no
quarto de hóspede do apartamento e nós compramos uma babá eletrônica para ouvir
caso ela acorde no meio da noite.
- Não, Lorenzo. Aquela não é a nossa casa. Se eu for
hoje, você vai querer que se repita em outros dias e, aí, isso não acabará nunca.
- Aqui não temos privacidade, Jéssica.
- Eu sei. – Ela também sentia falta dos momentos que
passaram juntos na vinícola, mas não queria ser mantida por ele. – Mas não
posso viver às suas custas. Assim que eu colocar as minhas contas em dia vou
alugar um lugar com quarto para Clara. Eu prometo.
- E até lá?
- E até lá nós ficamos no seu apartamento apenas de
sábado para domingo. Nada mais.
- Uma noite por semana é pouco, Jéssica. Eu quero você
muito mais do que isso.
Jéssica se sentia constrangida. Obviamente, Lorenzo
queria sexo e não estava disposto a ter um relacionamento onde ele era
restrito. Ela o compreendia. Tratava-se de um homem maduro e com grande apetite
sexual. Podia ser viúvo há muitos anos e ter evitado relacionamentos, mas,
alívio com mulheres sempre encontrou e não estava disposto a agir como um
adolescente e frear seu desejo.
- Desculpe-me. Eu sei que é homem e tem suas...
necessidades.
- Não! Pare com isso agora, Jéssica. Não tem nada a ver
com eu ser homem. Você é mulher e me deseja. Sei que gostaria de estar nos meus
braços agora mesmo. Tem exatamente as mesmas necessidades. Talvez mais, porque
é muito mais jovem.
- Não....eu passei anos sem sexo, Lorenzo. Desde que Clara
nasceu. E eu não sentia toda essa necessidade. Agora sinto.
- É porque existe uma diferença entre transar com uma
mulher e amar ao seu corpo. Eu a amei e vou amar sempre. – Explicou Lorenzo. –
Mas não sou um adolescente cheio de hormônios. Posso me segurar até sábado, por
enquanto, num acordo temporário. Mas acho que um filme, abraçados no sofá,
podemos ter, certo?
- Certíssimo!
A vida encontrou sua rotina na rotina dos dois casais. Lorenzo
tentava ser paciente lembrando a si mesmo que Jéssica não tinha sua idade e uma
vida financeira estabilizada. Ela queria e merecia caminhar com as próprias
pernas e ele não tinha o direito de lhe tomar isso. Precisava compreender e
dar-lhe tempo.
A adaptação de Emily e Jonas era outra. Em teoria, a
única diferença era que agora ambos usavam aliança porque ambos já viviam
juntos. Na prática era um pouco mais do que isso. O peso do casamento aparecia
nas menores coisas, agora era oficial, eles estavam juntos legalmente. E isso
colaborava para a conquista da guarda de Vida. Ou ao menos era isso o que Emily
esperava. Ela tinha como certo levar Vida ao apartamento deles em algumas
poucas semanas e não contava com mais obstáculos pelo caminho.
Nada preparou Emily para chegar ao abrigo no dia seguinte
ao seu retorno a São Paulo e entrar ansiosa enquanto Jonas estacionava o carro
e ver Vida nos braços de outra mulher. Não Marta ou uma funcionária. Era uma
candidata a adoção e, assim como ela, estava acompanhada de um marido que
olhava para Vida com emoção nos olhos. Mas aquela filha já tinha mãe! E não
permitiria aquilo. Ainda mais quando Vida chorava no colo estranho enquanto
sempre gostou de estar em seus braços.
- Solte minha filha! – Aproximou-se já pegando a menina
dos braços da estranha. – Eu mandei largar! Solte Vida! Quem pensa que é para
pegar minha filha!?!?!
- Mas...o que isso? Quem é você? – A mulher pareceu em
choque.
- Eu vou chamar a diretora! – O homem gritou.
- Chame mesmo! Marta não deveria tê-los deixado sozinhos
com minha Vida!
- Você é uma descontrolada! – A mulher a acusou.
- E você uma ladra de filhas alheias! E pare de gritar
porque assustando a minha Vida. – Ela acariciou o rosto da bebê que foi se
acalmando. – Está tudo bem. Mamãe está aqui. Ninguém vai pegá-la. Ninguém mais.
Papai já está chegando.
Antes de Jonas, quem chegou foi Marta. Ela também tinha
sido surpreendida pela chegada daquele casal ao orfanato. Gabriel e Eloísa
estavam no cadastro de adoção há muitos meses, já poderiam ter uma criança em
casa há tempos, mas estavam esperando surgir alguém no perfil que desejavam. Uma
menina, recém nascida e de pele branca. Vida enquadrava-se perfeitamente nesse
perfil e eles solicitaram a guarda. Como estavam na lista de espera há tempos e
já haviam passado por todas as entrevistas e testes, tinham a prioridade sobre
a guarda.
