Certos hábitos adquiridos há quase 40 anos são difíceis de mudar. Definitivamente,
Emily não estava habituada a ter alguém ao seu redor perguntando como se sentia
a cada meia hora. Era bom, era afetivo, mas também podia ser um pouco chato. Na
quinta vez que Jonas interrompeu sua leitura para checar se ela estava com
alguma dor, ela achou que era hora de acabar com aquilo.
-
Jonas, eu sei me cuidar. Fiz isso sozinha nas últimas quatro décadas. Não
precisa me tratar feito criança. – Ela argumentou.
-
Estou treinando para quando tiver uma criança por aqui. – Ele brincou. – Além
disso, você ainda não tem 40 anos.
-
Estou me aproximando a cada dia.
-
O tempo te fez bem. Você é como o vinho Emily. E nisso eu sou um especialista.
-
Não vou questionar então. E por falar em vinho, você podia abrir uma garrafa
enquanto eu preparo algo para a gente comer. Se você não se importar de eu usar
a sua cozinha.
-
Não prefere pedir algo? Você deveria fazer repouso.
-
Estou ótima! E amo cozinhar. E, antes que você pergunte, um pouquinho de vinho
não me fará mal.
Jonas
não questionou, mas abriu a garrafa com menor teor alcoólico de que dispunha
naquele momento. Depois ficou observando-a mexer em seus armários e geladeira
como se procurasse um tesouro. Seus olhos brilhavam já imaginando a receita que
faria. Ele só imaginava aquele tipo de animação feminina ao entrar em um
shopping center. Emily realmente amava sua profissão.
-
Fiz comprar mais cedo. Mesmo assim acho difícil que tenha a variedade de
ingredientes a qual está habituada.
-
Está ótimo. Farei legumes com molho oriental.
-
Posso ajudar?
-
Você sabe cozinhar? – Essa pegou Emily de surpresa. Realmente não conhecia o
homem com o qual se relacionou nos últimos anos.
-
Um pouco. Eu vivo sozinho e nem sempre quero comer fora. Além disso, você viu o
apresso que minha família tem por uma mesa farta.
-
Então vamos cortar os legumes.
A
comida demorou muito mais do que o necessário para ficar pronta. Não por culpa
de Jonas. Ele realmente sabia cozinhar. Mas a preparação do alimento foi
interrompida muitas vezes porque ambos estavam próximos demais na pequena
cozinha. E, juntos, em meio ao aroma do vinho e o calor do fogão, não resistiam
a trocar alguns beijos.
-
Eu queria muito fazer amor com você essa noite, mas eu não posso. – Emily
enquanto comiam no balcão da cozinha.
-
É, não pode. O que não nos impedirá de aproveitar tudo o que você pode. – Ele
tinha um olhar safado.
-
O que tem em mente?
-
Vamos para o quarto e eu te mostro.
Aquela
foi a primeira noite em que dormiu no quarto dele, na cama dele, nos lençóis
que tinham o seu cheiro. E foi bom. Mesmo não podendo transar. Isso era
realmente estranho para eles. Só que aquela, contraditoriamente, foi a noite em
que mais se sentiu amada. O carinho com o qual foi despida, beijada e
massageada lhe deram tanto prazer quanto uma noite de sexo voraz. E no fim,
pode acomodar-se sobre o peito de Jonas e dormir, tranquila e aquecida,
reconhecendo que era mesmo muito bom ter um parceiro para além de sexo.
Quando
o dia clareou, foi acordada por Jonas se barbeando no banheiro do quarto. Elas
perguntou-se o que deveria fazer e optou por vestir uma de suas camisas e ir
até a cozinha para ligar a cafeteira. O cheiro do café instalou-se no
apartamento e logo Jonas apareceu na sala, ainda de cueca e camiseta. Ele havia
desistido de se arrumar com a pressa de sempre.
- Bom dia. Desculpe acordar você. – Desse um
segundo antes de abraçá-la e beijá-la.
