Por
mais ágil que o Ítalo tenha agido para organizar o retorno de Diego para a
Espanha, ainda foi pouco. Mesmo com Murilo perguntando a todo o momento por
informações a respeito do estado de Ariella, na era o bastante. Quando enfim
Diego chegou ao hospital, já haviam se passado quase 20 horas do acidente. Na
recepção, encontrou o amigo e Olívia, ambos com expressões pouco animadoras.
-
Ainda bem que agora chegou. – Murilo falou enquanto Ítalo aproximava-se da esposa
e do filho. – Quero falar agora com o médico responsável. E depois quero
explicações do que se passou em minha casa! Onde Pablo está? Eu quero
explicações!
- Eu
também as quero, meu neto. – Só então Diego percebeu a presença da avó, Anita, no
hospital.
Bastou
apenas um olhar a Murilo para que Diego compreendesse o que aconteceu. Ninguém
havia avisado a idosa, mas ela cumpriu a promessa de vir visitá-los, talvez
porque aquela conversa ao telefone serviu apenas para deixá-la mais desconfiada
de que seu neto estava cometendo muitos erros. Chegar a Madri e deparar-se com
a notícia de que a jovem esposa de seu neto estava gravemente machucada.
-
Depois conversaremos,vovó. Agora preciso saber de Ariella. – Diego respondeu,
simplesmente. Tudo o que não precisava era de alguém se intrometendo em sua
vida de casal enquanto não sabia se ainda teria uma esposa para viver ao seu
lado.
Quem
já estava naquela fria recepção hospitalar por tantas horas pouco sabia do
estado de Ariella. Isso porque a equipe médica afirmou só poder passar detalhes
aos familiares. A imprensa local, que há dias já mostrava curiosidade pelo
discreto casamento do Conde, ficou em polvorosa quando veio ao conhecimento de
todos que um grave acidente teria ocorrido dentro dos muros da mansão. Eles não
sabiam de nada concreto, mas às a desconfiança era ainda mais perigosa.
-
Avise a Afonso Amaral que sua filha sofreu um acidente e ajuste tudo para que
ele esteja aqui o quanto antes. Faça o mesmo com Dulce. – Diego pediu a Ítalo
sem sabem que a amiga de Ariella já tinha sido informada por Murilo e estava a
caminho. – Lance um comunicado à imprensa dizendo apenas que minha mulher se
acidentou de carro e que pedimos a gentileza de ter respeitado nosso direito a
privacidade nesse momento de dor. Não quero que detalhes de seu estado clinico
cheguem aos jornais.
Saber
do que realmente se passou não foi fácil para Diego. Ele garantiu a si mesmo
que jamais afirmaria a ninguém ter qualquer culpa do que se passou, mas,
conforme os minutos foram sendo marcados pelo relógio, mais ele sentia a
própria culpa. Os médicos demoraram a lhe oferecer um parecer minimamente
completo. Diziam que ela ainda estava passando por exames. Ele já estava
nervoso, ansioso e gritando com as recepcionistas quando, enfim, afirmaram que
poderia vê-la.
Olhá-la
trazia uma dor a que ele ainda não havia sido apresentado durante toda a vida. A
primeira coisa a lhe chamar a atenção foi o emaranhado de fios que iam de
aparelhos montados ao redor da cama até o corpo de Ariella. Em seu rosto havia
um curativo na testa, próximo da raiz dos cabelos ruivos. Ainda assim, ela
trazia uma expressão serena no rosto, o que transmitiu a Diego a esperança de
que tudo poderia ficar bem. Só depois ele viu que suas pernas contavam com
grandes curativos, que iam desde a região dos joelhos até o tornozelo.
- O
que aconteceu com ela? – Diego perguntou ao médico. – Ela teve as pernas
operadas?
-
Sim. Mas apenas de forma emergencial. Precisamos que você assine autorizações
para que os outros procedimentos ocorram. – O médico grisalho, mas ainda jovem,
comentou.
- Que
procedimentos? Eu quero entender exatamente o que minha esposa tem e quais
possibilidades de tratamento existem para depois autorizar o que seja.
O
médico o levou então para uma sala do hospital, não desejava falar na frente da
paciente porque haviam induzido-a ao coma no intuito de preservar sua
capacidade cerebral e ouvir a voz de pessoas conhecidas poderia lhe atrapalhar
naquele momento, ainda mais falando a respeito do acidente.
- Ela
precisa de toda a paz e tranquilidade que pudermos lhe oferecer. – Reiterou já
no consultório.
-
Porque ela está em coma? – A palavra assustava.
- Nós
a induzimos porque ela sofreu um impacto na parte frontal do cérebro e os
exames mostraram um inchaço. Por segurança, até que esse inchaço suma, nós
optamos pelo coma induzido por medicamentos. Mas não há nenhum indicativo de
que ela sofrerá de sequêlas neurológicas. Quanto a isso, pode ficar tranquilo.
