A
amizade de Melissa e Emily já tinha duas décadas. Elas se conheceram em Milão
quando embarcavam de volta para São Paulo. A história de vida de ambas não
poderia ser mais diferente. Melissa nasceu em uma família nobre, viajou a vida
toda, falava diversas línguas e trocava de namorado mensalmente. Era difícil um
homem agradá-la. Preferia pisoteá-los com seus saltos altos de caríssimas grifes
italianas.
Elas
conversaram a viagem inteira. E apesar das diferenças obvias, tornaram-se
grandes amigas. Emily conhecia cada segundo da vida de Melissa. Mel não era uma
mulher reservada. Ela precisava contar, aconselhar-se, dividir as dúvidas com
alguém. Emily não. Ela preferia os conselhos da própria consciência. E Melissa
sempre respeitou isso. Sabia da doença da amiga, mas nunca ficou sabendo da
possibilidade dela perder o útero. Não conseguia entender porque Emily estava
solteira ainda, no entanto, respeitava a independência da amiga.
Há
10 anos, quando ela e Rafael subiram ao altar, Melissa intimou a amiga a ser
sua madrinha. Como poderia ser diferente? Emily acompanhou cada discussão,
seguida da calorosa reconciliação! Emily a ajudou em tudo. Sendo
responsável pelo buffet maravilhoso da recepção e suportando seus ataques de
noiva estressada em
fúria. Emily ficou no altar ao lado do irmão de Melissa,
Tales, enquanto Juliana, também sócia de Rafael, acompanhou Jonas. Por um
momento ela chegou a pensar no quanto Jonas e Emily formavam um belo casal. Mas
eles não manifestaram nenhum interesse e havia boatos de que Jonas e Juliana
tinham um envolvimento romântico. Então deixou de lado. Agora, dez anos depois,
ficava sabendo que seus padrinhos tinham um caso! Melissa estava furiosa!
-
Imperdoável! Ouviu bem? Imperdoável! – Ela gritou assim que Jonas bateu a porta
do quarto deixando as amigas sozinhas. – Vocês estão noivos mesmo? Quando é o
casamento?
-
Não! – Emily gritou. Ela tinha mesmo muito que explicar. – Não há casamento
algum.
-
Quero saber tudo, Emily. Em
detalhes. Agora.
Enquanto
Emily contava os últimos seis anos de sua vida íntima para a amiga, Jonas
sentava-se num bar próximo do hospital e pensava na decisão que tinha a tomar.
Não se tratava apenas de sua vontade. Uma criança ia mudar muito sua vida. Já
conseguia imaginar o sorriso de sua avó com a criança. Ou, ainda, seu pai
passando para ela o amor pelas terras e parreiras que nutriam os frutos
suculentos e geravam o vinho. Se um dia Emily gerasse um filho seu, aquela
criança daria felicidade infinita à sua família.
Mas
também geraria dificuldades. Ele não vivia no campo. Tinha suas
responsabilidades com a construtora. Emily tinha seu restaurante. Como
conciliariam isso tudo com um bebê. Se dissesse não a Emily, poderia seguir com
sua vida, procurar outra namorada e ter noites agradáveis sem se preocupar com
o horário escolar de uma criança! E Emily tomaria suas decisões, sem que ele
interferisse. Poderia escolher não ser mãe e ser esterilizada. Estranho como
essa opção o incomodava. Ou podia seguir tentando e conseguir outro parceiro.
-
Doador. É isso. Um
doador. – A expressão não o deixava mais satisfeito.
Antes
de decidir, precisou fazer uma ligação. Precisava de um conselho. E nessas
horas somente uma pessoa conseguia ouvi-lo sem julgamentos.
-
Jonas?! Tudo bem? – Lorenzo atendeu ao celular no terceiro toque.
-
Oi. Sim, tudo. E aí na fazenda?
-
Tudo como deve ser. O que há Jonas? Você deveria estar perdido nas suas
reuniões na construtora.
-
Eu quero te contar uma coisa. E quero a sua opinião.
-
Então conte. Sou seu irmão. Não precisa enrolar.
-
É sobre a Emily. Nós não somos apenas amigos.
