Olívia convidou Ariella a entrar em um quarto.
Convite esse que Ariella aceitou por não ter alternativa. Era um ambiente
tipicamente masculino, claro e muito arejado. No ar era possível sentir o
perfume de Diego. Ele deseja desconhecer aquele cheiro, mas esse estava gravado
em sua memória. Sim, ele tinha a petulância de esperar que dividissem o mesmo
quarto, a mesma cama.
- Então você o viu crescer? Deve tê-lo assistido se
transformar em um monstro. – Ariella disse para Olívia, que apenas a observava
com certo pesar no olhar. Aquela pena irritou a argentina ainda mais. – Não me
olhe assim. Não pense que sou um cão acuado. Diego vai pagar caro pelo que está
fazendo.
Algo na expressão, ao mesmo tempo dura e delicada,
da esposa de Diego, fez Olívia acreditar naquela ameaça. Ela é sim delicada,
com um aspecto frágil, mas parecia uma guerreira de cabelos de fogo. Podia até
estar enganada, mas, sua intuição dizia que Ariella não se encaixava no papel
de vítima e Diego não teria águas tranquilas para navegar por sua vingança.
Apesar de não ter passado mais do que alguns
minutos junto da jovem, Olívia a compreendeu muito bem. Ariella estava pronta a
iniciar uma tempestade. Já tinha relevado demais de seu marido, mentiroso e
manipulador. Pessoalmente, pensava que não tinha nada a perder. A gota final de
desespero foi quando Diego lhe apresentou o contrato que ela, ingenuamente,
havia assinado na cerimônia de casamento civil. Ela estava ligada a Diego até
que lhe oferecesse um filho. Depois disto poderia ir embora, mas não poderia
levar a criança.
- Você é um demente. Um psicopata. – Afirmou
encarando-o nos olhos, assim que ele entrou no quarto.
- Longe disso, querida. Sou um obstinado. Luto pelo
que desejo. Apenas isso.
- E me deseja tanto assim?
- Não seja prepotente, Ariella. Não desejo você.
Desejo a justiça, ou a vingança, caso prefira chamar assim. Coisas que só você pode me dar. Apenas isso.
– A frieza dele calou fundo dentro de Ariella.
As coisas não estavam acontecendo como imaginava,
pensou Diego. Teria que tomar muito cuidado com o que sua esposa faria. Ariella
estava se mostrando muito esperta e o fato de estar tão calada não demonstrava
aceitação, mas sim que já estava pensando em como ludibriá-lo para escapar da
armadilha. Ariella era menos ingênua do que imaginava e muito mais corajosa. Seus
planos, organizados passo a passo com muito cuidado, foram modificados assim
que Ariella pôs os pés naquele lar. Não fariam os Bueno serem humilhados
novamente.
Com segurança, ele lhe afirmou que não haveria
chance de fuga. Com o tempo ela se habituaria à vida de casada e poderia lhe
dar algumas liberdades, mas, por agora, todos os seus passos seriam vigiados. Porém,
tinha pouca esperança de que ela aceitaria aquilo fácil. Ariella parecia
indócil demais para isso.
Enquanto isso, ao menos uma parte do plano foi
cumprida à perfeição e lhe trouxe um gigantesco prazer. Afonso havia se
mostrado desesperado por não saber onde a filha estava e quando soube do
casamento e de quem se tratava o noivo, ficou tenso. Diego até mesmo imaginou
que ele iria se oferecer para devolver o dinheiro, mas, ao que parecia, seu
amor pela filha não era tão grande quanto ao apego pelo dinheiro.
- É Ariella quem irá fazer com que você pague pelo
que fez! – Avisou numa breve ligação telefônica feita assim que Ariella foi
instalada em seu quarto.
-Não! – Todo seu desespero não havia ajudado em nada. Teve de aceitar
que sua jovem filha ficaria na Espanha, com o marido, por muito tempo. E que se
desejasse notícias, teria de ser um sócio muito bem disposto na empresa, que
agora também lhe pertencia.
Diego não podia negar que as reações de Ariella o
estavam deixando louco. Ele a encontrou novamente mais tarde, após deixá-la
sozinha por várias horas. Afonso implorou para falar com a filha novamente e
ter certeza de que estava viva e bem, então Diego concordou em colocá-los em
contato mais uma vez. Esperava que enfim ela extravasasse a raiva, o ódio ou o
medo. Acreditou que após aquele falso show de coragem, ela enfim mostraria
alguma fraqueza. E surpreendeu-se, mais uma vez. Ao invés de chorar e pedir
socorro como qualquer outra jovem faria, Ariella mostrou já ter armado seu
escudo. Ela havia muito cedo percebido que sua intenção era deixar Afonso preocupado
e durante todo o telefonema foi uma mulher controlada. Até mesmo aparentou
gostar de estar na Espanha.