- E
quanto ao que eu devo me preocupar, Doutor? Que cirurgias são essas que ela
ainda fará?
- No
momento do impacto, sua esposa tinha as suas pernas muito esticadas sobre
pedais do carro e a musculatura enrijecida. Com o choque, teve músculos
distendidos e ossos fraturados.
- Mas
ela já passou pela cirurgia mais urgente. E tudo correu bem, certo? Posso ficar
tranquilo que ela sairá dessa sem nenhuma lesão permanente? – Essa era a sua
esperança.
-
Infelizmente, não. – O médico foi categórico para não crias falsas
expectativas. – A operação emergencial serviu para corrigir as fraturas em
ambas as pernas. Mas, principalmente na perna esquerda, houve uma perda óssea,
um desgaste que causa um desencontro com as articulações.
- E
outra cirurgia irá corrigir isso?
- É o
objetivo, ou, ao menos, minimizar, para que ela possa caminhar mesmo que com
alguma dificuldade.
A
última afirmação do médico foi dita como que uma sentença. O tom baixo e sereno
com o qual falou não tirou seu peso nem importância. Ele acabara de levantar a
hipótese de Ariella não mais andar.
- Não
pode estar falando sério. Ariella...minha esposa é uma mulher jovem e sadia,
sem nenhum problema de saúde. Ela não pode de uma hora para outra ficar
impossibilitada de andar. A medicina está evoluída e...
-
Entenda, senhor Bueno, sua esposa passou por um sério acidente automobilístico.
É uma benção ela estar viva. Nós tentaremos fazer o melhor por ela, mas A
senhora Bueno chegou ao hospital com ambas as pernas fraturadas gravemente. A
medicina está avançada, mas o que o senhor espera é um milagre.
Em
silêncio, Diego apenas contemplou a imagem do médico lhe dizendo coisas
simples, mas que lhe soavam tão distantes e frias. Não fosse a lembrança de
Ariella no leito hospitalar, as palavras do especialista nada representaria.
- Eu
tenho outra coisa para lhe dizer...talvez fosse melhor que o ginecologista
falasse mas não faz sentido passá-lo para vários médicos apenas para lhe
informar do prontuário. – Ao ouvir o médico gaguejar Diego já desconfiou de
algo muito ruim.
- O
que um ginecologista tem a ver com os ferimentos de minha mulher?
-
Quando ela chegou estava com um intenso sangramento vaginal e foi investigada a
causa. Pela sua reação já percebo que vocês não sabiam...eu sinto muito...
-
Fale!
- Eu
sinto muito ter de informar dessa forma, mas a senhora Bueno estava grávida de
6 semanas e sofreu um aborto.
A dor
não poderia ser maior. E ele não podia nem mesmo sofrer pelo filho que tanto
desejou e fora o responsável pela morte. Tinha de lutar para que o melhor
ocorresse com Ariella. Um milagre. Ainda esperando por isso, Diego voltou aos
braços da família planejando dar à equipe médico o tempo de que necessitavam.
Ariella estava nas melhores mãos que a Espanha podia oferecer e tudo o que lhe
restava era rezar. Além disso, ele precisava resolver questões práticas antes
que a polícia o procurasse. Ítalo o avisou que o hospital alertou as
autoridades devido a seriedade do acidente. O delegado queria saber por que
Ariella estava com tamanha velocidade dentro da propriedade e, ainda mais, qual
a razão de alguém ter fechado os portões naquele momento.
- Eu
não, delegado. Estava em viagem ao Japão, mas creio que meus funcionários irão
explicar. E eu posso depor a qualquer momento. – Disse ao homem, que o olhava
com desconfiança.
- É
claro. Mas o depoimento que, mas me importa é o de sua esposa.
-
Para isso terá de aguardar. – Lá no fundo Diego pensava que se fosse para
Ariella nunca mais andar, ele mesmo se entregaria à polícia na tentativa de
amainar sua culpa.
Ainda
assim, exigiria explicações de Pablo e foi isso a levá-lo do hospital até em
casa. Enquanto Murilo seguiu lá, Anita, Ítalo e Olívia acompanharam Diego.
Enquanto as mulheres foram aos seus aposentos para poderem se banhar e trocar
as roupas utilizadas na emergência médica, Ítalo avisou ao segurança que o
patrão desejava vê-lo. Para desespero de Diego, ele não negou nada e afirmou
estar cumprindo ordens ao impedir que Ariella deixasse a residência dos Bueno.
-
Você causou esse acidente. Nunca ordenei que deixasse minha mulher em coma em
um hospital. – Diego lembrou-o.