- Por favor, Eloísa e Emily não se exaltem dessa forma. A
pequena Vida não deseja isso. Podemos resolver isso sem gritos. – Marta tentou
acalmar os ânimos.
- Assim que essa louca devolver a menina! – Eloísa disse.
– Eu tenho a prioridade sobre a criança!
- Escolha outra! Vida já tem mãe e pai! – Emily
respondeu.
- Não é você quem decide isso, Senhora...qual seu nome? –
Gabriel perguntou.
- Vicentin. – Foi Jonas quem respondeu ao chegar e perceber
algo muito errado. – Sou Jonas, marido de Emily. Posso saber o que acontece
aqui?
- Uma ladra de filhas está tentando tomar nossa Vida,
amor. – Emily gritou.
- Mas que absurdo! Eu pretendo adotá-la legalmente. –
Eloísa respondeu.
- Ela já tem mãe e pai! – Emily respondeu.
Jonas ficou assustado. Olhando para Marta percebeu que o
problema era grave. Vida ainda não era filha deles e pela tranquilidade daquele
casal, era bem possível que eles estivessem assegurados legalmente. A primeira
coisa a fazer era contatar seu advogado e acalmar Emily.
Marta pegou Vida dos braços de Emily para levá-la de
volta ao berçário. Pediu para Gabriel e Eloísa aguardarem em seu escritório,
enquanto Jonas ficava com Emily no jardim para ela se acalmar. Jonas abraçou a
esposa, sentiu-a tremer. Não era nervosismo e sim medo. Ele estava com o mesmo
amargo na boca, de medo, de pânico, em ficar sem Vida.
- Você precisa manter a calma, Emily. Mandei mensagem
para o advogado. Temos de resolver isso com sensatez. – Disse enquanto
acariciava seu cabelo.
- Não serei sensata enquanto tentam roubar minha filha!
Devo sorrir enquanto a ladra de filhas pega Vida? Não! Nem pensar! Vida é
nossa!
Essa Emily era novidade para Jonas. Sempre elegante e
discreta, ela estava disposta a fazer quantos escândalos fossem necessários
para manter afastada qualquer ameaça a adoção de sua menina.
- É claro que não. Mas mantenha a calma. Esse estresse
faz mal à sua saúde e você tem de se cuidar. – Ele disse beijando seu rosto.
Aos poucos continuava acalmando-a. – Eu vou resolver isso. Prometo que não vou
deixar alguém nos tomar Vida.
Marta veio conversar com eles e deu suas razões para que
aquilo tivesse ocorrido. O casal não queria uma criança mais velha e via em
Vida sua chance de adotar. Ela, como diretora do orfanato, não tinha como
impedir. A decisão final era do juiz.
- Se eu decidisse não teria dúvidas de que Vida é sua,
Emily. Você e Jonas já são seus pais, em sentimento e em direito. Mas não
posso resolver isso em favor de vocês. Perdoe-me minha menina. Não pude evitar.
– Ela quase chorava de tristeza.
- Não aceito, Marta! Como pode alguém dar a filha que já
é minha?!?! Minha Vida! – Emily estava revoltada.
Jonas estava disposto a tentar métodos menos corretos.
Seu advogado respondeu a mensagem informando que a melhor alternativa era um
acordo. O casal precisaria abrir mão de Vida, afinal, tinham a prioridade da
guarda. Caso a disputa fosse a um juiz, dificilmente teriam chance.
- Marta, eu posso conversar com eles? Vou tentar um
acordo. – Jonas disse.
- Não é usual. Mas nada aqui é. Fale com eles. Mas veja o
que propõem, Jonas. A lei não permite que haja nenhum acordo financeiro quando
se trata de adoção.
- Não se preocupe com isso. Vou apenas conversar com
eles.
Ao menos inicialmente, pensou Jonas. Se fosse necessário,
não hesitaria em oferecer uma grande quantia para Gabriel e Eloísa abrirem mão
de Vida. Seria muito arriscado, então evitaria. Mas, se fosse necessário, faria
qualquer coisa. Emily, de forma alguma, seria obrigada a ficar sem a filha. Nem
ele, que já amava Vida e não se imagina sem ela. Muniu-se então de toda a calma
e argumentos e torceu para algum deles fazer o outro casal reconsiderar.
- Eu peço desculpas pela forma difícil com que esse encontro
ocorreu. Mas acredito que podemos entrar em acordo. Nós quatro
queremos apenas o bem de Vida.
- Quando eu adotá-la, pretendo lhe dar outro nome. – Eloísa
afirmou. – Ela não é de vocês. E sua esposa não passa de uma descontrolada!
