1 ano depois...
-
Acompanhe meu raciocínio, Rebecca. Nós estamos investigando o tráfico de jovens
mulheres para escravidão sexual. Conseguimos entrar em dois chiqueiros que eles
chamam de boates, infiltrar agentes e encontrar testemunhas. E, elas aparecem mortas,
separadamente, é verdade, mas sem dúvidas, vítimas de assassinato.
-
Estou acompanhando, Elizabeth.
- É
claro que se trata de queima de arquivo. Mas eu já tinha o depoimento dessas
duas mulheres. Por que matá-las agora?
As
duas garotas na faixa dos 24 anos eram prostitutas desde muito jovens. Oriundas
de famílias humildes, foram atraídas por promessas de dinheiro fácil e acabaram
escravizadas. Se chamavam Kara e Olívia, mas seus nomes não importavam muito.
Tratava-se de uma história repetida aos milhares. Eram garotas e garotos,
hetero e homossexuais, que na maior parte das vezes vinham de famílias pouco
estruturadas, com problemas sociais e tornavam-se alvos fáceis para a
exploração. Tornavam-se escravos na mão de charlatões e cafetões cruéis. A
polícia havia transformado as duas em informantes antes de estourar um
cativeiro na Rússia. Era lá que elas se prostituíam. Conseguiram libertar 15
mulheres, 4 travestis e 3 menores de idade que lá estavam aprisionados, além de
prender integrantes da quadrilha. Mas, sabiam, isso não passava de enxugar
gelo. Esse tipo de quadrilha nunca acabava, tinha braços espalhados pelo mundo
todo.
-
Elas estavam escondendo algo. – Rebecca respondeu.
- Por
quê? Estavam livres. – Não conseguia entender.
- Não
sabemos. Mas ainda tinha gente que elas conseguiriam atrapalhar, se desejassem.
E foram apagadas por isso. – Ela serviu-se de café. – Mas, Elizabeth, esse caso
está finalizado. Nós estouramos a quadrilha. Seja o que for que elas escondiam,
levaram para o túmulo. Até mesmo provar que as mortes estão ligadas será perda
de tempo. – Olívia foi atropelada em uma avenida e Kara sofreu uma overdose ao
misturar álcool e drogas.
-
Elas nos ajudaram.
- Eu
sei, Elizabeth. Sei o quanto você é leal a sua equipe e aos seus informantes.
Mas aqui não terá como se envolver. Talvez seja aberto algum processo para
investigar as mortes, mas, certamente, não ficará na sua alçada. Até porque nós
já estamos atoladas de serviço.
- Eu
sei. – E saber não amenizava seu desgosto. – Mas é que nada tira da minha
cabeça que a questão da lavagem do dinheiro explica isso. Eles disfarçavam o
golpe fazendo com que essa grana parecesse vir de lucro de um empreendimento
limpo.
-
Você acreditou naquela escuta! – Eram colegas e amigas a tempo suficiente para
perceber quando Elizabeth se fixava em algo. – Não temos nenhum depoimento que
indique que a Montadora tenha alguma ligação.
- Mas
temos a gravação de uma escuta e uma citação em livro caixa da espelunca onde o
nome BTez é citado. Por quê?
- Não
conseguimos nada com as testemunhas!
- Eu
não disse que eu posso provar, Rebecca. Mas que essa pulga ficou atrás da minha
orelha, isso ficou.
Rebecca
sabia exatamente o que isso significava.
-
Você não dará o caso por encerrado e vai revisar todas as provas e depoimentos.
– Era uma afirmação e não uma pergunta. – Você acha que tem ligação entre a
lavagem do dinheiro oriundo do tráfico com a morte das garotas. Concordamos que
elas tinham mais a falar do que abriram pra gente. E há uma pulguinha lhe
dizendo que a Montadora BTez tem ligação está no esquema.
-
Isso!
-
Essa empresa é tipo...mundial. Tem fábricas de carrões pra tudo quanto é continente.
Você não acha que eles já são ricos o bastante? Tá eu sei que criminoso nunca
diz chega pra dinheiro. Bom...eu também não e eu não sou rica nem criminosa
e...
-
Foco Rebecca!
