Emily estava envolta em uma nuvem de felicidade. Nada
poderia apagar aquela sensação de realização plena. Por enquanto, combinaram de
manter a novidade em
segredo. Iriam reunir a família para dar a notícia. Alguns
mais atentos, porém, se olhassem bem em seus olhos ou para o sorriso que não
mais deixava seus lábios saberiam que ela não mais caminhava sozinha. Naquele
corpo agora batiam dois corações.
Ela e Jonas já tinham inclusive ouvido o coração do
filho. E aquele TUM – TUM – TUM ritmado e forte lhes soou como a canção mais
bela e emocionante que o mundo já teve. A gravidez estava confirmada com um
tempo gestacional de seis semanas. Era só o começou daquela aventura.
Leonor bem que tentou lhes oferecer informações técnicas
e indicações de cuidado. Como médica, precisava deixar claro que aquele período
era ainda muito incerto, muito perigoso, ainda mais numa gestação tão
intranquila como aquela se iniciava. Emily e Jonas não estavam muito dispostos
a ouvir, queriam curtir as alegrias primeiro.
- Vão para casa! Os dois! Cuidar de Vida e desse pequeno
que Emily carrega no ventre. E marquem uma consulta de pré-natal quando
conseguirem prestar a atenção no que eu falo! – Rendeu-se a médica.
Agora estavam em casa, após buscar Vida no hotel em que
os pais de Jonas estavam hospedados. A menina estava sorridente, parecia
absorver a felicidade dos pais. Em seu berço tentando tocar o móbile que fazia
minúsculos anjos sobrevoarem seu corpo, Vida recebia o olhar atento e a atenção
dos pais. E recebia a importante notícia. Ela, afinal, era a irmã mais velha e
tinha o direito de saber antes dos outros.
- Mamãe está esperando um nenê. – Coube a Jonas dar a
notícia. – Isso mesmo Vida! Você terá um irmão ou uma irmã!
- Só que vai demorar um pouquinho ainda. Só um pouquinho.
– Emily disse. – Em alguns meses mamãe vai poder dar colo para vocês dois. Não
se preocupe. Você será sempre a nossa primogênita, nossa princesinha Vida.
Quando fecharam a porta do quarto de Vida e puderam enfim
curtir aquela notícia em privacidade, o beijo trocado teve outro sabor. Era a deliciosa
sensação de vitória após a árdua luta. Emily avisou que iria tomar um banho e
surpreendeu Jonas ao avisar que ele podia pedir algo para jantar porque não
iria cozinhar. Ela estava tão feliz, tão animada que finalmente permitia-se um
momento de descanso.
Jonas estava também muito eufórico. Seria pai, algo que
até bem recentemente não estava em seus planos. E horas antes ele implorava à
Emily desistisse sem engravidar, sem saber que seu filho já crescia dentro
dela. Agora parecia essencial para sua felicidade. Era um agradável peso lhe
pesando nos ombros. Mesmo assim, algo ainda lhe aterrorizava. Mesmo quando se
preocupava com a saúde de Emily, transou com ela sabendo que poderia engravidar.
Esse era o objetivo deles. Agora, se essa gestação levasse a esposa à morte, a
culpa seria dele. Ao menos a nova e
surpreende disposição de Emily em se cuidar lhe deu alguma tranquilidade. Na
cama, já prontos para dormir, ele tentou convencê-la a reduzir ainda mais seus
turnos de trabalho no restaurante. Perda de tempo. Organizada como sempre, a
esposa já tinha reorganizado a agenda.
- É claro que vou reduzir. Precisarei incluir as
consultas, além de todas as outras atividades.
- Outras atividades? – Ele não entendeu essa parte. –
Quais seriam?
- Jonas, meu amor, eu sou uma gestante agora. – Incrível
como seus olhos brilhavam ao dizer essa frase. – Minhas amigas que têm bebês
disseram que pilates e drenagem linfática são ótimos. Além disso, temos que ver
se reformaremos esse apartamento ou se vamos para um maior. Precisamos preparar
o enxoval! São muitas coisas.
- E será que no meio dessas coisas todas vai sobrar um
tempinho para o seu marido?
- É claro! Você estará junto comigo na escolha de tudo. E
vamos precisas nos desdobrar para cuidar de Vida também. Ela é muito
pequenininha, não pode ser sentir desprezada agora que temos um bebê a caminho.
- Não deixaremos que isso aconteça.
- Avisarei Márcio para contratar os funcionários que
julgar necessários. Aquele restaurante não me verá muito nos próximos meses! Eu
já trabalhei muito nessa vida, posso tirar uma licença sem dores de
consciência.