- Isso não é verdade. Emily é minha esposa e é a pessoa
mais controlada, inteligente, sensata e amorosa que eu conheço. Eu peço que a
respeite. Minha Emily já tem sentimentos maternais por Vida. Eu peço que
considerem isso. Vocês viram como ela aceita o colo de Emily. Vida a reconhece
como sua mãe, apesar de tão jovem.
- Ela se acostumará conosco. – Gabriel disse.
- Nós estamos esperando há meses por uma recém nascida! –
Eloísa enfatizou.
- Só nesse orfanato há dezenas de crianças desejando um
lar. Não é só Vida. – Jonas respondeu. - Tenho certeza que alguma...
- Por que vocês não ficam com uma delas então!??!?!
- A senhora está certa, Eloísa. Eu não teria dúvidas em
adotar muitas dessas crianças. Só que não escolhemos Vida. Foi ela quem nos
escolheu. Deixe me contar como ela entrou em nossas vidas. Eu sou proprietário
de uma construtora e Vida foi jogada pela mãe, a quem a polícia já identificou
como sendo uma dependente química, por sobre um muro. O chefe da obra ouviu seu
choro e juntou-a do chão.
- Meu Deus que horror. – Eloísa ficou chocada. – Eu não
sabia. E espero que essa mulher seja presa.
- Sim, eu também. Foi Emily a cuidar dela desde o início.
Foi ela quem a acalentou e alimentou. Eu e Emily nos casamos no último final de
semana e cancelamos a lua de mel porque não conseguimos ficar longe de nossa
filha, nossa Vida. Ela se tornou a nossa vida. Eu não sei como viveríamos sem
ela. Vida já é nossa. Por isso eu peço, eu imploro, que vocês abram mão dessa
prioridade e deixem Vida conosco.
Eloísa encarou Gabriel em silêncio. Ela também
não podia ter filhos e amargava uma triste história de tentativas frustradas de
ser mãe. Ao olhar para Gabriel, Jonas viu nele a mesma preocupação que ele próprio
sentia. Gabriel queria apenas que Eloísa se realizasse como mulher, como mãe. E
ele esperava que ela tomasse a decisão.
- Está bem. E vi como a menina se acalmou com sua mulher.
– Havia lágrimas nos olhos de Eloísa. – Ela é filha de vocês e não nossa. Fiquem
com ela...eu um dia vou encontrar uma filha que me escolha.
- Muito obrigada. – Jonas ficou aliviado. – Eu não
poderia estar mais grato.
- Vamos embora Gabriel. Eu prefiro não me despedir
dela...vamos.
- Eloísa...eu sei que não tenho que me intrometer
nisso...mas se me permite...
- Diga, Jonas. – Gabriel incentivou.
- Eu acho que vocês deveriam conhecer as crianças...as
mais velhas. Talvez uma delas seja a filha que vocês desejam e só esteja esperando
uma chance para fazê-los felizes, como Vida nos faz.
Jonas voltou mais leve para junto de Emily e se sentiu
novamente completo ao lhe dar a notícia. Comemoraram e decidiram orientar o
advogado a apressar tudo. Tinham de fazer logo as avaliações e levar Vida para
casa logo. Antes que mais alguém tivesse a ideia de adotá-la.
- Amo você cada dia mais! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Não
sei se resistiria caso nos tomassem Vida.
- Ninguém vai tomar. Eu não permitiria. Falei com o
advogado. Ele disse que ainda essa semana nós vamos fazer entrevistas com a
assistente social e depois com uma psicóloga. Logo teremos a guarda de Vida.
- Ótimo. E em quatro dias eu farei uma nova inseminação. Um
dia a nossa família ficará completa. Um dia.
Eles enfim foram passar algum tempo com Vida. Muito pouco
devido aos contratempos, mas melhor do que nada. Precisavam sentir a filha,
ouvir seus murmúrios, ver os sorrisos e observar seu desenvolvimento. Ela tinha
crescido nesses poucos dias. Despedir-se foi triste, mas ambos tinham
compromissos. Jonas na construtora e, depois, com Lorenzo, para discutir
mudanças na logística de entrega dos lotes de vinhos Vicentin. Emily voltaria
ao restaurante para retomar as rédeas daquela cozinha.
- Tudo bem nesses dias, Márcio? Algum problema? – Reunir-se
com ele foi sua primeira atitude.
- Nenhum. Tudo perfeito. Os chefes se revezaram e agora
que você voltou poderão diminuir o ritmo. Isso, é claro, se você não estender a
lua de mel com o bonitão.
- Impossível, meu amigo. O bonitão a essa hora já está vistoriando
uma obra em algum canto da cidade. Então vou trabalhar, que é o meu destino.
- Você nem gosta, não é?
- Amo. Aqui também é o meu lar.
- Aaaa eu ia me esquecendo! Tomei uma decisão. Espero não
te desagradar. Um jornal ligou querendo uma foto do seu retorno. Eu ia dizer
que não, mas, eles já fizeram tantas críticas gastronômicas ótimas que eu falei
que poderiam vir.
