Jéssica deu às costas ao seu antigo lar de mãos dadas com Lorenzo. Os
planos deles eram de almoçar ainda em Curitiba e só depois pegar a estrada rumo
a São Paulo. Jéssica lhe pediu que fossem logo embora, queria deixar toda
aquela tristeza no passado. Algumas lágrimas ficaram presas em seus olhos e ela
se manteve calada observando as paisagens passarem pela janela enquanto
brincava com o anel em seu dedo. Desejava esquecer seus pais e toda aquela
sensação de abandono e pensar apenas em Lorenzo e Clara. E na família que
estavam construindo. O relógio marcava 14hs quando Lorenzo parou num
restaurante às margens da rodovia. Estava longe de ser o almoço planejado, mas
ele estava com fome, não gostava que ela ficasse sem comer tantas horas e não
estava mais suportando a expressão triste nos olhos de Jéssica.
- Desse comigo. Vamos se algo abre seu apetite. –
Convidou, acariciando seu rosto delicadamente.
- Você se importa se eu ficar no carro enquanto você
almoça?
- Me importo. – Ela queria a solidão para chorar e, se
fosse para deixar as lágrimas correrem, ele preferia estar junto. – Jéssica, eu
não posso forçar seu pai a te aceitar. E nem impedir que você sofra. Mas eu
preciso que você supere isso. Não gosto de te ver assim.
- Não se preocupe, vai passar. É só...tristeza. Eles
deviam me amar.
- Eles amam. Só não sabem demonstrar.
- É, pode ser. – Mas ela não estava segura disso. – Eu
sei que eu errei. Não deveria ter caído na conversa de Bruno. Meu pai...ele foi
um bom pai. Eu fui amada. Tinha tudo, qualquer brinquedo que eu quisesse. Ele
sempre dizia que seria médica quando crescesse, seria o seu orgulho e eu
destruí esse sonho. Ele se decepcionou comigo. Nunca vai me perdoar. Eu sei que
não.
Lorenzo não concordava com nada daquilo, mesmo que
entendesse aquele sentimento de culpa e desamor, jamais sentido por ele. Nessas
horas valorizada ainda mais seus avós. Francesco e Ângela foram muito
importantes na sua criação, de Jonas e Milena. Ensinaram Leonel e Giovanna a
lhes dar amor e limites na medida certa. E mesmo erraram e foram repreendidos,
jamais duvidaram do amor dos pais.
Lorenzo deixou Jéssica desabafar. E ela finalmente chorou
e descarregou todo aquele sofrimento. Não podia evitar que ela sofresse, mas
podia estar ali, disposto a acalentá-la após cada lágrima. E também tinha
esperança de poder fazer algo além de observar. Deixou seu contato com Laura na
esperança de que eles procurassem a filha. Se não fosse assim, garantiria que
ela se sentisse amada daquele dia em diante. Quando seus soluços se acalmaram, ele
secou as lágrimas e sorriu.
- Você não fez nada que mereça perdão Jéssica. Seus erros
dificultaram a sua vida, você arcou com todas as dificuldades e criou Clara
como muitos casais não conseguem. E eu te amo. Não esquece disso.
- Também te amo. Eu e Clara te amamos. – Enfim Lorenzo
pode vê-la voltar a sorrir. – Estou com tanta saudade dela.
- Eu também. - Ele a beijou docemente. – Agora vamos
comer e voltar para casa. Temos que contar para Clara que muito em breve ela
será oficialmente a minha filha.
Clara recebeu os pais com muita empolgação e correu para
contar todas as aventuras que o ‘tio Jonas e titia Emily’ a deixaram ter. Não
foram poucas. As mais animadas lembranças estavam ligadas à Vida. A bebê de
Emily e Jonas ganhava todo o carinho de Clara. Vida lhe despertava sonhos de
que pai e da mamãe também lhe dessem uma irmã, pequenina e cheirosa como ela.
Enquanto Clara estava distraída junto de Vida, Jéssica e Lorenzo contaram ao
casal de amigos que iriam se casar.
- Parabéns! Nós já sabíamos que esse namoro iria terminar
no altar. Vocês se completam. – Emily os cumprimentou.
- Verdade! – Jonas preferiu um comentário mais
brincalhão. – Eu já estava achando Lorenzo muito lento para colocar as algemas.