- Pode mesmo.
Um licença total não foi tirada. E isso já era esperado
por Jonas. Emily tinha prazer em cozinhar e não abandonaria totalmente suas
panelas. Mas passar a tarde e noite inteiras na cozinha já não combinava com
sua rotina. Ninguém sabia o real motivo da redução de carga horária de Emily,
mas muitos já desconfiavam. Alguns dias depois Márcio entregou para Emily seu
primeiro presente. Um sapatinho branco.
- Não sei se é menino ou menina, mas sei que será muito
amado. Parabéns querida!
- Como você adivinhou? Ainda é segredo!
- Segredo para os outros, my dear. Eu conheço você. Está
mais bela, mais feliz. Essa pele está mais viçosa. Você está com o brilho da
maternidade, Emily.
- Sim, eu estou grávida, meu amigo. Mas não conte para
ninguém sabe. Fique calado por enquanto. Vamos fazer um jantar aqui amanhã a
noite com toda a família. Jonas trará até seus avós do Rio Grande do Sul para
São Paulo para receberem a notícia. Marta virá também.
- Que ótimo! Prepararei um cardápio especial.
Foram dias de muito amor e cumplicidade entre eles.
Concluíram que mais importante que pensar em reformas, apartamentos e enxovais,
por enquanto deveriam curtir a chegada daquele bebê e zelar para que nada de
ruim acontecesse. Jonas preferia que Emily repousasse ao invés de fazer
compras. Nos fins de tarde encontravam-se num parque. Eles junto de Vida
curtindo a chegada do segundo filho.
Quando o tão esperado jantar chegou muitos já
desconfiavam a razão daquele tão inesperado convite. A mesa de jantar,
reservada por Márcio, estava cheia de pessoas ansiosas. Muitos ali já
desconfiavam do motivo. Não era só o brilho especial de Emily. Era também a postura
de Jonas. Ele carregava Vida em seu bebê-conforto cor de rosa dependurado em um
braço e mantinha o outro na cintura da esposa. Não de qualquer forma. A palma
da mão acariciava e amparava o ventre de Emily, era como se ele protegesse um
filho com cada mão.
Vovó e Vovô comportaram-se perfeitamente após a viajem de
avião, cansativa para eles, e descansarem durante toda a tarde. Além de Leonel,
Giovanna e Milena, Marta também compareceu. E, por fim, chegaram Lorenzo e
Jéssica. Para ir ao jantar, o irmão de Jonas exigiu que Jéssica também fosse
convidada, algo que Emily já esperava. Ela, obviamente, estava convidada. E foi
isso que Jonas respondeu ao irmão. Para a família ir completa ao evento, Emily
fez questão da presença de Chiara.
- Bom, agora que estamos todos aqui, acho que o jantar
pode começar. – Jonas pediu um brinde e ergueu sua taça. – Eu e Emily temos uma
ótima notícia para dar. Além de Vida, a partir de agora, nossa família conta
com outro bebê. Por isso eu peço um brinde, em homenagem a essa linda mulher e
mãe dos meus filhos. Brinde esse que ela fará com suco.
- Viva! Bisnetinhos! Viva! – Vovó Ângela não mais
conseguiu manter a compostura.
- Parabéns minha nora. – Giovanna abraçou ao casal. –
Vocês e Vida darão um lar abençoado para esse bebê.
O jantar seguiu até altas horas. Emily manteve-se firme e
sorridente, bebendo apenas suco. Até que Jonas a convocou para ir para casa,
repousar.
- Isso mesmo. Precisa descansar. Ouça seu marido. –
Leonel concordou. – As gestantes precisam de muitos cuidados. E meu Jonas vai
cuidar de você.
- Ele já cuida muito bem sim. – Emily concordou beijando
o marido.
Aos poucos a mesa foi esvaziando. No fim, Jonas e Emily
saíram após colocar os avós e pais em táxis rumo ao hotel. Marta também foi
encaminhada em segurança para seu lar. Depois de se despedirem de Jonas e
Emily, Lorenzo e Jéssica foram com Clara até o estacionamento. A menina estava
longe de sentir sono, ao contrário, apesar da hora avançada, saltitava à frente
dos adultos e mostrava estar cheia de ideias. Só Lorenzo e Jéssica ouviram a
colocação da pequena Chiara. Ainda bem, pois os avós iriam fazer coro ao pedido
da pequena.
- A tia Emily vai ter neném? – Clara perguntou.
- Sim. Está na barriga dela, crescendo. Quando nascer,
será um irmãozinho para Vida. Ou irmãzinha. – Jéssica explicou, pacientemente.