-
Ok...ok. O tal presidente da montadora é bem jovem, herdou do pai que era
conhecido por ser uma águia para os negócios e muito honesto.
- Eu
não disse que o velho fazia as falcatruas. Pode ser algo mais recente. E não
precisa ser o presidente, necessariamente.
- É
que tipo...o homem é jovem e bonito, tem um diploma de medicina e um império
automobilístico para liderar. Ele vem daquelas famílias que têm dinheiro de berço.
Ia sujar as mãos por quê? Não tem lógica, Elizabeth.
Mesmo
sem querer, a investigadora concordava com a auxiliar. Queria muito desfazer
esse nó e tinha a sensação que se puxasse por essa ponta o resultado poderia
ser satisfatório. Só que lógica ali não tinha.
-
Sim, você está certa. – Isso não significava uma desistência. – Jovem, bonito e
médico hemm? Vou procurar no Google.
-
Você não sabia? Em que mundo você vive, Elizabeth? Estamos falando de Miguel de La Vega Benitez. Se você for
interrogar o rapaz, pode ter certeza de que vou estar presente. Só pra ver se
pessoalmente ele é tão maravilhoso quanto nas revistas.
- Segure suas calcinhas! – Mas até que ficou curiosa. –
Preciso de algum indício mais forte para chamá-lo para interrogatório. O Tom
arranca meu couro de eu trouxer o ‘Doutor Carros e Motos’ na nossa humilde
delegacia sem um bom argumento. – Tomás Rodrigues, o Tom, era o responsável
pelo departamento policial. – Mas confesso que estou bemmm interessada em
conferir toda essa beleza assim cara a cara. Será que ele treme nas bases?
As madrugadas seguintes foram longas para Elizabeth. Além
dos outros três casos que investigava mais a fundo e de outras rotinas que
precisava cumprir, o rosto daquelas duas mulheres não saía de sua cabeça. As
poucas horas vagas foram utilizadas para rever os registros e revisar todas as
provas. Agora, no computador particular, em seu apartamento, com uma xícara de
chocolate quente na mão, fazia uma pesquisa sobre os Benitez e a montadora
BTez. Rebecca estava certa. Era gente classe AAAA+. O presidente era sim médico
e lindo, de origem hispânica, com dinheiro e educação de berço.
- Você está bem informada, Becca. – Falou sozinha
bebericando seu doce. Viu um clarão surgir na sala que usava como escritório.
Sua irmã apareceu na porta. – Acordei você?
- Não, achei que tinha ouvido um chorinho e fui conferir.
Mas Eva dorme o sono dos inocentes. É o mal das mães. Nunca mais dormi
descansada desde que ela nasceu. – Beatriz respondeu.
- Durma tranquila, Bia. Estou aqui. Qualquer coisa eu
pego minha afilhada e a trago aqui. Quem sabe ela não me abre os olhos para o
que preciso descobrir?
- Você sofre demais pelos problemas dos outros,
Elizabeth.
- Também são os meus problemas. – Ela viu a irmã se
voltar para a sua xícara. – Nem vem me encher com isso!
- Chocolate, Elizabeth? Você não anda se alimentando bem
e ainda se enche de doce! Como não deve estar sua glicemia?!
- Volte a dormir, Bia. Já sou bem grandinha.
Elizabeth
era a irmã mais velha. Apenas dois anos, mas sempre assumiu a responsabilidade
de zelar pela família que ambas formavam. Quando foram encontradas abandonadas
em um aeroporto elas tinham 4 e 2 anos. Só traziam pequenas pulseiras com os
nomes gravados e a roupa do corpo. Poderiam ser de qualquer nacionalidade, não
eram filhas de ninguém, não tinham um lugar no mundo. Cresceram com a sensação
de abandono dentro do peito, uma interrogação que não queria calar. Nenhuma
sabia o que seria de seu futuro, mas, de alguma forma, já sentiam que a
segurança de uma dependia da outra. Cresceram unidas e a felicidade de Beatriz
fazia Elizabeth sentir-se realizada. A dor de uma também era sentida pela
outra.