- Você fez bem. Mas tem uma condição! Nada de foto só
minha. Será de toda a equipe! Avise quando o fotógrafo chegar. Vamos fazer a
foto da equipe no dia do meu retorno, agora como uma mulher casada!
Alguns dias depois aquela foto estava no jornal e Lorenzo
todo orgulhoso ao ver Jéssica na imagem. Ele foi tomar café da manhã com a
namorada e levou um exemplar. Clara também adorou ver a mãe naquela foto.
- Viu como a mamãe está linda, Chiara?
- Vi sim. Tá bonita.
- Parem vocês dois! Mas que coisa...vou ficar com
vergonha.
Depois que acabaram de comer, era hora de Clara se
arrumar para ir para escolinha. Lorenzo a deixaria lá antes de levar Jéssica
para o trabalho e, enfim, ir ele também cuidar dos próprios negócios. Uma
rotina difícil, mas feliz. Enquanto Clara se vestia, Jéssica beijava Lorenzo na
cozinha. Estava tão acostumada a tê-lo ali agora que o ambiente simples nem
mais a incomodava. Ainda mais agora que, com um salário melhor, conseguia viver
de forma digna. Naquele dia ela poderia, enfim, começar a destruir uma barreira
que ainda os afastava.
Jéssica pegou um envelope que estava sobre a bancada da
cozinha e entregou para Lorenzo já prevendo uma pequena tempestade. Dentro do
envelope uma quantia em dinheiro, pouco para ele, uma parte considerável do salário
dela, e a primeira parcela do dinheiro que ele usou para pagar os meses do seu aluguel
atrasado. Quando viu o conteúdo, Lorenzo tirou o sorriso do rosto.
- Nem pensar. Você não vai me dar esse dinheiro.
- É seu. E só uma parte do que te devo. Eu faço questão,
Lorenzo.
- Não! Guarde. Use para comprar algo que Clara esteja
precisando. Não vou pegar um dinheiro que fará falta! Nem pensar! Não!
- Clara não está precisando de nada...
- Use para alugar uma casa melhor então. É isso!
- Não...Lorenzo...eu preciso te pagar.
- Por quê?
- Porque se não pagar, estarei dando razão aos que pensam
que sou uma vagabunda que só deseja te extorquir!
Lorenzo não imaginava que aquilo fosse tão sério e tão
importante para Jéssica. Ela era mais nobre e orgulhosa do que ele pensava. E
isso, mesmo sendo lindo, o irritava demais. Por mais belo que considerasse o
ato da namorada, não poderia ficar com um dinheiro essencial para ela.
- Eu vou pegar esse envelope se isso te satisfaz. Mas se
o dinheiro é meu, posso fazer o que bem entender com ele, certo?
- Certo. Mas sem presentes exagerados. Lembre que esse é
o nosso acordo.
- Claro. – Exagerado era algo muito relativo. – Chiara? O
que você acha de não ir para a creche hoje?
Clara ainda não tinha conseguido trocar seu sapato, mas
veio para a cozinha mesmo assim diante desse convite.
- E pra onde eu vou?
- Nós vamos deixar a mamãe no trabalho e depois vamos
passear. Só eu e você. O que acha?
- Lorenzo...não...
- Passear não é dar presentes, Jéssica. Isso não entra no
acordo. – Lorenzo lembrou à namorada. – Que acha Chiara?
- Eu quero papai! – Logo que disse a palavra ‘papai’
Clara percebeu que cometeu um engano. Ela olhou para a mãe assustada. E depois
para Lorenzo, logo depois, ainda mais tímida. – Ai! Falei o nosso segredo Tio
Lorenzo. Desculpa eu. – Ela cuidou para chamá-lo de tio.
- Não tem problema, filha. – Ele disse lhe piscando um
olho.
- Qual foi a novidade que vocês dois esqueceram-se de me
contar hem? – A cumplicidade deles era linda aos olhos de Jéssica.
- Era um segredo meu e de Chiara, meu amor. Mas já era
hora de te contar. – Clara estava no colo dele, escondendo o rosto em seu
pescoço. – Eu estava precisando muito de uma filhinha e a Chiara me contou que
desejava um papai.
- O tio Lorenzo é o meu papai agora, mamãe. Ele me
escolheu como filha! – Clara complementou.
Jéssica foi trabalhar e nem mesmo conseguiu reclamar do passeio
onde, certamente, Lorenzo encheria Clara de presentes e mimos. Provavelmente
gastando muito mais do que o valor que ela lhe entregou. Apenas beijou a testa
da filha e os lábios do namorado e desejou-lhes um lindo dia de passeio. Eles
ficavam bem juntos. Eram realmente pai e filha. Tinham se escolhido.
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