- Parabéns pra você!
Nessa data querida! Parabéns!
Em seu primeiro sábado de folga
daquele mês, Elizabeth batia palmas para a sobrinha e afilhada que completava
um aninho. O pai de Eva tinha passado pela festa, deixado um presente e ido
embora antes do parabéns. Ninguém sentiu falta.
- Vem com o seu padrinho agora, Eva.
– Matt disse pegando a afilhada nos braços. Ela sorria sabendo que ganharia
cócegas na barriguinha. – Vamos comer doce? Vamos Eva? Vamos lá na mesa pegar
uma bala colorida para a princesa da festa.
Observar a cena trazia lembranças
sofridas para Elizabeth e Beatriz. Muitas vezes Matt tinha roubado uma
sobremesa extra para dividir com ela, escondidos na casa da árvore do abrigo. A
diretora não a deixava comer doces por conta da diabete e Matt, como ela, não
entendia a razão. Lembrava-se do sabor daqueles doces até hoje. Ele tinha uma
história tão dolorosa quanto a delas. Ou quase. Afinal ele sabia que os pais e
a irmã haviam morrido num acidente de carro e que os avós não quiseram criá-lo.
Só que ele ao menos sabia. Elas não faziam ideia.
- Como vai a investigadora mais
linda do país?
- Observando o padrinho da Eva ser
um boboca! – Beijou a sobrinha. – Você será um grande pai, Matt.
- Ou um pai boboca, pelo menos. Mas
me conte, como vai o trabalho? Ainda não me conformo com você ter sido a colega
mais genial na faculdade de direito e não desejar advogar.
- Um dia, talvez. Por agora prefiro
usar o meu conhecimento das leis para mandar quem merece para trás das grades.
- Adoro a minha amiga, quase irmã,
idealista como sempre.
- E você, já está rico como seus
clientes cheios da grana?
- Nem tanto. Mas você vai saber
assim que eu fizer meu primeiro milhão! – Os dois riram longamente. –
Ultimamente eu só cuido de divórcios conturbados e briga por pensão
alimentícia. Mas deve ser melhor do que ficar defendendo criminosos por aí e
impedi-los de cair nas garras de terríveis investigadoras cruéis!
- Será que os advogados da família
podem devolver minha filha? – Beatriz se aproximou brincando. – Matt venha
comer bolo. E você, Liza, fique longe dele!
Matt lhe piscou o olho, confirmando
que não era apenas ela a ter lembranças doces da infância no abrigo. Não
duvidada dele logo mais lhe contrabandear uma fatia da torta.
Quando ela ainda estava perdida em
pensamentos do passado, o telefone tocou. Era da central de polícia. Atendeu
mesmo achando que não deveria. Era Carla, jovem e determinada integrante de sua
equipe.
- Elizabeth, desculpe ligar...
- Desembucha Carla.- Delicadeza era
algo que faltava a Elizabeth.
- Surgiram algumas coisas sobre o
caso das garotas de programa...será que você pó...
- Estou a caminho!
Miguel lia as informações sem
acreditar muito. A sensata e autoritária investigadora Elizabeth Santos tinha
uma vida, no mínimo, singular. Nacionalidade desconhecida. Encontrada junto da
irmã em um aeroporto apenas com o primeiro nome gravado em uma pulseira. Foram
registradas com o sobrenome Santos por uma escolha aleatória das assistentes
sociais. Crianças abandonadas no mundo precisavam da proteção de todos os
‘Santos’. Desconfiado da história, Miguel ligou para o advogado a fim de
confirmar o que ali dizia.
- Loucura, né? Mas é verdade. –
Louis confirmou. – A irmã mal passava de um bebê. Ela mesma era muito pequena.
Tinham quatro e dois anos. Cresceram em abrigos para menores abandonados e
nunca ninguém da família reclamou a guarda delas. Mas, devo acrescentar, Miguel,
apesar de interessantíssimo, o passado da senhorita Santos não vai tirar você
dessa enrascada. Ao menos o que eu já descobri.
Havia algo no tom de
Louis e não passou despercebido.
- Que seja. Ela parece ser
competente. Não acho que vou conseguir desmoralizá-la. Terei de provar nossa
inocência. Obrigado, Louis.
- Está certo então. Mas Miguel, leia
até o fim o relatório. Nossa investigadora é interessantíssima.
E surpreendente, diria Miguel.
Advogada formada com ótimas notas e prefere não exercer a profissão para ser
investigadora. Já atuou na resolução de importantes crimes, sendo responsável
pela prisão de muitos criminosos. Na vida particular era muito recatada. Não
gostava de ganhar manchetes e poucas vezes assumiu papel de destaque frente a
mídia. Teve dois namorados durante a faculdade...isso já tinha alguns anos e de
lá para cá ninguém entrou em sua vida oficialmente. Mas é claro que ela tinha
parceiros. Não ficaria só por tanto tempo.
Elizabeth chegou apressada à
delegacia.