E se
Elizabeth protegeu a irmãzinha menor de qualquer um que tentasse feri-la,
Beatriz experimentou agonizantes tardes de temor quando, devido a diabetes tipo
1, Elizabete passava mal na infância. Chorava com medo e ver a irmã morrer. Por isso até hoje ela tentava
fazer com que Liza tivesse uma vida saudável. A ideia de perdê-la era
inimaginável. Já bastava a profissão arriscada seguida por ela.
- Qual é o caso que está tirando
seu sono?
- Se fosse apenas um, Bia, eu
estaria feliz. São várias coisas. Agora eu tenho quatro grandes investigações
em curso: uma quadrilha de jogo ilegal, tráfico de entorpecentes, quadrilha que
atua na fraude de documentação e, ainda, aquele esquema de tráfico de pessoas.
- Achei que esse tinha acabado.
- É...mas ainda tem corda pra
puxar...e eu vou até o fim.
- Cuidado Liza, por favor. –
Nunca era demais pedir. – A polícia tem mais policiais, eu tenho apenas você.
- Não se preocupe. Sou boa no que
faço, sei me cuidar.
Em
meio a uma longa reunião de diretoria, Miguel e Javier discutiam com acionistas
a necessidade de reduzir postos de trabalho nas unidades europeias. A crise
financeira estava mais longa e dura do que o esperado, deixando a venda de
carros havia caído duramente. Era uma decisão difícil que implicava acordos com
sindicatos, questões trabalhistas e um desgaste na imagem da Companhia frente a
imprensa mundial.
- É
necessário. Na América do sul, onde as coisas não estão tão ruins, ainda não é
tão necessário. Ainda. Não há mais o que discutir. – Javier defendeu
enfaticamente. – Temos de cortar 10% dos postos de trabalho.
- Eu
concordo. Não temos como manter nossas taxas de lucro sem demissões. Mas será em 5%. – Miguel decidiu.
-
Isso não resolverá a crise, Miguel!
-
Vamos reduzir os custos de todas as unidades, não apenas na Europa. Evitar
extravagâncias nos próximos lançamentos, custos administrativos e investir em
desenvolvimento e publicidade. Assim nós vamos superar o momento difícil. –
Estava decidido. – Vamos a próxima pauta da reunião.
No
último ano fora de grande aprendizado. Cometeu muitos erros na gestão da
empresa, mas aos poucos conquistou o respeito da diretoria e conseguiu presidir
a BTez com segurança. Javier, seu tio, era o vice-presidente e um conselheiro
valioso, mas as decisões cabiam a ele. Era o que seu pai desejava e não ira se
esconder das responsabilidades.
No
fim da tarde passou rapidamente em casa para um banho e dar atenção a mãe e
logo saiu. Ia a um jantar de caridade tendo como acompanhante a linda e loura
Jéssica. Belíssima e inteligente, a mulher era o sonho de qualquer mãe para
nora. Menos para Dona Rúbia. Para ela somente Alejandra seria perfeita para lhe
dar alguns nietos. Ainda bem que sua ex mulher não acreditava nas
inúmeras e hilárias tentativas de aproximá-los. Apesar dos graves erros que
cometeu com Alejandra, hoje conseguiam manter uma relação amistosa, às vezes
até muito próxima. Quando estavam na mesma cidade, tinham almoços ou jantares
rotineiros. Como ela inteligentemente dizia, eles são ‘ex’ muito melhores do
que foram ‘casal’.
-
Está muito elegante, meu filho. – A mãe ajeitou a gravata. – Perfeito. Volta
para dormir em casa?
- Talvez, mama, ainda não sei.
Acabou
voltando cedo. Apesar de interessante, linda, loura e inteligente, Jéssica não
estava em seus dias mais encantadores. Depois de beber um pouco além da conta
e, por falta de postura, mostrar aos fotógrafos que estava sem calcinha e se
debruçar em seus braços pegajosamente, foi colocada em um táxi de forma nada
elegante. Dormiu sozinho e mal humorado em sua cama.
Não
foi com um humor melhor que foi acordado pelo toque do celular. E isso só
piorou. Ao que parecia a polícia estava na empresa com um mandato de busca e
apreensão de documentos.
- Sob
qual acusação?