-
Disse que ela não poderia escapar de forma alguma. Minha única alternativa era
fechar o portão. A culpada foi ela por tentar fugir de casa, tentar fugir de
você.
A
calma de Pablo deixava Diego mais nervoso. E havia mais de uma razão para isso.
Além de tudo o que Ariella estava passando por sua culpa já ser castigo o
bastante, se ele falasse tudo aquilo à polícia, era muito provável que já
estivesse preso quando Ariella saísse do coma. Acabou amarrado na chantagem
daquele homem que, só agora, percebia ser um criminoso.
-
Acho bom para nós dois que isso fique como um acidente causado pela desatenção
de sua jovem esposa. Ela não tem experiência ao volante mesmo. Ou eu terei de
contar ao delegado que você me contratou para evitar que sua esposa, a quem
mantinha em cárcere privada ilegal, fugisse. Assim ele rapidamente entenderá
quem é o verdadeiro culpado.
Demitido,
mas saindo da casa calmamente e com uma alta quantia, Pablo foi embora. Ele não
falaria nada e, quando fosse depor, diria se tratar de um acidente. Tudo,
porém, viria a tona quando Ariella acordasse. Não que fosse essa a maior
preocupação de Diego, não quando a saúde dela parecia tão afetada.
Quando
Dulce chegou ao hospital estava revoltada e ameaçando avançar sobre Diego e
revidar em nome de Ariella tudo o que ele havia lhe feito. Ela, porém, não
sabia exatamente o que esse ‘tudo’ representava porque a amiga jamais lhe disse
exatamente o que havia ocorrido e quais razões a trouxeram e seguram na Espanha.
Amor certamente não era.
- Eu
não posso te falar muita coisa. Sou amigo de Diego, mas não estou dentro da
cabeça dele e, também, seria muita traição te contar. Sua amiga falará quando
puder. – Murilo lhe disse.
Dulce
não pretendia aceitar aquela desculpa e se calar diante de tudo aquilo. Ainda
assim, tinha preocupações mais urgentes. Ao que lhe parecia, o pai de Ariella
estava à caminho e ela parecia ser bem atendida. Então todo o resto podia
esperar. Além disso, era inegável que Murilo mostrou-se correto e cumpriu a
promessa de lhe avisa caso ocorresse algo de grave. Ele provou ser fiel as
próprias convicções, mesmo mantendo-se leal a Diego.
-
Obrigada, Murilo. Você é...bacana. Além de muito bonitinho. – Disse, sendo o
mais doce que conseguia.
-
Obrigada, Dulce. Você também é bem bonitinha.
Em
outros momentos Dulce teria se ofendido ao ter sua piada virada contra si, mas
não ali. Estava bem satisfeita em ficar próxima de Murilo.
- Eu
vou tentar entrar para ver Ariella. Você me espera aqui?
- Não
pretendo sair. – Murilo sorriu. – Vai lá ficar com sua amiga.
Ramón
avisou que levaria ainda dois dias para chegar, mas ao telefone, já deixou
claro que manter o incidente em segredo dependeria de Diego demonstrar mais
atenção com ele, deixando de negar-lhe decisões da empresa. Era uma ameaça
velada a que Diego duvidava muito que ele realmente colocasse em prática.
Primeiro porque iria expor o seu nome na Argentina tanto quanto o dele na
Espanha. Além disso, era a sua única filha em jogo e por mais que não tivessem
uma relação próxima, filhos são para sempre. Mesmo assim, cedeu à chantagem e
lhe deu carta branca temporária nas empresas. Não tinha cabeça para nada mesmo,
além de pensar em Ariella ferida e seu filho morto. Mesmo quando ficou em casa,
a paz não o encontrou.
-
Quer dizer que você virou juiz e carcereiro agora? – Anita disse ao invadir seu
quarto naquela noite. – Decretou a culpa de Ariella Amaral e resolveu que a
pena seria viver amarrada a você, sendo infeliz. É isso?
- Eu
não estou com cabeça para essa conversa agora, vovó!
-
Você não está com cabeça há bastante tempo. E é por isso mesmo que irá me ouvir
calado.
- Eu
não queria que Ariella se ferisse...eu...apenas...o pai dela é um monstro e foi
o culpado pela morte de mamãe...eu...só...
-
Mesmo que isso fosse verdade, Ariella nem mesmo era nascida. Você não tinha o
direito de arrastá-la para toda a imundície que há na família Bueno. Haja como
um homem não como um menino mimado! Entenda que ninguém é mocinho nessa
história. Sou pai não era um anjo inocente que...
- Não
fale de meu pai. Ele foi traído por todos. Por mamãe e por um amigo que esteve
dentro da nossa casa. Afonso Amaral é um traidor que destruiu nossa família.