-
E você acha que alguém aqui em casa deixou de perceber isso? Vocês não se olham
como amigos, Jonas. Qual o problema?
-
Nós estamos juntos. O mais ‘juntos’ que eu já estive de alguém...há 6 anos. Nós
nunca desejamos formalizar nada. Isso sempre nos bastou.
-
Mas... – Lorenzo percebia um grande ‘mas’ naquela história.
-
Mas Emily quer ser mãe agora. Ela está doente e pode ser a sua última chance de
ter um filho. Então se eu não quiser ser o pai, ela encontrará outro. É linda,
maravilhosa e...não vão faltar candidatos. E eu não quero isso.
-
Não quer ser o pai do filho dela? Ou não quer que outro seja?
-
Eu tenho certeza que não quero Emily gerando o filho de outro! E não sei se
desejo ser o pai do bebê.
Lorenzo
tentava manter-se sério diante do problema do irmão. Mas achava inacreditável
tudo aquilo. Aos 40 anos, seu irmão parecia um adolescente falando. Era a
típica atitude masculina de não desejar se comprometer, mas também não
conseguir abrir mão.
-
Tem certeza que você ainda não decidiu, Jonas? O irmão que eu conheço fugia da
palavra filho. Se está cogitando isso, é porque, no mínimo, Emily fez você sair
da caixa. Se imaginar numa vida diferente dessa, engomadinha e certinha. Você
vai pensar e decidir.
-
Eu não sei...eu...ter um filho é muito importante. Eu gosto da minha vida como
ela é.
-
Exatamente. Como ela é há seis anos, meu irmão. Com Emily. – Lorenzo não
gostava de falar do passado, mas, para ajudar seu irmão, abriu uma exceção. –
Eu não tive escolha Jonas. A vida me tirou quem eu escolhi para ser a mãe dos
meus filhos. Se Alice não tivesse morrido tão jovem nós teríamos formado uma
família. Você deve escolher o que te faz feliz. Se for a construtora, a
vinícola e um apartamento silencioso, siga com sua vida como ela é. Mas se for
Emily a responsável pela sua felicidade, então você tem de ajudá-la a superar a
doença e apoiá-la na decisão de serem pais.
Jonas
se emocionou com a declaração do irmão. Perder Alice foi um sofrimento para toda
a família. Lorenzo a namorou desde de muito jovem. Eram apaixonados e todos na
cidade sabiam que iriam se casar. Quando ocorreu, as famílias estavam felizes,
reunidas e acreditavam que aquele seria um casal eterno. Eles se completavam. E
talvez ainda estivessem juntos caso o destino não tivesse colocado seu carro de
frente com o de um motorista alcoolizado. Alice morreu antes deles completarem
um ano de casados. Há mais de duas décadas. E Lorenzo jamais quis casar
novamente. Jonas entendeu perfeitamente o que Lorenzo lhe disse. Não deveria
jogar fora sua oportunidade de ser feliz. Porque podia não receber outra da
vida.
-
E, Jonas, quando decidir, avise a família. Vovó irá adorar tricotar sapatinhos.
– O irmão ainda lhe provocou antes de desligar.
Jonas
ficou sozinho por bastante tempo. Pensando. Pesando o que era mais importante
na sua vida. Não se imaginava longe da família, distante da fazenda ou
impossibilitado de retornar aos parreirais. Aquelas terras estavam na sua
história. Já a engenharia era uma profissão muito rentável. Ele era competente
como administrador. E gostava dos compromissos profissionais. Mas era isso. Apenas
isso. Não amava a construtora como a vinícola.
E
Emily? Ela era seu respiro de tudo isso. Puxando pela memória, agora, percebia
que ela estava em suas melhores recordações dos últimos anos. Que sem ela,
viver em São Paulo
teria sido muito mais difícil, talvez impossível. Emily o fez feliz por seis
anos e a ideia de não tê-la mais surgia muito dolorosa.
A
resposta estava lá. Na sua frente. Ele já a avistava. E sorria. Sim, desejava
entrar naquele desafio junto com Emily. Ser o pai do bebê dela, não um doador.
O pai. A decisão estava tomada. E ele correu em direção ao hospital. Precisava
conversar com sua ‘noiva’.