-
Olha, é melhor discutirmos isso pessoalmente. Já acionei o setor jurídico.
Esteja aqui o quanto antes.
- Ok.
– Não tinha outra escolha.
Após
algum tempo no trânsito caótico da cidade, desembarcou no estacionamento
subterrâneo da empresa e, junto ao segurança, foi até o andar da diretoria. A
secretária estava alarmada, nunca tinha visto nada assim na BTez. Quando chegou
a sua sala viu tudo revirado, inclusive coisas pessoais.
- Mas
quem autorizou isso?! É um desrespeito com uma empresa de renome internacional!
– Bradou. – Saiam da minha sala!
-
Infelizmente será impossível, Senhor Benitez. E acho melhor se acalmar, baixar
o tom de voz e conversar com o seu advogado antes que eu o prenda por desacato.
– Ela aproximou-se lentamente. – Temos autorização para recolher documentos da
sua empresa de renome mundial. Por isso, é bom ficar na sua.
A
aura de poder daquela mulher, bela, porém vestida de forma pouco feminina, o
incomodou. Ela estava revirando as suas coisas, os documentos de sua empresa e,
incomodamente, nada podia fazer.
-
Posso saber de que estamos sendo acusados?
-
Acusados? Nada. – Ela tentava observar suas reações e ver além da máscara de
gestor imbatível. Ele estava nervoso. Talvez tenha percebido que o golpe estava
perto de ser descoberto. – A palavra certa é investigados. Lavagem de dinheiro.
Era
grave e sério. Melhor colaborar com as investigações e mostrar que nada tinham
a esconder.
- Não
tenho nada a lhe esconder senho... desculpe, não sei seu nome. – Disse já mais
calmo.
-
Elizabeth Santos, investigadora. Ótimo. Facita a minha e a sua vida. Eu vou
levar computadores e arquivos. Essa operação poderá se repetir em qualquer de
seus escritórios.
- E
era preciso envolver a imprensa?! Investigadora, a BTez tem um nome a zelar e
nossa imagem está sendo afetada por acusações infundadas.
-
Senhor Benitez, a sua imagem é a última coisa com que eu me preocupo. Vocês têm
inúmeros assessores de imprensa e relações públicas para resolver isso. – Seu
sorriso era provocador. – Espero que sejam competentes. E não, minhas
desconfianças estão muito bem fundamentadas. – Ela se virou para outros homens
que estava na sala ao lado. – Pronto? Recolheram tudo?
-
Sim, senhora. – Disse um jovem uniformizado.
-
Ótimo! Vamos então. – Olhou para Miguel uma vez mais. – Receberá uma intimação
para depor nos próximos dias.
A
prepotência daquela mulherzinha fez o dia de Miguel o pior possível. Sem pensar
duas vezes ligou para Louis, amigo e advogado pessoal, e pediu para fazer uma
investigação quanto aquela mulher. Informação era algo valioso e ele fazia
questão de ter.
-
Tudo. O mais completo que puder. – Orientou.
O caos estava instaurado. A
equipe de advogados queria detalhes, a de comunicação desejava lançar um
comunicado oficial e acalmar os jornalistas. Ele reuniu o conselho
administrativo em uma reunião de emergência para decidir qual atitude tomar.
Javier
e Miguel falaram antes, em particular, sabendo que viriam fortes turbulências.
Não bastassem as dificuldades financeiras, uma investigação desse porte iria
abalar os resultados e as ações da BTez.
- O
jurídico já está trabalhando em descobrir exatamente qual nossa ligação com
essa investigação. Temos de agir de forma estratégica, Miguel. – Javier
insistiu.
-
Quero uma auditoria financeira. – Miguel decretou. – Quero esfregar na cara
daquela investigadora que minha empresa é austera e honesta, que seguimos as
regras impostas por nosso fundador, meu pai!
- Não
se precipite, Miguel. Precisamos acalmar o conselho, não agitá-los ainda mais.
Porque amanhã a manchete do jornal já será naturalmente que a ações da empresa
despencaram! Precisamos de um presidente com a cabeça no lugar! Era o que seu
pai esperaria de você!