- Aaaa sim. Legal. Mas e eu?
- Você o que, Chiara? – Lorenzo questionou a filha.
- Quando é que eu vou ter um irmão?!?! Eu quero.
Lorenzo riu, e muito. Não só pela pergunta curiosa de
Chiara, mas, principalmente, pela expressão assustada de Jéssica. Clara tinha
pego a mãe completamente desprevenida. Restou a Lorenzo dar alguma explicação.
Difícil era saber o que responder, sua mente dizia uma coisa bem diferente da língua
falada pelo coração.
- Quem sabe um dia o papai e a mamãe lhe dão um irmão. –
Ele tentou ser vago.
- Mas tem de ser logo papai. Porque nenê demora muito,
muito, muito, muito pra crescer. Coloca logo um bebê na barriga da mamãe.
- Clara! – Jéssica gritou. – Isso não é assunto de criança!
- Mas mamãe eu quero um irmão.
- Chiara, comporte-se. – Lorenzo pegou a filha adotiva no
colo. – Um dia papai e mamãe lhe darão um irmão. Um dia.
- Tá bem, tá bem. – Gostar ela não gostou, mas aceitou.
A noite seria passada novamente no apartamento de
Lorenzo. Era assim desde a aparição de Bruno. E Lorenzo jamais escondeu sua
satisfação em ver Chiara
e Jéssica seguras e junto dele. Se por acaso acordasse no meio da noite teria o
calor de Jéssica junto de seu corpo e poderia espiar da porta para ver o sono
de Chiara. Isso para ele era felicidade. Por isso, não tinha plano algum para
permitir a volta de Jéssica para sua antiga casa. Tanto que já havia comunicado
ao dono que Jéssica estava entregando a casa e acertado tudo para que ainda
naquela semana o lugar fosse esvaziado. Tudo organizado. Faltava apenas
informar Jéssica.
- Jéssica...eu tomei uma atitude para facilitar as coisas
para você e espero que não se importe. – Começou ele com calma.
- O que foi?
- Você está feliz aqui comigo? Nesse apartamento? Ele
pode ser o nosso lar, não pode? Clara é feliz aqui!
- Sim, ela é. Eu sou. Nós podemos ser felizes em qualquer
lugar junto de você – Jéssica respondeu sinceramente. Ela não sabia o motivo se
sentir uma tempestade se aproximando. E estava certa.
- Ótimo! Será aqui então. Para sempre. Não voltarão para
sua casa nunca mais. Esse apartamento é agora o seu lar, o nosso lar.
- Não pode ser assim, Lorenzo. Eu não posso me esconder
de Bruno a vida toda. Tenho de voltar para a minha casa. Minhas coisas estão lá,
minha vida é lá, não aqui.
Lorenzo não teve alternativa que não falar tudo de uma
vez. Jéssica não tinha mais nenhuma casa. Porque ele tinha cuidado disso sem
avisá-la, num impulso que na hora pareceu natural, mas que agora soaria para Jéssica
como abusivo.
- Irão buscar suas coisas amanhã e trarão para cá. Esse é
o lar de vocês agora.
- Não, não é. Eu tenho casa, Lorenzo. É simples, mas eu
tenho.
- Não tem mais. Eu avisei ao proprietário que você não
moraria mais lá. Ele até já tem um novo inquilino.
Jéssica se afastou de Lorenzo instantaneamente. Ele podia
tê-la ajudado, ser o namorado mais atencioso possível, o sonho de pai para
qualquer criança, mas nada disso lhe dava o direito de decidir sua vida. A
independência pela qual tanto lutou estava se esvaindo por seus dedos por ela se
permitir todos aqueles mimos. Ou acabava com aquilo agora ou se entregaria completamente
para Lorenzo. E por mais que ele a tenha conquistado e fosse feliz em seus
braços, não podia permitir.
- Você não tinha esse direito. Não tem esse direito. –
Ela disse firme e objetiva antes de sair da sala.
Lorenzo antecipou o que ela faria e antes de Jéssica
conseguir atravessar o corredor e abrir a porta do quarto onde Clara dormia
postou-se em sua frente. Os dois podiam até brigar e gritar, mas não iriam
terminar por algo tão sem importância quanto o aluguel de uma casa. E, ainda
mais, não permitiria que Clara fosse retirada de sua cama no meio da noite.