Beijos
matinais eram outra vantagem de quem não expulsava o parceiro no meio da noite,
como ela costumava fazer. Com o hálito fresco e a perfume da loção pós barba,
Jonas estava definitivamente tentador. E, o melhor, ele parecia ignorar seu
cabelo bagunçado pela noite de sono e a pele sem nenhuma maquiagem.
-
Assim vou acabar viciada em você. – Ela disse.
-
Droga! Você descobriu meu plano.
O
único desentendimento da manhã se deu pelos compromissos profissionais dos
dois. Jonas achava perfeitamente normal avisar que teria o dia cheio de
reuniões na construtora, não viria almoçar com ela e chegaria por volta das
20hs em casa. E
esperava que ela ficasse o dia todo sem fazer nada. Emily o olhou como se visse
um extraterrestre no meio da terra.
-
Essa não sou eu, Jonas! Não posso simplesmente ficar em casa lixando as unhas.
Vá para os seus compromissos. Eu vou para o meu restaurante. Minha equipe
precisa de mim.
-
Você está de repouso. – Ele lembrou-a enquanto vestia o terno.
-
Eu conheço os limites do meu corpo. Não irei além deles.
-
Está bem! Te vejo em casa às 8hs da noite?
-
O restaurante fecha às 23hs.
-
Você não precisa ficar até o final. – Ele não queria ficar em casa sozinho. Não
mais. – Por favor.
-
Está bem. Às 20hs, no máximo 21hs, estarei aqui.
-
Ótimo! Além do mais, a Milla sentiria sua falta. – Ele brincou referindo-se a
boneca que Emily colocou na mala quando passaram em seu apartamento.
-
Você achou ridículo, eu sei. Mas eu não consigo me desfazer dela. Eu a tenho
desde muito pequena.
-
Não achei ridículo. É uma lembrança bonita da sua infância. Eu tenho a minha
coleção de carrinhos de quando eu e Lorenzo éramos pequenos. Está lá na
fazenda. Quando voltarmos eu te mostro. – Ele lhe deu mais um beijo e acariciou
seu rosto antes de sair. – Tenha um bom dia. É só bater a porta quando sair.
Vou fazer cópias das chaves pra você.
-
Está bem. Bom dia pra você também. – Emily respondeu e saiu em disparada para
se vestir e chegar cedo no restaurante. Estava feliz.
E
essa felicidade foi percebida no restaurante. Sua equipe recebeu-a com
sorrisos, mesmo não sabendo que fora um problema de saúde afastá-la do trabalho.
Pensavam que ela havia estendido os passeios por Paris. Menos Márcio. Ele soube
de tudo, mas, como já lhe era habitual, manteve-se leal.
-
Vejo que não só melhorou como está explodindo de felicidade. Sua pele, seus
cabelos e seus olhos vibram, minha bela! – Ele disse euforicamente. – Devo
presumir que nosso belo e gentil Jonas Vicentin é o responsável por tudo isso?
-
Sim. Você deve presumir. E mais!
-
Mais? Diga, diga, diga!
-
Agora eu sou a namorada de Jonas e, você não vai acreditar, ele topou ser o pai
do meu bebê!
-
É claro que eu acredito! Jonas é um homem de classe, elegância e bom gosto! Não
jogaria fora uma mulher como você. São perfeitos juntos. Quero ser padrinho do
casamento.
-
Não exagere, Márcio. Namorados.
-
Ok, ok...eu não tenho pressa para comprar o fraque e me pôr no altar junto de
vocês. Deixemos o tempo fazer o seu trabalho.
O
tempo era realmente algo decisivo na vida. Ele fazia tudo mudar. Mesmo o que
continuava exatamente igual. Isso porque o olhar das pessoas ia mudando a
percepção de cada um pelo igual. Um mês se passou. E Emily percebeu que já não
mais sentia-se nervosa ao atender o telefone da casa de Jonas. Não ficava
ansiosa por estar sozinha por lá. Não ansiava pela chegada dele por outras
razões que não saudade. A vida encontrou uma deliciosa rotina entre dormir e
acordar nos braços dele.