Miguel
se viu no olho de um furacão! A cada hora as notícias ficavam piores e a
imprensa começou a cogitar problemas que teriam começado desde que ele assumiu
o posto maior da BTez. Precisava acalmar a todos e não viu alternativa à
conceder uma entrevista. Tinha que dar uma explicação aos funcionários,
clientes, acionistas e a sociedade e deixar claro que a empresa não tinha nada
a esconder. Ele mesmo foi o porta voz e iniciou com um seguro pronunciamento.
Boa tarde a todos;
Na
manhã de ontem a BTez foi surpreendida ao se ver envolvida em uma investigação
de lavagem de dinheiro. Assim como já afirmei pessoalmente à investigadora
responsável pelo caso, digo a todos vocês que a BTez não tem nada a esconder.
Temos uma história de honestidade desde a fundação dessa empresa e eu faço
questão de descobrir o que ou quem está tentando sujar nosso nome! E depois que
tudo esteja esclarecido, exigirei uma retratação das autoridades.
Elizabeth
e Rebecca assistiam a fala de Miguel tentando imaginar qual passo ele tomaria.
Ele parecia honesto, mas isso não representava muito. Grande parte dos
criminosos exalava esse ar de bondade e isso só os ajudava a cometer mais
crimes. Desligou a televisão antes dele responder as perguntas da jornalista.
Certamente elas lhe foram passadas anteriormente e ele tinha treinado as
respostas. Preferia ouvir pessoalmente quando ela mesma o interrogasse.
- Ele
quer que você se retrate, Elizabeth. – Rebecca afirmou. – O que você acha? Será
que o doutor cheio da grana sentiu desejo que fazer um pé de meia escuso ou tem
alguma chance da gente estar enganada?
-
Chance sempre tem. Mas eu não confio nele. Mauricinho que teve tudo nas mãos e
nunca teve de se esforçar para nada...
- Ele
é médico, Elizabeth! Pode dar um crédito ao rapaz!
-
Ok...ele se dedicou a isso, mas largou tudo com a morte do pai e foi assumir o
trono! Ao que dizem, não foi muito feliz. Será que não viu uma oportunidade de
lucrar mais?
- A
parte do mauricinho mimado, médico frustrado e empresário em desagrado eu
entendo, Elizabeth, mas onde entra o tráfico de pessoas e de drogas? Liza, o
mundo dele não é esse!
-
Não...o mundo de quem ele trafica é esse! Ele fica no bem bom, bancando o
executivo enquanto destrói a vida de muita gente por aí! Separa famílias que
nunca mais vão se reencontrar.
-
Você o está condenando, Elizabeth! – Sabia que a história pessoal da superior
poderia a estar deixando mais rigorosa. - Você não é assim. É uma mulher justa!
- E
você, Becca, está se deixando levar pelo belo rosto dele. Sim, o
Doutor-carros-e-motos pode ser lindo e gostoso, mas esse charme todo não vai
limpar a barra dele! Quero esse interrogatório amanhã mesmo!
Não
foi necessário esperar tanto. Miguel e uma dupla de advogados apareceram para
depor. Vieram ‘antes para provar que desejavam colaborar’ e apesar de ficar
incomodada com o fato de ser
surpreendida, não poderia mandá-lo embora. Iria interrogá-lo. Enquanto o
auxiliar se preparava para registrar o que seria dito, agarrou o celular e uma
pequena barra de chocolate diet, que ela odiava, mas que era o que tinha a mão
para conter a fome que apertava seu estômago e foi para o corredor.
Depois
de engolir o lanche o mais rápido que conseguiu e ligar para Beatriz e avisar
que chegaria mais tarde do que o normal, entrou novamente, dessa vez pronta
para arrancar a verdade de Miguel De La Vega Benitez. Rebecca também estaria
presente, mas, só assistiria. Logo que entrou Miguel lhe deu provas de que era
muito atento e novamente a surpreendeu.
-
Vamos começar?
-
Tipo 1 ou 2? – Foi a resposta dele.
Todos
na sala o olharam tentando entender. Elizabeth não demorou a fazer ligação ao
fato de que tinha a sua frente um médico. Ele tinha visto que o chocolate era
para diabéticos.
