Informação era
uma arma poderosa. O problema era quando não se sabia para onde mirá-la. A fala
do tio estava bem clara na mente de Miguel. Ele negava traficar pessoas ou que
a empresa servisse para lavar dinheiro sujo. Porém, reconhecia um ‘telhado de
vidro’, frágil e exposto às pedradas da investigadora Elizabeth Santos. Telhado
esse do qual jamais desconfiou. “Escolha seu lado, Miguel.” Claro que o lado seria
o da família. Não jogaria fora o império construído por seu pai. Mas não se
orgulhava do que teria de fazer. Correta ou não, teria de encontrar um meio
para frear Elizabeth.
Ter descoberto
o estranho passado da investigadora fez daquela intrigante e insuportável
mulher um ser ainda mais irresistível. Miguel passou o domingo tentando
descobrir mais coisas ao respeito da bela e audaciosa investigadora, mas não
conseguiu mais nada. Segundo Louis, havia algo mais, algo maior, nem tudo na
história dela se encaixava, mas ele ainda não tinha a peça capaz de clarear
tudo. Elizabeth ainda era um mistério.
Isso segundo
seu advogado. Para Javier, ela era a inimiga. E o tio não escondeu seu desejo
de usar a força da empresa para derrubar a policial. Nem que desejassem, no
entanto. Ela tinha uma conduta ilibada. A menos que descobrissem algo
fulminante o bastante para expô-la a ponto de fazê-la deixar o caso, não via
como ‘derrubar’ Elizabeth. Ia ter de calar aquela língua afiada de outra forma.
- Posso pensar
em alguns meios. – Disse em voz alta, sozinho em seu quarto.
Ela tinha algo
que o atraía. Quanto mais Elizabeth tentava se mostrar superior e agia como se
sua fortuna e posição social não a atingissem em nada, mais ele tinha vontade
de fazê-la obedecê-lo. Ela, estranhamente, despertava nele um lado mais
selvagem.
Passava das
13hs de segunda-feira quando Elizabeth se preparou para iniciar a operação de
prisão contra Miguel, no escritório da BTez. Arma posicionada no coldre,
algemas preparadas. Fred com ajuda de mais dois policiais lhe daria apoio. Iniciou
sua missão.
- Fred está
posicionado e o Benitez não saiu para o almoço, está na sede da BTez. Saímos na
hora em que você decidir. – Rebecca avisou.
- Já vou.
Os problemas
se acumularam e impediram Miguel de ir almoçar. Só pedia para conseguir algumas
horas no fim da tarde para malhar e nadar. Precisava gastar de alguma forma
toda a energia acumulada. Seria difícil. Javier viajou para tentar acalmar a
situação nas outras unidades e ele permaneceu ali. Os acionistas não paravam de
questionar sua liderança e os problemas que vinham acontecendo só piora a
situação. Não desistiria. Aquele era o seu império.
Ouviu quando o
celular tocou. Era Louis.
- Acho que a
nossa amiga investigadora está armando alguma coisa. Saia daí. Agora!
- O que? Sair daqui?
Por quê? Do que você esta falando Luis?
- Você será
preso. Saia da empresa agora! – Era uma ordem.
E Miguel não
estava muito acostumado a receber ordens. Nem ia começar a mudar esse hábito.
- Louis, você,
meu advogado, está me mandando fugir? Por quê? E o que a investigadora
conseguiu para vir me prender? Como soube disso? Fala! Diga logo o que vocês
estão me escondendo!
- Já tem um
cara observando a entrada da empresa. A investigadora estará aí logo. Não pergunte
minha fonte, e nem por quês agora, Miguel! Saia rápido daí!
- Quer mesmo
que eu fuja? Não pode conseguir me livrar?
- Oficialmente
eu não sei de nada ainda. Não vai ficar muito tempo, a menos que ela tenha algo
muito bom. Vou te tirar rápido. Mas essa noite você passará por lá. É fuga ou
cadeia. A menos que tenha uma ideia menor.