Emily
o recebeu ansiosa. Seu olhar estava agoniado. Ela estava sozinha no quarto,
mas, as enfermeiras já o tinham alertado que a paciente estava inquieta e
desejando ir para casa. Ela não desejava permanecer mais internada. Mesmo
nervosa, ela sorriu ao vê-lo. Era inacreditável que, na véspera, estavam
brigando e gritando palavras duras ao outro. Estava feliz em vê-la bem e
disposto a deixar seu erro no passado. Se ela concordasse com os seus termos.
-
Jonas! Que bom que você veio. Não quero ficar mais aqui! Faça-me um favor,
encontre a Leonor e diga que eu exijo a minha alta. Eu vou para casa e farei
repouso até poder retornar com o tratamento. E desfaça essa mentira de ser meu
noivo! As enfermeiras não param de perguntar a respeito do nosso casamento.
-
Sossegue, Emily. Você precisa de descanso. E está agitada. Precisamos conversar
e será agora.
-
Agora? Não, em casa. E
você não precisa se sentir pressionado a nada. Eu já aceitei a ideia do doador
de esperma. Então...
-
Fique quieta, Emily! Ou eu chamarei a enfermeira para te dar um calmante! –
Quando ela parou de falar e o olhou, Jonas continuou. – Pare de supor quais são
minhas decisões. Agora é você quem irá me ouvir.
-
Está bem. Fale. – Aparentemente, ela se acalmou. Intimamente, nunca esteve tão
nervosa.
Da
decisão de Jonas os rumos da vida de Emily seriam definidos. Ela podia afirmar
que no caso de uma resposta negativa seria simples usar um banco de doadores
anônimos. Mas não era. Seu filho não merecia um pai anônimo. O pai de seu bebê
tinha nome e estava ali na sua frente. Ela se calou para ouvi-lo. Em seu lindo
rosto ela via algum nervosismo, mas não conseguia ter nenhuma ideia do que ele
tinha decidido.
-
Eu pensei muito, Emily. E decidi que posso sim ser o pai do seu filho. – Ele se
aproximou lentamente e sentou ao lado dela, na cama. Depois pegou sua mão, onde
ainda havia a marca da colocação do soro. – Eu vou ser o pai do seu filho. Eu
quero ser. Mas você terá de aceitar algumas coisas.
-
Qualquer coisa Jonas! Qualquer coisa! – Ela abriu um grande sorriso. – Eu faço
qualquer coisa para o meu filho não vir de um doador anônimo e ter um pai. Ter
você como pai dele...ou dela. É esse o meu desejo.
-
Esquece essa possibilidade. Não haverá doador nenhum. A gente vai fazer esse
bebê assim que a sua saúde permitir. Mas você terá de aprender a confiar em mim
e a ser cuidada. Entenda, Emily. Eu não serei um doador de esperma. Eu serei pai
do bebê. Isso inclui participar. Isso inclui levá-lo para conviver com seus
tios, avós e bisavós. Não pense que eu vou sumir depois que ele nascer.
Emily
ficou emocionada com o senso de responsabilidade que via em Jonas. Sempre soube
o quanto ele era devotado à família e honrado. Esse era o Jonas do sempre se
afastou. Nunca se permitiu conhecê-lo na essência. E agora via que ele era por
dentro tão lindo quanto na face.
-
Eu concordo, claro. Vai ser bom ele conviver com a sua família. – Respondeu com
um grande sorriso.
-
Ótimo. – Ele tornou a lhe beijar de leve os lábios. – Agora eu vou falar com a
Doutora Leonor. Depois da sua alta, nós vamos passar no seu apartamento, fazer
as malas e ir para o meu.
-
O quê? Como assim? Não! Eu não posso ir morar do seu apartamento! – Não posso,
Jonas.
-
Pode. Ser cuidada! Lembra? Você acabou de concordar.
-
Mas...
-
Sem mas, Emily. Você precisa de repouso para se recuperar. E poder abrigar o
nosso filho. – Ele estava tão doce que Emily desejou parar o tempo. – Além
disso, temos de nos acostumar a conviver um com outro. Sempre nos afastamos
logo depois de transar. Vamos mudar isso. Faz parte da preparação para termos o
nosso bebê.