- Fique tranquilo, papai. – Teve a ousadia de
afirmar.
- Como tranquilo? Não sei como você está sendo
tratada!
- Muito bem, papai. Diego é um príncipe ao falar
comigo. E independente das divergências entre vocês, eu o amo e ele me ama. Por
isso, não faça nada apenas para me salvar de meu marido. Eu fico aqui quanto
tempo for necessário.
Logo após desligar ela começou uma discussão e
terminou mandando-o sair da suíte. Deixou-o envergonhado mais uma vez. No
primeiro dia de casada, sua mulher, que deveria estar assustada, acuada por
tudo o que lhe fez, mostrava coragem e petulância o bastante para desafiá-lo. O
que seus empregados iam pensar?
- Chega de fiascos! Basta! Não quero mais ouvir
nenhum grito. Já chega desse seu showzinho ao telefone. – Diego afirmou
segurando-a pelo braço.
- Ou o que? Vai me bater. Bata! É só o que falta
mesmo. Mas mesmo que o faça, saiba que eu não cairei em sua armadilha. Não vou
ajudá-lo a chantagear meu pai. Você foi atrás da vítima errada, Diego Bueno!
Ele deveria tê-la agarrado ali mesmo e a feito
engolir as palavras, rendendo-se ao casamento. Mas não o fez. E agora estava
sentado, à beira da piscina, com uma garrafa de whisky ao lado, e com uma
esposa revoltada deitada em sua cama.
O tempo passou e a garrafa, dose por dose, foi se
esvaziando. A cada gole surgia uma nova lembrança e, aos poucos, elas foram se
embaralhando. Lembrava da infância solitária e também dos momentos junto de
Ariella. Recordava-se da tristeza do pai e logo depois o sorriso da esposa
preenchia aquele vazio. Sentia raiva, depois vinha o afeto. E ele ficava cada
minuto mais afogado no álcool e nos sentimentos embaralhados.
Quando voltou para o quarto estava inseguro quanto
à maneira de enfrentar aquela situação. Pensava que iria encontrar uma esposa
adormecida. Ariella o havia observado da janela do quarto e por mais revoltada
que se sentisse, não conseguiu expulsar de seu coração a pena que sentia dele.
Não poderia de maneira alguma dizer em voz alta, mas sabia amar aquele homem e
acreditar em seu casamento. E, lá no fundo, pensava na triste infância que
Diego deve ter tido quando a mãe acabou com o casamento ao trair seu pai com
Afonso.
Claro que isso não lhe dava o direito de sair por
aí sequestrando pessoas. Porém, era algo capaz de bagunçar a cabeça de qualquer
um. E o pai de Diego não parecia ter sido do tipo que supera a dor em nome da
prole. Não apenas seguiu sofrendo, como deixou sua dor alcançar e marcar Diego
terrivelmente.
Quando ele chegou ao quarto, Ariella fingiu estar
adormecida e ficou ouvindo o som vindo do chuveiro até que ele saiu e a viu
desperta. Ariella tinha os cabelos despenteados e profundas marcas de cansaço
nos olhos. Era reflexo da viagem e da exaustão emocional em que se encontrava.
-Esperando seu marido para mais uma parte da lua de
mel? Quer ir direto para o sexo ou prefere champanhe e uma sessão de massagem?
– O álcool o deixava mais amargo e debochado.
-Você está tão bêbado que não conseguiria me
massagear!
-Mas você poderia! - Ele foi se aproximando da cama
aos poucos e sabia não estar tão bêbado ao ponto de não conseguir satisfazer
sua mulher. – Mas podemos deixar isto para outro dia e ir direto ao sexo.
-Não o quero! – Mentirosa, pensava. – Não depois de
tudo que disse hoje.
-Quero seu corpo e você também quer. Deseja
extravasar o ódio que sente de mim. E sexo é a melhor maneira. Não ouse negar,
eu posso ver nos seus olhos. – Ele já passava as mãos por suas curvas. – Além
disso, tenho que colaborar para que você esteja grávida logo. – Diego disse e
arrependeu-se quando a sentiu enrijecer.
-Está delirando se pensa que vou gerar uma criança
e deixá-la para trás com alguém feito você para lhe criar.
Talvez fosse o álcool em excesso, mas Diego a achou
ainda mais bela assim, defendendo seus direitos por uma criança que nem mesmo
fora gerada. Por um, apenas um, instante, comparou-a com Silvana. A mãe que deixou-o
para trás seguindo as ordens de Ramón e foi correr atrás de Afonso sem pensar
duas vezes. Se não tivesse encontrado com a morte no meio do percurso, poderiam
ter passado anos juntos e felizes, enquanto ele sofria sozinho. Nesse caso,
Afonso talvez nunca conhecesse Martina e Ariella nunca teria nascido. O destino,
no entanto, fez outras escolhas e cumpriu outros caminhos e ali estavam ele e
Ariella, loucos para satisfazer um ao outro, mesmo quando não havia chance
deles serem nada mais do que inimigos.