Foi
um mês muito bom. Trabalhou todos os dias no restaurante, que seguia com bom
público e agora contava com novos pratos no cardápio. A felicidade trouxe mais
ânimo à Emily. Ela passava várias horas cozinhando e não sentia o carpo
reclamar. Quando foi possível, ela e Jonas voltaram a transar e era tão bom
quanto antes. Com a diferença de que, agora, a noite continuava mesmo após os
corpos pedirem descanso. E sentia em Jonas a mesma felicidade. Ela sentia isso.
Jonas
estava, na verdade, mais do que feliz. Estava realizado. Se soubesse que ter
Emily em sua cama todas as noites e em sua vida todos os dias era tão bom, já
teria assumido o namoro com ela há muito mais tempo. Ela o compreendia muito
bem e não interferia na sua rotina. Emily não ligava várias vezes durante o
dia, nem reclamava da sua carga de trabalho. Na verdade, ela era extremamente
independente. E vivia intensamente seu crescimento profissional. Ele
orgulhava-se dela. Muito. E desejava estar ao lado dela por muito tempo. A não
ser quando a via sofrer.
Driblando
os compromissos profissionais, esteve com Emily numa consulta médica. Leonor
examinou-a em particular, mas ele participou da conversa entre médica e paciente.
Era justo, afinal, ele tinha importante papel naquele tratamento. A orientação
da médica era seguir confiante no tratamento porque o caminho ainda era longo.
Emily fez uma nova ultrassonografia e ela apontou que ainda não era indicado
engravidar. O útero não estava recuperado da raspagem.
-
Minhas cólicas estão voltando. Acho que não tivemos o resultado esperado. – Ela
disse à médica.
-
Você não me contou isso. – Havia um pouco de mágoa na contestação de Jonas à
frente da médica.
-
Eu...achei que não precisava falar. Você não ia poder fazer nada mesmo.
Jonas
não disse nada mais nem durante a consulta ou ao chegar em casa. Mas ficou
chateado. Emily não conseguia se abrir por completo. Ele não sabia muito bem
como conviver com isso, mas imaginou que pressioná-la só pioraria tudo. Então
não a recriminou, mas ficou atento a ela. Se suas dores estavam voltando, Emily
precisaria de cuidados.
Alguns
dias depois da consulta médica, ele teve uma rotina de trabalho particularmente
pesada. Tudo porque, ao ganhar uma licitação, a construtora precisou
intensificar os trabalhos. Ele vistoriou dos canteiros de obras e até seu
almoço fora durante uma reunião de negócios. Um dia realmente exaustivo. Como
já era de costume, Emily não telefonou durante todo o dia. Mas confirmou que
deveria chegar em casa antes das 22hs.
Ele
a conhecia bem. E mesmo sem ela lhe dizer uma palavra, quando, ao chegar em
casa, Emily recusou uma taça de vinho e preparou uma xícara de chá, percebeu
que havia algo de errado. Discretamente, observou quando ela engoliu algumas
cápsulas na nécessaire e engoliu.
-
Analgésicos?
-
Sim. – Ela estava constrangida. – Não é uma fase boa do mês para mim. Eu não
estou acostumada a ter ninguém perto de mim nesse momento. Eu fico um pouco
anti-social. Me ignore. Está bem assim?
-
Eu não posso ignorar que você não está bem, Emily.
-
Tem razão. Eu acho que eu vou voltar ao meu apartamento. É melhor. Não te
incomodo nem fico constrangida. Em alguns dias estarei bem e a gente volta a se
falar.
-
Você só pode estar brincando! Nem pensar! Isso não é uma brincadeira de
casinha, Emily. Quando o bebê estiver doente nós também vamos resolver as
coisas assim? Ignorando?
-
Não! Claro que não. – Ela não sabia o que dizer. Mas tê-lo ali, precisando
disfarçar a dor que sentia era insuportável. – Eu vou me deitar. Com licença.
Jonas
deixou-a sozinha. Entendia que ela precisava de privacidade. E quando
finalmente entrou no quarto e acendeu as luzes, percebeu que ela estava em sono
pesado, provavelmente causado pelos fortes remédios. Então deitou-se sem fazer
nenhum barulho na intenção de deixá-la repousar. Ele dormiu bem, até ser
acordado às 3hs40min. Não foi nenhum barulho a acordá-lo, nem luzes no quarto.