-
Sua família vai surtar quando souber.
-
Eles já te adoram! E a partir de agora somos namorados.
-
Namorados. - Ela estava zonza com tantas novidades. – Você parece tão decidido!
-
É como foi com você, Emily. Demorei para desejar isso, mas, agora que resolvi,
não vou desistir. Nós vamos ter nosso filho e...eu realmente não sei como vamos
ajustar a nossa vida para ele, mas ele vai ser feliz.
-
Vai, claro que vai.
Emily
assistiu Jonas sair do quarto quase que sem acreditar no que viu. Era ele.
Jonas é o um homem fabuloso.
-
E vai ser o pai do meu filho! – Havia uma alegria naquela voz estranha até
mesmo para seus próprios ouvidos.
Emily
ainda não estava acostumada a essa nova fase da vida onde era cuidada por
alguém. E também não sabia seguir ordens. Por isso, quando Leonor dispensou-a
da internação junto de um monte de recomendações, ela decidiu fazer uma visita
muito especial. Jonas concordou na parada que fizeram a caminho do aeroporto. E
surpreendeu-se ao conhecer uma doce senhora.
-
Marta, esse é o Jonas. Você desejava conhecê-lo há bastante tempo. E Jonas, a
Marta é a minha mãe, emocional e intelectual, mesmo que não biológica.
Depois
de apresentá-los, Emily foi forçada a deixá-los a sós. Foi cercada pelas
crianças menores, algumas sequer conseguiam pronunciar seu nome, mas já exigiam
a sua atenção. Os maiores brincavam e gritavam na praça cheia de brinquedos
-
Eles a adoram! – Marta disse.
-
Foi aqui onde Emily cresceu? – Era um lugar bonito. As crianças pareciam
felizes, apesar de não terem pais para protegê-las.
-
Sim. Não era exatamente assim. Nós recebemos uma verba municipal insuficiente e
nem sempre tivemos essa estrutura. Mas era aqui. Emily é quase uma filha, todos
eles são um pouco meus filhos. E hoje ela nos ajuda como pode.
-
Ela manda dinheiro?
-
Sim. E vem vê-los quando tem tempo. Traz presentes, brinca. – Ela sorriu e observou-o. – Pedi muito para
você vir aqui. Ela me dizia que o relacionamento de vocês não era assim. É
moderno. Eu não sou moderna o bastante para entender isso.
Jonas
percebeu que Marta não sabia exatamente o que se passava. Talvez devesse
esperar que Emily contasse para sua mãe de coração, mas, a senhora parecia não
a vontade com ele. E Emily ficava tão bem naquela imagem à frente deles,
rodeada de crianças, que lhe pareceu um bom momento para contar seus planos
para Marta.
-
Eu e Emily vamos tentar ter um bebê. – Jonas disse e viu um sorriso doce e
brilhante surgir no rosto da senhora. – Ela será uma boa mãe.
-
Eu sempre disse isso a ela. Mas Emily soube ainda muito jovem que poderia ter
dificuldade para engravidar. Então ela mentiu para si mesma. Passou anos
fugindo da ideia de ser mãe.
Marta
só deixou de sorrir quando Jonas lhe contou que Emily esteve hospitalizada. Ela
não ficou sabendo ou teria ido visitar sua filha. Ela se tranquilizou com a
garantia de que sua menina estava bem e seria levada para descansar no
apartamento de Jonas.
-
Cuide bem dela. Minha Emily merece ser cuidada. – Marta lhe disse.
Ao
se despedir de Emily, a senhora não reclamou de seu sumiço nem do silêncio
quanto a internação. Apenas lhe deu um conselho.
-
Vá ser feliz. Ele é tão maravilho quanto eu imaginava! Não deixe-o escapar!
Emily
não respondeu em voz alta, mas ao observar Jonas dirigir em direção ao
aeroporto, não pode deixar de concordar com Marta. Jonas é mesmo maravilhoso e
ela não pretendia deixá-lo escapar. Não agora que estava encontrando a
felicidade. Nunca em toda a sua vida se sentiu tão esperançosa, tão vibrante,
tão viva. Aquele homem maravilhoso lhe daria um filho.
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