- Tipo
1. – Ela não soube bem o porquê, mas respondeu. – Agora começando o interro...
- Eu
imaginei devido ao seu biótipo. Já aplicou sua insulina? – Ele a interrompeu novamente
para desespero do advogado.
-
Miguel...
-
Senhor Benitez, veio aqui para responder e não para perguntar. Mas agradeço a
preocupação. Eu posso continuar agora?
- É
claro.
-
Ainda estamos analisando a documentação que recolhemos. Me diga, senhor
Benitez, o que eu irei encontrar nas finanças da sua montadora?
- Os
registros de uma empresa séria e com atividades totalmente legais.
- O
senhor nega que a montadora BTez esteja servindo para lavar dinheiro de tráfico
de pessoas e drogas?
Cada
vez que ela dizia ‘senhor Benitez’ ele sentia vontade de vê-la perder aquela
armadura.
- Eu
estou dizendo que minha empresa não serve para nada além dos limites legais.
Nada.
-
Vamos...ver. – Ela puxou um processo da mesa ao lado. Olhou-o nos olhos,
mostrou-lhe uma foto e fez a próxima pergunta. – Esse lugar lhe diz algo?
Era a
fachada de uma boate, à luz do dia, discreta e simples. Do tipo que ele
costumava frequentar. Não sabia se conhecia o lugar. Nessa situação, melhor
negar.
-
Não.
- Tem
certeza?
- Eu
não tenho a fachada de todos os lugares que já fui guardada na memória,
Elizabeth. – Chamou-a pelo nome exatamente para vê-la se incomodar com a
intimidade. – Mas não lembro desse em especial.
- É
uma espelunca sexual. Conhece muitas?
- Pra
falar a verdade sim. – Ela ergueu uma sobrancelha em clara surpresa.
Normalmente os homens não diziam isso claramente. – Eu gosto de mulher. E já
frequentei alguns...como você chamou...algumas espeluncas sexuais.
- Tem
alguma ligação com quadrilhas que traficam drogas?
-
Não!
- E
pessoas?
-
Está me acusando de traficar mulheres para trabalhar nesses lugares?
-
Estou perguntando se tem ligação com quadrilhas que traficam homens e mulheres
e os obrigam a se prostituir nessas espeluncas.
- A
resposta é não.
Algumas
perguntas depois, Elizabeth liberou Miguel. Ao sair ele ainda lhe deixou um
lembrete.
- Não
se esqueça de se alimentar bem e manter o nível da sua glicose estável, Liza.
Diabetes é algo que exige atenção diária.
Aquela intrigante mulher deixava
Miguel cada vez mais agitado. Elizabeth o atraía e repelia com o mesmo olhar.
Por um lado ela o irritava com seus comentários arrogantes e pretensiosos,
condenando-o sempre, sem deixá-lo se defender. Só que ela também o enlouquecia
em sua fragilidade e na clara ânsia de fazer justiça. Era uma mulher
fascinante. E linda.
Ao chegar em casa viu dois
e-mails importantes esperando na caixa de entrada. Um era de Javier. O tio
estava realmente interessado em ajudá-lo a resolver a situação. O outro era a
resposta do advogado quanto a pesquisa que pediu. Iria descobrir quem era
Elizabete Santos.
Primeiro ligou para Javier e contou como tinha sido o
interrogatório.
- Não
temos o que temer. – Disse ao tio.
- Não
é exatamente assim, Miguel. E você sabe. – Um silêncio pesado pairou. – Vamos
deixar para conversar pessoalmente...nunca se sabe até onde aquela
investigadora iria para conseguir uma confissão de nossa parte.
-
Porque confessaríamos algo que não fizemos? Eu não trafico gente, Javier! E nós
não lavamos dinheiro sujo! – Miguel sentiu um arrepio na espinha. – Tem algo
que eu precise saber, Tio?
-
Pessoalmente, Miguel...pessoalmente.
Antes
de abrir o outro e-mail Miguel passou algum tempo tentando digerir a informação
de que a empresa que ele gritava a todos ser exemplo de honestidade não parecia
assim tão acima de suspeitas. Pela primeira vez na vida questionava a
honestidade de seu pai e temia o próprio telhado de vidro.
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