Seu corpo pareceu perceber os lençóis esfriarem e quando se deu conta estava de
pé, procurando por Emily. Viu que ela estava no banheiro e bateu à porta.
-
Eu já vou voltar, Jonas. – Ela lhe respondeu.
Mas
quando finalmente a viu novamente, percebeu que ela tinha os olhos nublados pelos
remédios e o corpo um pouco curvado para frente. Ele sabia qual o problema, mas esperou que
ela lhe dissesse. Esperou em
vão. Emily deitou-se evitando tocá-lo e não disse nenhuma
palavra. Lhe deu às costas e enrolou o corpo, mantendo vários centímetros separando-os.
Passaram alguns minutos e ele, pelo ritmo da respiração, soube que ela seguia
acordada. Não podia, nem conseguiria dormir daquela forma.
Levantou-se
e ignorou o resmungo de Emily. Ela disse algo sobre estar bem e não necessitar
de cuidados. Uma mentira deslavada. Na cozinha, preparou uma bolsa de água
quente e levou para o quarto.
-
Coloque na frente da barriga. – Lhe disse enquanto deitava-se às suas costas e
puxava-a, unindo seus corpos. – Assim, mais aquecida você vai se sentir melhor.
-
Eu já tomei remédio. Você não precisa se preocupar.
-
Claro que preciso. Não posso simplesmente ignorar o seu problema, Emily. É
impossível vê-la sofrer e não fazer nada. Então me deixe ajudá-la.
Emily
aceitou o carinho e o cuidado de Jonas. Não soube direito se foi fala doce dele
em seu ouvida, a bolsa de água quente ou os remédios, mas sua cólica aliviou
aos poucos e ela dormiu tranquila.
Na
manhã seguinte ainda sentia os desconfortos aos quais já estava habituada. Tinha
certeza de que, com algum esforço, poderia ir trabalhar. Jonas não concordou e resolveu
que também tiraria folga naquele dia. Os dois aproveitaram para descansar, ver
um filme, almoçar juntos e namorar. Foi um dia quase perfeito em que ela chegou
muito perto de esquecer da dor.
Em casa, Jonas não fazia ideia de que seu irmão entrava
na JRJ Construções à sua procura. Aquele ambiente muito claro, frio e iluminado
definitivamente não combinava com Lorenzo. Ele se apresentou na recepção e foi
entrando. A secretária lhe disse que tentariam localizar Jonas. Mas, enquanto
isso, pediu que esperasse em sua sala.
Lorenzo ficou lá, pensando, perguntando-se como seu irmão
conseguia trabalhar ali por tanto tempo. Era bonito. Era agradável. Mas não era
o lugar deles. Estava explicado porque Jonas corria para a fazenda que tinha
uns dias de folga.
A porta se abriu e ele viu uma jovem, muito jovem, entrar
carregando uma bandeja. Com os cabelos muito claros e traços de menina, era difícil
pensar que trabalhasse, mas o uniforme informava isso.
- O senhor aceita um café? – Ela disse com uma voz muito
fina e delicada.
- Sim, eu aceito. Mas pode me chamar de Lorenzo.
Ela sorriu um tanto tímida e ele se sentiu um idiota por corrigi-la.
Que diferença fazia a forma como ela o chamava quando essa seria a única vez
que se veriam.
- A secretária do Sr. Jonas está tentando localizá-lo,
mas ele não atendeu ao celular. Assim que conseguirmos, ela lhe avisa.
- Você sempre chama a todos de senhor e senhora? – Ele não
resistiu a provocá-la e ver-lhe ficar ruborizá-la mais uma vez.
- Ele é um dos diretores. Preciso tratá-lo com respeito.
- Claro, claro. E como é o seu nome?
- Jéssica.
- Então...seu café está ótimo, Jéssica. Mas eu acho que
vou ao apartamento de Jonas. Estou com palpite que ele está em casa. Adeus , Jéssica.
- Adeus, Senhor Lorenzo.
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