- Você não vai levá-la daqui. Se acalme e pense antes de
agir, Jéssica. Eu amo vocês! O lugar de vocês é aqui. – Lhe disse colocando-se
na frente da porta. – Clara vai dormir na cama dela, está tranquila, segura e
aquecida. Não vou deixar que a leve para um lugar perigoso no meio da noite. E
você também não vai pra lugar algum.
- Você não pode me prender aqui. E eu nunca deixei nada
de ruim acontecer com Clara. – Jéssica se defendeu. – A criei sozinha por três
anos!
- E ainda não entendeu que não está mais sozinha! Chega,
Jéssica! Nós não estamos brincando de casinha aqui. Eu quero casar com você,
quero ter uma família. Chiara me chama de pai! E como pai dela eu tenho o
direito de lhe dar uma moradia descente!
- E a que eu dava era indecente! Já entendi Lorenzo! –
Ela estava com muita raiva, mesmo reconhecendo alguma razão mo que ele falava.
- Não era o ideal. E você sabe disso. Então se ficou tão
brava assim brigue comigo, grite, me esbofeteie se acha que isso vai aliviar
sua raiva, mas você não sai daqui no meio da noite para aquela casa! Pode me
chamar de homem das cavernas, mas, como a sua segurança e de Clara eu não vou
brincar!
Nesse ponto Jéssica já estava cansada da discussão e
disposta a ceder. O problema era reconhecer que sozinha, por mais que
trabalhasse, não conseguiria dar a Clara o que ela merecia e para Lorenzo era
muito fácil.
- Eu não quero brigar com você. E não quero te esbofetear!
Só não quero depender de você, Lorenzo! Você entregou a casa em que eu moro! Não
pode decidir essas coisas por mim!
- Está bem. Eu peço desculpas. Não farei mais nada assim.
Mas, entenda, você mora aqui agora, comigo. E se um dia você e Clara forem
morar em algum outro lugar será porque resolvemos aumentar a família e comprar
uma casa maior. Jéssica, você e Clara são a minha família, você é a mulher que
eu amo. Como eu poderia não te proteger?
- Está bem. Mas não me esconda mais nada. – Jéssica já o
abraçava e enfim eles foram para o quarto, trocando beijos que antecipavam uma
gostosa reconciliação. – Eu te amo tanto. Tanto que não cabe no meu peito.
Aos poucos Jéssica aceitou que aquela personalidade
protetora era natural para Lorenzo. Ele cuidava dos que amava. Era assim com o
irmão, os pais e avós. Ela e Clara não seriam tratadas de outra forma. E Jéssica
entendeu que assim como ela tinha uma natureza independente, Lorenzo precisava protegê-la.
Sem perder a independência, mas respeitando o desejo de
Lorenzo, Jéssica seguiu se cuidando. Suas coisas agora dividiam espaço com as
de Lorenzo no apartamento e eles viviam como uma família. A casa foi entregue e
o que era temporário tornou-se definitivo. Ambos sabiam que aquele
relacionamento estava a cada dia mais sério.
A família de Lorenzo a tinha aceito completamente. Principalmente
Emily e Jonas. A chefe já era uma amiga e, agora que ela estava grávida, adorava
lhe perguntar sobre aquele período da gravidez. Não que a gestação cheia de
mimos e cuidados de Emily pudesse ser comparada com suas lembranças do período
em que gerava Clara. Mas, ainda assim, os filhos as tornaram mais próximas.
- Jéssica! – Emily a cumprimentou quando chegou no
restaurante. Já era hora dela ir para casa. – Vi um certo carro esperando uma
certa moça lá fora. O que acha de não deixá-lo esperando?
- Eu já vou, Emily. Está se sentindo bem?
- Ótima. Mais disposta do que nunca! Agora vá! Lorenzo
está esperando-a do outro lado da rua. Vá! É uma ordem da sua chefe.
Jéssica saiu pela porta dos fundos do restaurante. Deveria
pegar um estreito corredor lateral, acessar a fachada principal e atravessar a
rua. Logo estaria na segurança dos braços de Lorenzo. No meio do corredor, porém,
sentiu uma mão apertar-lhe o braço. Bruno. Não precisou vê-lo para saber que
era ele. E quando o olhou sentiu medo daqueles olhos avermelhados.
- Sai daqui! Me solta! Socorro!
- Vagabunda! Tava pensando que ia se safar de mim? Que ia
ficar na sombra dele o tempo todo!?!?! – Em segundos Jéssica
estava no chão. Bruno estava a cada dia mais violento. E ela sentiu o primeiro
chute atingi-la no ombro. – Ele não vai te ajudar agora.
- Socorro! Para! Para! Socorro!!!!!!!!!!!!! – Ela continuou
gritando com toda a sua força