- Vou ter que
conseguir uma. – Não fugiria como um rato.
Elizabeth
estava pronta para agir.
- Rebecca,
pegue dois homens e leve com você para fechar a saída do estacionamento. Fred
venha comigo. Carla e os outros ficam aqui. – Sua equipe sabia que a tranquila
investigadora agora ficaria mais dura e compenetrada. Seus olhos ganhavam um
brilho mais denso e até a postura ganhava ares menos delicados.
Ela iria à
frente e eles a acompanhariam. Para a equipe era um sinal de respeito.
Elizabeth era a autoridade superior, era a voz de comando a quem deviam
respeito. Já ela tomava o fronte por crer ser de sua responsabilidade. Fazia
questão de dar a voz de prisão e fechar as algemas.
- O escritório
do Benitez fica no sétimo andar. Quero três homens esperando no rol. Fiquem de
olho nas escadas.
- Está
realmente achando que ele vai fugir, Elizabeth? Que ele sabe que estamos aqui e
vai fugir? – Rebecca perguntou.
- Não acho
nada. – Ela foi dura, mas depois se explicou melhor. – Chame de desconfiança ou
intuição, não sei o que é. Só que algo me diz que não vai ser simplesmente
chegar e prender. – Ela olhou para cada um e deu início a operação.
Elizabeth não
era supersticiosa, não acreditava em destino, muito menos em sorte. Mas havia dias
em que um arrepio, um sopro distinto, algo lhe dizia: cuidado. Hoje era um
desses dias. No portão de entrada da Benitez, antes mesmo de ingressar no pátio
do prédio teve uma prévia de como poderia ser uma tarde desagradável. Odiava
quando algo não saía como planejado e, para sua surpresa, não fora ela quem foi
até Miguel Benitez, ele veio ao seu encontro. Parecendo o rei do universo,
saindo calmamente pelo pátio enquanto falava ao celular.
E mais
tranquilo ainda, o viu desligar o aparelho como quem vê um amigo e resolve dar
atenção.
- Ora, mas que
coincidência. A que devo a visita, bela investigadora? Devo dizer que é um
prazer?
- Sr. Benitez,
não é uma visita de cortesia. Eu vim aqui para prendê-lo – Tirou as algemas do
bolso e começou a lhe dar voz de prisão. – Miguel de La Vega Benitez você
está...
Ninguém ouviu
nada, nem soube de onde veio. A primeira bala estourou no centro do peito de
Elizabeth, jogando-a contra um pilar da construção. Quem atirou teve tempo e
mira o bastante para acertar em cheio. Houve ainda mais três disparos. Dois
acertaram as paredes, o último o braço esquerdo dela.
- Elizabeth! –
Rebecca e Miguel gritaram ao mesmo tempo.
Ela estava
desacordada e a mancha de sangue crescia na camisa branca. A primeira coisa que
Miguel fez foi tirá-la do chão e levá-la para o rol de entrada da empresa. Com
ela deitada sobre um macio tapete começou a tirar-lhe a camisa. Ficou
satisfeito ao confirmar que Elizabeth estava com um colete a prova de balas.
-Ei! Você
estava preso! Tire as mãos dela! – O jovem policial disse.
- Não, Fred.
Ele é médico. Pode ajudar Liza. – Rebecca interferiu.
- Obrigada
pela confiança, Policial Rebecca. – Lhe deu seu mais doce sorriso. – Além do
mais, a investigadora não me deu voz de prisão...ainda. – Tirou a camisa dela e
começou a abrir a proteção balística. Elizabeth não usava nada por baixo. –
Esse troço salvou a vida dela. Já chamaram a ambulância? Ela vai acordar com uma
tremenda dor no peito.
- Sem o colete
ela não acordaria. – Rebecca lembrou.
- Isso é
verdade. Mas agora vamos tirar isso dela e cuidar da nossa ‘simpática
investigadora’. O braço é que me preocupa, não tem porque deixá-la com esse
colete. – Ele ia descobrindo-a e Rebecca reclamou sabendo que a chefe não ia
gostar da liberdade que o suspeito teve. – Sou médico. Estou sendo
profissional.