- Olha quem fala. Levou seis anos para reconhecer que
Emily o tinha fisgado. Fui muito mais rápido que você! – Lorenzo respondeu.
- Ou Jéssica foi mais rápida do que eu. – Emily
completou.
- Obrigada. – Jéssica disse abraçando seu noivo. - Estou
muito feliz. Ainda nem conseguimos pensar nos detalhes nem na data.
- Vocês terão tempo pra isso. Agora vão dar a notícia
para Clara! Ela está no quarto ansiosa para contar detalhadamente como foi o
final de semana. E Jéssica, não se preocupe que eu lhe ajudo a organizar todo o
casamento. Agora que casei, já sou experiente no assunto! – Animada, Emily já
começava a fazer planos.
Jéssica e Lorenzo seguiram a sugestão de Emily. E a
notícia de que mamãe e papai resolveram se casar fez com que seu maior sonho
ganhasse forma. Ao contar que a mamãe aceitou se casar com e perguntar se ela
ficava feliz com isso, Lorenzo recebeu a resposta mais surpreendente de todas.
- Pequenina, você lembra quando eu falei que um dia seria
seu papai de verdade?
- Sim. Era um segredo só nosso.
- Agora não é mais. Esse dia chegou. A mamãe aceitou
casar com o papai. E você será a minha filha. Você deixa a mamãe casar comigo?
- Se a gente for morar na mesma casa para sempre, você me
colocar na cama para dormir e brincar comigo eu deixo sim você casar com a
minha mãe. Mas tem que ser meu papai para sempre viu! Eu prometo que vou me
comportar bem.
Lorenzo pegou Clara no colo e encheu seu pescoço de
cócegas. Mais do que nunca via o quanto ela era parecida com Jéssica. Inclusive
na carência por carinho. Clara também desejava muito ser amada. E igualmente
sentia medo de perder o amor de quem estava com ela.
- Para sempre! Eu sou seu papai. E os papais amam as
filhinhas para sempre. Mesmo quando elas não se comportam. – Disse ele. A frase
era endereçada à Clara, mas servia muito bem à Jéssica também. – E eles dão
presente, sabia? O que você acha que eu e a mamãe te trouxemos do passeio?
- Uma boneca! – Clara disse já vendo a caixa. – Deixa eu
ver, deixa eu ver!
A caixa em segundos foi aberta e a boneca recebeu o
carinho da dona. Ela representava um bebê com cabelos cor de mel, chupeta na
boca e roupinha cor de rosa. Com o instinto típico das meninas, Clara começou a
niná-la e ao apertar e barriguinha ela fechava os olhinhos.
- Como que se diz Clara? – Jéssica lembrou à filha.
- Obrigada papai.
- Como você vai chamá-la? – Lorenzo perguntou.
- Não sei...Cecília, eu acho. Cecília é um nome bonito.
Não...não vai ser Cecília. Vou chamá-la de Beatriz.
- Por que não Cecília?
- Porque não, papai. Cecília não pode! Porque Ceci vai
ser o nome da minha irmã!
Lorenzo e Jéssica trocaram um olhar surpreso. Clara não
apenas aceitou bem a ideia do casamento como presumia que eles teriam um bebê,
sabia que seria menina e já escolhera o nome. Ambos sorriram. A ideia de Clara
não desagradou a nenhum deles.
- A mamãe não está esperando bebê, Clara. – Jéssica
explicou. – Você pode chamar sua boneca de Cecília, se quiser.
- Não, não mamãe. Será Beatriz. Ceci será o nome da minha
irmã mesmo! Ela vai sair da sua barriga!
Jéssica desistiu de contrariar a filha. Ela e Lorenzo
tinham bons motivos para sorrir diante daquela ideia. Ela tinha certeza
absoluta que não estava grávida, mas, quem sabe, no futuro isso poderia mudar.
Nos dias que se seguiram, ela e Lorenzo resolveram esperar para dar a notícia
ao restante da família e, também, inicial qualquer planejamento. Isso porque em
um mês Emily e Jonas realizariam o batizado de vida, em Bento Gonçalves e de
forma muito simples e familiar. Seria a oportunidade perfeita.