- Eu não criei um neto para
maltratar uma mulher! Basta! Ouviu bem! Quando essa moça sair do hospital, e se
Deus for justo ela saíra, você não mais a procurará! Não fará mais nenhum mal a
Ariella!
- Ela é minha mulher! Mora comigo!
- Porque você a obrigou e isso irá
mudar. Ou eu mesma, mesmo em meus 60 anos, irei à polícia! Essa vingança que
tanto almejou destruiu sua própria família por culpa do seu pai. Ele criou você
contando apenas o que lhe interessava na história. Parecendo um santinho! É meu
filho, mas eu sei que ele também cometeu erros. Se sua mãe foi embora é por
conta de Ramón, que nunca zelou pelo casamento. Ramón a traía também e com isso
a jogou nos braços de Afonso Amaral. Não fosse ele, seria outro. Foi casamento
arranjado, não havia amor e com isso logo acabou. Não houve vilão nessa
história, a não ser o destino.
- É fácil falar isso agora. Você não
estava lá enquanto eu crescia sem mãe.
- Sinto por isso, meu neto. Mas os
meus erros, os do seu pai e de mais ninguém lhe dão o direito de fazer essa
moça sofrer ainda mais. Assim que ela estiver bem, deixará Madri para seguir a
onde desejar. Eu cuidarei disso.
Quando Afonso enfim apareceu em
Madri para ver a filha ela lá estava internada há três dias e os médicos
começavam a reduzir os medicamentos para que ela acordasse. Eles ainda seriam
muito pesados para que ela sofresse o mínimo de dor possível, mas deveria
acordar nas próximas horas. Por isso, as visitas que até aquele momento eram
permitidas apenas a uma pessoa por vez, agora podiam incluir um pouco mais. Sem
saber que eles eram inimigos, o médico convidou Afonso e Diego a irem visitar
Ariella juntos.
- O grau de consciência dela ainda é
muito pequeno por conta dos remédios. Mas certamente ouvir a voz do pai e do
marido será bom. Conversem com ela.
O médico apenas não sabia que conversar
estava longe do minimamente possível entre os dois. Mesmo assim, um diálogo
aconteceu e Afonso aproveitou para fazer sua chantagem e tornar a ameaçar
contar tudo à imprensa, dos motivos de seu genro ter armado aquele casamento
até o que levou sua filha ao hospital. Ainda ameaçou levar à polícia a denúncia
de que aquele acidente que poderia ter custado à vida de Ariella havia sido
culpa de Diego, algo armado por ele para matar a esposa e não um imprevisto.
Citaria maus tratos e cárcere privado na denúncia.
- O que quer? – Diego cansou de ouvir
suas ameaças.
- Quero todos os bens de Ariella em meu
nome.
- Ariella? Eu não tenho posse de bem
algum que seja dela.
A vingança armada por Diego jamais
envolveu retirar posses de sua esposa. Ao contrário. Sempre planejou lhe
oferecer tudo financeiramente e uma vida confortável, principalmente após ela
lhe oferecer os filhos que ele tanto queria.
- Tem sim, mesmo que não saiba ainda. –
Afonso explicou. - O avô de Ariella foi um homem riquíssimo. Acha que casei com
Martina por quê? Infelizmente também era muito desconfiado e não confiou na
filha ou em mim para cuidar da herança. O dinheiro está em uma conta judicial
em nome de sua esposa. O testamento deixado pelo avô dizia que ela poderia
tomar posse assim que completasse 25 anos se tivesse permanecido solteira, algo
que eu estava certo que aconteceria. Assim, tinha certeza de que ela assinaria
a autorização me dando plenos poderes para gerenciar o dinheiro. Mas agora, é
você o responsável legal pela herança dela.
- Por que não ela mesma? – Diego estava
zonzo com mais aquela revelação. Qualquer um pensaria que ele se casou para
roubar a esposa. Até mesmo ela acreditaria nisso.
- Porque o pai de minha mulher não era
muito feminista. Ele queria cuidar do futuro da neta, mas não acreditava que
ela poderia administrar o dinheiro. Confiou que o marido faria isso melhor. Mas
vamos ao que interessa, se passar para mim a quantia, eu não o denuncio. Você
dará o divórcio a minha filha e eu volto com ela e o dinheiro para Argentina.
Fim dessa palhaçada criada por você. – Essa era a proposta. E dava a entender
que ficar com Ariella poderia ser barganhado, o dinheiro é que não.
- Está roubando sua filha.
- Ela sequer sabe que tem dinheiro
próprio. Sempre foi sustentada por mim. – Afonso afirmou. – Não lhe fará falta.
Ele só não imaginava que Ariella estava
acordada e em choque com tantas revelações. Mesmo confusa, conseguiu
compreender muito bem a negociação que ali ocorria sobre a sua vida. Quando
abriu os olhos, o choque passou a eles.
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