- Não disse em nenhum momento que precisa ir
embora, somente lhe ofereci esta opção. – Enquanto falava coisas tão duras,
suas mãos eram carinhosas e Ariella percebeu que já estava com a camisola
enrolada em um tira envolta a sua cintura. – Mas chega de conversa.
Ariella não queria responder. Desejava poder gritar
e se rebelar contra ao que ele estava fazendo, mas as lembranças de tantas
noites felizes em seus braços estavam vívidas em sua mente. Quando ele tocou
seus lábios, de alguma forma, houve mais carinho que rancor.
- Não minta pra você mesma, Ariella. Você quer. É
inegável.
- Eu quero...mas eu vou deixar de te amar. – A
frase foi dita quase como uma promessa.
A noite foi longa e prazerosa, cheia de descobertas
entre o casal. Era como se eles realmente fossem um casal entre aqueles
lençóis, desde que esquecessem todo o resto. E eles conseguiram isso. Não
pensaram, apenas tocaram. Ariella adormeceu nos braços do marido, que também
logo entregou-se ao sono. Quem não os conhecesse poderia jurar que eram um
casal. Um completo engano.
Quando o amanhã chegou, todas as desconfianças
vieram junto com o sol. Ariella abriu os olhos já sozinha no leito. Foi
surpreendida com uma batida na porta e a entrada de Olívia, carregando uma
enorme bandeja de café da manhã. Ela ficou vermelha enquanto escondia o corpo
com o lençol.
- Eu trouxe seu café da manhã, Srª Ariella. – Disse
a empregada, um tanto constrangida.
- Só Ariella, por favor. Onde está meu marido,
Olívia?
- Trabalhando. Saiu logo cedo e pediu que lhe
trouxesse o café e avisasse que não vem almoçar. Disse também que a senhora não
tem autorização para deixar a casa, nem fazer ligações fora da sua presença. –
A cada absurdo dito, mais constrangida Olivia se tornava. – Se eu puder fazer
algo para...
- Para tornar meu cativeiro menos sofrido? Eu
avisarei caso me lembre de algo. Não se preocupe.
Depois de despachar a mulher com um tímido
agradecimento, Ariella provou de todas aquelas delícias e se vestiu para sair.
O fato de estar proibida pouco lhe interessava. E, no mínimo, alguns
contratempos geraria ao marido. Diego estava muito enganado se pensava que ela
permaneceria ali, quieta e discreta enquanto ele retomava a vida de executivo.
No mínimo todos na Espanha saberiam que ele escondia uma mulher em cárcere
privado.
Ao voltar para a sala de estar da bela casa que administrava,
Olívia estava pálida e assustada. Ao ver a esposa, Ítalo pensou que ela passava
mal. Mas não. Olívia estava apenas em choque por tudo o que acontecia naquele
lar. Estranhamente, ela que sempre julgou conhecer o jovem patrão quase como
uma mãe reconhece o filho, percebia agora que ele fazia coisas perigosas e
beirava a crueldade.
Se fosse justa com o que acreditava, deixaria
aquela casa e ajudaria Ariella a escapar daquele cativeiro. Acima disso, no
entanto, estava sua lealdade para com os Bueno. Principalmente Silvana. Ela lhe
pediu para cuidar de Diego minutos antes de entrar naquele carro. Morreu. E as
atitudes de Diego eram prova de em algum momento errou com aquele menino. Não
conseguiu suprir sua carência de ou. Ou ele não teria se tornado esse homem
amargo e vingativo. E agora, por mais que ele estivesse errado, não podia
abandoná-lo.
- Temos que ajudá-lo a melhorar, a superar isso. –
Olívia afirmou. – Ou ele vai se destruir, Ítalo. Sei que vai. E não vou
aguentar.
- Nós não podemos fazer mais nada, Olívia. Lhe
demos afeto e atenção durante todos esses anos. E ele nunca conseguiu tirar
esse rancor de dentro do coração.
- Como? Se Ramón nutriu esse sentimento dia após
dia? Diego não é mau, sei que não. É apenas um menino perdido no mundo.
- A decisão agora é dele, meu amor. Se ele seguir
por esse caminho, nada poderemos fazer. – Ítalo abraçou a esposa e mudou de
assunto. – Murilo está? Quero vê-lo. Senti sua falta por todos esses dias.
- Está tomando café. Tem uma reunião com Diego logo
cedo na administração dos hotéis. Diego está dando mais responsabilidade ao
nosso menino. Ele, apesar de tudo, tem um lado muito bom.
- Vou vê-lo antes que saia. Sossegue seu coração.
Tudo irá se acertar. – Ítalo disse à esposa quando bem lá no fundo também não acreditava.