Além disso, daria a noiva mais algumas semanas para se
habituar a ter um marido, rico e muito disposto a mimá-la. Naqueles dias que
seguiram a viagem a Curitiba ele a tratou com especial delicadeza. Havia uma
flor sobre o travesseiro esperando ela abrir os olhos na manhã em que ele
precisou sair muito cedo. Outros muitos botões de rosa chegaram ao restaurante
lhe endereçados. E não se tratavam apenas do que ele podia lhe oferecer por ter
dinheiro. Era também aquela simples disposição de lhe amar que o fazia
acariciá-la todas as noites antes de dormirem abraçados.
- Eu entendo que você queira esperar o batizado de Vida,
mas, depois disso, vamos iniciar o planejamento do nosso casamento. Está bem?
Não quero esperar mais. – Lorenzo lembrou-a num dia pela manhã, enquanto
tomavam café.
- Sim, depois do batizado. Até porque, aí Emily terá mais
tempo de me ajudar. Agora ela só pensa em Vida e em seu menino. – Jéssica
respondeu.
Emily até pensava em outras coisas como cuidar de sua
família e amar Jonas cada dia mais. Porém, dar a Vida um encontro familiar,
muito carinho e um doce batizado era questão de honra. E ela passou as semanas
seguintes muito envolvida com a preparação do evento. Tanto que ignorou
qualquer reclamação de seu corpo por tanto esforço.
- Sou mãe! E ser mãe é se superar! Não tenho tempo para
ficar doente quando tenho dois filhos! – Ela disse a si mesma quando sentiu uma
tontura em meio ao trabalho.
Já com cinco meses completos de gestação Emily
desembarcou no aeroporto de Porto Alegre tendo Jonas nervoso ao lado. No voo de
1h20min, ele lhe perguntou nove vezes se ela se sentia bem. A partir da quinta
vez a resposta automática ‘sim, é claro’ passou a ser mentirosa. E ela não considerava
isso uma mentira. Afinal, qual gestante não se sentia um tanto inchada e
incomodada durante o trajeto.
Ela se sentia bem o bastante para viajar e trabalhar,
além de manter todas as suas atividades com Vida e Jonas. Nada na sua vida foi
reduzido na sua rotina, além das horas no restaurante. Elas foram substituídas
por um período maior com Vida. Mas não de descanso, porque cuidar de um bebê
estava longe de ser repousar. E quando Jonas retornou ao assunto babá, apenas
com um olhar Emily declinou da ideia. Por isso Jonas cada vez menos ia à
construtora. O que devia estar incomodando seus sócios. Algo que não o
incomodava.
- Mais essa viagem ao sul não deixará Juliana e Rafael
chateados?
- Se ficarem, problema deles. Às vezes tenho vontade de
me dedicar só à vinícola. Ela cresceu no decorrer dos anos, os lucros também.
Poderia manter nossa família tranquilamente sem o dinheiro da JRJ. E sem as
dores de cabeça que ela me dá. E teria mais tempo para cuidar de você e dos
nossos filhos. – Jonas lhe respondeu.
Não seria o caso de Rafael, já que ele e Melissa seriam
os padrinhos e viajariam amanhã, no sábado. Já Juliana, até por estar excluída,
poderia reclamar. E por causa dela Emily era muito simpática a ideia de Jonas
abandonar a construtora. Mas jamais lhe pediria algo assim, ou ficaria feliz se
isso o deixasse frustrado profissionalmente. Por isso ela evitou dar opinião
naquele assunto. Assim como Jonas não interferia no restaurante, ela não
tentaria convencê-lo de nada sobre a construtora. Mas vendo chegar na
simplicidade da fazenda e caminhar à vontade, sem ternos e gravatas para lhe
atrapalhar, via como Jonas era feliz longe da JRJ.
Depois de serem recepcionados pela família e todos
começarem a mimar a bebê Vida e a gestante da casa, Jonas falou que gostaria de
caminhar pelos parreirais, mas não queria deixar a esposa sozinha, nem achava
que ela tinha condições de fazer esse passeio.
- Você se importa se eu for...
- É claro que não! Vá! Eu e seus filhos ficaremos ótimos.
– Ela respondeu, sabendo que ele precisava daquele contato com a natureza para
se recuperar do período da cidade.
Ela permaneceu na casa, sendo mimada pela família e
falando do bebê. Agora ela e Jonas tinham decidido o nome do menino que
nasceria em no máximo 4 meses. Se chamaria Bernardo.