- Foi só de
raspão, não?
- Sim. – Ao
deixá-la com o dorso nu, Miguel viu, na parte de baixo do seio, a cicatriz que
acreditava jamais tornar a ver em toda vida. Impossível haver duas iguais. – Só
de raspão.
Ali estava a mulher com quem ele transou
achando se tratar de uma prostituta. Não era. Era uma policial. Investigadora
da polícia federal. Aquela mulher fatal de quem se lembrava e essa nada tinham
em comum. E mesmo assim eram uma só. O barulho da ambulância o fez deixar isso
de lado. Manteve a pressão sobre o machucado no braço e tentou manter a mente
clara e objetiva.
– Ótimo!
Chegaram. Venham! Por aqui. Cuidado com ela. É diabética. – Orientou aos
paramédicos.
Tudo foi
acompanhado de perto pelo Doutor Miguel. Apesar do momento estranho, ele estava
confortável no papel de médico. Foi com ela para o hospital, acompanhou o que
se passava e certificou-se de que Elizabeth receberia o atendimento adequado.
Viu quando um rapaz chegou carregando um bebê. Nervoso, ele perguntou pela paciente
Elizabeth Santos e afirmou ser da família.
Miguel tentou
relembrar tudo que estava no relatório da investigação. Não lembrava de nenhum
namorado, muito menos filho. E Elizabeth não tinha outro familiar além da irmã.
Primeiro cogitou ser um namorado. Depois pensou na possibilidade de alguém
estar tentando terminar o trabalho frustrado pelo colete no pátio da BTez. Por
segurança aproximou-se e ficou observando o rapaz. Era jovem, com cabelo
castanho claro cortado muito curto. Vestia um terno acinzentado com elegante
gravata e carregava a criança, uma menina vestida toda em tons de rosa, com
grande intimidade. Resolveu se aproximar.
- Boa tarde.
Você perguntou pela Elizabeth?
- Sim. – O
rapaz o olhou de cima a baixo. – Quem é você?
- Um amigo. Miguel
de La Vega Benitez. Fui eu quem trouxe Elizabeth. – Estendeu a mão. – E você?
Quem é?
- Apesar de
não dever explicações a um dos investigados de Elizabeth, sim eu sei que o
senhor não é um amigo, e sim o suspeito de um crime, eu responderei. – Ainda
assim apertaram as mãos. – Sou Matheus. Um amigo de Elizabeth e Beatriz.
Foram
interrompidos por uma linda loura que entrou correndo na recepção. Estava com a
face corada e a respiração acelerada.
- Matt! Que
bom que pode vir. Eu fiquei tão nervosa!
- Claro que eu
viria. Somos um trio! – Ele passou a bebê para a jovem. – Pegue Eva. Ela está
nervosa sem a mamãe e a tia.
- Vem bebê. –
Mais calma Beatriz encarou Miguel. – E você, quem é?
Era chato, mas
ele preferiu, por hora, ser sincero.
- Sua irmã
está me investigando e foi até a minha empresa...para me prender...
provavelmente. Sou medico e prestei os primeiros socorros antes de a ambulância
chegar. Então vim acompanhando-a, para não vir sozinha. – Estendeu novamente a
mão. – É um prazer te conhecer, Beatriz.
- Se você
ajudou minha irmã, digo o mesmo. – Ela sorriu. – Mas saiba que, com ou sem
tiro, se ela foi lá para te prender, fechará as algemas logo.
- Bom, eu espero
conseguir provar minha inocência e não seja necessário ela voltar lá para me
prender. Agora, se me permitem, vou voltar pra casa. Foi um dia cheio de
emoções. Por favor, Beatriz, diga para Elizabeth que desejo vê-la bem em breve,
se por acaso e ela ainda quiser me prender ou em outra situação. – Com um
charmoso sorriso ele se despediu.
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