- Então? Fale de uma vez! – Falou
Elizabeth atropeladamente ao entrar na sala e fingir que não percebia o clima
entre seus dois policiais. Carla e Frederico gostavam de achar que o namoro era
segredo.
- Nossa, Liza, você chegou rápido
hem...bom nós achamos uma coisa que pode te interessar. Olhe essa foto. – Disse
a jovem profissional ao abrir uma página de internet.
A imagem era clara apesar de ter
sido feita de muito longe. Ilustrava uma matéria sensacionalista publicada em
um site de fofocas anos antes. Falava do divórcio de Miguel e servia como
‘comprovação’ de que ele era infiel. Miguel estava em uma mesa com amigos e
algumas mulheres. Ele parecia bêbado e tinha uma mulher, vestida minimamente,
sentada em seu colo. Mas não era ela que chamava a atenção de Elizabeth, mas
sim a loura sentada ao lado e acariciando a coxa dele. Aquela era Olívia. Uma
das traficadas que foram assassinadas.
- Se você queria uma ligação do
Benitez com o caso...acabou de achar.
Depois de tantos criminosos mentindo
descaradamente em interrogatórios, Elizabeth não podia se dizer surpresa, mas, por
um breve momento, chegou a acreditar que Miguel estivesse sendo sincero e não
estivesse envolvido no tráfico de pessoas. Mas estava envolvido, pessoalmente
envolvido.
- Eu não o questionei quanto as
testemunhas assassinadas. Não posso afirmar que ele tenha mentido.
- Mas...
- Mas é muita coincidência ele
conhecer a garota. Claro. Eu vou solicitar uma ordem de prisão. E a análise dos
dados da empresa?
- Ainda não está pronta. – Frederico
respondeu.
- Ainda?!
- Elizabeth...é uma multinacional.
Não é pouca coisa.
- Apresse, Fred. Por favor. Eu vou
ter de me esfolar pra conseguir um mandato de prisão e não vou conseguir
segurá-lo preso muito tempo. Os advogados dele vão colocá-lo na rua logo. Tenho
que amarrar esse caso muito bem. Ou será perda de tempo para todos nós.
No fundo, o sentimento era de
completa frustração. Porque um homem rico, bonito e com estudo se envolveu com
uma fraude desse porte? E, o pior, agora também pesaria sobre ele a acusação de
assassinato. Naquela foto Olívia, provavelmente nem maior de idade era ainda.
Agora, após ser libertada, foi morta, talvez por que estaria muito perto de
entregar o chefe da quadrilha à polícia.
Naquele momento Miguel, raivoso com
as saídas pela tangente de Javier, estava na sala de estar do apartamento do
tio. Tinha cansado de ligar e deixar recados, cansado de respostas que nada
explicavam. Ele era o porta voz da BTez, era o principal acionista, ele era o
herdeiro. E estava com um gosto amargo na boca. A sensação de ser enganado.
- É sábado, Miguel! Não podia
esperar até segunda-feira? – Disse o tio ao recepcioná-lo.
- Estamos em crise! Então não! Eu
não podia esperar! – Tinha bebido duas doses de uísque e estava sem paciência
para enrolação. – Fale! Diga agora o que não quis falar por telefone!
- Baixe a bola, garoto! Sou seu tio!
Tenho o dobro da sua idade e da sua experiência de vida!
- Não é você que dá a cara a tapa em
entrevistas ou enfrenta uma investigadorazinha me enchendo de perguntas! Eu
neguei repetidas vezes ter qualquer atividade ilegal na empresa e você me diz
descaradamente que não é bem assim!
- Nenhuma empresa chega aonde nós
chegamos sem esqueletos no armário. Eu apenas quis te dizer para não agir como
se nosso telhado fosse de aço. Ele não é, Miguel. Tem fragilidades! Liderar uma
empresa não é medicina. Você estudou tempo demais sobre cadáveres! Enquanto
isso, eu e seu pai erguíamos esse império! Escute o que vou te dizer então: ao
invés de ordenar auditorias imbecis e ajudar aquela investigadora, trate de me
ajudar a mantê-la longe da BTez! Entendeu?
- Elizabeth acha que eu trafico
gente! Que nós lavamos dinheiro da máfia dentro da Btez! Está me dizendo, tio,
que enquanto eu estudava medicina e me orgulhava da minha família, meu pai
cometia crimes? É isso?
- Não, Miguel! Ramón foi um homem
honesto e jamais traficou ninguém. Só que uma auditoria pode nos trazer
problemas e eu não gostei de você sugerir isso. – O tio se calou. – Gaste seu
tempo encontrando um meio de derrubar essa investigadora e não em querer exibir
nossos números. Ouça os mais velhos, tenha essa grandeza.
- Não me trate como se eu fosse um
moleque. Não sou!
- Então se comporte feito homem e
lute pra manter a empresa do seu pai! E pare de chamá-la de Elizabeth! Ela não
é sua amiga! Ela quer destruir você e ganhar uma manchete de jornal de presente.
Ou você a destrói, ou ela destrói o nosso patrimônio. Escolha seu lado, Miguel!
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