- Bernardo! Que lindo! – Giovanna derreteu-se. – Veja
vovó Ângela. Agora já tem mais dois bisnetinhos. Vida e Bernardo.
- Sim! Dê-me Vida. Sei que ela quer o colinho da bisa. –
A idosa senhora que tanto esperou por bebês naquela casa agora se sentia
realizado. Bernardo também será muito bem vindo e amado.
- Quando Lorenzo chega? – Leonel perguntou à nora. Sabia
que ela e a namorada de Lorenzo trabalhavam juntas.
- Eles pegarão o avião no início da tarde. – Emily
respondeu. – Então vovó Ângela terá Clara para mimar também.
- Sinto falta da menina Clara. – A bisa já sorria
esperando a menina. – E vou puxar a orelha de Lorenzo. Já está na hora de casar
e me dar outro bisnetinho! Aquele menino pensa que me engana indo pra São
Paulo!
Emily não disse nada, mas já imaginou o sorriso da avó de
Jonas ao ficar sabendo que em
breve Jéssica seria esposa de Lorenzo. E, todos tinham
certeza, chegaria o dia da notícia de um novo integrante da família Vicentin.
Cansada e sentindo as costas doerem, Emily aceitou o convite para ir se deitar
enquanto os familiares cuidavam de Vida. Ela estaria em ótimas mãos, tinha
mamadeiras preparadas e muitos brinquedos para se divertir. Com uma dificuldade
que surpreendeu a todos, Emily subiu as escadas ao segundo piso da casa.
- Jonas já tinha me dito que ela não está tão bem quanto
gosta de aparentar. – Giovanna contatou conversando com Milena. – Vamos tentar
poupá-la nesse final de semana. E deixá-la repousar bastante.
- Sim, mamãe. Ela não parece bem. – Milena concordou, só
agora entendendo porque Jonas lhe dissera que dificilmente a gravidez da esposa
chegaria aos nove meses. – Isso explica o estresse de Jonas. Ele tem medo de
que algo ruim aconteça à esposa e o filho.
- Não acontecerá. Vamos cuidar deles. – Giovanna
garantiu. Se precisasse, se mudaria para São Paulo para ajudar.
No final daquela tarde Lorenzo, Jéssica, Clara, Rafael,
Melissa e Tales chegaram à vinícola. E com o grupo completo Leonel e Giovanna
tiveram o prazer de servir um jantar em família. Tudo
abrilhantado pela grande notícia da noite, seguida por um beijo apaixonado e
muitos planos. Italianos adoravam ter a família reunida e o anúncio de um
casamento era a garantia de mais uma grande comemoração.
- Jéssica aceitou ser minha esposa. Por isso, digo a
todos vocês que muito em breve pretendemos trocar alianças.
- Viva! – Gritou vovô Francesco erguendo sua taça. – Um
brinde à mais nova integrante dessa família. Seja bem vinda Jéssica.
- Obrigada pelo carinho de todos. – Jéssica respondeu comovida
com aquela acolhida.
- É minha neta agora. – Disse vovó Ângela. – E já podem
me dar bisnetinhos.
Todos riram da insistência da idosa que, mesmo com três
crianças já na próxima geração da família, queria mais. Muitos mais. E Lorenzo
e Milena eram suas vítimas nessa tarefa. Agora ela havia encontrado mais uma
ajudante. Clara estava bem interessa em que a mãe e o pai lhe dessem uma irmã.
Ela mostrou sua boneca e explicou se chamar Bia, já que o nome que iria
escolher seria usado em sua irmã. Alguns encararam como brincadeira de criança.
Outras acharam que o pedido de casamento poderia ter outra razão.
- Minha irmã vai chamar Ceci. – Avisou. – Ela vai sair da
barriga da minha mamãe.
- Irmã....mas....vocês...- Melissa puxou a fila dos
curiosos.
- Não! – Jéssica respondeu e olhou seriamente para a
filha. – Clara! Não quero que você conte mentiras por aí. A mamãe não está
esperando bebê.
- Ai mamãe... a Ceci vai sair da sua barriga sim. Eu não
estou mentindo!
Lorenzo não se importava com as brincadeiras de Clara.
Até porque, o nome Cecília lhe agradava bastante e a ideia de ter outra filha
também. Então ele apenas sorria e explicava aos amigos e familiares que Jéssica
não estava grávida, o noivado não tinha outra razão que não sua certeza de que
havia encontrado a mulher que lhe faria feliz para sempre e seu desejo de
oficializar a família que na prática já contraíram.
- Que ótimo, meu neto. – Vovô Francesco parabenizou o
neto.
- Mas que venha a Cecília hem! – Disse vovô Ângela.
- Não se preocupe, vovó. Assim que ela estiver
encomendada eu a aviso. Mas pode demorar um pouquinho.
- Não sei qual a dificuldade desses jovens em fazer meus
bisnetinhos. – Ela ainda lhe resmungou.
Logo depois do jantar todos se recolheram. No dia
seguinte seria o batizado e precisavam descansar. Jonas e Lorenzo pretendiam
dormir. Mas não conseguiram. Tudo porque suas mulheres precisavam de atenção.
Não que Vida tivesse atrapalhado o sono de Jonas, ela dormiu feito um anjo a
noite toda depois que ganhou sua mamadeira morna às 8hs da noite. Já Emily
acordou quando o relógio marcava 11h25 minutos e chamou Jonas para lhe
satisfazer um desejo muito especial.
- Eu preciso de uva! – Ela disse achando que seria fácil,
afinal isso ali existia em grande quantidade.
- Uva é muito pesado para comer a essa hora Emily. –
Jonas argumentou.
- Eu sei. Mas Bernardo quer. E eu preciso comer uvas
recém colhidas do parreiral ou não conseguirei dormir. Por favor! Busca pra
nós!
- É quase meia noite e você quer que eu vá ao parreiral
colher uva para você comer. É isso?
- É! Por favor. É um desejo muito forte!
Jonas foi, é claro que foi. Até porque, caso lhe negasse
Emily iria buscar e nesse caso ele ficaria preocupado com ela. Além disso,
perto dos sacrifícios que a esposa fazia para ter Bernardo, buscar algumas uvas
era tarefa fácil. Ele iria na estufa, já que no parreiral aberto, nessa época
não haveriam cachos de uva maduros para ela comer. Colocando um casado para lhe
abrigar do vento frio que fazia aquela hora, pegou as chaves e saiu.
Ao descer as escadas Jonas ouviu um barulho e resolveu ir
conferir quem estava na cozinha. Poderia ser Rafael precisando de algo àquela
hora. Mas não. Ao chegar na cozinha Jonas viu seu irmão fervendo leite no
fogão. Era uma cena estranha, até porque Lorenzo dificilmente se hospedava na
fazenda. Ele preferia ficar na sua casa, no centro da cidade. Dessa vez ficou
apenas porque a temperatura caiu rapidamente e, como Clara adormeceu, ele não
quis tirá-la de casa no frio. Então Giovanna preparou um quarto para eles,
outro, não o que era dele e foi ocupado por Alice. Jonas se preocupou achando
que fora isso que o impediu de dormir. Mas estava enganado. Não era um fantasma
do passado a atormentá-lo. Era algo bem real, um problema só vivido pelos
homens comprometidos: o dever de cuidar e minar as companheiras.
- Algum problema Lorenzo?
- Sim...mas é nada de mais. – Ele explicou tirando o
leite do fogo e colocando em uma caneca. – Jéssica está gripada. Ela já estava
doente e pegamos chuva na saída o aeroporto. Agora está com dor de garganta.
- Quer levá-la ao hospital?
- Não precisa. Ela está tomando antibiótico. Vou lhe dar
esse leite com mel e ela vai dormir bem.
- Foi por isso que você ficou aqui na fazenda? Para
Jéssica não pegar o frio da noite?
- Sim. E também porque agora não me incomoda mais. – Ele
sorriu enquanto misturava a bebida ao mel e sentia o perfume adocicado. – Hoje
Alice é uma lembrança feliz. Jéssica apagou todo o sofrimento que caminhar
nessa casa me trazia. Mas o que você faz acordado...e vestido assim? Vai sair?
- Sim. Emily quer uva. Pode acreditar?
- Claro. Grávidas têm desejos. Tem na geladeira. É só
pegar.
- Não. Ela quer colhida da parreira! Agora me diga, como
eu posso negar isso à ela?
Lorenzo riu, aquela era uma boa razão para sair no frio
da noite.
- Não pode, meu irmão. Vá colher uvas para Emily. – Ele
debochou. – Seu filho prova que puxou o sangue. Uva direto do parreiral tem
outro sabor. Vá!
- Veja no que nos transformamos, Lorenzo. Fazemos tudo
para agradar Emily e Jéssica. Para dois solteirões, até que elas nos fisgaram
hem.
- Garanto que sou mais feliz hoje, mesmo esquentando
leite a essa hora. E você também, Jonas.
- Sem dúvida, sem dúvida. – Ele disse e saiu no frio da
noite, sorrindo, e ansioso para conseguir satisfazer o desejo de Bernardo.
Enquanto isso, Lorenzo entregava a caneca fumegante para
a namorada. Com um fio de voz muito suave Jéssica agradeceu o mimo do noivo.
Ela se sentou na cama e esperou que ele abrir a embalagem do remédio e lhe oferecer
o comprimido.
- Exatas seis horas após a última dose. Como diz a
receita. Vamos torcer para que você já se sinta melhor amanhã. – Lorenzo lhe
disse.
- Eu podia ter tomado o remédio com água. – Jéssica
respondeu, quase sem voz.
- Podia. Mas leite com mel faz bem para a garganta e te
fará bem. – Antes dela argumentar contra isso também, ele lhe beijou os lábios.
- Você ficará gripado também! – Jéssica reclamou.
- Não vou não. Além disso, acabo de descobrir um sabor
fantástico: mel, leite e você! – Ele lhe deu mais um beijo depois de pegar a
caneca vazia. – Feche os olhos e tente dormir, vou levar a louça na cozinha e
ver se Clara está bem. Já venho. Boa noite, meu amor.
- Boa noite. – Jéssica respondeu já sentindo os olhos se
fecharem.
Na manhã seguinte Emily acordou muito descansada e bem
disposta. Havia comido as uvas mais gostosas de toda a sua vida, eram rosadas e
açucaradas. Bernardo teve seu desejo satisfeito e ela, enfim, pode dormir
abraçada em Jonas.
Acordou sorrindo e ficou olhando o marido dormir mais alguns
minutos. Ele não hesitou em realizar seu desejo. Jonas era assim, não media
esforços para fazê-la feliz.
- Bom dia! – Lhe disse beijando-o no maxilar e sentindo a
barba dele lhe pinicar o rosto. – Obrigada por nos amar tanto assim.
- Amo mesmo. Bom dia amor, bom dia Bernardo. – Ele lhe
deu um beijo na barriga. – Gostou das uvas?
- Muito, muito, muito papai! – Emily respondeu imitando a
voz de uma criança. Eles riam até que ouviram o choro de Vida. – Ela quer a
nossa atenção também. Vou pegá-la para dar de mamar enquanto você vai tomar
banho.
- Está bem, mas não se canse muito. Bernardo quer
descansar.
- Não se preocupe. Bernardo está ótimo. E depois vamos
banhar Vida e vestir para o batizado. Ela será a bebê mais linda do universo.
Poucos teriam coragem de negar aquela afirmação. Em um
vestido branco, Vida aparentava ser um anjo gordinho e cheio de dobrinhas. Uma
tiara enfeitava seus cabelos fininhos e escuros e ela sorria ao receber os
afagos de seu pai.
O idoso padre que casou Jonas e Emily voltou à fazenda
para batizar Vida e após dizer algumas palavras lembrando o amor que deveria
guiar o crescimento daquela criança, derramou algumas gotas de água benta sobre
sua testa e fez o sinal da cruz. Melissa, a madrinha, acalentou-a e acabou com
qualquer início de choro por ela ter se assustado com a água. Logo ela sorria
feliz em retornar ao colo de sua mãe, agora já batizada. Por pedido de Jonas,
Emily só dava colo para a filha estando sentada, não podia carregar peso. Então
as duas ficaram ali, confortáveis numa poltrona, amando-se como mãe e filha.
Olhavam-se nos olhos e se reconheciam. Vida prendia o olhar em sua mãe e sabia
o quanto era amada, devolvia o sentimento em dobro e em cada um de seus
sorrisos fazia o coração de Emily transbordar de amor.
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